RESENHA: O TEXTO NOS ESTUDOS DA LINGUAGEM: ESPECIFICIDADES E LIMITES, DE FREDA INDURSKY



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Transcrição:

Página181 RESENHA: O TEXTO NOS ESTUDOS DA LINGUAGEM: ESPECIFICIDADES E LIMITES, DE FREDA INDURSKY Jair Joaquim Pereira 1 Freda Indursky, neste texto, apresenta uma importante e consistente reflexão acerca da categoria texto à luz de diferentes teorias inscritas nos estudos da linguagem. Mais especificamente, avisa que pretende investigar a noção de texto pelo viés dos seguintes campos teóricos: linguística textual, teoria da enunciação, semiótica e análise de discurso. De início, Indursky afirma que o sentido do texto se alterna de acordo com o aparato teórico que o sustenta. Com a proposta delineada, a autora inicia um retorno histórico em busca do momento em que a noção de texto começa a ser formulada. Esse percurso leva a Quintiliano (95 d.c) como o criador de uma primeira reflexão sobre texto. Indursky refere-se a Quintiliano utilizando-se de Adam (1999), que por sua vez, sustenta o seu dizer nos estudos de Barbotin e de Rigolot. A leitura de Quintiliano por meio de Adam, revela, à autora, que os estudos sobre a noção de texto têm atravessado séculos. A partir de Adam (1999), Indursky inicia uma verdadeira garimpagem, no dicionário latimportuguês (FARIA, 1956), acerca do conceito de texto e conclui que a questão do texto retoma ao período clássico e era pensada por autores que se ocupavam da Oratória, de Filosofia e de Gramática. Valendo-se dessa busca, a autora questiona o declínio da reflexão sobre a categoria texto e formula três diferentes hipóteses. A primeira hipótese, para Indursky, é a passagem dos estudos em latim para os estudos nas diversas línguas neolatinas. Quintiliano, no período clássico, utilizava a gramática para ensinar oratória; já, os gramáticos da língua moderna usam a gramática para descrever as línguas neolatinas, porém, distantes dos estudos da Oratória e da Retórica. Indursky observa que o texto não é objeto de análise para os gramáticos da língua moderna e ressalta que esses gramáticos tinham um entendimento de que para produzir textos bem formulados, bastava o falante dominar as regras gramaticais e saber compor frases em períodos articulados. Frase e período tornam-se objetos de análise gramatical. Adiante, Indursky apresenta a sua segunda hipótese a partir de uma leitura dos fundamentos da linguística. São apresentadas, pela autora, inúmeras observações de cunho geral acerca da teoria de Saussure, dentre elas: a língua é um sistema formado por signos; a passagem do estudo do signo para o estudo da frase ocorreu inicialmente pelos estruturalistas e, em seguida, por Chomsky; o contexto dos elementos que compõem a língua é o próprio sistema; a linguística limita-se ao trabalho nos níveis fonológico, morfológico e sintático da língua. A estas observações gerais a respeito da linguística, a autora acrescenta a exclusão do falante por Saussure, que incide diretamente sobre a 1 Professor da Faculdade Municipal de Palhoça (FMP), e-mail: jair_jpereira@hotmail.com.

Página182 problemática aqui em discussão. Essa exclusão, no entendimento da autora, é uma das causas de o texto, enquanto objeto teórico, não ter sido mobilizado pela linguística, uma vez que o texto remete para a atividade de um sujeito. O sujeito e as suas práticas linguísticas, como a produção textual, por exemplo, foram desconsiderados pelos linguistas. Por isso, conclui a autora, o texto não se constitui objeto de estudo para a linguística. Mais a frente, Indursky discorre sobre dois linguistas que trataram o texto de modo peculiar: Hjelmslev (1943) e Jakobson (1956). Sem obedecer ao critério cronológico, por razões que a autora explica mais a frente. Quanto a Jakobson (1956), a autora afirma que este autor relê Saussure, e por meio dessa releitura, redireciona algumas questões já consolidadas para a linguística. Por exemplo, Jakobson, ao contrário de Saussure, não exclui o sujeito que fala. Contudo ressalta que esse sujeito é submetido ao duplo funcionamento da linguagem. Ou seja: sob o domínio do sistema linguístico, o locutor é totalmente submetido ao sistema, mas à medida que passa o limite da frase, conquista sua liberdade. Jakobson (1956), para a autora, utiliza-se da oposição coerção/liberdade. A coerção, por sua vez, refere-se às determinações do próprio sistema; já a liberdade permite a produção textual do locutor. Porém, em ambas as situações descritas, tem-se a presença do locutor. Ainda para Indursky essa referência à liberdade só é possível, porque os linguistas consideram o texto como algo além das fronteiras da frase. Adiante, a autora passa a apresentar a posição do linguista Hjelmslev (1943), face à categoria texto. Do mesmo modo que Jakobson (1936), Hjelmslev (1943) conhece a obra de Saussure sobre a qual propôs algumas releituras, especialmente, em torno da arbitrariedade do signo e sobre a própria natureza do signo linguístico. Vale dizer que essa releitura do signo feita por Hjelmslev (1943) não contrapõe a concepção sistêmica da língua, já consolidada por Saussure, pelo contrário, esse autor enfatiza ainda mais a língua um sistema autossuficiente. Para Indursky, em Hjelmslev (1943), interessa a sua proposta de uma teoria que não trate apenas da língua, mas da linguagem. Pois, é na esfera da linguagem que é possível pensar sobre o texto, já que este constitui uma das manifestações da língua. Outra contribuição para qual Indursky chama a atenção é para o deslocamento do texto enquanto objeto empírico, para uma categoria teórica possível de descrição. Foi isto que determinou, segundo a autora, a decisão de examinar o pensamento de Hjelmslev (1943) depois de passar por Jakobson, embora o texto desse último seja posterior. Hjelmslev (1943), para diferentes vertentes teóricas, foi quem primeiro definiu o texto como um objeto que carecia de descrição e tratamento teórico. Contudo, para Indursky, essas reflexões teóricas, considerando o texto como objeto de análise, trouxeram certa instabilidade para o campo da linguística. Por um lado, muitos linguistas, como Chomsky, acreditavam que o objeto da linguística é a frase. De outro, encontravam-se linguistas confusos por inúmeras perguntas que surgiam a todo tempo, mas que não poderiam mais ser respondidas à luz da teoria linguística. Tinha-se, pois, a clareza de que era necessário transpor as fronteiras impostas pela linguística da frase para que tal questionamento pudesse ser respondido. A autora ainda observa que é por meio de questionamentos dirigidos ao texto que nascem dois objetos de análise distintos: o texto e o discurso. E a partir de tais objetos surgem teorias para analisá-los.

Página183 Neste ponto do texto, Indursky sinaliza que vai se concentrar em quatro dessas teorias: a linguística textual, a teoria da enunciação, a semiótica e a análise de discurso. Lembra a autora que não tem a pretensão de um exame mais profundo acerca dessas teorias. Na verdade, procura buscar em cada uma delas a concepção de texto. A primeira teoria de análise do texto apresentada por Indursky é a linguística textual. De início, a autora adianta que não se pode falar em homogeneidade, pois se está em um campo de estudo da linguagem constituído sobre bases teóricas distintas. A seguir passa à exposição do percurso da linguística textual, iniciando pela análise transfrástica, para qual o texto ainda não é propriamente o objeto de análise, uma vez que os estudos a partir da frase continuam em evidência. Nessa fase inicial, considerava-se o texto como um prolongamento, ou mesmo, uma sequência coerente de frases. É na gramática textual que pela primeira vez o texto é considerado o objeto de análise central da linguística textual, segundo Indursky. Dessa forma, todo o conhecimento construído em torno do estudo da frase, anteriormente, estava, agora, a serviço do objeto texto. Nessa fase, pretendia-se escrever uma gramática suficiente para explicar os fenômenos linguísticos que não poderiam ser explicados pela análise transfrástica, uma vez que esses fenômenos rompiam o limite frasal. Logo, para a autora, os pesquisadores da linguística textual chegam ao texto como objeto de estudo e o definem na sua totalidade. Mais adiante ressalta Indursky que os linguistas do texto percebem que mesmo os princípios da gramática textual se mostram insuficientes para a realização de uma análise mais profunda com relação ao texto. É assim que surge uma nova fase na linguística textual, chamada por Indurksky de processamento do texto a qual perdura até os dias de hoje. Pelo processamento do texto, busca-se a constituição, o funcionamento e as próprias condições de produção do texto. Além do conceito de texto, de acordo com Indursky há três conceitos básicos, em linguística textual, que sempre devem ser considerados: textualidade, coesão e coerência. Também não se podem esquecer, segundo a autora, dos critérios de natureza pragmática: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade. Indursky, alerta para os empréstimos de outros campos do conhecimento à linguística textual. Se por um lado esses empréstimos tornam essa teoria mais ligada ao sujeito e aos sentidos do texto, por outro, deixam os seus limites indefinidos e apagam as noções teóricas que lhes são específicas. Entretanto, para Indursky, essas ressalvas não apagam o mérito da linguística textual: o de ter constituído um novo objeto de análise, o texto. O próximo viés teórico abordado por Indursky é a teoria da enunciação, fundada por Benveniste (1988). A autora inicia ressaltando que as primeiras preocupações dessa teoria não estavam relacionadas à noção de texto e, sim, ao enunciado. E recorre a Ducrot (1980) para diferenciar frase de enunciado e para assinalar que na teoria da enunciação: enunciado equivale a texto. A autora justifica essa equivalência apontando teóricos que entendem texto por este viés, entre os citados: Culioli (1973) na França e Guimarães (1995) no Brasil.

Página184 Para Indursky é a teoria da enunciação que permite o rompimento dos limites internos do texto, pois ela considera o contexto situacional em que se inscreve o locutor, bem como leva em conta também o interlocutor. O texto diferentemente da linguística textual, nessa concepção teórica, ultrapassa as suas relações internas ao considerar a exterioridade, os interlocutores e seu contexto de enunciação. No Brasil, ressalta a autora, Eduardo Guimarães (2002) é um dos pesquisadores do campo da linguagem que analisa a categoria texto, à luz da teoria da enunciação. O texto, para esse pesquisador, é tomado em suas relações internas também, mas sem perder de vista o seu contexto linguístico e as suas relações com a exterioridade. Além disso, Indursky ainda apresenta algumas abordagens importantes de Guimarães acerca da concepção de texto na teoria da enunciação, entre as quais: o sentido não é propriedade exclusiva do texto, assim não basta decodificar os diferentes mecanismos coesivos estabelecidos na superfície textual, entre outras palavras, as relações internas do texto são tão fundamentais como as internas. Adiante em seu texto, Indursky compara a linguística textual à teoria da enunciação. E constata: enquanto a primeira está fixada apenas no interior do texto e com a preocupação de construir uma sintaxe textual; a segunda procura mobilizar no texto tanto as relações internas como as externas, apontando para uma semântica do texto. Após essa constatação, a autora segue o seu texto, apresentando mais uma concepção teórica que trabalha com a categoria texto: a semiótica. Sobre a semiótica, Indursky, de início, lembra que é preciso situá-la no campo dos estudos da linguagem, para tanto busca em Saussure a definição de língua como um sistema de signos. Conforme a autora, Saussure ao admitir a existência de outros sistemas de signos, além do linguístico, já preconizava uma futura ciência a qual caberia a tarefa de estudar esses sistemas. Para tal tarefa, surgem duas teorias, sem muitas distinções, inicialmente: a semiótica e a semiologia. Nessa proposta de situar a teoria semiótica, Indursky não vê necessidade de aprofundar a discussão sobre as diferenças entre semiologia e semiótica. Apenas reconhece esta dualidade teórica acerca do sistema de signos. Limita-se a dizer que o quadro teórico importante da semiótica foi determinando a importância dessa teoria para os estudos da linguagem. E ainda lembra a autora que o objetivo principal de seu texto é vislumbrar como a teoria semiótica pensa a categoria texto. Após essas considerações, Insdursky faz referência a Hjelmslev (1943), como fundador deste novo campo teórico de estudos da linguagem. Por meio dos estudos desse teórico, a semiótica realiza uma releitura do signo de Saussure, ao propor que uma teoria dê conta do sentido das formas. Além de Hjelmslev, Indursky cita Greimas (1975) outro teórico considerado importante na teoria semiótica. É Greimas (1975) quem primeiro propõe o isolamento das unidades mínimas de significação, os semas, que em conjunto, formarão os sememas. Mais a frente, a autora baseando-se em Courtés (1979), reconhece que a semiótica se interessa por uma variedade considerável de objetos para análise. Esses objetos podem ser: texto, imagem, ritual ou música. Essa abundância de objetos, para a autora, diferencia bastante a semiótica das demais teorias aqui abordadas.

Página185 Quanto a essa busca, mais direcionada, pelo texto, na teoria semiótica, Indursky percebe que as noções de texto e discurso são usadas indiferentemente. Esta relação sinonímica indica que a autora está diante de uma teoria bastante diversa e muito mais ampla do que as anteriores aqui apresentadas. Assim, a autora decide que ao falar em texto na semiótica, estará, na verdade, se referindo aos processos semióticos linguísticos. Na sequência, Indursky ressalta que a semiótica se inspira na teoria gerativa para produzir um modelo que gere discursos. E, por meio da leitura de citações de Greimas (1975) e Courtés (1979), a autora percebe que a semiótica parte das estruturas mais profundas para, apenas ao final, acessar o nível propriamente textual. À frente, a autora estabelece uma série de comparações entre a semiótica e as teorias anteriormente aqui analisadas. Ao comparar a semiótica à linguística textual, por exemplo, Indursky observa que ambas as teorias interessam-se pelo texto e tomam certas noções produzidas pela linguística para o seu quadro teórico. As coincidências param por aí. Porque, em seguida, a autora afirma que linguística textual e semiótica possuem objetivos bem diferentes. A primeira se interessa pela sintaxe textual, enquanto a segunda busca o percurso do texto para produzir sentido. Outra diferença pontual assinalada por Indursky refere-se à noção de sujeito: apagada na linguística textual e contemplada na semiótica. Indursky finaliza a sua discussão em torno da teoria semiótica, reafirmando que a atuação dessa teoria está circunscrita aos contornos internos do texto, do qual o analista deve examinar o plano de conteúdo, para poder entender como um texto faz para produzir sentido. Após esse breve fechamento, a autora anuncia a próxima teoria a ser analisada em busca da categoria texto: a análise de discurso. Antes de iniciar a discussão sobre o objeto texto para a análise de discurso, Indursky faz questão de marcar o lugar de onde fala. E adianta que se refere à análise de discurso tal como foi proposta por Pêcheux (1960), na França, e Eni Orlandi (1980) aqui no Brasil. E ainda reforça que irá fazer um recorte na teoria, investigando algumas noções que orientem a reflexão para a noção de texto, neste quadro teórico. Numa primeira investida sobre a categoria texto, Indursky assegura que a questão do texto está na origem da fundação da análise de discurso e, na sequência, cita um texto clássico, Discourse Analysis, de Harris (1969). Neste texto, esse autor faz duas sugestões importantes, que vão contribuir, inclusive, na fundação da análise de discurso: a proposta de que a linguística trabalhe para além dos limites da frase, utilizando para isso a metodologia distribucional já utilizada na descrição de frases e, além disso, Harris ainda propõe que tal metodologia leve em consideração as relações de língua e cultura. Aqui, Indursky enfatiza que Harris não trata a língua enquanto sistema, pois convoca um contexto sócio-cultural e, assim, trabalha com um objeto de análise para além da frase. Segundo a autora, em 1969, o texto de Harris: Discourse Analysis é traduzido para o francês. E, Pêcheux, no mesmo ano, vai utilizá-lo como um dos textos que fundamentaram a análise discurso. Posteriormente, Indursky utiliza uma parte considerável do seu texto para contrastar a análise de discurso a outras teorias anteriormente analisadas. Insiste, por exemplo, que a linguística textual se manteve nos limites das relações internas do texto;

Página186 em contra partida, a análise de discurso ultrapassa esses limites quando pensa nas condições de produção do texto. Ainda, ressalta a autora que se por um lado os interlocutores da teoria da enunciação são indivíduos; por outro, os interlocutores da análise de discurso são sujeitos determinados pela história e pela ideologia. Após, Indursky vai dizer que pensa o texto na análise de discurso como um espaço discursivo, não fechado em si mesmo, uma vez que estabelece relações com outros textos e outros discursos. Adiante, a autora passa, de forma breve, pelas relações que se firmam entre o sujeito-autor e o texto: as relações textuais que se referem à organização interna do texto; as relações intertextuais que relacionam um texto a outros textos e as relações interdiscursivas que aproximam o texto de outros discursos. Indursky também busca opor a análise de discurso à semiótica. E vai dizer que o texto na semiótica está limitado as diferentes relações estabelecidas em seu interior. Já na análise de discurso, a autora vê o texto atravessado pelo interdiscurso. Quanto ao sentido, para Indursky, a semiótica faz uma abordagem bastante formal, a partir de um modelo previamente definido. Enquanto a análise de discurso se utiliza de uma abordagem de interpretação e não segue a nenhum modelo prévio. Após esses contrapontos, Indursky retorna à concepção de texto no âmbito da análise de discurso e recorre a Orlandi (1999) para dizer que o texto nessa teoria se apresenta como efeitotexto ao sujeito da análise de discurso: uma peça de linguagem completa, acabada e fechada. Na parte final de seu texto, Indursky justifica que foi necessário o contraponto entre as diferentes perspectivas teóricas que tomam o texto como categoria de estudo, a fim de verificar as diferenças, os avanços e os limites da cada teoria com relação ao objeto texto. E ainda lembra que o seu objetivo não era encontrar a melhor ou a pior teoria, mas buscar uma reconstituição histórica acerca da categoria texto. A autora revela também que a seleção das quatro teorias abordadas se estabeleceu do contexto mais simples ao mais amplo. Por isso, iniciou pela linguística textual, passando pela teoria da enunciação e semiótica, até chegar à análise de discurso. E ao final Indursky persiste que pelo contraponto é possível apreender as diferenças e os limites de cada teoria que tem no texto o seu objeto de análise. REFERÊNCIAS INDURSKY, Freda. O texto nos estudos da linguagem: especificidades e limites. In: ORLANDI, Eni; LAGAZZI RODRIGUES, Suzy (Orgs.). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006. OBRAS CITADAS PELA AUTORA ADAM, Jean-Michel. Linguistique textuelle; de genres de discours aux texts. Paris: Nathan, 1999. BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. Campinas: Pontes Editores, 1988. COURTÉS, Joseph. Introdução à semiótica narrativa e discursiva. Coimbra: Almedina, 1979. CULIOLI, Antoine. Sur quelques contradictions em linguistique. Communications, nº 20, p. 83-91, 1973. GREIMAS, A. J. Sobre o sentido: ensaios semióticos. Petrópolis: Vozes, 1975.

Página187 GUIMARÃES. Eduardo. Semântica do acontecimento. Campinas: Pontes Editores, 2002. FARIA, Ernesto. Dicionário escolar latino-português. 2ed. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1956. HARRIS, Zellig. Analyse du discours. Langages, nº 13, p. 8-15, mars, 1969. HJELMSLEV, Louis. Prolégomènes à une théorie du langage. Paris, Minut, 1968. JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1969. ORLANDI. Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes Editores, 1999.. Discurso e texto. Campinas: Pontes Editores, 2001. PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 1988. SAUSURRE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1974.