TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE ALAGOAS Apelação Cível n.º 2006.001411-7 Origem Maceió/ 7ª Vara Cível Apelante Delphos Serviços Técnicos S.A. Advogados Linaldo Freitas de Lima e outros Apelados Gilsineide Maria Nascimento Silva e outro Advogado José DjaIma Ventura de Almeida ACÓRDÃO N.º 1.0754/2006 1 / 6
APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO. AÇÃO PROPOSTA EM FACE DA PRESTADORA DE SERVIÇOS, QUE NÃO TEM A QUALIDADE DA SEGURADORA, ESTA A REAL DEVEDORA DO SEGURO OBRIGATÓRIO EM FACE DA LEI N.º 6.194/74. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n.º 2006.001411-7, da Comarca de Maceió, em que apelante Delphos Serviços Técnicos S.A, tendo como apelados Gilsineide Ventura de Almeida e José Soares da Silva. Trata-se, na origem, de ação de,cobrança proposta por Gilsineide Ventura de Almeida e José Soares da Silva em face da Cia. Sul América de Seguros e da sua prestadora de serviço Delphos - Serviços Técnicos S/A, objetivando o pagamento do valor atinente ao seguro obrigatório devido em decorrência do acidente de transito em que vitimados Milton Acindrino da Silva e Amauri Soares da Silva, respectivamente, marido e filho dos aludidos autores. Para tanto obtemperam os autores que tentaram de inúmeras formas receber o quantum indenizatório administrativamente, mas, ante à conduta renitente da seguradora e de sua prestadora de serviços em recebê-los, tiveram que buscar as vias judiciais para obtenção do que lhes era devido. Devidamente citada para compor o pólo passivo da relação jurídica processual, a Sul América Seguros apresentou resposta sob a forma de contestação, aduzindo, em sede de preliminar, a carência de ação em virtude dos autores não terem colacionado os documentos indispensáveis Ó propositura da ação. No mérito, afirmou que os demandantes formularam pedido de indenização vinculado ao salário mínimo, contrariamente ao que dispõe a Constituição Federal em seu art. 70, bem como que o valor máximo devido a título de indenização por morte seria R$ 5.081, 79 (cinco mil e oitenta e um reais e setenta e nove centavos). Nesse passo, a Delphos Serviços Técnicos também contestou, oportunidade em que também suscitou preliminares de carência de ação, em virtude da indenização já ter sido disponibilizada, bem como por entender que seria parte ilegítima no feito, por ser mera 2 / 6
prestadora de serviços para seguradora, e, com relação ao mérito, alegou que o impedimento à percepção da indenização pelos autores deveu-se Ó ausência da documentação necessária para liberação da quantia. Ao prolatar a sentença, considerando que restara demonstrado o parentesco dos autores com as respectivas vítimas, bem como a responsabilidade das demandadas quanto ao seguro obrigatório, o juiz de origem condenou ambas as rés ao pagamento a José Soares da Silva do valor do seguro, devido em face da morte do seu filho Amauri Soares da Silva, acrescido de juros de mora e correção monetária, incluída, na condenação, a quantia de R$ 5.081,20 paga após a contestação a Gilsineide Maria Nascimento da Silva, em virtude do débito de seu marido Milton Acindrino da Silva, além das custas e despesas processuais, fixando a verba honorária no percentual de 20% sobre o valor total. Renitente ao conteúdo do referido decisum, a empresa Delphos Serviços Técnicos S.A. manifestou-se via recurso de apelação ao argumento de que não seria parte legítima a figurar no pólo passivo da relação jurídica em tela, haja vista que, na qualidade de prestadora de serviços, não manteria nenhum vínculo com os ora apelados. Devidamente intimados, os apelados permaneceram inertes quanto à apresentação de contra-razões. É o relatório. O recurso interposto atende aos requisitos de admissibilidade exigidos pela lei processual civil, pelo que há de ser conhecido. DO MÉRITO RECURSAL O punctum saliens da lide consiste em saber se a empresa Delphos Serviços Técnicos S.A. é parte legítima a figurar no pólo passivo da ação de cobrança em liça. 3 / 6
Como é cedido, o Estado, ao outorgar para si a função apaziguadora das relações sociais, conferiu ao indivíduo, que não mais poderia fazer justiça com suas próprias mãos, o direito de ir buscar, perante o Poder Judiciário, a resolução da querela que o aflige através da tutela jurisdicional. Contudo, verifica-se uma evolução no estudo desse direito, haja vista que, em tempos remotos, este já fora confundido até com o próprio direito substancial discutido em juízo, de modo que, hodiernamente, prevalente a teoria eclética da ação, expressa ao apregoar ser o direito de ação o direito à obtenção de um provimento jurisdicional, desde que observados certos requisitos, denominados pelo seu criador, Enrico Tullio Liebman, de condições da ação. Assim sendo, uma das condições da ação é exatamente a legitimidade ad causam, caracterizada pela titularidade da relação jurídica trazida a juízo pelo demandante, ou seja, é parte legitimada aquela que guarda relação direta com o direito afirmado com o demandante. Neste sentido vem a calhar o conceito de legitimidade ad causam, da lavra de Rodrigo da Cunha Lima Freire, a saber: Por sua vez, a legitimidade é uma atribuição especifica para agir concretamente. conferida exclusivamente pelo direito objetivo aos titulares da lide, podendo, também, por razões diversas, ser conferida a outras pessoas que não integram diretamente a relação jurídica afirmada em juízo. (Condições da Ação, São Paulo, 2ª.edição, editora RT, p. 114,2001) Neste iter, nota-se que, no caso posto à baila, o direito alegado pelos ora apelados não guarda pertinência direta com a apelante. Com efeito, verberaram os apelados, em sua exordial, que, em virtude de um acidente automobilístico, teriam o direito ao adimplemento do seguro obrigatório, mas que tal direito fora lhes negado em virtude das exigências feitas pela empresa Delphos Serviços Técnicos S/A, prestadora de serviços da Sul América Companhia Nacional de Seguros em relação à documentação para liberação do valor, e que, portanto, ambas empresas seriam devedoras da testilhada quantia. 4 / 6
Ocorre que, a Lei no. 6.194/74 estabelece em seu art. 7º que Art. 7º A indenização por pessoa vitimada por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos dos demais casos por um consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as sociedades seguradoras que operem no seguro objeto desta lei. Corroborando o entendimento suso esboçado, a seguinte lição de Sérgio Cavaliere Filho: No seguro de vida, beneficiário é, geralmente, uma pessoa da família do segurado. Nos seguros sociais obrigatórios, segurados e beneficiários são vítimas de acidente de trânsito ou do trabalho. Nesses casos, não há dúvida de que os beneficiários tem ação direta contra o segurador, posto que, embora não tenham sido parte no contrato de seguro, a prestação, o beneficio, é estabelecida em favor deles. A execução desses contratos é peculiar, sul generis, por isso a solutio é em favor do segurador no momento em que ocorre o sinistro.(programa de responsabilidade Civil, São Paulo, Malheiros 5ª edição, p.449, 2004) Ademais, é tão patente a ausência de legitimidade da prestadora de serviços quanto ao adimplemento do seguro, que os apelados afirmam em sua exordial, que tiveram de ir até Recife com vistas a tratar diretamente com a seguradora, fato que só vem a demonstrar o que dantes fora explanado. Assim, resta evidenciada a falta de pertinência legal entre o direito substancial alegado em juízo e a conduta da apelante, uma vez que ao requerer tal documentação, estava a cumprir ordens da Sul América Seguros, não tendo, por conseguinte, qualquer responsabilidade pela indenização em liça. E para arrematar, o seguinte escólio jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, em caso semelhante, assim decidiu: RESPONSABILIDADE CIVIL. COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES DPVAT. AÇÃO MOVIDA CONTRA A REGULADORA DE SINISTROS 5 / 6
ILEGITIMIDADE PASSIVA.Sendo a requerida mera reguladora de sinistros, com personalidade jurídica distinta daquela das seguradoras, não pode responder pelo seguro obrigatório de que trata a lei nº 6.194/1974. A demandada não atua no ramo de seguros, não é seguradora, mas mera prestadora de serviços, e nessa qualidade não se mostra legitimada para residir no pólo passivo da demanda. Apelo improvido. (TJ/RS, AC Nº 70005027644, 30/10/2003) Diante do exposto, acorda a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, à unanimidade de votos, conhecer do recurso, para dar-lhe provimento. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Henrique Gomes de Barros Teixeira, Juiz Convocado e Desembargador JoséCarlos Malta Marques. Maceió, 27 de setembro de 2006. 6 / 6