FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ECONOMIA EURO: DA CRIAÇÃO À CRISE NAYARA FURLAN ROCHA LEME



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Transcrição:

FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ECONOMIA EURO: DA CRIAÇÃO À CRISE NAYARA FURLAN ROCHA LEME Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Faculdade de Economia para obtenção do título de graduação em Relações Internacionais, sob orientação do Prof. Eduardo Mekitarian. São Paulo, 2010

FURLAN, Nayara R. Leme. EURO: DA CRIAÇÃO À CRISE. São Paulo, Fundação Armando Alvares Penteado, 2010, 81 p. (Monografia Apresentada ao Curso de Graduação em Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado) Palavras-chave: Integração Europeia Euro Crise do Euro

AGRADECIMENTOS Ao excelente professor e orientador exemplar, Eduardo Mekitarian, que durante um ano inteiro de trabalho sempre esteve à disposição para esclarecimentos, correções e apoio. Obrigada pela confiança em mim depositada, desde o início, quando nos conhecemos nas aulas do 7 semestre, e por ter participado ativamente da elaboração deste trabalho, do qual tenho muito orgulho de ter concluído. Agradeço à minha família, que de maneiras diversas, me apoiou e supriu as minhas necessidades enquanto me dedicava ao desenvolvimento do trabalho. Tenho plena certeza de que as orações a mim dirigidas, com carinho e amor, me protegeram e me ajudaram a chegar até aqui. Obrigada! Ao meu companheiro de todas as horas, André, por ter sido sempre tão prestativo e compreensivo, até mesmo em meus piores momentos. Obrigada pelo tempo que dedicou me ajudando, com detalhes tão importantes, e me completando com seus conhecimentos e amor. Estendo também estes agradecimentos à sua família. Aos amigos queridos que sentiram a minha ausência nos últimos meses e que me desejaram inúmeras vezes: boa sorte. Obrigada pelas palavras de incentivo e por toda a amizade. Aos professores que marcaram a minha passagem pela faculdade: Mário Sacchi, Álvaro Bado, George Landau, Paulo Dutra, Bichir, e também aos que não estão mais na instituição, Caroline Freitas, Pedro Brasil e Guilherme Assis. À Fundação Armando Alvares Penteado, pela estrutura oferecida e a todos os profissionais sempre muito dedicados da Diretoria, do Apoio, da Sala de Monografia, da Biblioteca, dos corredores, e especialmente à Fernanda Magnotta. Enfim, à faculdade como um todo. Por se tratar de um trabalho de conclusão de curso e, portanto, da finalização de uma etapa importante da minha vida, estendo ainda estes agradecimentos a todas as pessoas que me acompanharam durante estes quatro anos de constante aprendizagem e que contribuíram para o meu desenvolvimento.

RESUMO Esta monografia versa sobre a história do Euro, desde sua criação até o os dias de hoje, em que enfrenta sua primeira crise. Traz, portanto, toda a parte histórica referente à integração do continente europeu que possibilitou a formação da União Europeia, reconhecida como a maior área de integração regional do mundo. Tem como objetivo destacar o assunto extremamente atual que é a crise do Euro, e como a União Europeia tem lidado com os novos desafios. O trabalho destaca as falhas da integração europeia e aponta as possíveis soluções.

ABSTRACT This essay deals with the history of the Euro, from its creation until today, when Europe is facing her first Euro crisis. Bring therefore all the historic part on the integration of the European continent that made possible the formation of the European Union, recognized as the largest area of regional integration in the world. Aims to highlight the Euro crisis, an extremely current issue, and how the EU has dealt with the new challenges. This paper brings in evidence the European integration s failures and indicates the possible solutions.

SUMÁRIO Lista de Figuras Lista de Quadros Lista de Tabelas Lista de Siglas INTRODUÇÃO...1 1. A CRIAÇÃO DO SISTEMA DE BRETTON WOODS E SEU COLAPSO...8 2. A ORIGEM DO EURO NA INTEGRAÇÃO EUROPEIA...18 3. A UNIÃO EUROPEIA E O EURO HOJE...34 3.1 A Origem da Crise do Euro...36 3.2 Os PIIGS...37 3.2.1 Grécia...39 3.2.2 Portugal...43 3.2.3 Espanha...45 3.2.4 Irlanda...49 3.2.5 Itália...49 3.3 Problemas e Planos de Austeridade Ultrapassam os PIIGS...50 3.4 A França e o Caso da Reforma da Previdência...53 3.5 O plano de Socorro e as Soluções Propostas Até Agora...56 CONSIDERAÇÕES FINAIS...68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...72 APÊNDICES...I

LISTA DE FIGURAS Figura 1 Posição das populações europeias em relação ao Euro...28 Figura 2 Indicadores dos 5 países mais vulneráveis da zona do Euro...38 Figura 3 Projeção da dívida grega...40 Figura 4 Greves e manifestações na Europa...53 Figura 5 As principais reformas da Previdência na Europa...55

LISTA DE QUADROS Quadro 1 Relação de Tratados da União Europeia...33 Quadro 2 Adesão dos países à União Europeia ao longo do anos...33

LISTA DE TABELAS Tabela 1 Performance macroeconômica antes e depois da introdução do Euro...32 Tabela 2 Comparação entre preços no mercado europeu...34

LISTA DE SIGLAS BCE Banco Central Europeu CCEE Comissão para Cooperação Econômica Europeia CECA Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CE Comunidade Europeia CEE Comunidade Econômica Europeia CEEA Comunidade Europeia do Átomo C20 Comitê dos Vinte ECU European Currency Unit EFSF European Financial Stability Facility EURATOM Comunidade Europeia do Átomo FED Federal Reserve FME Fundo Monetário Europeu FMI Fundo Monetário Internacional GIP Gold Import Point GEP Gold Export Point IME Instituto Monetário Europeu NPE Nova Política Econômica OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OECE Organização Europeia de Cooperação Econômica OIT Organização Internacional do Trabalho PEC Pacto de Estabilidade e Crescimento PESC Política Externa e Segurança Comum PIB Produto Interno Bruto SME Sistema Monetário Europeu TCE Tratados de Roma UE União Europeia UEME União Econômica e Monetária Europeia UFE União Federalista Europeia

1 INTRODUÇÃO Conhece-se a União Europeia como sendo o modelo de integração regional de maior sucesso. Alcançar os patamares já alcançados pela UE exige um alto grau de convergência de interesses por parte de todos os membros; no caso da UE, os próprios interesses nacionais dos Estados membros da União levaram à integração. Para entender todo o processo de unificação da Europa é preciso analisar as teorias de integração e as possíveis razões que motivam os países a se integrar e convergir nos interesses nacionais. Os primeiros processos de integração podem ser datados entre 1812 e 1914, sendo o mais significante deles a criação do Zollverein em 1833, que consistiu na abertura das fronteiras de 18 Estados alemães e a adoção de uma pauta comum para as relações exteriores. Já mais próximo da UE, o primeiro passo dado no sentido da integração foi a criação da organização regional Benelux em 1944, envolvendo Bélgica, Holanda e Luxemburgo, formando uma união aduaneira (HERZ e HOFFMANN, 2004) Quanto à classificação das etapas de integração, não existe até o momento um consenso entre os autores sobre o assunto. Pode-se destacar a classificação feita por B. Balassa que engloba cinco fases distintas: zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e integração econômica total e a classificação de R. Tamames composta, por sua vez, de quatro fases: preferências aduaneiras, zona de livre comércio, união aduaneira e união econômica (VIEIRA, 2004). Para Balassa a integração econômica total, que ele identifica como último estágio da integração, pressupõe a unificação de políticas monetárias, fiscais e até sociais, e em consequência disso exige a existência de uma autoridade supranacional (BALASSA, 1961 apud VIEIRA, 2004). De acordo com a proposta funcionalista de Mitrany (1946 apud HERZ e HOFFMANN, 2004) a cooperação está conectada à segurança internacional. Primeiramente, atos de cooperação seriam firmados em áreas mais técnicas e específicas relacionadas às esferas econômica e social para só depois atingir a esfera política ao criar valores comuns e atingir outras áreas; é o chamado processo de spillover. A ideia do autor era a da criação de um sistema de paz onde o bem-estar alcançado pela população não seria creditado ao Estado nacional, mas sim, à cooperação internacional e aos seus benefícios. A aceitação dos Estados por esse modelo de cooperação, darse-ia pelo fato de que as soberanias não seriam suprimidas, apenas uma parte da soberania de

2 cada país passaria para uma autoridade central, mas nas decisões sobre política externa a soberania individual pautaria o interesse nacional. Seguindo a linha do funcionalismo, surgiu o neofuncionalismo. (...) um conjunto de autores e líderes concluiu que o funcionalismo como teoria e prática deveria ser reformulado e apropriado para a discussão sobre a natureza do processo de integração em curso na Europa Ocidental (HERZ e HOFFMANN, 2004). A nova teoria ainda seguia o processo de spillover, ou seja, uma integração gradual através de setores específicos tem a capacidade de se espalhar para novas áreas e setores e promover neles a integração. O neofuncionalismo também propõe que a existência de órgãos supranacionais confere um nível mais elevado de integração e cooperação aos Estados que se submetem a eles (SARFATI, 2005). Entre as razões que levam um grupo de países a se integrar estão contidas, além da econômica, razões políticas e sociais. No caso específico da UE foram principalmente os motivos políticos que levaram à criação da CEE. Para analisar a fase mais profunda desse bem sucedido processo que é a integração monetária, é preciso entender os motivos que levaram os países a optarem por esse caminho. A decisão foi tomada com base no cenário mundial daquele momento e nos ensinamentos das experiências passadas durante o período do padrão ouro com o câmbio fixo e após com o câmbio flexível. O padrão ouro foi um sistema de taxas de câmbio fixas que funcionou no mundo de 1880 até 1914 quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Suas origens são da época em que as moedas passaram a ser utilizadas como meio de troca, no mercantilismo. Neste sistema o ouro era o único ativo das reservas internacionais, e cada nação era responsável por estabelecer o conteúdo de ouro equivalente à sua moeda. Dessa forma, o conteúdo de ouro de uma unidade de cada moeda era fixo, assim como as taxas de câmbio. Era o chamado sistema de paridade da moeda, e nele as taxas de câmbio podiam flutuar dentro de uma pequena margem acima e abaixo da paridade (SALVATORE, 1998). Era tarefa do Banco Central de cada país garantir a paridade de sua moeda com o ouro e para tanto precisavam ter a quantidade suficiente da moeda em estoque (KRUGMAN, 2005). Foi através de David Hume em 1752 que o mundo conheceu o sistema que ele denominou de fluxo-espécie-preço. O mecanismo explicado por Hume para se contrapor às ideias mercantilistas assumia que o sistema do padrão ouro possuía um ajuste automático e que os

3 superávits contínuos no balanço de pagamento dos países, pregado pelos mercantilistas, não era eficiente. Hume explicou através de seus argumentos que a acumulação de capitais tão perseguida pelos mercantilistas afetava a oferta interna da moeda e consequentemente elevava os preços e os salários internos, causando inflação. Além disso, o aumento nos preços internos e nos salários ocasionava ao país perda de competitividade externa o que dificultava a obtenção de excedentes comerciais. O mecanismo monetário internacional fluxo-espécie-preço baseava-se em duas premissas básicas da Teoria Quantitativa da Moeda. Para resolver o problema entre um país superavitário e um deficitário apenas o ouro das reservas internacionais seria o suficiente. Suponha-se que os Estados Unidos estão em déficit enquanto que a Ingleterra está em superávit. Para equilibrar os balanços de pagamentos de ambos os países os Estados Unidos devem exportar ouro para a Inglaterra, enquanto esta exporta seus bens e serviços para os Estados Unidos. Ao realizar a saída de divisas, os Estados Unidos sofrem uma queda em suas reservas e consequentemente na sua oferta interna de moedas. O momento que se segue é de forte pressão sobre os preços internos que caem e levam à depreciação cambial. Com a depreciação o país ganha competitividade, passa a exportar mais do que importar e em resultado reduz seu déficit. Do outro lado da balança, a Inglaterra vai receber as divisas e aumentar suas reservas. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, o país passa por um aumento na oferta monetária, e a pressão sobre os preços faz com que eles subam e assim ocorre a apreciação cambial. Em decorrência da apreciação o país perde competitividade, suas exportações diminuem, enquanto as importações crescem e o resultado final é a redução do superávit inicial. Então, como resultado deste mecanismo, se obtém o equilíbrio entre os balanços de pagamentos dos dois países. Como mencionado anteriormente, as taxas de câmbio que vigoraram neste sistema, eram fixas, uma vez que as moedas equivaliam a um conteúdo fixo de ouro. Mesmo assim, havia uma margem pequena de flutuação, devida aos preços de importação e exportação do ouro chamados de gold importing point (GIP) e gold exporting point (GEP) respectivamente. Apesar de existir um mecanismo de ajuste no sistema do padrão ouro, muitos dos ajustes não ocorreram de acordo com suas regras. Basicamente foram os países em déficit que arcaram com as consequências de equilibrar todo o sistema, enquanto os países em superávit adotavam uma postura menos rígida em relação às suas políticas monetárias (KRUGMAN, 2005). Mesmo

4 assim, o sistema funcionou tranquilamente por cerca de 30 anos, e de acordo com Salvatore (1998) isso só foi possível devido às condições especiais durante o período. Foi um período de grande expansão econômica e estabilidade na maior parte do mundo. A libra esterlina era a única moeda internacional importante, e Londres, o único centro monetário internacional. Por esses motivos, não poderiam existir falta de confiança na libra e trocas para outras moedas e outros centros monetários rivais. Havia maior flexibilidade de preços do que nos dias de hoje, e as nações subordinavam o equilíbrio interno ao externo. Em tais circustâncias, qualquer sistema monetário internacional teria atuado de maneira razoavelmente tranquila (SALVATORE, 1998:391). O mundo viu o fim do padrão ouro clássico em 1914, quando teve início a Primeira Guerra Mundial e o câmbio flutuante foi adotado. Durante o episódio, ficou claro que a ideia aplicada até aquele momento de que o ajuste no balanço de pagamentos dos países ocorria de forma automática, não era real. Os principais países participantes da guerra passaram a emitir moeda quase que sem controle com o objetivo de financiar seus gastos militares; os resultados da guerra e das emissões desenfreadas trouxeram problemas graves à economia como o elevado nível de preços e a consequente inflação. A Alemanha e outros países da Europa Central foram os mais atingidos pela inflação, sendo o caso da hiperinflação alemã o mais comentado e impressionante. De acordo com Krugman, o índice de preços do país passou de 262 em 1919 para 126.160.000.000.000 em 1923. Grande culpa disso é imposta ao Tratado de Versalhes que condenou a Alemanha a enormes indenizações (KRUGMAN, 2005) A situação econômica pouco agradável que se seguiu, fez com que os países desejassem o retorno do padrão ouro principalmente devido à sua estabilidade. A guerra terminou em 1918, e o primeiro país a retornar ao antigo padrão foram os Estados Unidos logo em 1919. Em 1922, a Conferência de Gênova, que reuniu Itália, Grã-Bretanha, França e Japão, reconheceu o problema de a disponibilidade total do ouro não ser suficiente e optou por um padrão câmbio-ouro, o que significa que tanto o ouro quanto as moedas conversíveis em ouro serviram como reservas internacionais (KRUGMAN, 2005). No entanto, em 1925, a Grã-Bretanha com o ministro da Fazenda Winston Churchill retornou ao conhecido padrão ouro e reestabeleceu a conversibilidade de sua moeda, a libra, ao preço do ouro vigente antes da guerra. Aos poucos, os outros países também retornaram ao padrão ouro, mas não deram a devida atenção à nova situação e nem se atentaram para o que outros países estavam estabelecendo (KENEN, 1998).

5 Segundo Salvatore (1998), O fato de o sistema funcionar mais como um padrão ourocâmbio do que como o padrão ouro clássico, diminuiu substancialmente a quantidade de ouro no comércio mundial. Naquela época, a substituição do ouro por moedas foi vista como um modo de reduzir a dependência que o sistema monetário possuía da oferta de ouro, mas acabou sendo uma grande falha do sistema (KENEN, 1998:507). Ao fim da década de 1920, já com a Inglaterra estagnada, o mundo enfrentou a grande depressão ocasionada a partir da quebra da bolsa de Nova York no ano de 1929. A crise alastrouse por todas as partes e os países endividados por causa da guerra não mais pagaram seus empréstimos por não terem na verdade de quem tomar emprestado. O pânico prosseguiu e resultou no fim do padrão ouro primeiramente por parte da Inglaterra em 1931 e outros países na sequência. Em 1934, de volta ao padrão ouro de que haviam saído um ano antes, os Estados Unidos desvalorizaram o dólar em 70% e estabeleceram um novo preço para o ouro, passando de US$ 20,67 para US$ 35,00 a onça (KENEN, 1998). As medidas tomadas pelos países para enfrentar a depressão repercutiram em custos significativos à economia global. Até 1939 muitos ainda se encontravam afundados em dívidas, graças aos profundos cortes nas relações comerciais que prometiam melhora. Ao ficar claro que a nova postura não trazia benefícios, o comércio internacional livre foi cotado como possível solução e o fato foi essencial para estabelecer o sistema monetário internacional que seria implementado no pós-guerra: o acordo de Bretton Woods (KRUGMAN, 2005). A conferência de Bretton Woods veio então em resposta ao complicado período das décadas de 20 e 30 em que os países do mundo todo enfrentaram complicações no sistema monetário internacional. O histórico das negociações, os resultados, suas implicações e seu posterior colapso serão o assunto do primeiro capítulo deste trabalho. Em seguida, o segundo capítulo tratará da criação da União Europeia. Serão abordadas todas as fases da integração, desde o nascimento das primeiras ideias até a conclusão da integração monetária com a implantação da moeda única, os passos dados em direção à formação do mercado comum, os países favoráveis à unificação e os contrários, as dificuldades enfrentadas para se concluir o ambicioso plano, e os primeiros resultados sentidos. Ficará claro ao longo do capítulo que o processo de integração da Europa foi desde seu início um movimento crescente e dinâmico e ainda o é até hoje. Os altos e baixos das

6 negociações foram necessários para que se chegasse à melhor solução que de início tinha como principal objetivo constituir uma força econômica estável para depois, no começo dos anos 1980, enfrentar Estados Unidos e Japão na área comercial. Também serão destaque as vantagens e a importância da unificação para as populações europeias que antes tinham em comum apenas suas fronteiras, mas que hoje são consideradas uma única Europa tendo o idioma como principal e quase que exclusivo diferencial para os que a veem de fora. Os fatores que diferenciam franceses de alemães sempre existiram e ainda permanecem; o ponto chave para a unificação total ter obtido sucesso foi que as próprias populações entenderam que seria possível realizá-la sem deixar de lado suas características nacionais o nacionalismo econômico não vai conseguir modificar o cultural (SILVA e SJOGREN, 1991:79). Ou seja, apesar de políticas iguais em muitas áreas, franceses continuaram franceses, alemães continuaram alemães e hoje todos circulam livremente pelo continente e grande parte divide uma mesma moeda, o que trouxe facilidade para suas vidas. Silva e Sjogren (1991:78) definem da seguinte forma: A unificação pode envolver uma euromoeda, eurobancos, euroleis, mas as McEuro vão vender sanduíches ingleses, franceses, gregos e holandeses. A realidade hoje para os cidadãos dos países que compõem a União Europeia é o Euro. Fazer parte de uma união econômica e monetária, há tanto esperada e planejada, traz expectativas a cada uma das populações que traz o Euro nos bolsos. Será que tais expectativas foram realmente alcançadas após 11 anos da criação da moeda? Existem arrependimentos entre os países que optaram por fazer parte da união monetária? E quanto ao projeto, existem falhas? E diante de problemas, quais as soluções propostas pela UE? O terceiro e último capítulo ocuparse-á da situação mais atual e responderá a estas perguntas, mostrando o presente das economias que compartilham o Euro. A União Europeia recebeu grande destaque ao ser criada e em sequência aconteceu o mesmo com a criação do Euro e sua implantação. Hoje a UE e o Euro estão mais uma vez em destaque ao redor do mundo, porém, não mais por sua inovação e sucesso. As notícias atuais tratam da crise que atingiu aquele continente e que preocupa governos bem posicionados na lista das maiores economias mundiais. Os cinco países, adotantes do Euro, que se encontram em situação mais delicada já são inclusive classificados através do acrônimo PIIGS, dando um tom pejorativo a Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (Spain em inglês).

7 O caso trouxe à luz críticas feitas anteriormente que apontavam falhas na criação da união econômica e monetária. Estas falhas poderiam ter sido minimizadas e até mesmo solucionadas ao longo dos anos em que o Euro está em circulação; não foi o caso. E agora? A União Europeia recorrerá à ajuda externa, demonstrando suas fraquezas ou, reencontrará sozinha o caminho do sucesso? O capítulo irá apontá-las em paralelo ao relato da situação atual dos países da zona do Euro. Após esta introdução sobre a economia mundial no momento anterior à Conferência de Bretton Woods e a breve explanação dos capítulos que virão a seguir, vale ressaltar que a relevância deste trabalho está relacionada principalmente ao processo de integração mais completo da atualidade e possivelmente da história da humanidade. Analisar a União Europeia e estudar seu modelo de integração, incluindo todas as suas fases, sucessos, dificuldades e problemáticas ajuda a compreender outros processos de integração regional que ainda estão em andamento, como o caso mais próximo do Brasil, o Mercosul. Especialmente hoje, devido à crise que enfrenta, a UE traz-nos lições do que deixou de ser feito e que acabou dificultando seu pleno sucesso. Por ser o processo de integração mais completo de que se tem conhecimento, a UE merece a atenção do campo acadêmico. Seu grande diferencial está em sua última fase: a adoção da moeda única acompanhada de uma única política monetária para todos os membros. Alterar o sistema monetário de um país não é uma tarefa simples e exige intensos esforços dos que se dispõem a integrar o novo sistema; afinal, os maiores obstáculos encontram-se internamente. Para países que já enfrentaram reformas monetárias, como o Brasil, a população está de certa forma acostumada, pois em poucos anos passou por três sistemas monetários antes de chegar ao atual. Já para os europeus a mudança foi uma novidade completa e apresentou o fator dificultador de modificar não apenas o sistema monetário de um país, como no nosso caso, mas sim, de várias economias distintas e governos com políticas fiscal e monetária diversas, além de diferentes interesses nacionais e características culturais muito distintas. Portanto, entender os passos que foram dados visando ao objetivo final de unificar as moedas, as dificuldades pelas quais passaram os países participantes, as consequências advindas da implantação e os sucessos alcançados até o momento presente, bem como os erros cometidos que culminaram na crise atual, torna-se relevante, e foi o tema escolhido para este trabalho.

8 1. A CRIAÇÃO DO SISTEMA DE BRETTON WOODS E SEU COLAPSO A hegemonia britânica que havia chegado ao fim praticamente com o início da Primeira Guerra Mundial, deu lugar, ao longo dos anos, à hegemonia dos Estados Unidos que, aproveitando-se dos estragos da guerra, se posicionaram como credor internacional transformando-se em um novo poder econômico do mundo. No período, porém, entre guerras e principalmente no final dos anos 1920, os Estados Unidos optaram por não atuar como este poder econômico dominante, apesar de já o serem, e ficaram voltados mais para dentro praticamente, ignorando os problemas que atingiam a quase totalidade dos países. Em relação ao posicionamento dos Estados Unidos frente à grande depressão, Edward M. Bernstein declarou que: (...) Os Estados Unidos, que poderiam ter assumido a liderança numa ação solidária, estavam desatentos aos perigos de uma deflação mundial e preocupavam-se mais com sua economia doméstica do que com a economia mundial (BERNSTEIN apud MOFFITT, 1984:18). No começo dos anos 1940, porém, o Reino Unido, através dos consultores de política externa de Roosevelt, soube que o isolamento dos Estados Unidos não perduraria por muito mais tempo, pois não havia outra escolha para eles a não ser colocar-se à frente da formulação da nova ordem econômica mundial pós Segunda Guerra (MOFFITT, 1984). Entre 1940 e 1941, ambos os países deram início ao desenvolvimento dessa possível nova ordem monetária, mas a concretização dos planejamentos só se deu em julho de 1944, quando representantes de 44 países, totalizando 730 delegados, se reuniram na cidade de Bretton Woods, New Hampshire na conferência que levou o nome da cidade. O objetivo central da Conferência de Bretton Woods era criar mecanismos que futuramente evitassem os principais problemas sofridos no período entre guerras, como a falta de liquidez e a desorganização do comércio mundial. Na ocasião foram apresentadas duas propostas. A primeira delas idealizada por John Maynard Keynes, homem de renome da teoria econômica, representando o Reino Unido, e a segunda chefiada por Harry Dexter White, economista do Tesouro, representando os Estados Unidos. O debate entre Keynes e White esteve fundamentado em importantes diferenças contidas em seus planos. A proposta de Keynes trazia como um dos pontos principais a criação de um organismo financeiro internacional que o próprio Keynes denominou de Câmara de

9 Compensações Internacionais e que funcionaria nos moldes de um banco central com caráter mundial e teria como função supervisionar o balanço de pagamentos dos países e regular a liquidez mundial. Além disso, o organismo seria o responsável pela emissão de uma nova moeda intitulada bancor que serviria para o acerto de contas entre países deficitários e superavitários. A ideia de Keynes ao criar tal organismo era a de que, ao estabelecer uma única moeda para liquidar as contas de um país em relação a outro, não haveria mais desequilíbrios. Entre os outros pontos da proposta de Keynes estavam intervenções dos bancos centrais dos países com a finalidade de regular as taxas cambiais e inibir flutuações exageradas, valorizações das moedas dos países credores e desvalorizações das moedas dos países devedores e a divisão do peso das medidas de correção entre países credores e devedores. Já a proposta de White estabelecia o dólar norte-americano como a principal moeda do sistema internacional, garantindo assim a sua conversibilidade em ouro ao preço de US$35,00/onça, um sistema de câmbio fixo das moedas dos outros países em relação ao dólar, permitindo pequenas flutuações de até 1% acima e abaixo do estabelecido, criação de um fundo de estabilização para a resolução dos problemas de curto prazo do balanço de pagamentos e para os problemas de longo prazo a criação de um banco de reconstrução visando primeiramente à Europa. A principal diferença entre os planos dos dois especialistas estava nas obrigações que eles impunham aos países credores na flexibilidade das taxas de câmbio e na mobilidade do capital por eles admitidas (EICHENGREEN, 2000:135). Enquanto o plano de Keynes trabalhava com um sistema cambial flutuante, permitindo aos países alterar suas taxas de câmbio se necessário, o de White tinha sistema cambial fixo. O banco de reconstrução proposto por White previa a adoção de políticas austeras aos países que tomassem crédito, enquanto a Câmara de Compensações de Keynes praticamente não previa limites para o empréstimo de bancores, o que na visão da comissão norte-americana, com razão, estimularia o endividamento. Por último, as valorizações e desvalorizações das moedas contidas na proposta de Keynes desagradaram aos Estados Unidos profundamente, uma vez que eram os maiores credores mundiais e, portanto, sofreriam desvalorizações contínuas, além de o mecanismo ser prejudicial aos investimentos e ao comércio internacional. Após os debates, com algumas alterações, a proposta norte-americana de Harry Dexter White foi a escolhida para vigorar como a nova ordem monetária mundial, e nada proposto por

10 John Maynard Keynes foi implantado. A escolha, além de consagrar os Estados Unidos como o poder hegemônico, consagrou também o dólar como a moeda dominante do sistema. Como parte da proposta norte-americana foram criadas as instituições que serviriam de base para o novo sistema monetário internacional. A primeira delas, o Fundo Monetário Internacional (FMI), nasceu com três objetivos principais: supervisionar o balanço de pagamentos dos países, coordenar as paridades monetárias e fornecer recursos aos países com desequilíbrios temporários no balanço de pagamentos. Um dos requisitos para que o FMI cumprisse suas tarefas era exatamente o que já havia proposto White: taxas de câmbio fixadas em dólar. A opção por um sistema cambial fixo foi feita com base nos anos anteriores. Certos ou errados, os criadores do Fundo estavam convencidos, devido à experiência do período entre guerras, de que as taxas de câmbio flutuantes provocavam instabilidade especulativa e eram prejudiciais ao comércio internacional (KRUGMAN, 2005:407). Ainda de acordo com Krugman, além da escolha pela paridade fixa para combater as dificuldades do passado, os artigos do Acordo do FMI continham medidas com vistas a combater a instabilidade financeira, a instabilidade dos níveis de preço, o desemprego e a desintegração econômica internacional. Para conseguir atuar com sucesso e ser aceito pelos países o FMI precisou se fixar-se, como bem apontou Krugman (2005), em uma mistura entre disciplina e flexibilidade. Disciplina para fazer com que os países cumprissem suas regras e flexibilidade para não prejudicá-los a alcançarem o equilíbrio interno no favorecimento do equilíbrio externo. Para garantir a flexibilidade o FMI implantou as facilidades de crédito e as paridades ajustáveis. A primeira diz respeito ao modo como o FMI realiza seus empréstimos; cada país, ao ingressar no Fundo, obtém uma cota de contribuição que consiste em um quarto de ouro e três quartos em moeda do próprio país. São estes recursos, captados através das cotas, que permitem ao FMI emprestar aos países membros em desequilíbrio. As paridades ajustáveis estão relacionadas às possíveis alterações nas taxas de câmbio, mesmo elas sendo fixas, se assim o FMI autorizar, por razão de um desequilíbrio fundamental no balanço de pagamentos. Por desequilíbrio fundamental entendem-se alterações internacionais adversas e permanentes que prejudicam a demanda por produtos de determinados países e consequentemente prejudicam o balanço de pagamentos. Os países identificados com este problema e autorizados pelo FMI poderiam realizar valorizações ou desvalorizações na moeda nacional em relação ao dólar para evitarem o aumento do desemprego e do déficit nas transações correntes (KRUGMAN, 2005).