Encontro Qualidade em cuidados de saúde avaliação e melhoria



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Transcrição:

Pedro Pita Barros 1 Encontro Qualidade em cuidados de saúde avaliação e melhoria (Encontro Anual da Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, 26 e 27 de Novembro, 1998; Auditório da FIL) Custos e qualidade Pedro Pita Barros 1 Entendo a proposta deste tema como um convite à discussão dos efeitos da qualidade sobre os custos, e será nesse sentido que irei orientar a exposição. Em particular, irei procurar responder à questão: qual o efeito da qualidade sobre os custos?. A preocupação com a qualidade tem aumentado nos últimos tempos. Vários factores, identificados por diversos autores, contribuem para essa maior atenção: as preocupações com a contenção de custos ; maior atenção da população aos aspectos de qualidade ; a qualidade é cada mais um factor de escolha; e, a alteração dos mecanismos de financiamento, com a introdução de risco financeiro para os prestadores, tem criado algum receio de uma diminuição da qualidade. Face a estas preocupações, as entidades prestadoras de cuidados médicos têm procurado reagir. Uma prova desse interesse é a realização deste encontro. Torna-se importante definir o que é qualidade, tanto mais que várias definições são possíveis e usadas, gerando alguma confusão. Irei propor uma distinção com base em aspectos fundamentais. Antes de proceder a essa distinção, vejamos algumas definições de qualidade: 1 Professor Associado, com Agregação. Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa, Travessa Estevão Pinto, 1070 Lisboa. Email: ppbarros@fe.unl.pt

Pedro Pita Barros 2 Qualidade na saúde: é satisfazer e diminuir as necessidades e não responder à procura, oferecendo mais; é ser proactivo para prevenir e dar resposta e não para a procura de novas oportunidades de mercado; é reunir integradamente como atributo a efectividade, eficiência, aceitabilidade e a equidade e não a exigência única de aceitabilidade. Ministério da Saúde, Sistema Português da Qualidade na Saúde, 1998 Qualidade: assegura aos doentes a existência de um nível aceitável de cuidados Diana Sale, Garantia da Qualidade nos Cuidados de Saúde, 1998 Qualidade em saúde é o grau em que os serviços de saúde aumentam a probabilidade de resultados de saúde desejáveis e são consistentes com a prática profissional corrente. Institute of Medicine, 1990 Estas definições são de tal modo vagas que não são de qualquer utilidade, podendo ser resumidas como deve-se fazer o melhor possível. Há muitas outras definições que têm sido apresentadas, mais ou menos longas, mais ou menos claras sobre o seu significado. No entanto, para debater o efeito sobre os custos de fu, as entidades prestadoras de cuidados m é necessário ter uma maior precisão e rigor no que se define como qualidade.édicos têm procurado reagir. Uma prova desse interesse é a realização deste encontro. Há muitas outras definições que têm sido apresentadas, mais ou menos longas, mais ou menos claras sobre o seu conteúdo. Contud, é essencial pensar em qualidade de uma forma útil para responder à questão colocada inicialmente. Destas definições de qualidade torna-se claro que o aspecto fundamental subjacente à maioria delas é de se centrarem na organização interna da entidade prestadora. De acordo com estas definições, qualidade significa ter um processo produtivo que, condicional ao serviço ou bem que se pretende fornecer, implique a melhor utilização de recursos possível.

Pedro Pita Barros 3 No entanto, existe uma outra noção de qualidade, associada com as percepções dos utilizadores dos serviços de saúde. De forma genérica, qualidade são atributos dos cuidados médicos prestados que aumentam o valor desses cuidados médicos para o utilizador. Ou dito de outra forma, qualidade para o doente é a medida em que os atributos/características dos cuidados médicos prestados satisfazem as suas necessidades. Esta noção é qualidade em sentido externo à organização enquanto a anterior é qualidade em sentido interno à organização. Para tornar mais simples a exposição, designarei a primeira por qualidade externa e a segunda por qualidade interna. Esta distinção, raramente feita, é crucial para se avaliar os efeitos esperados de aumento da qualidade sobre os custos dos serviços de saúde. Note-se que muitas vezes se mistura a análise de processo e análise de resultados produzidos (associado ao que designei por qualidade interna) com satisfação dos utilizadores (que são um resultado produzido, mas numa dimensão diferente). Iniciando a discussão pela qualidade em sentido externo à organização, admita-se por um momento que a entidade prestadora se encontra organizada da melhor forma possível e que não há qualquer desperdício de recursos. Aumentar a qualidade em sentido externo significa providenciar ao utilizador maior quantidade de um (ou vários) atributo. Ora, não havendo, por hipótese de partida, desperdício, maior qualidade significa aqui maiores custos totais de prestação de cuidados médicos. Há, contudo, que referir que não se está a realizar qualquer juízo de valor sobre se esse aumento de custos é bom ou não, tal depende de saber se os benefícios de maior qualidade compensam os custos de providenciar essa maior qualidade. E maior qualidade nem sempre compensará os maiores custos. Exemplo: realização de um TAC sempre que tiver febre acima de 38 graus. Claramente, há maior qualidade no sentido em que existe uma probabilidade superior de identificar qualquer problema que provoque a febre; contudo, essa probabilidade é tão baixa, que normalmente não compensa os custos de fornecer esse nível de qualidade.

Pedro Pita Barros 4 Exemplo: simpatia no atendimento. O custo de um sorriso é normalmente pequeno, mas o conforto que o utilizador recebe implica um benefício (intangível) superior a esse custo. Apesar da importância deste aspecto da qualidade, a maior parte das discussões actuais centra-se nos aspectos de qualidade interna à organização, motivada, pelo menos em parte, pela percepção de existência de forte desperdício de recursos. A falta de qualidade em sentido interno à organização reflecte-se em dois grupos de efeitos: 1. utilização excessiva de recursos, no sentido em que menos recursos podem ser usados para atingir o mesmo resultado final; e 2. os recursos usados não permitem atingir o resultado final desejado, embora tal suceda noutras organizações. Embora ambos configurem situações de desperdício de recursos, as implicações em termos de custos são diferentes. Quando o volume de recursos não permite o resultado final desejado, sendo esse resultado alcançado por outras organizações que usam recursos equivalentes, o aumento de qualidade significa que com os mesmos recursos se faz mais. Em termos de custos totais, o sistema de saúde gasta exactamente o mesmo, em termos unitários, por produção realizada, gasta menos (divide o mesmo custo total por uma produção maior). Quanto à primeira situação, utilização excessiva de recursos para o resultado final desejado, uma maior qualidade significa a poupança de recursos, que podem ser canalizados para outros fins. Consequentemente, o aumento de qualidade é aqui sinónimo de menores custos do sistema de saúde. Têm sido identificadas três grandes tipos de medidas de promoção da qualidade, entendida no sentido de organização interna das entidades prestadoras:

Pedro Pita Barros 5 1. Regulamentação das condições de qualidade essencialmente emissão de normas; ignora que os agentes económicos (os profissionais de saúde) agem de acordo com o enquadramento em que se encontram; é difícil conceber que a mera elaboração de normas leva à garantia de qualidade, isto é, a uma adequada organização e eficiência interna dos prestadores. Não cria nas entidades prestadores um interesse por uma perspectiva dinâmica de promoção da qualidade, e tem associados sérios problemas de verificação. 2. Autoregulação em que a promoção de iniciativas em que os próprios profissionais de serviços de saúde reconhecem e aderem à medidas tendentes a garantir a eficiência da sua organização; Tem como principal desvantagem o ser permeável a interesses corporativos, uma vez que a avaliação pelos pares assume aqui papel importante. O instinto de protecção de classe profissional poderá dominar o identificar de situações de menor qualidade. 3. Concorrência e sistemas de incentivos tendo os financiadores e/ou os utilizadores capacidade e informação para escolherem entre diferentes prestadores, a sobrevivência destes últimos (ou o seu nível de remuneração) depende da capacidade de oferecer serviços de qualidade, uma vez que este será um critério de selecção importante. A grande questão que se coloca sempre é saber se existe de facto informação suficiente para que esta pressão da escolha por parte dos financiadores e utilizadores se sinta de forma sensível. A estratégia óptima envolve tipicamente recurso a aspectos destes três tipos de medidas: normas, licenciamento,etc... como forma de assegurar qualidade mínima na prestação; promoção do interesse dos prestadores na procura de qualidade, uma vez que sem este auto-interesse nada se conseguirá; estabelecimento de condições de enquadramento que incentivem, explicitamente ou implicitamente, a procura de qualidade. As outras sessões desenvolveram com algum detalhe aspectos particulares de um ou mais de cada uma das medidas identificadas. Em qualquer caso, o caminho da procura da qualidade não é fácil, o impacto sobre os custos não é claro e frequentemente terão que ser resolvidos conflitos entre os vários

Pedro Pita Barros 6 objectivos. A forma de os resolver pode diferir de instituição para instituição e de um momento no tempo para outro. Pode também suceder que não surjam conflitos, e então o caminho a seguir é mais consensual. Se a procura de qualidade interna gerar um novo processo produtivo, tal que são poupados recursos e ao mesmo tempo permite-se uma maior satisfação do utilizador, então tem-se um aumento em ambas as dimensões de qualidade interna e externa, face à situação de partida. É o que se poderá denominar de fazer melhor a menores custos. Um exemplo são os procedimentos que obrigam à presença do doente para preenchimento de múltipla papelada. Se os serviços estiverem organizados para o utilizador em vez de se deslocar 2 vezes por meia hora se passe a deslocar uma vez por 45 minutos para efeitos burocráticos (ou outros que queiram identificar), então não só a organização alcança maior qum aumento em ambas as dimensões de qualidade interna e externa, face à situação de partida. É o que se poderá denominar de fazer melhor a menores custos. Um exemplo são os procedimentos que obrigam à presença do doente para preenchimento de múltipla papelada. Se os serviços estiverem organizados para o utilizador em vez de se deslocar 2 vezes por meia hora se passe a deslocar uma vez por 45 minutos para efeitos burocráticos (ou outros que queiram identificar), então não só a organização alcança maior q qualidade interna, sendo nessas circunstâncias bastante mais problemático definir um indicador único de qualidade e o efeito sobre os custos da procura de maior qualidade. Exemplo: marcação de consultas. O exemplo não pretende representar a situação de uma unidade prestadora de serviços de saúde em concreto. Tem como único objectivo ilustrar da forma mais clara possível o tipo de conflitos que existe (e persistirá) na actividade corrente, tornando difícil, e até ambígua, a procura de um compromisso entre qualidade e contenção de custos. Voltando ao exemplo, admitam-se as seguintes hipóteses: 1. existem dois tipos de doentes, que diferem no tempo de consulta que necessitam; há os requerem 15 minutos de consulta e os que requerem 45 minutos de consulta; Obviamente, a realidade tem muito maior diversidade de situações, e na verdade

Pedro Pita Barros 7 devía-se incluir a possibilidade de o doente faltar à consulta (um fenómeno que não é tão invulgar assim nas consultas externas dos hospitais, por exemplo). Em lugar de complicar o exemplo, deixo a conjectura de que nada de essencial muda com a adição desses aspectos. 2. existe igual número de doentes de cada tipo; 3. o médico é pago à hora (e não à consulta); Admite-se, como simplificação, que os únicos custos relevantes para a organização são os custos monetários com o salário do médico, que se admite divisível no temp Obviamente, a realidade tem muito maior diversidade de situações, e na verdade devía-se incluir a possibilidade de o doente faltar à consulta (um fenómeno que não é taõ invulgar assim nas consultas externas dos hospitais). 4. a satisfação dos doentes é medida pelo tempo de espera no dia da consulta.enómeno que não é tão invulgar assim nas consultas externas dos hospitais, por exemplo). Em lugar de complicar o exemplo, deixo a conjectura de que nada de essencial muda com a adição desses aspectos. Admite-se, como simplificação, que os únicos custos relevantes para a organização são os custos monetários com o salário do médico, que se admite divisível no temp relação seja constituída. As hipóteses são discutíveis, mas mais do que o fazer, é mais interessante ver onde nos levam e tentar perceber se as implicações resultantes serão válidas também em contextos mais gerais. Problema: consultas marcadas de forma mais espaçada dão origem a menor tempo de espera, mas o médico poderá estar por vezes inactivo, à espera (o que tem custos monetários para a organização). Se a contenção de custos for o único objectivo, a decisão óptima de marcação de consultas é mandar as pessoas estarem todas ao mesmo tempo no local de consulta, sendo atendidas sequencialmente. Dando apenas valor à satisfação do doente, as consultas devem ser marcadas de 45 em 45 minutos. Tem-se a certeza que o tempo de espera de cada doente é zero. Mas os

Pedro Pita Barros 8 custos são mais elevados. Basta pensar que se a consulta demorar apenas 15 minutos, o médico fica inactivo 30 minutos, que têm que ser pagos. Atinge-se qualidade externa à custa de qualidade interna. Façamos uma terceira tentativa, que estará na cabeça de alguns: se em média uma consulta demora 30 minutos (metade das consultas dura 15 minutos, metade das consultas demora 45 minutos), é suficiente estabelecer consultas de meia em meia hora. ERRADO! O tempo de espera médio é estritamente positivo. Tomemos a segunda consulta do dia, marcada para meia hora depois da primeira. Qual o tempo antecipado de espera? Com probabilidade 1/2 a primeira consulta demora 15 minutos e o tempo de espera é zero; com probabilidade 1/2 a primeira consulta demora 45 minutos e o tempo de espera é de 15 minutos. Em média, cada indivíduo irá esperar 7,5 minutos. Por outro lado, o médico estará menos tempo inactivo, o que lhe permite atender o mesmo número de pessoas em menos tempo (e portanto com menores custos monetários). O quadro seguinte apresenta alguns valores exemplificativos, que estão graficamente representados na Figura 1. tempo de espera médio tempo entre 2ª consulta 3ª consulta tempo tempo total consultas inactivo 0 30 60 0 90 5 25 50 0 90 10 20 40 0 90 15 15 30 0 90 20 12,5 25 7,5 95 25 10 20 15 100 30 7,5 15 22,5 105 35 5 10 30 110 40 2,5 5 37,5 115 45 0 0 45 120

Pedro Pita Barros 9 Exemplo: marcação de consultas 140 120 100 80 60 2ª consulta 3ª consulta tempo inactivo tempo total 40 20 0 0 10 20 30 40 50 tempo entre consultas Onde está a escolha óptima de qualidade? Não sei, e duvido que alguém o possa dizer, pelo menos sem fazer uma comparação entre a satisfação do doente num atendimento mais rápido e os custos de um maior tempo de disponibilidade do médico. Há que fazer um balanço entre alcançar objectivos de qualidade interna e objectivos de qualidade externa. O efeito sobre os custos de funcionamento da organização irão depender desse balanço. Realce-se, uma vez, mais que não estou a fazer qualquer juízo de valor sobre esse aumento dos custos. Os benefícios decorrentes de um maior espaçamento entre consultas podem mais do que compensar os custos a ele associados, significando que é desejável esse maior espaçamento. Olhando para a realidade portuguesa, claramente nos últimos anos, a satisfação do doente tem ganho maior destaque, e a marcação de consultas tende a modificar-se. Quais os elementos importantes deste exemplo? qualidade é um conceito vago, com várias dimensões que podem ser conflituantes,em determinadas circunstâncias;

Pedro Pita Barros 10 quando essas dimensões não são conflituantes, o caminho a seguir no sentido de uma maior qualidade será relativamente claro; No caso do sistema de saúde português, será provavelmente fácil para os profissionais do sector descobrirem facilmente casos em que não há este conflito. quando são conflituantes, há que tomar decisões, e instituições diferentes até poderão procurar soluções diferentes; A percepção do que em cada momento constitui o balanço certo dos vários aspectos em jogo é algo que depende das pessoas que se encontram à frente das instituições, departamentos, serviços. O efeito sobre os custos depende de muitos elementos, sendo que a distinção entre qualidade externa e qualidade interna permite uma primeira grande divisão. A procura de qualidade externa levará em geral a maiores custos; a procura da qualidade interna originará em geral menores custos. Face à situação actual do sistema de saúde português, antecipa-se que em muitas instâncias, a procura de qualidade interna gerará também maior qualidade externa e poupanças de recursos. Não há que temer soluções diferentes e alguma diversidade na busca de qualidade. A necessidade fazer este balanço significa que não é sequer possível impor de cima uma definição operacional de qualidade a ser preenchida que seja completa. Há, por outro lado, que ter a coragem de terminar com as experiências que não tenham sucesso, evitando prolongar a vida de caminhos que se revelem à posteriori errados (embora à priori pudesse não ser claro o resultado final; um resultado final que não corresponda às expectativas não significa necessariamente que a decisão inicial tenha sido errada). Finalmente, há um outro aspecto muito interessante, que não tem cabimento desenvolver no tempo disponível, e que gostaria de trazer apenas ao conhecimento da audiência: a elaboração de sistemas de pagamento aos prestadores de serviços de saúde, que dêem incentivos à qualidade e à contenção de custos simultaneamente. Esta discussão fica, por motivos de tempo, para outra oportunidade. Existem actualmente inúmeras formas de tentar avaliar a qualidade (externa ou interna). Propositadamente, evitei falar dos aspectos concretos de como promover ou

Pedro Pita Barros 11 medir a qualidae, que julgo terem sido tratados com algum detalhe noutras comunicações. Espero que os princípios gerais que procurei enunciar e apresentar ajudem a compreender melhor a lógica, as possibilidades, os limites e os efeitos sobre os custos das diferentes alternativas com que se depararão na actividade profissional.