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Transcrição:

Origem: PRT 15ª REGIÃO ARAÇATUBA/SP Órgão Oficiante: DR. ANDRÉ VINICIUS MELATTI Interessado 1: MPT Interessado 2: MADEIRAS ARAÇATUBA ARUA LTDA - ME Assunto: TEMAS GERAIS 09.17 EMENTA: RECURSO. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL. DISCUSSÃO A RESPEITO DA POSSIBILIDADE DE IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE À TOMADORA DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE MADEIRAS ARAÇATUBA ARUA LTDA, NA CONDIÇÃO DE EMBARCADORA, EM RAZÃO DO DESCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO PARÁGRAFO SÉTIMO DO ART. 67-A DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO E NA LEI N. 12.619/2012. 1. O contrato de transporte é o instrumento que estabelece o vínculo jurídico entre o transportador e o consignatário das mercadorias transportadas, em regra, proprietário da carga. O embarcador é o incumbido de embarcar as mercadorias, sendo geralmente o produtor ou o vendedor delas, contrata em benefício do consignatário. 2. O art. 67-A do Código de Trânsito brasileiro, alterado pela Lei n. 12.619/12, trouxe alteração da responsabilidade do embarcador no transporte rodoviário de cargas, colocando-o na condição de responsável, ainda que por corresponsabilidade, por todos os danos causados pelo motorista que não cumpriu o descanso obrigatório. 3. A nova legislação criou as figuras do tempo de direção e do tempo de descanso, que são períodos máximos que o motorista profissional pode conduzir um veículo de transporte, em viagem de longa distância, bem como tempo mínimo de 1

descanso que deve cumprir entre um dia e outro na condução do veículo. 4. Ao embarcador cabe ser diligente na escolha da empresa de transporte, podendo através de rastreamento de veículos por satélite, modalidade de tecnologia inovadora que vem sendo amplamente utilizada nos segmentos de transporte com a finalidade de proteção ao patrimônio, utilizar o potencial útil de tal tecnologia para fiscalizar jornadas de motorista que sejam extensivas e perigosas. 5. Por fim, não há empecilho para cumprimento do disposto na Lei n. 12.619/12, a qual se aplica a todo transportador de cargas ou de passageiros, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador de transporte multimodal de cargas ou agente de cargas, sem ressalva. A atuação do MPT é mais que oportuna e conveniente, por envolver meta prioritária desta Instituição: a defesa de um meio ambiente laboral mais saudável. Arquivamento que não se homologa. I RELATÓRIO Trata-se de procedimento preparatório instaurado a partir do Ofício n. 3490/2013, da lavra do Dr. André Vinícius Melatti, Procurador do Trabalho oficiante perante a Procuradoria do Trabalho no Município de Rondonópolis/MT, por intermédio do qual encaminhou o Formulário de Constatação de Infração FCI, lavrado por ocasião da Operação Jornada Legal empreendida em parceria com a Polícia Rodoviária Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego no dia 21.08.2013, na Rodovia BR-364, no Município de Rondonópolis/SP, no âmbito do qual foi identificada, além do 2

condutor e da respectiva empregadora, também a empresa MADEIRAS ARAÇATUBA ARUA LTDA. ME, na qualidade de tomadora de serviços de transportes. A Procuradora do Trabalho Guiomar Pessotto Guimarães, fls. 07-10, promoveu o arquivamento do feito sob o fundamento de que: a responsabilidade imputada à tomadora dos serviços de transporte se restringe a não exigir a entrega das mercadorias em tempo irrazoável ou incompatível com o período destinado ao percurso, nele incluído os intervalos legais necessários para tato, não se estendendo, porém à obrigação material de realizar o monitoramento da jornada de trabalho que incumbe diretamente à empresa transportadora, até porque a pessoalidade e subordinação direta típicas do vínculo empregatício lhes são vedadas, pena de caracterização de terceirização ilícita nos moldes do item III da Súmula n. 331 do C. TST (fl. 09). Contra tal decisão, foi interposto recurso administrativo (fls. 13-19), sob o argumento de que o posicionamento exposto acima viola diretamente os preceitos da Lei n. 12.619/2012, a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo San Salvador), a Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho e diversas normas jurídicas da Constituição da República. Em despacho de fls. 24-27, a Procuradora oficiante manteve a decisão de indeferimento do requerimento de instauração de inquérito civil. Os autos foram sorteados e distribuídos a este Relator (fl. 40). É o relatório. 3

II ADMISSIBILIDADE Conheço do presente recurso, haja vista observância do prazo previsto no artigo 10-A da Resolução CSMPT nº 69/2007, bem como pelo inconformismo da manifestação do recorrente, essencial ao recurso. III VOTO Discute-se a respeito da possibilidade de imputação de responsabilidade à tomadora dos serviços de transporte MADEIRAS ARAÇATUBA ARUA LTDA, na condição de embarcadora, em razão do descumprimento do disposto no parágrafo sétimo do art. 67-A do Código de Trânsito Brasileiro e na Lei n. 12.619/2012. Sustenta a Procuradora oficiante que a responsabilidade imputada à tomadora dos serviços de transporte se restringe a não exigir a entrega das mercadorias em tempo irrazoável ou incompatível com o período destinado ao percurso, nele incluído os intervalos legais necessários para tanto, não se estendendo, porém à obrigação material de realizar o monitoramento da jornada de trabalho que incumbe diretamente à empresa transportadora. Em sede da interposição do recurso administrativo de fls. 13-19, o Procurado do Trabalho André Vinicius Melatti aduz que não procede a argumentação da Procuradora do Trabalho oficiante na PTM recorrida, pois o texto do art. 67-A, 7º, é expresso em mencionar que ela não pode permitir que motoristas profissionais a seu serviço, ainda que subcontratados, não usufruam do intervalo para repouso. 4

Pois bem. Atentando-se à dinâmica do transporte rodoviário de cargas, em vias públicas, no território nacional, por conta de terceiros e mediante remuneração é que se propõe a reflexão. Segundo a Lei n. 11.442/2007, a atividade do transporte rodoviário de cargas é de natureza comercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportes Rodoviários de Cargas RNTR-C da Agência Nacional de Transportes Terrestres ANTT. Referida norma causa celeuma na seara material e processual trabalhista ao dispor que o contrato de cargas é de natureza comercial, pois sabe-se que muitas vezes existem situações reais em que a Empresa de Transporte de Rodoviários de Cargas ETC arrenda seus caminhões ao transportador, que, com exclusividade, irá trabalhar para aquela, mediante remuneração, o que ao invés do que afirma a Lei em comento, configurará relação de emprego, e não mais uma relação comercial. Assim, o legislador ordinário ao prescrever a lógica do contrato de natureza comercial esqueceu de que a interpretação autêntica não é a mais perfeita, uma vez que em nosso sistema jurídico há normas públicas, específicas da área de trabalho, que impedem que outra norma venha obstar o reconhecimento da relação de emprego. Desta feita, a competência para dirimir dúvidas acerca da relação de emprego será da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, I da CF/88. O direito do trabalho busca uma ordem mais compatível com a sociedade atual, infelizmente caótica, desigual, carente e cheia de conflitos, por isso 5

permite um tratamento desigual com vistas ao equilíbrio das relações sociais e, por conseguinte, jurídicas. O contrato de transporte é o instrumento que estabelece o vínculo jurídico entre o transportador e o consignatário das mercadorias transportadas, em regra, proprietário da carga. O embarcador é o incumbido de embarcar as mercadorias, sendo geralmente o produtor ou o vendedor delas, contrata em benefício do consignatário. Essa mecânica procedimental é válida para qualquer modalidade de transporte, sendo importante destacar a existência de responsabilidade entre o embarcador e a empresa de transporte de cargas, haja vista o dever de observância da Lei n. 12.619/2012, que dispõe sobre o exercício da jornada do motorista. O Código de Trânsito brasileiro, alterado pela Lei n. 12.619/2012, fixou a corresponsabilidade da empregadora e da embarcadora no cumprimento e fiscalização dos períodos de repouso dos motoristas profissionais, ao dispor: DA CONDUÇÃO DE VEÍCULOS POR MOTORISTAS PROFISSIONAIS Art. 67-A. É vedado ao motorista profissional, no exercício de sua profissão e na condução de veículo mencionado no inciso II do art. 105 deste Código, dirigir por mais de 4 (quatro) horas ininterruptas. 1o Será observado intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4 (quatro) horas ininterruptas na condução de veículo referido no caput, sendo facultado o fracionamento do tempo de direção e do intervalo de 6

descanso, desde que não completadas 4 (quatro) horas contínuas no exercício da condução. 2º Em situações excepcionais de inobservância justificada do tempo de direção estabelecido no caput e desde que não comprometa a segurança rodoviária, o tempo de direção poderá ser prorrogado por até 1 (uma) hora, de modo a permitir que o condutor, o veículo e sua carga cheguem a lugar que ofereça a segurança e o atendimento demandados. 3º O condutor é obrigado a, dentro do período de 24 (vinte e quatro) horas, observar um intervalo de, no mínimo, 11 (onze) horas de descanso, podendo ser fracionado em 9 (nove) horas mais 2 (duas), no mesmo dia. 4º Entende-se como tempo de direção ou de condução de veículo apenas o período em que o condutor estiver efetivamente ao volante de um veículo em curso entre a origem e o seu destino, respeitado o disposto no 1o, sendo-lhe facultado descansar no interior do próprio veículo, desde que este seja dotado de locais apropriados para a natureza e a duração do descanso exigido. 5º O condutor somente iniciará viagem com duração maior que 1 (um) dia, isto é, 24 (vinte e quatro) horas após o cumprimento integral do intervalo de descanso previsto no 3o. 6º Entende-se como início de viagem, para os fins do disposto no 5o, a partida do condutor logo após o carregamento do veículo, considerando-se como continuação da viagem as partidas nos dias subsequentes até o destino. 7º Nenhum transportador de cargas ou de passageiros, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador de transporte multimodal de cargas ou agente de cargas permitirá ou ordenará a qualquer motorista a seu serviço, ainda que subcontratado, que conduza 7

veículo referido no caput sem a observância do disposto no 5º. Vê-se, portanto, que a inovação legislativa da Lei n. 12.619/12 trouxe alteração da responsabilidade do embarcador no transporte rodoviário de cargas, colocando-o na condição de responsável, ainda que por corresponsabilidade, por todos os danos causados pelo motorista que não cumpriu o descanso obrigatório. A nova legislação criou as figuras do tempo de direção e do tempo de descanso, que são períodos máximos que o motorista profissional pode conduzir um veículo de transporte, em viagem de longa distância, bem como tempo mínimo de descanso que deve cumprir entre um dia e outro na condução do veículo. Ao embarcador cabe ser diligente na escolha da empresa de transporte, podendo através de rastreamento de veículos por satélite, modalidade de tecnologia inovadora que vem sendo amplamente utilizada nos segmentos de transporte com a finalidade de proteção ao patrimônio, utilizar o potencial útil de tal tecnologia para fiscalizar jornadas de motorista extensivas e perigosas. Aliás, muito se investe em segurança patrimonial, desprezando o lado humano. Os caminhoneiros enfrentam riscos de assalto, cargas perigosas, jornadas alentadas e estradas imprestáveis, envolvendo-se frequentemente em acidentes com vítimas fatais. Na maior parte das vezes, as colisões decorrem do trabalho insone e antiergonômico, que leva esses trabalhadores ao consumo de estimulantes (os conhecidos rebites) ou mesmo bebidas e drogas, que afetam os sentidos e põe em risco suas vidas e a de terceiros. Num País que prematuramente desprezou o econômico transporte sob trilhos e sucumbiu ao 8

rodoviarismo, os empresários no setor de transporte de carga têm sua enorme parcela de responsabilidade no aperfeiçoamento das relações de trabalho. Não mais se justifica a negativa de responsabilidade por extensivas e fatigantes jornadas. Até porque, ainda que a atividade econômica persiga o lucro, não se pode desconsiderar que a ordem econômica e a propriedade têm finalidade social (Constituição Federal, art. 170, III) e que o valor social do trabalho constitui um dos pilares da República (CF, 1º, IV). Daí que a economia existe para servir ao homem (ser humano) e não apenas para atender ao interesse imediato (por vezes mesquinho) de alguns homens de empresa. Desse modo, toda a panóplia tecnológica incorporada pelas empresas do setor deve ser apropriada também de forma a atender sua finalidade social. A não responsabilização das empresas embarcadora revela-se como pura resistência indevida, seja pela sonegação de sobrejornada, seja pela exigência de entrega de mercadorias em tempos inábeis, no afã de aumentar a margem de lucro. Desta feita, não há empecilho para cumprimento do disposto na Lei n. 12.619/12, a qual se aplica a todo transportador de cargas ou de passageiros, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador de transporte multimodal de cargas ou agente de cargas, sem ressalva. A atuação do MPT neste caso é mais que oportuna e conveniente, por envolver meta prioritária desta Instituição: a defesa de um meio ambiente laboral mais saudável. Diante do exposto, o embarcador pode ser responsabilizado por desrespeitar os direitos mínimos estabelecidos na Lei n. 12.619/12, pois ao se isentar a corresponsabilidade desse, haverá enorme prejuízo para os motoristas profissionais e um 9

retrocesso na implementação de direitos humanos voltados para a limitação das horas de trabalho. III- CONCLUSÃO Pelo exposto, recebo o presente recurso administrativo e dou-lhe provimento, deixando de homologar a promoção de arquivamento e determinando o retorno dos autos à unidade ministerial de origem. Brasília, 22 de abril de 2014. OTAVIO BRITO LOPES Membro da CCR - Relator 10