Angiomiolipoma múltiplo bilateral esporádico Caso Clínico

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Acta Urológica 2003, 20; 3: 63-68 63 Angiomiolipoma múltiplo bilateral esporádico Caso Clínico * * * ** *** Manuel Cerqueira, Luís Xambre, Vítor Silva, Rui Prisco, Rui Santos Serviço de Urologia do Hospital Pedro Hispano Director: Dr. Fernando Carreira Matosinhos Portugal *Interno Complementar de Urologia **Assistente Hospitalar de Urologia ***Assistente Hospitalar Graduado de Urologia Correspondência: Manuel Cerqueira Rua Elaine Sanceau, 9 2º esq. 65 SÃO MAMEDE DE INFESTA Resumo Objectivo: Os autores apresentam o caso clínico de um doente com um angiomiolipoma múltiplo bilateral esporádico e fazem uma breve revisão da patologia. Material e métodos: Doente de 30 anos referenciado para a consulta externa de urologia por dor no flanco direito e massa palpável ipsilateral. Foram diagnosticados três angiomiolipomas à direita, sem alterações à esquerda. O doente foi submetido a nefrectomia total à direita. Um ano depois foram detectados dois novos angiomiolipomas à esquerda. Após o estudo do doente concluímos tratar-se de um caso de angiomiolipomas múltiplos bilaterais esporádicos. Resultados: Desde há anos que o doente se mantém assintomático e em seguimento na consulta externa, efectuando anualmente uma ecografia renal. A hipótese de esclerose tuberosa foi excluída. Conclusões: Os angiomiolipomas são lesões benignas que na maioria dos casos requerem apenas vigilância. Atitudes mais invasivas devem ser utilizadas apenas em situações muito específicas. As opções cirúrgicas devem permitir conservar o máximo de parênquima renal funcional. Estas opções são possíveis em muitos doentes, tornando-se especialmente benéficas em doentes com tumores múltiplos. Palavras-chave: angiomiolipoma; esclerose tuberosa; hemorragia retroperitoneal Abstract Purpose: The authors present a clinical report, of a patient with sporadic bilateral multiple angiomyolipoma and a short review of the pathology. Material and methods: A 30 year old male presented at our Urology department with right flank pain. A right flank mass was also palpable. The diagnosis of three angio-

6 Manuel Cerqueira, Luís Xambre, Vítor Silva, Rui Prisco, Rui Santos myolipomas was then made, with no noticeable changes on the left side at that time. The patient underwent total right nefrectomy. One year later 2 angiomyolipoma were detected on the left side. Through thorough patient s evaluation we came to the conclusion that we where in the presence of a case of sporadic bilateral multiple angiomiolipoma. Results: In our year follow-up, with annual renal ultrasound surveillance the patient has been without detectable disease. The hypothesis of tuberous sclerosis has been ruled out. Conclusions: Angiomyolipomas are benign lesions witch, in most cases require surveillance only. More aggressive attitudes should be reserved for very specific situations. Surgical options should allow the maintenance of a functional renal tissue as much as possible. These options are possible in many patients and those with multiple tumours are the ones who benefit the most. Key words: angiomyolipoma; tuberous sclerosis; retroperitoneal haemorrhage Introdução Os angiomiolipomas são tumores benignos raros representando apenas 2a3%dostumores renais. Morfologicamente são harmatomas, ou seja, tumores benignos constituídos por tecidos normalmente expressos no órgão atingido mas em quantidade, disposição ou grau de maturação anormal. A histologia destes tumores caracteriza-se pela presença de tecido adiposo, fibras musculares e 1 neovasos. Caso clínico Doente de 30 anos referenciado para a consulta de urologia por apresentar múltiplos episódios de dor no flanco direito e massa palpável ispslateral com um mês de evolução, sem hematúria, sem tinha antecedentes patológicos relevantes, nomeadamente traumáticos. A história familiar também era irrelevante. Efectuou uma tomografia computorizada (TC) abdominal que revelou a presença de três neoformações renais à direita de 13, 9.8 e 5 cm com densidades de Hunsfield negativas compatíveis com angiomiolipoma (figura 1 e 2). O rim esquerdo era normal assim com os outros orgãos abdominais (fígado, pâncreas, baço, etc.). Foi submetido a nefrectomia direita e o estudo anatomopatológico da peça operatória (de 1320 g) confirmou tratarem-se de três angiomiolipomas. O doente foi seguido na consulta externa e um ano após a cirurgia, numa ecografia de rotina foram observadas duas neoformações renais hiperecoicas de8e10mmnopólo superior do rim esquerdo sugestivas de angiomiolipomas (figura 3e).Porse tratar um de rim único com lesões pequenas, que não provocam sintomas, optou-se por manter vigilância clínica e imagiológica. Foi excluída a existência de uma esclerose tuberosa através da história clínica, história familiar e exames auxiliares de diagnóstico: TC cerebral, TC abdominal, Rx tórax, etc. Discussão O termo angiomiolipoma deve-se a Morgan que, em 1951, classificou estes tumores, no entanto já em 1900 Grawitz tinha descrito tumores com características de angio-mio-lipomas. 2 Os angiomiolipomas podem surgir de forma esporádica ou no contexto de uma doença mais complexa: a esclerose tuberosa. A esclerose tuberosa foi reconhecida pela primeira vez em 1862 por von Recklinghausen após a avaliação de um cadáver com múltiplos tumores cardíacos e cerebrais. Só 18 anos mais tarde surgiu o nome de esclerose tuberosa atribuído por Bourneville ao descrever uma doente de 15 anos com atraso mental, epilepsia e múltiplos adenomas sebáceos. Na autópsia, Bourneville, identificou ainda múltiplas neoformações renais e cerebrais que associou à doença (os adenomas sebáceos não foram considerados como pertencentes ao síndrome). Em 1905

Angiomiolipoma múltiplo bilateral esporádico Caso Clínico 65 Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura Campbell descreveu a tríade clínica característica desta doença: epilepsia, atraso mental e adenomas sebáceos. A descrição destes sinais e sintomas como parte constituinte desta doença é publicada três anos mais tarde por Vogt. Esta descrição veio a 3 ser conhecida como a tríade de Vogt. Os angiomiolipomas esporádicos ou com origem no contexto de esclerose tuberosa têm características diferentes. Cerca de 50 a 80% dos doentes com esclerose tuberosa têm angiomiolipomas renais no entanto cerca de 80% dos angiomiolipomas diagnosticados têm origem esporádica. A esclerose tuberosa é uma doença de transmissão autossómica dominante com penetração incompleta, surgem em ambos os sexos, em proporções semelhantes. Surge devido à mutação de dois genes 5 de supressão tumoral: TSC e TSC. Caracteriza-se 1 2 por atraso mental, epilepsia de difícil controlo e múltiplos adenomas sebáceos. Os angiomiolipomas associados a esta patologia são diagnosticados em doentes jovens (± 31 anos), são habitualmente múltiplos e bilaterais e apresentam um volume tumoral superior aos de aparecimento esporádico. Os angiomiolipomas esporádicos são geralmente solitários (13 % são múltiplos) e surgem frequentemente em mulheres de meia-idade (± 53 anos). O crescimento dos tumores é também mais significativo quando associado à esclerose tuberosa (66 % na esclerose 6 tuberosa versus para 21 % para a forma esporádica). Os angiomiolipomas são tumores geralmente assintomáticos, sendo diagnosticados, de incidental, no rastreio de outras patologias. A sintomatologia, quando presente é frustre, resumindo-se à dor no flanco de intensidade variável,

66 Manuel Cerqueira, Luís Xambre, Vítor Silva, Rui Prisco, Rui Santos por vezes hematúria e em tumores maiores, massa palpável no flanco. A anemia, a insuficiência renal e a hipotensão são outras formas de apresentação que 3 surgem associadas a hemorragia retroperitoneal. Os tumores maiores que cm estão associados a maior risco de ruptura espontânea e aos riscos daí resultantes: hemorragia retroperitoneal, choque, etc. Estes tumores são a segunda causa mais frequente de hemorragia retroperitoneal logo a seguir ao carcinoma de células renais. Demonstrou-se que os vasos dos angiomiolipomas não têm camada elástica interna e que a camada muscular foi substituída por tecido fibroso denso, tornando os vasos mais rígidos e mais susceptíveis a aneurismas e ruptura. O diagnóstico é facilitado pelo recurso à ecografia eàtc. Os angiomiolipomas caracterizam-se por serem fortemente hiperecoicos. Esta hiperecogenecidade deriva das propriedades acústicas de tecido gordo, assim como do grande número de interfaces tecidulares entre os diferentes componentes do tumor que condicionam uma maior reflexão das ondas sonoras dado que os tecidos possuem impedâncias acústicas distintas. Estes são os tumores renais hiperecoicos mais frequentes, mas apenas esta característica não é suficiente para excluir outros tumores renais (8 a 7 % dos carcinomas de células renais são também 1 hiperecoicos). O diagnóstico pela TC depende da identificação de gordura na lesão renal. As lesões apresentam densidades de Hunsfield negativas, variando de -0 a -80 conforme haja predomínio de tecido miomatoso ou adiposo. A TC tem uma sensibilidade de 95 % para o diagnóstico destes tumores. Outros tumores mais agressivos podem conter tecido adiposo levando à confusão no diagnóstico, no entanto, estes tumores estão frequentemente associados a calcificações no seu interior. A presença de calcificações, pouco frequente nos angiomiolipomas, deve fazer suspeitar de 2 outros tumores como o carcinoma de células renais. A ressonância magnética nuclear (RMN) é outro exame disponível embora menos utilizado. A gordura caracteriza-se por apresentar um sinal de alta intensidade em T1 e baixa intensidade em T2. O carcinoma de células renais apresenta sinal de baixa intensidade em T1 e alta intensidade em T2 permitindo o diagnóstico diferencial entre os dois tumores. 6 A angiografia não é um exame de primeira escolha, no entanto quando o diagnóstico está estabele- cido pode ser utilizada para a embolização terapêutica de vasos sangrantes. O exame angiográfico permite-nos observar uma vascularização anómala no local do angiomiolipoma, com múltiplos neovasos e vários pequenos aneurismas. O diagnóstico dos angiomiolipomas é geralmente efectuado com o recurso a estes meios auxiliares. A biópsia renal está contra-indicada mesmo quando persiste a dúvida no diagnóstico porque aumenta o risco de complicações graves como a hemorragia e habitualmente os seus resultados não condicionam qualquer alteração no tratamento. A presença de um angiomiolipoma no resultado histológico da biópsia não exclui a existência de um tumor maligno, mantendo-se a indicação para nefrectomia. 7 A detecção de angiomiolipomas bilaterais obriga à exclusão de uma esclerose tuberosa ainda não diagnosticada. Embora os testes genéticos com recurso a linfócitos periféricos já existam o diagnóstico da esclerose tuberosa continua a ser clínico. Os sinais da doença foram divididos em dois grupos: Critérios major Angiomiolipomas renais Angiofibromas faciais Fibromas não traumáticos ungueais ou peri-ungueais Máculas hipomelanóticas (três ou mais) Espessamento do couro cabeludo Tuberosidade cortical Nódulos subepidendimários Astrocitoma de células gigante subepidendimário Rabdomioma cardíaco único ou múltiplo Linfoangioleiomiomatose Critérios minor Quistos renais múltiplos Hamartomas não renais Pólipos rectais (hamartomas) Lesões acromáticas da retina Migração radial da substancia branca cerebral Quistos ósseos Fibromas gengivais Lesões cutâneas O diagnóstico é definido pela presença de dois critérios major ou um major e dois minor. Quando

Angiomiolipoma múltiplo bilateral esporádico Caso Clínico 67 existe suspeita de esclerose tuberosa o doente tem que ser submetido a TC cerebral, TC abdominal, Rx do tórax ecocardiograma, fundoscopia e exame cutâneo, incluindo observação com lâmpada de 3 Wood. Como foi referido anteriormente a maioria dos angiomiolipomas são pequenos e não provocam sintomas, não requerendo tratamento. Está indicada a observação periódica, avaliando possíveis alterações das características do tumor ou da 7 sintomatologia que ele possa provocar. Neste doentes a ecografia é de grande utilidade por se tratar de um exame não invasivo, pouco dispendioso, que permite facilmente avaliar as características do tumor (verificar a estabilidade ou progressão do mesmo). A vigilância ecográfica deve ser efectuada anualmente nos doentes com angiomiolipomas esporádicos e semestralmente se associado a esclerose tuberosa. Os doentes com tumores de grande volume (maior que cm), tumores múltiplos, bilaterais ou unilaterais em rim único necessitam frequentemente de atitudes mais invasivas. A embolização terapêutica por angiografia tem se vindo a afirmar como alternativa à cirurgia. A principal vantagem reside na preservação de maior quantidade de parênquima renal funcional, resultado de embolizações cada vez mais selectivas. São candidatos a esta técnica doentes com más condições gerais para a cirurgia clássica, doentes assintomáticos cujo tratamento profilático está indicado e doentes sintomáticos com pouca reserva funcional. Mas sem dúvida a indicação mais consensual é para os doentes com hemorragia activa por ruptura espontânea do tumor. A embolização resolve o quadro hemorrágico em 86 % dos casos e permite a redução gradual do volume do tumor. Cerca de 85 % dos doentes apresentam após a embolização dor no flanco, febre e leucocitose, sintomas que resolvem habitualmente com analgésicos, antipiréticos e anti-inflamatórios. Os doentes com hemorragia abundante, hematúria significativa ou outros sintomas que não respondam a medidas mais conservadoras ou ainda em doentes cujo o diagnóstico não seja claro persistindo a dúvida de malignidade devem ser submetidos a cirurgia. Esta por ser realizada por via aberta ou laparoscópica (a via laparoscópica éavia preferida nos centros com experiência). Por se tratar de uma patologia benigna a cirurgia deve ser a mais conservadora possível, sendo a nefrectomia parcial, quando exequível, a melhor opção. A nefrectomia total deve ser reservada para doentes que apresentem um dos seguintes critérios: 1. A maior parte do rim substituído pelo tumor 2. Lesão solitária situada próximo ao hilo ou suficientemente volumosa para causar maior risco de complicações se for realizada uma nefrectomia parcial do que se for realizada a nefrectomia total 3. Persistência da suspeita de malignidade por imagiologia duvidosa ou exame extemporâneo inconclusivo. Hemorragia retroperitoneal significativa especialmente se não possível controla-la por angiografia. O nosso doente apresentava o rim direito praticamente substituído por tumor e estava sintomático pelo que a nefrectomia total se impunha. Foi feito o follow-up necessário, a observação de outros tumores à esquerda obrigaram à exclusão da esclerose tuberosa. Não havia história familiar que evidenciasse a presença da doença e os exames efectuados também não demonstraram a existência da mesma. Estes doentes assintomáticos com rim único e lesões pequenas não devem ser submetidos a intervenções que possam pôr em perigo a função renal. Deve-se optar por vigiar a evolução dos tumores, só intervindo quando houver alteração das características dos mesmos. Como já foi referido apesar do tumor ser benigno em casos raros pode ter uma evolução mais complicada. Conclusão O angiomiolipoma é um tumor benigno que surge habitualmente de forma esporádica e solitária não provocando sintomas. A presença de tumores múltiplos e bilaterais obriga ao rastreio de esclerose tuberosa. Nestes doentes o tumor tem um comportamento mais agressivo requerendo maior vigilância. A principal complicação destes tumores é a hemorragia retroperitoneal (por vezes a primeira manifestação). Esta é também a principal indicação para manobras terapêuticas invasivas (embolização ou cirurgia). As manobras devem ter como objectivo preservar o máximo possível de parênquima renal.

68 Manuel Cerqueira, Luís Xambre, Vítor Silva, Rui Prisco, Rui Santos Bibliografia 1. Tartajo F, Amo F e Rios D. Angiomiolipoma renal. Amo F: Tumores de riñón. 1ª edition. Espanha: Ediciones Ibéria, S.L., 2001: 21-25 2. Ikari O et al. Dilema en el tratamiento del angiomiolipoma. Arch Esp de Urol, 2000; 53(5): 25-29 3. Lendvay T and Marshall F. The tuberous sclerosis complex and its highly variable manifestations. J Urol, 2003; 169: 1635-2. Ciancio S et al. Giant bilateral renal angiomiolipomas associated with tuberous sclerosis. Urology, 2001; 57: 55i-55ii 5. Casper K et al. Tuberous sclerosis complex: renal imaging findings. Radiology, 2002; 225: 51-56 6. Caleb C and Sanda M. Contemporary diagnosis and management of renal angiomiolipoma. J Urol, 2002; 168: 1315-25 7. Novick C and Campbell S. Renal tumors. In: Walsh P, Retik A, Vaughan E and Wein A, editors. Campbell s th Urology: 8 edition Philadelphia. W. B. Saunders Company, 2003; 75