Procuradoria Geral da República Nº 9141 RJMB / pc MANDADO DE SEGURANÇA Nº 32.042 / DF RELATORA : Ministra CÁRMEN LÚCIA IMPETRANTE : José Adilson Bittencourt Junior IMPETRADO : Conselho Nacional de Justiça MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA MAGISTRATURA. IRRETRATABILIDADE DA NOTA ATRIBUÍDA EM PROVA ORAL. ART. 70, 1º, DA RESOLUÇÃO Nº 75/2009 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ÂMBITO DE APLICAÇÃO: IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DA NOTA ATRIBUÍDA EM RAZÃO DO ACERTO, OU NÃO, DAS RESPOSTAS OFERECIDAS PELO CANDIDATO E DO CRITÉRIO MERITÓRIO DE AVALIAÇÃO DOS EXAMINADORES. POSSIBILIDADE DE REVISÃO ADMINISTRATIVA E JUDICIAL DA COMPATIBILIDADE DOS QUESTÕES AO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO PREVISTO NO EDITAL. 1. O edital de concurso público estabelece, tanto para os candidatos quanto para a administração pública, direitos e obrigações que vinculam ambos e que, por isso mesmo, implica a imprescindibilidade de sua observância, que somente pode ser afastada quando estipular exigências ilegais ou de caráter eminentemente abusivo ou desarrazoado. 2. O art. 78, 1º, do Edital nº 408/2010-CJS, em consonância com o 1º do art. 70 da Resolução nº 75/2009 do CNJ, estabeleceu a irretratabilidade da nota atribuída na prova oral para ingresso na magistratura. 3. A irretratabilidade de que cuida o 1º do art. 70 da Resolução nº 75/2009 do CNJ consagra o entendimento segundo o qual não se admite a revisão da avaliação da nota atribuída ao candidato em razão do acerto, ou não, das respostas oferecidas aos quesitos formulados pela banca examinadora, tendo em conta os critérios de avaliação estabelecidos no edital do certame. 4. Tal irretratabilidade não obsta, no entanto, a aferição da compatibilidade das questões formuladas ao programa de disciplina contido no edital, tanto em sede administrativa quanto judicial. Precedentes. 5. A readequação da nota atribuída ao candidato em prova oral em razão da anulação de quesitos que extrapolam o conteúdo programático do edital não implica a revisão do acerto ou desacerto das respostas do candidato às perguntas formuladas, mas, somente, a adequação da nota em face dos critérios de avaliação obtidos com as respostas às questões válidas. 6. A impossibilidade de readequação da nota do candidato quando anuladas questões que desbordam do conteúdo programático contido no edital implica, em última análise, à irrecorribilidade do resultado da prova oral, o que ofende as garantias previstas no art. 5º, XXXV e LV da CF. Precedentes. 7. Parecer pela concessão da segurança e pela prejudicialidade do agravo regimental interposto contra a decisão liminar. Procuradoria Geral da República SAF Sul Quadra 4 Lote 3 CEP 70.050-900 Brasília/DF
Trata-se de mandado de segurança fundado nos arts. 5º, LXIX e 102, I, r, da CF, com pedido de liminar, impetrado por José Adilson Bittencourt Júnior contra ato do Conselho Nacional de Justiça que determinou sua exclusão do concurso público para ingresso na magistratura realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (PCA nº 7751-48.2012.2.00.0000). O ato apontado como coator está assim ementado: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA ESTADUAL EDITAL 408/2010-CJS RECURSO DA PROVA ORAL CONHECIDO E PROVIDO PELA COMISSÃO EXAMINADORA ALTERAÇÃO DA NOTA DO CANDIDATO IMPOSSIBILIDADE INTELIGÊNCIA DO 1º DO ART. 70 DA RESOLUÇÃO 75/2009 DO CNJ. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. Sustenta o impetrante, em síntese, que a irretratabilidade das notas conferidas aos candidatos em prova oral para a magistratura (Resolução CNJ nº 75/09) não se confunde com o controle de legalidade das questões formuladas. Aduz, nesse contexto, não ter sido revisada a nota da sua prova oral, mas, tão somente, anuladas as questões ilegais com o consequente recálculo da nota que lhe fora atribuída. Assevera, ainda, ter sido excluído do concurso sem as garantias do due process of law e ter o CNJ julgado além do que requerido no PCA, o qual não tinha por objeto a exclusão de candidato do certame. Requer, ao final, o deferimento da medida liminar para permanecer nas demais etapas do concurso e, se for o caso, tomar posse no cargo de juiz e, no mérito, pede que seja confirmada a liminar requerida. Liminar parcialmente deferida. Agravo regimental interposto pela União requerendo a reconsideração da decisão liminar em razão da ausência de fumus boni iuris para a concessão da medida cautelar. Informações prestadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Em síntese, o relatório. 2
O art. 78, 1º, do Edital nº 408/2010-CJS, do concurso público para provimento de cargo de Juiz Substituto do Estado de Santa Catarina, reproduziu o 1º do art. 70 da Resolução nº 75/2009, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe ser irretratável em sede recursal a nota atribuída na prova oral de concurso para ingresso na magistratura. É certo que as regras do edital de concurso público estabelecem, tanto para os candidatos quanto para a administração pública, um conjunto de direitos e obrigações que vinculam ambos e que implica na imprescindibilidade de sua observância, somente podendo ser afastas quando estipularem exigências ilegais ou de caráter eminentemente abusivo ou desarrazoado. Os critérios de avaliação da prova oral e o juízo do examinador no mérito da nota atribuída ao candidato em razão do acerto ou desacerto das respostas dadas às perguntas a este formuladas, seja por estarem previstos os critérios de avaliação no edital, seja por adentrar a nota dada pelo examinador às respostas do candidato em critério puramente meritório, não serão passíveis de revisão na via administrativa ou judicial. É esta a inteligência do 1º do art. 70 da Resolução CNJ nº 75/2009 ou, pelo menos, a leitura que deve ser feita desta em face da Constituição Federal. Explico: ainda que não se admita a retratação da nota atribuída na prova oral, tal entendimento se reduz ao juízo meritório do examinador para atribuir a pontuação ao candidato em razão do acerto ou desacerto da resposta, considerados os critérios de avaliação previstos no edital do concurso público. Não tem o efeito, contudo, de afastar a possibilidade de controle administrativo 1 e, tampouco, judicial da legalidade ou razoabilidade do ato administrativo. A comissão examinadora, ao apreciar o recurso, fez tal distinção: Em suma, a pretensão recursal está centrada axialmente em dois aspectos: (i) na almejada análise de mérito das perguntas feitas e das respostas dadas em diversas questões, com o 1 O art. 22, caput e III, da Resolução nº 75/2009 do CNJ, estabelece que compete à comissão examinadora de cada etapa: III julgar os recursos interpostos pelos candidatos. 3
consequente cotejo entre elas; e (ii) na alegada inobservância de formalidade editalícia substanciada no fato de que algumas indagações estariam em absonância com o ponto sorteado nas disciplinas Direito Civil e Direito Tributário [...]. O recorrente colaciona diversas perguntas a ele direcionadas e as respectivas respostas por ele deduzidas na prova increpara, pretendendo que se examine o seu acerto ou não, isto é, que se reveja a nota que lhe foi atribuída. Estou em que tal postulação não tem como ser conhecida, na medida em que o exame de mérito de perguntas e respostas não se faz possível, haja vista o disposto no 1º do art. 70 da Resolução do Conselho Nacional de Justiça. De conseguinte, quanto a esse ponto, a insurgência não tem como vicejar, sequer pode ser conhecida. II Da invocada inobservância formal decorrente da inadequação de algumas perguntas com o ponto sorteado. In causa, o candidato advoga que em algumas questões houve violação aos termos do edital, porquanto foram-lhe questionadas matérias alheias ao Ponto 7 (sete), que lhe foi sorteado. Há, destarte, invocação de preterição de formalidade essencial prevista na norma editalícia, matéria passível de ser sindicada na via recursal. Essa situação, esclareço, apresenta-se sobremaneira diversa da abordada no item I retro [...]. Considerando que o tema substituição fideicomissória não figura expressamente dentre as matérias ou itens arguíveis no Ponto 7, estou [ ] em que assiste razão ao recorrente, até porque a interpretação quanto ao cabimento da pergunta deve ser restritiva, de acordo com o elenco constante do programa da disciplina, não ampliativa. [ ] A solução que se me afigura adequada consiste na anulação da referida pergunta, procedimento que importará o redimensionamento da nota atribuída [...] Passando aos questionamentos no campo do Direito Tributário, a situação retratada tem o mesmo contorno da anterior. Como o ponto sorteado alude unicamente a tributos municipais, entendo que a indagação respeitante a execução fiscal deva seguir a mesma sina, razão pela qual também merece acolhimento o pleito recursal, para o mesmo fim. Feitas estas considerações, voto por conhecer em parte do recurso, para dar-lhe parcial provimento, em ordem de anular as 4 (quatro) indagações formuladas (...) promovendo-se o recálculo da nota do recorrente, desconsiderando as aludidas indagações. No caso, o recurso do impetrante contra a prova oral foi admitido e provido pela comissão examinadora que expressamente reconheceu a ilegalidade das questões que desbordavam os pontos jurídicos sorteados nos termos do art. 68, caput, e 69, 1º e 3º do Edital nº 408/2010-CJS e, em face da nulidade 4
das referidas inquirições, redimensionou a nota atribuída ao candidato preterido pelos quesitos não objeto dos pontos jurídicos sorteados. Ora, seria de todo inútil o reconhecimento da nulidade de quesitos que refogem ao programa da disciplina contido no edital se de tal nulidade não decorrer a possibilidade de readequação da pontuação atribuída ao candidato, com a desconsideração das perguntas que não se adequaram aos pontos jurídicos sorteados e consequente avaliação levando em consideração apenas as respostas oferecidas pelo candidato aos quesitos válidos. Entender pela impossibilidade de revisão da nota atribuída à prova oral para ingresso na magistratura, ainda que em razão de nulidade de quesito formulado ao candidato por extrapolar o conteúdo do edital, significa vetar o controle estrito de legalidade de tal ato administrativo pela Administração Pública e pelo Poder Judiciário, o que contraria o disposto no art. 5º, XXXV e LV da Constituição Federal (RTJ 141/299 e RTJ 192/388). Logo, o redimensionamento da nota atribuída ao candidato na prova oral de ingresso na magistratura em razão da nulidade de alguns quesitos que extrapolam o conteúdo do edital não implica contrariedade ao art. 70, 1º, da Resolução nº 75/2009 do CNJ e tampouco inobservância do disposto no 1º do art. 78 do Edital nº 408/2010-CJS. É o que se depreende das ementas dos seguintes julgados: Concurso público: controle jurisdicional admissível, quando não se cuida de aferir a correção dos critérios da banca examinadora, na formulação de questões ou na avaliação das respostas, mas, apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital nele incluído o programa é a lei do concurso. (RE 434.708, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 09.09.2005). MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES DA PROVA OBJETIVA. COMPATIBILIDADE ENTRE AS QUESTÕES E OS CRITÉRIOS DA RESPECTIVA CORREÇÃO E O CONTEÚDO PROGRAMÁTICO PREVISTO NO EDITAL. INEXISTÊNCIA. 5
IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA BANCA EXAMINADORA PELO PODER JUDICIÁRIO. PRECEDENTES DO STF. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 1. O Poder Judiciário é incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso público, reexaminar o conteúdo das questões formuladas e os critérios de correção das provas, consoante pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes (v.g. MS 30.433-AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES; AI 827.001-AgR/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; MS 27..260/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Red. para o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA). No entanto, admite-se, excepcionalmente, a sindicabilidade em juízo de incompatibilidade entre o conteúdo programático previsto no edital do certame e as questões formuladas ou, ainda, os critérios da respectiva correção adotados pela banca examinadora (v.g. RE 440.335-AgR, Rel. Min. EROS GRAU, j. 17.06.2008; RE 434.708, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 21.06.2005). 2. Havendo previsão de um determinado tema, cumpre ao candidato estudar e procurar conhecer, de forma global, todos os elementos que possam eventualmente ser exigidos nas provas, o que decerto envolverá o conhecimento dos atos normativos e casos julgados paradigmáticos que sejam pertinentes, mas a isto não se resumirá. Portanto, não é necessária a previsão exaustiva, no edital, das normas e dos casos julgados que poderão ser referidos nas questões do certame. 3. In casu, restou demonstrado nos autos que cada uma das questões impugnadas se ajustava ao conteúdo programático previsto no edital do concurso e que os conhecimentos necessários para que se assinalassem as respostas corretas eram acessíveis em ampla bibliografia, afastando-se a possibilidade de anulação em juízo. 4. Segurança denegada, cassando-se a liminar anteriormente concedida. (MS 30.860, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 06.11.2012 grifo nosso). Diante de todo o exposto, opina o Ministério Público Federal pela concessão da segurança e pela prejudicialidade do agravo regimental. Brasília, 30 de julho de 2013. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Subprocurador-Geral da República 6