PADRONIZAÇÃO EM SERVIÇOS: TRÊS CASOS DE HOTÉIS NO ESTADO DE SÃO PAULO



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Transcrição:

PADRONIZAÇÃO EM SERVIÇOS: TRÊS CASOS DE HOTÉIS NO ESTADO DE SÃO PAULO Carlos Henrique Pereira Mello, M.Sc. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo carloshpmello@uol.com.br Prof. Pedro Luiz de Oliveira Costa Neto, Dr. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo; Universidade Paulista; Faculdades Tancredo Neves politeleia@uol.com.br Prof. João Batista Turrioni, Dr. Universidade Federal de Engenharia de Itajubá (UNIFEI) turrioni@iem.efei.br Abstract: This paper aims to evaluate how organizations of the hotel branch standardize its service operations as part of its quality system. The work intends to research how standardization can be applied to the hotel services, which are its main limitations and how the services processes are standardized through case studies accomplished in there different categories of lodging organizations. Key words: Standardization, quality system, hotel service. 1. Definindo serviço Toda e qualquer organização necessita adquirir insumos e processa-los de forma a obter um resultado a fim de atingir os seus objetivos, com destaque para o lucro e a permanência no mercado. Para tanto, ela irá gerar produtos, serviços ou uma mistura de ambos. De fato, conforme frisa Contador (2001), cada vez mais produtos e serviços se inter-relacionam, sendo que as geradoras de produtos também oferecem serviços e as geradoras de serviços também oferecem produtos. Mas, afinal, o que é um serviço? A partir da idéia de processo acima, Castelli (1994) e Normann (1993) estabelecem que o serviço é o resultado de um conjunto de ações que fazem com que o produto passe às mãos do consumidor. Existem também as definições que sugerem que o serviço seja algo estritamente intangível, como Stanton (1986) e Kotler (1982). Isto já não ocorre na definição de serviço dada por Fitzsimmons e Sullivan (1982) e em Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000). Para estes autores, um serviço é um pacote de benefícios implícitos e explícitos executados em uma instalação de suporte e utilizando bens facilitadores. Esta definição é um pouco mais abrangente e, além disso, concebe a existência comum entre os tangíveis e os intangíveis. Uma outra abordagem define o serviço dando ênfase maior ao seu valor para o destinatário, chamado de cliente-usuário. Esta abordagem é conceituada por Zarifian (1999), para quem o serviço é uma organização e uma mobilização, a mais eficiente possível, de recursos para interpretar, compreender e gerar a mudança perseguida nas condições de atividade do destinatário do serviço. Desta forma, analisando criticamente as definições dadas acima, pode-se definir serviço como sendo um conjunto de atividades realizadas de forma a mudar as condições do destinatário do serviço de uma situação A para outra situação B, de forma a atender as ENEGEP 2002 ABEPRO 1

necessidades do mesmo e agregar valor ao serviço prestado. 2. Classificação dos serviços Uma classificação dos serviços pode ajudar na organização da discussão sobre a sua administração e quebrar as barreiras da indústria com a troca de conhecimentos (Fitzsimmons e Fitzsimmons, 2000). Normann (1993) analisa o espectro de serviços através da descrição do que ele chama de pacote de serviços, ou seja, um conjunto de itens relacionados oferecidos ao cliente. Dentro deste pacote, ele distingue um serviço-núcleo e outros serviços periféricos ou secundários, da mesma forma como o fez Lovelock (1992b). Silvestro (1999) propôs um modelo de processo de serviço que distinguia três tipos de serviços: serviço profissional, loja de serviço ou serviço de massa. Schmenner (1999) classifica em quatro tipos os processos de serviços. São eles: fábrica de serviços, loja de serviços, serviços de massa e serviços profissionais. Já Lovelock (1992a) desenvolveu um esquema de classificação que propõe uma apreciação de possíveis dimensões estratégicas que transcendem as fronteiras da atividade. 3. Classificação dos serviços de hotelaria A partir das classificações de serviços propostas pelos diversos autores citados, procuramos estabelecer uma classificação para os serviços de hotelaria, conforme apresentado na Tabela 1. Através da análise dessa tabela, é possível avaliar qual a melhor estratégia de serviços a ser aplicada aos hotéis, bem como saber se a segmentação do mercado permite que as operações de serviço sejam padronizadas ou não, em razão do alto nível de personalização dessas operações. Relação quanto a Pacote de serviços Grau de padronização dos serviços Modelo de processo de serviço Matriz dos processos do serviço Natureza do ato do serviço Relacionamento com os clientes Personalização e julgamento na entrega do serviço Natureza da demanda do serviço relativa ao abastecimento Método de entrega do serviço Classificação do hotel Serviço-núcleo: hospedagem Serviços periféricos: restaurante, bar, lavanderia, estacionamento, limpeza dos quartos, telefone, etc. Job shop. Loja de serviços. Loja de serviços. Serviço dirigido ao corpo das pessoas. Os recipientes diretos do serviço são as pessoas e a natureza do ato do serviço é de ações tangíveis. Não há relacionamento societário e as transações não são contínuas. Alto grau de personalização das características do serviço e alto grau de julgamento por parte do pessoal de contato com o cliente. Quadrante 3. Local único e o cliente vai até a organização de serviço. No caso de hotéis de cadeia, passa a ser múltiplos locais. Tabela 1: Classificação dos serviços de hotelaria 4. Sistema de gestão da qualidade em serviço A necessidade e importância da padronização dos processos para produção de produtos e serviços e do próprio trabalho tem sido enfatizada para assegurar a qualidade dos produtos e serviços através da documentação do fluxo de trabalho, publicando os padrões de trabalho e trabalhando de acordo com os padrões (Kondo, 2000). ENEGEP 2002 ABEPRO 2

Para Campos (1994) o padrão é o instrumento básico para o gerenciamento da rotina do trabalho diário, indicando a meta (fim) e os procedimentos (meios) para execução dos trabalhos, de tal maneira que cada um tenha condições de assumir a responsabilidade pelos resultados de seu trabalho. Através deste conceito, podemos concluir que, mediante a padronização, as organizações obtêm redução na variabilidade dos seus processos com a definição da melhor prática que possa, sem inibir a criatividade, ser expressa pela melhoria dos padrões, facilitando a delegação de tarefas e o treinamento dos colaboradores. 4.1. Dificuldades encontradas na implementação da padronização O processo de padronização, assim como qualquer outro que envolve mudanças, enfrenta certas resistências durante a sua implementação. Muitas dessas resistências à padronização se devem, segundo Kondo (2000), aos seguintes motivos: a) Não é explicado aos funcionários o objetivo (meta) da sua tarefa. Eles são, simplesmente, forçados a seguir o procedimento documentado de trabalho. b) A falsa impressão de que a padronização inibe e impede a criatividade dos funcionários. Campos (1992) destaca outras dificuldades importantes, tais como: falta de determinação para a ação quando é observado trabalho fora do padrão; e falta de implementação prática (treinamento nos padrões), muito embora os padrões possam estar disponíveis nos locais de trabalho. Para sanar esses e muitos outros problemas que podem surgir durante a implementação da padronização, é necessário estabelecer um plano de implementação consistente, que assegure em cada uma de suas etapas os cuidados necessários para evitar a ocorrência desses percalços, tal como proposto por Campos (1992). Para finalizar esta questão, Suzaki (1987) afirma que, sem padrões, o aperfeiçoamento é muito limitado, pois as ações sempre retornarão a um estado caótico e haverá somente trabalho de apagar incêndios (problemas) a ser feito. Ainda sobre este aspecto, a padronização costuma ter uma má conotação porque restringe a liberdade de todos em fazer seu trabalho da forma como gostariam. Porém, na opinião do mesmo autor, isso faz parte do trabalho da padronização, pois nem todas as variações individuais melhoram os métodos estabelecidos, como propõe Hall (1987). O objetivo da padronização é justamente este, o de definir a melhor forma de realizar uma atividade, em consenso com todos os colaboradores que a executam, de forma a atingir o resultado esperado (previsibilidade), com qualidade e com o menor custo. 4.2. Implementação da padronização em serviços A padronização de processos segue uma metodologia utilizada universalmente para organizações de manufatura e de serviços, apoiada por trabalhos de diversos autores (Lee et al., 1999; Barros Filho e Tubino, 1998; Bergamo Filho, 1999; Lamprecht, 1994; Lamprecht e Ricci, 1997; Turrioni, 1992). Com o surgimento, na década de 80, das normas de sistemas de gestão da qualidade, notadamente a família ISO 9000, a padronização tem sido adotada como a base para o estabelecimento e implementação de tais sistemas. O sistema de gestão da qualidade proposto pelas normas da família ISO 9000 teve como base até sua revisão de 1994, a abordagem da garantia da qualidade. A revisão da norma aprovada em 2000 tem como base a abordagem da gestão da qualidade (Laszlo, 2000). Ou seja, a norma evoluiu de uma abordagem voltada para a qualidade do produto para outra voltada para o negócio e para a satisfação das necessidades dos clientes. Entretanto, a implementação de um sistema de gestão da qualidade e, conseqüentemente, da padronização, é alvo de algumas críticas (Burgess, 1999 e Dick, ENEGEP 2002 ABEPRO 3

2000), tais como: promover a criação de uma papelada burocratizante; a ênfase na conformidade requer provar que o sistema funciona tendo por base a documentação e não os resultados que ele proporciona; os padrões criados são estáticos, engessam os processos e não levam a atingir os seus objetivos para produtos e serviços; a padronização requerida para a implementação de um sistema de gestão da qualidade inibe a criatividade. Todas essas críticas, e muitas outras que podem vir a surgir, não são infundadas, mas são fruto da implementação de sistemas de gestão da qualidade que não levaram em consideração a individualidade das organizações pois, segundo Conti (1999), na organização que aprende, os padrões do sistema de gestão da qualidade são um conjunto de regras dinâmicas, sujeitas a revisões contínuas sob a luz dos novos conhecimentos, das novas práticas e do progresso obtido pelas organizações líderes do mercado. Como se verifica através da classificação dos serviços hoteleiros dada pela tabela 1, os hotéis são tratados, pela maioria dos autores, como sendo uma loja de serviços, apresentando como características principais: serviços de curta duração e com baixo volume de clientes processados, valor do serviço tanto na linha de frente quanto na retaguarda e com boas oportunidades para a padronização de operações. Sendo assim, algumas questões devem ser levantadas inicialmente, em relação ao sistema de padronização em serviços: a) A padronização pode ser aplicada a organizações e processos de serviços? b) Quais as suas limitações e quais os benefícios obtidos? c) Como os processos de serviços devem ser padronizados? Na tentativa para buscar respostas a essas questões, realizamos os estudos de casos descritos a seguir. 5. Estudos de casos 5.1 Justificativa da escolha O pré-requisito para a escolha dos hotéis para a realização dos estudos de caso foi: hotéis com sistemas da qualidade certificados ou em fase final de implementação. Os hotéis que atendessem a este primeiro critério nos assegurariam a existência da padronização, uma vez que os sistemas de gestão da qualidade baseados nas normas NBR ISO 9000 inserem a padronização dos processos como uma das principais ferramentas para a modelagem do sistema. 5.2 Roteiro da coleta de dados Para responder às perguntas feitas no item 4.2, foi desenvolvido um questionário com o objetivo de responder a todas essas questões, servindo como um roteiro durante a elaboração do estudo de caso. Esse roteiro foi divido em quatro etapas: planejamento da padronização, implementação da padronização, avaliação da padronização e melhoria na padronização. 5.3 Apresentação dos casos Para melhor visualização, a apresentação é feita utilizando-se a Tabela 2. 6. Análise dos dados A análise dos dados coletados através dos estudos de casos mostrou que, de uma forma geral, a estratégia para implementação de um sistema de gestão da qualidade e, por conseguinte, da padronização em serviços não difere muito daquela empregada em organizações de manufatura. ENEGEP 2002 ABEPRO 4

Assunto Caso 1: Grande Hotel Campos do Jordão Caso 2: Hotel Ibis São Paulo Expo Caso 3: Novotel São Paulo Morumbi Rede SENAC/SP. Accor. Accor. Segmento do negócio Hotel de luxo para lazer e eventos Hotel econômico para eventos. Hotel de luxo para atender empresários. Classificação 5 estrelas (não classificado pela Embratur) 3 estrelas (não classificado pela Embratur). 4 estrelas (não classificado pela Embratur). Sistema da ISO 9001:2000 (em fase ISO 9002:1994 desde 2000. ISO 9002:1994 desde 1998. qualidade final de implementação) Estrutura organizacional Tipos de documentos Tipos de mídia empregados Padronização no palco Padronização nos bastidores Mecanismos à prova de erros Participação dos funcionários Recuperação do serviço Avaliação dos resultados Principais benefícios Principais dificuldades Incorporação de melhorias Gerente geral, coordenador (representante da administração), seis gerentes setoriais, apoiados por consultoria externa. Manual da qualidade (MQ), instruções de trabalho e manual de treinamento. Cópia eletrônica (MQ) e cópia física para demais documentos (papel e foto). Sim, mas com enfoque diferenciado para satisfazer os clientes. Sim, para cumprir rigorosamente o padrão. Diretor, diretor assistente, gerência geral da unidade (representante da administração), assistentes, encarregados e colaboradores, apoiados por consultoria externa. Manual da qualidade e manuais de procedimentos. Cópia física (papel e fotos). Sim. O funcionário deve cumprir rigorosamente o padrão. Sim. O funcionário deve cumprir rigorosamente o padrão. Gerência geral, chefias e colaboradores. A Coordenadora de Eventos é a representante da administração para o sistema de gestão da qualidade. Manual da qualidade, procedimentos e instruções de trabalho. Cópia física (papel e fotos). Sim, mas os padrões definem os requisitos mínimos para satisfação dos clientes. Sim, mas os padrões definem os requisitos mínimos para satisfação dos clientes. Não utilizados no sistema. Não utilizados no sistema. Não utilizados no sistema. Tanto na elaboração quanto na melhoria, através de pesquisa feita pelo Coordenador da Qualidade. Não utilizada no sistema. Através de análise semanal do cronograma de implementação. Existe uma estrutura de nove objetivos da qualidade. Melhoria na integração entre os funcionários A rotatividade dos funcionários era alta antes da implementação do sistema da qualidade. Através de sugestões de funcionários e de questionários de pesquisa de satisfação de clientes. Tanto na elaboração quanto na melhoria, através de sugestões espontâneas e de reuniões programadas. Sim, através do contrato de satisfação de 15 minutos. Através de indicadores da qualidade de custos (consumo de energia) e de satisfação do cliente. Redução nos custos e aumento na satisfação dos clientes. Tropicalização dos padrões do sistema da qualidade que vieram da matriz na Europa. Através de sugestões dos funcionários e do sistema de ações corretivas (inclui reclamação dos clientes) e preventivas. Tabela 2: Resumo dos estudos de casos Participam na melhoria dos padrões através de sugestões feitas a seus chefes. Não utilizada no sistema. Através da apuração de dados do formulário de pesquisa a clientes, denominado contente/ descontente. Diminuição das reclamações de clientes, aumento do número de elogios, redução de custos com energia e pequena redução da mão de obra. Direcionamento, no início, para o antigo sistema de organizações e métodos (O&M), que engessou algumas atividades. Através do formulário de pesquisa a clientes denominado contente/ descontente. ENEGEP 2002 ABEPRO 5

A estrutura montada pelas três organizações estudadas para a implementação do sistema de gestão da qualidade é sempre focada na figura de um coordenador, quase sempre responsável pela editoração e controle da documentação e multiplicação do treinamento para outros níveis hierárquicos, apoiado por uma consultoria externa. Os padrões gerados são aqueles já tipicamente conhecidos: manual da qualidade, procedimentos, instruções de trabalho e manuais de treinamento. Apenas o Grande Hotel apresentou uma abordagem diferenciada, deixando os detalhes operacionais dentro do chamado manual de treinamento, um documento que, ao contrário dos demais mencionados, não era distribuído aos envolvidos, sendo apenas usado durante o treinamento dos mesmos e mantido arquivado pelo responsável pela área de treinamento. A seqüência de implementação desses padrões também não apresentou nenhuma novidade, a não ser pelo Hotel Íbis que, por ser um hotel de uma rede que estrategicamente optou pela certificação do sistema da qualidade de todos os seus hotéis, recebeu os padrões prontos, tendo apenas que adapta-los à sua realidade. De fato, em alguns casos, teve que adaptar a sua realidade para atender aos padrões, cuja origem está na França, com realidades contrastantes em relação à brasileira. O tipo de mídia empregada para a emissão desses padrões nesses hotéis foi a cópia física (papel), com algumas fotos ilustrativas para melhorar o entendimento, o que mostra uma certa resistência em se adotar o formato eletrônico para disseminação dos padrões, possivelmente pelo custo significativo dessa iniciativa. Somente no Grande Hotel esta abordagem foi adotada e, mesmo assim, apenas para o manual da qualidade. Nenhum dos hotéis pesquisados aplicou mecanismos à prova de bobagens (foolproof ou poka-yoke) no seu sistema de gestão da qualidade, como uma forma de evitar a ocorrência de falhas. Durante as entrevistas, observou-se que muitos dos entrevistados até mesmo desconheciam essa técnica, muito pouco difundida para aplicação em serviços, como se pôde observar durante a revisão bibliográfica feita para a elaboração deste trabalho. A possível limitação em relação a implementação dos padrões de trabalho nas operações de linha de frente, onde os clientes participam na produção e prestação do serviço, em contraposição com as operações de retaguarda, onde os serviços são produzidos sem a participação do cliente, foi uma das nossas preocupações na realização desta pesquisa. Contudo, a pesquisa nos três hotéis nos mostrou que tanto as atividades da linha de frente quanto as da retaguarda podem ser padronizadas. Porém, algumas limitações devem ser observadas em relação à padronização das atividades dos serviços de linha de frente, dependendo da estratégia do negócio da organização. Por exemplo, o Grande Hotel e o Novotel Morumbi (hotéis centrais e de luxo), estabeleceram padrões mínimos de atendimento para seus funcionários de linha de frente, mas que poderiam ser relevados desde que para atender ou exceder as expectativas ou necessidades de seus hóspedes, mesmo porque essa era uma das diretrizes das suas políticas da qualidade. As melhorias nos padrões são incorporadas basicamente através dos questionários de pesquisa com os clientes e de sugestões proativas ou reativas dos funcionários. As sugestões, por sinal, foram a forma anunciada de como esses colaboradores participam na padronização de seus processos. A recuperação do serviço foi um assunto pouco tratado de maneira formal dentro dos sistemas de gestão da qualidade dos hotéis pesquisados, sendo utilizada apenas por um deles. Finalmente, os estudos de casos mostraram que os indicadores da qualidade são as ferramentas mais utilizadas para a análise dos resultados da padronização dos processos. Estes indicadores mostraram que a padronização dos processos e a implementação de um sistema de gestão da qualidade proporcionaram resultados positivos em relação à melhoria ENEGEP 2002 ABEPRO 6

na moral dos colaboradores, redução nos custos, redução de mão de obra e redução do número de reclamações dos hóspedes. 7. Resultados e conclusões A padronização pode ser aplicada aos processos de prestação de serviços, em especial na hotelaria, de forma a assegurar a repetibilidade, a previsibilidade e a qualidade que os hóspedes esperam do serviço que estão adquirindo. A única limitação a ser considerada é na padronização dos processos da linha de frente que, conforme a estratégia do hotel, pode orientar os colaboradores sobre os critérios mínimos da qualidade de atendimento que devem ser seguidos, sendo que, quando o hóspede exigir algo a mais eles deverão valer-se do empowerment (autonomia) para buscar satisfazer ou encantar o cliente (no caso dos hotéis de luxo). No caso do hotel econômico, o padrão mínimo de atendimento foi seguido para não onerar os custos da estratégia adotada por este tipo de hotel. A sistemática para a implementação da padronização (ou de um sistema de gestão da qualidade) em processos de serviços em hotelaria deve começar pela escolha de um coordenador, que terá a responsabilidade de orientar e coordenar as pessoas da organização para as atividades de implementação. Cada setor ou departamento do hotel deve possuir um líder que coordenará o processo de padronização, junto aos seus subordinados, dentro de sua área de atuação. Cada área pode iniciar os trabalhos pelo mapeamento dos seus processos, através do qual serão elaboradas instruções operacionais e procedimentos gerenciais. Finalmente, deve ser elaborado o manual da qualidade, que um guia estratégico (visão macro) de todo o sistema de gestão da qualidade da organização. O auxílio externo de uma consultoria pode ser usado, desde que o coordenador não tenha a experiência necessária para a implementação do sistema de gestão da qualidade sem o seu auxílio. Finalmente, esperamos também que o levantamento bibliográfico feito para a realização do presente trabalho e discutido no texto possa ser de valia para outros pesquisadores interessados na problemática da qualidade de serviços. 8. Agradecimento Gostaríamos de agradecer a CAPES pelas bolsas de iniciação científica que financia, através das quais é promovida a pesquisa científica no Brasil, tendo viabilizado a realização do presente trabalho. 9. Referências bibliográficas BARROS FILHO, José Roberto e TUBINO, Dalvio Ferrari. Gerenciamento de processos: uma base sólida para a reestruturação fabril. Revista Produto & Produção, Vol. 2, No. 3, pp. 118-130, 1998. BERGAMO FILHO, Valentino. ISO 9000 em Serviços: Um Passo para a Qualidade Total. Conceitos, Casos e Explicações. Editora Makron Books, São Paulo, 1999. BURGESS, Norman. Standards and TQM at the opening of the twenty-first century. The TQM Magazine, Vol. 11, No. 6, pp.456-460, 1999. CAMPOS, Vicente Falconi. Qualidade total padronização de empresas. Fundação Chistiano Ottoni, 4 a. Edição, Belo Horizonte, 1992. CAMPOS, Vicente Falconi. TQC: gerenciamento da rotina do trabalho do dia a dia. Fundação Christiano Ottoni, Rio de Janeiro, 1994. CASTELLI, Geraldo. Excelência em hotelaria: uma abordagem prática. Qualitymark, Rio de Janeiro, 1994. CONTADOR, José Celso. Modelo geral das atividades da empresa. Revista Gestão & Produção, Vol. 8, No. 3, p. 219-236, 2001. ENEGEP 2002 ABEPRO 7

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