Anotadas do 5º Ano 2008/09 Data: 5/11/2008. Anotada do ano anterior, realizada por Maria Oliveira



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Transcrição:

Anotadas do 5º Ano 2008/09 Data: 5/11/2008 Disciplina: Medicina II Prof.: Dr. Fernando Ramalho Tema da Aula Teórica: Ascite e Peritonite Bacteriana Espontânea Autor: Gui Santos Equipa Revisora: Temas da Aula 1. Introdução Cirrose 2. Ascite a. Definição b. Causas c. Patogénese Teoria do Underfilling Teoria do Overflow Teoria da Vasodilatação Resumo de teorias d. Manifestações Clínicas e. Diagnóstico f. Tratamento 3. Peritonite Bacteriana Espontânea a. Causas b. Clínica c. Diagnóstico d. Tratamento e. Prevenção Bibliografia Anotada do ano anterior, realizada por Maria Oliveira Harrison s Principles of Internal Medicine, 17ª Edição www.wikipedia.com (para oficializar a Wikipedia como recurso de estudo médico) Página 1 de 17

1. Introdução Cirrose É o resultado final irreversível dos processos de cicatrização fibrosa e regeneração do parênquima hepático. Estes processos constituem as principais reacções do fígado a lesões prolongadas (inflamatórias, tóxicas, metabólicas ou congestivas). Estas lesões crónicas levam a necrose dos hepatócitos (devido ao insuficiente fluxo sanguíneo e também dano tóxico/inflamatório/metabólico contínuo e directo) e colapso da rede de sustentação de reticulina, com consequente depósito de tecido conjuntivo, alteração do leito vascular e regeneração nodular do parênquima hepático restante. O evento central da fibrose hepática é o seguinte: Activação das células estreladas hepáticas estas adoptam conformação semelhante a miofibroblasto acção do TGF-ß produção colagénio tipo I fibrose extensa hepática As causas mais frequentes de cirrose nos países desenvolvidos são o álcool e a infecção pelo vírus da hepatite C, enquanto que nos países em desenvolvimento é a infecção pelo vírus da hepatite B. Outras causas de Cirrose Hepática: - Esteatohepatite não-alcoólica (NASH) - Fármacos - Toxinas - Hepatite auto-imune crónica activa - Cirrose biliar (1ária, 2ária) - Doenças metabólicas (Hemocromatose, D. Wilson, Galactosémia,) - Doenças genéticas (Deficiência de a1-antitripsina) - Congestão Hepática crónica (Sd. Budd-Chiari, IC direita, Pericardite constritiva) - Criptogénica Página 2 de 17

As manifestações clínicas originam-se basicamente de 2 alterações funcionais e morfológicas hepáticas: Disfunção hepatocelular Hipertensão portal Disfunção Hepatocelular provoca - Alteração da síntese proteica (hipoalbuminémia e tempo de protrombina aumentado) - Hiperbilirrubinémia - Diminuição de ureia nitrogenada sanguínea - Aumento dos níveis de amónia - Icterícia - Edema - Coagulopatia - Encefalopatia hepática - Outras alt. Metabólicas Hipertensão Portal provoca - ascite - varizes gastroesofágicas - esplenomegália - encefalopatia hepática As principais complicações da cirrose são: - Ascite - Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) - Hipertensão portal - Rotura de varizes - Esplenomegália - Encefalopatia hepática - Coagulopatia - Carcinoma Hepatocelular Página 3 de 17

2. Ascite a. DEFINIÇÃO Acumulação de fluido dentro da cavidade peritoneal. b. CAUSAS Causas mais frequentes: 1ª Cirrose 2ª Carcinoma peritoneal 3ª Tuberculose 4ª ICC 5ª Nefrogénica (S. nefrotico) 6ª Pancreática 7ª I. Hepática fulminante 8ª Linfomas (ascite quilosa) O gradiente de albumina sangue-ascite (GA) contribui para determinar a causa da ascite GA = concentração de albumina do plasma concentração de albumina no fluido ascítico GA > 1,1g/dl o doente tem hipertensão portal (probabilidade de 97%) GA < 1,1g/dl o doente não tem hipertensão portal (probabilidade de 97%) Gradiente de Albumina-Sangue (GA) Alto: > 1,1 g/dl Baixo: < 1,1 g/dl Cirrose Carcinoma peritoneal Congestão Hepática crónica Tuberculose peritoneal Síndrome Nefrótico Doença pancreática e biliar Metástases Hepáticas massivas Síndrome nefrótico Mixedema Ascite mista Página 4 de 17

C. PATOGÉNESE Ainda não se esclareceu o evento que inicia o desequilíbrio que leva à Ascite, daí terem-se proposto, ao longo da história, três teorias que são aqui expostas para clarificar os vários mecanismos envolvidos na ascite. Teoria do Underfilling (diminuição do volume intravascular) Segundo esta teoria a anormalidade primária é o sequestro inapropriado de líquidos para os vasos esplâncnicos devido à hipertensão portal. Consequentemente há uma diminuição do volume sanguíneo circulante efectivo. Segundo esta teoria, uma redução aparente no volume intravascular (underfilling) é sentida pelo rim, o qual responde retendo sódio e água. Ou seja: Hipertensão portal desiquilíbrio de starling sequestro anormal de plasma pelo baço diminuição do volume plasmático circulante (hipovolémia) estimulação do SRAA retenção renal de água e sódio aumento de líquido na cavidade peritoneal ascite Objecções - não corresponde à hemodinâmica sistémica do doente cirrótico - experiência com cão com anastomose porto-cava mostra que a formação de ascite é precedida pelo aumento do volume plasmático e retenção de Na + - doente com cirrose hepática tem aumento do volume plasmático Página 5 de 17

Teoria do Overflow (Transbordamento) Segundo esta teoria a primeira anormalidade é uma retenção renal primária inapropriada de água e sódio (na ausência de diminuição de volume) com expansão do volume plasmático. Retenção renal de sódio e água (reflexo hepato-renal) aumento vol. plasmático, aumento do débito cardíaco, diminuição resistências vasculares periféricas ascite Objecções Eventos que ocorrem na cirrose, tais como: a estimulação do SRAA, a libertação de vasopressina e a estimulação do sistema nervoso simpático, não apoiam a hipótese da expansão primária de volume. Teoria da Vasodilatação Arterial Periférica Esta teoria é mais atractiva visto que pode unir as duas teorias anteriores e tem em conta: hipotensão arterial, débito cardíaco aumentado em associação com altos níveis de substâncias vasoconstrictoras, que são frequentemente encontradas em doentes com cirrose e ascite. Novamente, a retenção de sódio é secundária ao baixo enchimento vascular arterial, resultado de um aumento desproporcional do compartimento vascular (vasodilatação arteriolar), não sendo causada pela diminuição do volume intravascular. Segundo esta teoria, a hipertensão portal resulta em vasodilatação arteriolar esplâncnica (mediada pelo óxido nítrico) e leva à diminuição do enchimento do compartimento arteriolar e à estimulação, mediada por baroreceptor, do: sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), débito simpático e da libertação da hormona anti-diurética. Página 6 de 17

Baixo enchimento vascular arterial vasodilatação arterial no baço compensação hemodinâmica e hormonal aumento do débito cardíaco e do volume plasmático, activacção do SRAA, activação do SNS, hipersecreção nãoosmótica da hormona anti-diurética, retenção de sódio reenchimento do compartimento vascular ascite Em doentes com cirrose compensada (sem ascite), mecanismos de compensação mantêm o volume sanguíneo (apesar do baixo enchimento), logo estes doentes não desenvolvem ascite. Em doentes com cirrose descompensada a vasodilatação arterial (devido ao baixo enchimento) juntamente com a baixa pressão oncótica e variados graus de hipertensão portal favorecem o desenvolvimento de ascite. O baixo enchimento na circulação arterial está no seu máximo na insuficiência renal aguda e no síndrome hepatorrenal. Síndrome este, cujo mecanismo fisiopatológico, não está bem esclarecido, mas pensa-se que vários mediadores vasoactivos entre eles o NO, decorrentes da disfunção hepática, levem a alterações da vascularização esplâncnica, com repercussão no funcionamento do rim. Underfilling Overflow Vasodilatação Hipertensão Portal Ascite CIRROSE Retenção Renal Na + Vasodilatação arterial periférica Volume Intravascular Volume Plasmático Volume Intravascular efectivo Retenção Renal Na + ASCITE Retenção Renal Na + Fig.1 - Quadro de resumo das três teorias Página 7 de 17

Independentemente do factor desencadeante, vários factores contribuem para o acúmulo de líquido na cavidade abdominal, tais como: níveis séricos epinefrina e norepinefrina débito simpático central (só encontrado em doentes com cirrose + ascite) natriurese e sensibilidade ao peptídeo natriurético auricular hipertensão portal pressão hidrostática nos capilares do baço hipoalbuminémia e da pressão oncótica plasmática saída de líquido plasmático para cavidade peritoneal saída livre de linfa hepática da superfície do fígado cirrótico (devido à obstrução dos vasos e sinusóides linfáticos hepáticos) factores renais: da excreção de água e da reabsorção renal de sódio Fig2. - Quadro de resumo da ascite. Os factores desencadeandes podem ser: retenção primária de sódio; diminuição do volume intravascular efectivo; vasodilatação arteriolar. Página 8 de 17

Resumindo 1 : Há um aumento da resistência intrahepática que leva a aumento da pressão portal e simultaneamente ocorre uma vasodilatação do sistema arterial esplâncnico (mediada por óxido nítrico e outros vasodilatadores). Ambas estas alterações levam a um aumento da produção de linfa esplâncnica. A vasodilatação gera uma resposta hemostática renal (pelo sistema reninaangiotensina-aldosterona) de retenção de sódio e consequente aumento do volume plasmático. Uma vez que o fluido retido está constantemente a escapar-se para a cavidade peritoneal, o rim o SRAA não é desactivado. O aumento do volume plasmático e o aumento da produção de linfa levam à formação de ascite. A hipoalbuminémia (insuf. Hepática) também contribui para a saída de líquido intravascular Fig. 3 - Quadro resumo de Ascite 1 Do Harrison. Página 9 de 17

D. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS aumento do perímetro abdominal (ascite moderada e de grande volume) dispneia, taquipneia, pirose (causadas pela elevação do diafragma quando há acúmulo mais acentuado de líquido) derrame pleural (pode ser a única manifestação da cirrose hepática) macicez móvel onda líquida flancos proeminentes edema dos membros inferiores equimoses ginecomastia hematemeses encefalopatia hepática outros estigmas de doença hepática crónica hérnia umbilical icterícia hidrotórax hepático De fazer notar que em 90% dois casos a doença hepática crónica apresenta-se sem sintomas, sendo o diagnóstico feito em rastreio. Página 10 de 17

E. DIAGNÓSTICO Eco-Doppler é o exame de preferência. Detecta quantidades iniciais de ascite e deve ser realizado quando o exame físico for duvidoso ou quando a causa do início recente da ascite não for clara (ex: para excluir Síndrome Budd-Chiari (trombose das veias supra hepaticas)) Paracentese diagnóstica (punção de 50 a 100 ml líq. ascítico) Realizada na avaliação inicial ou quando ocorrer deterioração clínica do paciente cirrótico com ascite. Método mais rápido e menos falível para identificar a etiologia da ascite. Examina-se o líquido para evidência de infecção, tumor ou outras possíveis causas e complicações da ascite, nomeadamente: - contagem celular (citologia) - cultura e coloração de Gram (exame microbiológico) - quantidade de albumina (bioquímica) A única contra indicação é a coagulopatia grave. Hemograma completo, dosagem de electrólitos, enzimas hepáticas e provas de coagulação. O acúmulo de ascite pode ser: Pequeno - tratamento ambulatorial -objectivo tratamento: perda de até 0,5kg/dia (doentes com ascite) ou perda de até 1kg/dia em doentes com ascite e edema periférico. - suave e aumentando lentamente Grande - Internamento: de modo que seja realizada a monitorização diária do peso, dos níveis séricos de electrólitos e a adesão ao tratamento seja garantida. Página 11 de 17

Fig3. Abordagem ao doente com Ascite (e PBE). Página 12 de 17

F. TRATAMENTO Restrição de sal (+ importante) - Dieta que contenha 2g NaCl por dia é a adequada para induzir um balanço de sódio negativo e permitir a diurese Diuréticos (caso a restrição de sódio isoladamente não melhore a diurese e a perda ponderal). Espironolactona (ou Triamtereno ou Amiloride): acção no túbulo distal, assim evitam o papel do hiperaldosteronismo em manter a retenção de sal. Efeitos adversos: azotemia ou hiperpotassémia redução da dose Associação de diurético mais potente (quando diurese não ocorre mesmo com doses máximas dos fármacos anteriores) ao anterior Furosemida, Bumetamida, Torasemida: acção no túbulo proximal (evitam a ávida absorção de sódio neste local) Drenar a o fluido peritoneal (mas não remover todo o fluido, deixar o doente com uma gravidez de 3 meses, para evitar insuficiência renal) Esquema Terapêutico Inicialmente: Espironolactona 100-200 mg/dia com ou sem Furosemida 40-80 mg/dia A dose total não deve exceder 600 mg/dia e 160 mg/dia respectivamente. Dose eficaz mínima da espironolactona é obtida monitorizando as concentrações urinárias de electrólitos até detectar elevação da concentração de Na e queda da concentração de K inibição competitiva eficaz da aldosterona. Ter atenção a: - deplecção de volume plasmático - azotemia Encefalopatia - hipocaliemia Página 13 de 17

São contra indicações para a terapêutica diurética, a encefalopatia portosistémica, hiponatrémia < 120 mmol/l e IR com creatinininemia> 2 mg/dl Ascite refractária,é aquela que não responde, ou que não se pode aplicar a terapêutica acima descrita. Como opções para esta situação tempos: -paracenteses terapêuticas seriadas -transplantação hepática -shunt peritoneo-venoso -TIPS shunts transjugulares intra-hepaticos porto-sistémicos 3. Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) Definição: infecção bacteriana do líquido ascítico na ausência de foco infeccioso intra-abdominal. A peritonite pode ser primária PBP ou PBE - (sem fonte aparente de contaminação) ou secundária. Os tipos de microrganismos encontrados e as apresentações clínicas desses dois processos são diferentes. A PBE (em adultos) ocorre mais frequentemente no contexto de cirrose hepática, mas já foi descrita também em casos de neoplasia metastática, cirrose pósnecrótica, hepatite crónica activa, hepatite viral aguda, insuficiência cardíaca congestiva, lúpus eritematoso sistémico, linfedema ou sem qualquer doença subjacente. É uma complicação comum e grave de ascite. Em pacientes internados por cirrose e ascite, a PBE pode ocorrer em até 30% de indivíduos e ter uma mortalidade hospitalar de 25%. A. CAUSAS Pensa-se que seja a disseminação hematogénea de microrganismos, já que os doentes com doença hepática e alteração da circulação portal apresentam defeito na função de filtração natural, para além de imunodeficiência decorrente da doença hepática crónica. Página 14 de 17

Estes doentes têm níveis mais baixos de proteínas da cascata do complemento, as propriedades de fagocitose e opsonização dos neutrófilos estão diminuídas e o líquido ascítico é um bom meio de cultura para multiplicação de microrganismos. Vias de contaminação: Translocação- passagem de bactérias através da parede intestinal (70% das PBE são po microrganismos entéricos) Via hematogenea- 50% das PBEs acompanham-se de bacteriemia pelo mesmo agente Agentes mais frequentes: Gram Negativos 65% E. Coli 25% Klebsiela 35% Gram Positivos 35% Enterococcus 28,5% Estreptococcus Sanguis 28,5% Factores de Risco: O mais importante factor de risco é a ocorrência de um episódio anterior de PBE. 2/3 desses doentes desenvolvem recorrência da infecção no prazo de um ano. Uma baixa concentração proteica no líquido ascítico torna 10X mais provável a ocorrência de PBE. Este facto está relacionado com a diminuição da capacidade opsónica do mesmo, que o torna mais susceptível. A hemorragia gastrointestinal é um factor de elevado risco de PBE, promovendo a translocação de bactérias. A gravidade da insuficiência hepática está directamente relacionada com o risco de ocorrência de PBE, que é rara no Child A, sendo 30% no Child B e 70% no Child C. Página 15 de 17

B.CLÍNICA - Febre é o mais frequente (até 80% dos doentes). - Ascite (que normalmente precede a infecção) - dor abdominal - início agudo dos sintomas - irritação peritoneal (aumento da sensibilidade) Sua ausência não exclui o diagnóstico Pode ainda ocorrer diminuição RHA, hipotensão, hipotermia, calafrios. É necessário colher amostras de líquido peritoneal quando em presença de doente cirrótico com ascite e febre. Se > 250 PMN/mL diagnóstico de PBP! Os microrganismos mais frequentes são bacilos Gram-negativos como a Escherichia coli, embora também se possam encontrar Gram-positivos. Na PBP, ao contrário da peritonite secundária, é típico que seja isolado apenas um microorganismo e aeróbios. C. DIAGNÓSTICO É feito por exclusão de um foco primário de infecção, através de TC com contraste (eleição). Pelo facto de haver pouca quantidade de microrganismos no líquido peritoneal é difícil o seu isolamento em culturas; o rendimento melhora se forem semeados directamente num frasco de hemocultura 10 ml deste líquido. Devido ao risco de bacteriémia ser elevado, deve-se cultivar o sangue simultaneamente. Em caso de haver dor abdominal realiza-se radiografias de tórax e abdómen, para excluir a presença de ar livre. Página 16 de 17

D. TRATAMENTO Tratamento empírico deve cobrir bacilos Gram aeróbios e cocos Gram +. Os mais frequentes são: Enterobacteriaceae ou Pneumococcus. Cefotaxina + Ampicilina 5 dias Albumina no 1º Dia (1,5g/Kg) e 3º dia (1g/kg) para ajudar a repor volémia Controle às 48h com paracentese Após identificação do microrganismo o espectro de tratamento deve ser reduzido, de maneira a cobrir apenas o patogéneo implicado. Deverá ser administrado durante 5 dias, em caso de melhora rápida e hemoculturas negativas. Em caso de bacteriémia ou melhora lenta pode ser necessário um ciclo de até 2 semanas de tratamento. Se persistirem leucócitos no líquido ascítico após o tratamento, deve-se procurar diagnósticos adicionais. E. PREVENÇÃO Reduz a taxa de recorrência a < 20% (até 70% dos doentes sofrem recorrência num ano). Esquemas antibióticos profiláticos: - Fluoroquinolonas - Ciprofloxacina 750 mg 1x/semana - Norfloxacina 400 mg/dia - Trimetropim/Sulametoxazol 1x/dia Inconvenientes: - risco de infecções estafilocócicas graves hospitalares aumentado - resistência de alto nível aos antibióticos Pode aparecer sem uma fonte primária de infecção, principalmente nos doentes com ascite e cirrose; estes doentes são especialmente susceptíveis a PBE cujo prognóstico é reservado. Bom estudo, e tenham medo do Caer Bannog! Página 17 de 17