Inclusão e prática docente no ensino superior



Documentos relacionados
Prefeitura Municipal de Santos

Iniciando nossa conversa

Princípios da educação inclusiva. Profa Me Luciana Andrade Rodrigues

Dispõe sobre o atendimento educacional especializado aos alunos identificados com altas habilidades ou superdotados no âmbito do Município de Manaus.

A INCLUSÃO DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS EDUCATIVAS NAS SÉRIES INICIAIS SOB A VISÃO DO PROFESSOR.

Necessidade e construção de uma Base Nacional Comum

O PROCESSO DE INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIAS NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS, ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ANÁLISES E PERSPECTIVAS

INCLUSÃO ESCOLAR: UTOPIA OU REALIDADE? UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A APRENDIZAGEM

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COMPROMISSOS E DESAFIOS

QUAL A (RE)ORIENTAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DA MODALIDADE EDUCAÇÃO ESPECIAL NO MUNICÍPIO DE ITAGUAÍ/RJ? REFLETINDO SOBRE A META 4

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NUMA ESCOLA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA: DA TEORIA À PRÁTICA

Pedagogia Estácio FAMAP

Faculdade Sagrada Família

WONCA IBEROAMERICANA CIMF

Profª. Maria Ivone Grilo

A REGULAMENTAÇÃO DA EAD E O REFLEXO NA OFERTA DE CURSOS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

REGULAMENTO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO INTRODUÇÃO

EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: DIREITO À DIVERSIDADE

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM ATO DE AMOR E AFETIVIDADE

QUANTO VALE O MEU DINHEIRO? EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PARA O CONSUMO.

CURSO: EDUCAR PARA TRANSFORMAR. Fundação Carmelitana Mário Palmério Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

SÍNDROME DE DOWN E A INCLUSÃO SOCIAL NA ESCOLA

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NUMA ESCOLA DO CAMPO

TEXTO RETIRADO DO REGIMENTO INTERNO DA ESCOLA APAE DE PASSOS:

Adriana Oliveira Bernardes 1, Adriana Ferreira de Souza 2

Palavras-chave: Formação continuada de professores, cinema, extensão universitária.

TÍTULO: AUTISMO INFANTIL: UM ESTUDO DA LEGISLAÇÃO ACERCA DA INCLUSÃO NO ENSINO REGULAR

TEXTO PRODUZIDO PELA GERÊNCIA DE ENSINO FUNDAMENTAL COMO CONTRIBUIÇÃO PARA O DEBATE

OS DESAFIOS DE ENSINAR A CLIMATOLOGIA NAS ESCOLAS

ANÁLISE DE MATRIZES CURRICULARES DE CURSOS DE PEDAGOGIA/LICENCIATURA: A PESQUISA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

CAPÍTULO I DAS DIRETRIZES DO CURSO

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E EDUCAÇÃO ESPECIAL: uma experiência de inclusão

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

ENSINO DE CIÊNCIAS PARA SURDOS UMA INVESTIGAÇÃO COM PROFESSORES E INTÉRPRETES DE LIBRAS.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA À DISTÂNCIA SILVA, Diva Souza UNIVALE GT-19: Educação Matemática

OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO PÓS LDB 9394/96: COLEGIADO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

RESOLVE: CAPÍTULO I DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

POLÍTICAS INSTITUCIONAIS DE ACESSIBILIDADE. - Não seja portador de Preconceito -

2.2 O PERFIL DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA PIBID ESPANHOL

Palavras chave: Formação de Professores, Tecnologias Assistivas, Deficiência.

EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E MOVIMENTOS SOCIAIS - PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS ESPAÇOS NÃO ESCOLARES

REGULAMENTO ESTÁGIO SUPERVISIONADO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA FACULDADE DE APUCARANA FAP

INTEGRAÇÃO DE MÍDIAS E A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO ESPORTE 2ª COORDENADORIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO

ENSINO SUPERIOR: PRIORIDADES, METAS, ESTRATÉGIAS E AÇÕES

Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Caracterizar o ambiente escolar; Enumerar pontos sensíveis no ambiente escolar;

OBJETIVO GERAL OBJETIVOS ESPECÍFICOS

OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA CONTEMPORANEIDADE Amanda Sampaio França

difusão de idéias A formação do professor como ponto

Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 ISBN

Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos Abril Julho/2006

PEDAGOGO E A PROFISSÃO DO MOMENTO

PERFIL INVESTIGADOR DO LICENCIANDO EM MATEMÁTICA DO ESTADO DO MARANHÃO. Celina Amélia da Silva CESC/UEMA/MA, Brasil

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

Disposições Preliminares do DIREITO DO IDOSO

DELIBERAÇÃO Nº 02/2015-CEE/PR. Dispõe sobre as Normas Estaduais para a Educação em Direitos Humanos no Sistema Estadual de Ensino do Paraná.

A INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR: CONTRIBUIÇÕES DE LEV VIGOTSKI E A IMPLEMENTAÇÃO DO SUPORTE PEDAGÓGICO NO IM-UFRRJ

Palavras-chave: Creche. Gestão democrática. Projeto Político-Pedagógico.

A APAE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

AS INQUIETAÇÕES OCASIONADAS NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN NA REDE REGULAR DE ENSINO

A IMPORTÂNCIA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PARA OS CURSOS PRÉ-VESTIBULARES

ACESSIBILIDADE E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EXPERIÊNCIA COM UM ALUNO CEGO DO CURSO DE GEOGRAFIA, A DISTÂNCIA

O PEDAGOGO E O CONSELHO DE ESCOLA: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA

PROJETO DE LEI N o, DE 2012

XLIII PLENÁRIA NACIONAL DO FÓRUM DOS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO - FNCE

Art. 1º Definir o ensino de graduação na UNIVILLE e estabelecer diretrizes e normas para o seu funcionamento. DA NATUREZA

ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: DA EDUCAÇÃO BÁSICA AO ENSINO SUPERIOR

SALAS TEMÁTICAS: ESPAÇOS DE EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGEM. Palavras Chave: salas temáticas; espaços; aprendizagem; experiência.

Pesquisa e Prática Profissional: Educação Especial. Direitos Humanos. Contextualização. Quem são os Excluídos? Vídeo: Um Sonho Possível.

PARECER CME/THE Nº024/2008

Rádio escolar, vídeo popular e cineclube popular: um panorama sobre a atuação do Grupo de Estudos e Extensão em Comunicação e Educação Popular

DIREITOS DO TRABALHADOR COM DEFICIENCIA. PALAVRAS-CHAVES: Deficiência, Trabalho, Proteção Legal.

A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS VISUAIS COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NO PROCESSO DE ENSINO - APRENDIZAGEM DE ALUNOS SURDOS.

DESENVOLVIMENTO INTEGRAL NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E A IMPORTÂNCIA DO EDUCADOR NA ATUALIDADE

A escola para todos: uma reflexão necessária

definido, cujas características são condições para a expressão prática da actividade profissional (GIMENO SACRISTAN, 1995, p. 66).

Elaboramos muitas soluções para problemas que não são concretos e continuamos sem soluções para os problemas concretos das redes de ensino.

AS RELAÇÕES DO ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO ENSINO REGULAR INCLUSIVO

A CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO D E C R E T A

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS TEMPO FORMATIVO JUVENIL

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CONTEXTO TECNOLÓGICO: DESAFIOS VINCULADOS À SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PROGRAMADAS: APROXIMAÇÃO DO ACADÊMICO DE PEDAGOGIA COM O PROFISSIONAL DO ENSINO

INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS: A GESTÃO DAS DIFERENÇAS LINGUÍSTICAS

OS DESAFIOS DE CONSTRUIR ESCOLAS INCLUSIVAS

O COORDENADOR PEDAGÓGICO E AS REUNIÕES PEDAGÓGICAS POSSIBILIDADES E CAMINHOS

Planejamento estratégico

DIFICULDADES ENFRENTADAS POR PROFESSORES E ALUNOS DA EJA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA

Projeto em Capacitação ao Atendimento de Educação Especial

O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO E TECNOLOGIA ASSISTIVA: FORMAÇÃO DO PROFESSOR

RESOLUÇÃO CP N.º 1, DE 30 DE SETEMBRO DE (*)

A TUTORIA A DISTÂNCIA NA EaD DA UFGD

O LÚDICO COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA OS ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA.

Direito a inclusão digital Nelson Joaquim

REEXAMINADO PELO PARECER CNE/CEB Nº7/2007 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Aprovação do curso e Autorização da oferta PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO FORMAÇÃO CONTINUADA EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA. Parte 1 (solicitante)

Instituto de Educação

Transcrição:

Inclusão e prática docente no ensino superior Denise Molon Castanho* Soraia Napoleão Freitas** Resumo Este artigo apresenta uma reflexão sobre a inclusão e a prática docente no ensino superior. A educação superior constitui um meio para a produção do conhecimento, e a universidade é um lugar onde os valores e práticas da educação inclusiva precisam ser vivenciadas. As práticas docentes exigem preparo do profissional ao tratar de alunos com necessidades educacionais especiais e o projeto de organização universitária deve implementar ações - políticas públicas favorecendo uma educação inclusiva a esses estudantes. Palavras-chave: Inclusão; prática docente; Ensino Superior. * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação UFSM ** Prof Dr do Departamento de Educação Especial UFSM http://dx.doi.org/10.5902/1984686x4350 93

Denise Molon Castanho Soraia Napoleão Freitas Introdução A função social da Universidade implica em produzir conhecimento, de forma a promover o desenvolvimento da cultura, da ciência, da tecnologia e do próprio homem enquanto indivíduo na sociedade. A pesquisa, nesse contexto, é uma atividade de investigação, avaliação crítica e de criação, sempre referenciada nos problemas e dificuldades do meio social. A alma da vida acadêmica é constituída pela pesquisa, como princípio científico e educativo, ou seja, como estratégia de geração de conhecimento e de promoção da cidadania, desta forma a pesquisa é fundamental num contexto de universidade (DEMO,1993). Neste sentido, a universidade é essencial para a criação, transferência e aplicação de conhecimentos e para a formação e capacitação do indivíduo, como também para o avanço da educação em todas as suas formas. Por tudo isso, a Educação Superior constitui importante meio para a produção do conhecimento científico e para o avanço tecnológico em uma sociedade. De acordo com o Ministério da Educação (BRASIL, 2000, p. 21) por meio de relatórios enviados por diferentes universidades, em conjunto com o Ministério da Ciência e Tecnologia há dados significativos que comprovam uma expressiva evolução da produção científica no Brasil. Ainda, nos últimos anos, tem sido constatado que a maioria das pesquisas científicas estão sendo desenvolvidas por Universidades Públicas Federais. Além disso, as Universidades configuram-se como um espaço de construção e trocas de conhecimento além de convívio social. Logo, estas instituições como os demais contextos educacionais são responsáveis pela promoção da cidadania e como tal tem o dever de oportunizar e incentivar uma educação para todos. Por sua vez, convivendo em uma comunidade acadêmica, as pessoas com necessidades educacionais especiais podem ter um projeto de vida concretizado, principalmente quando o convívio e as trocas se fortalecem a partir do apoio mútuo. Nesse contexto, o movimento da educação inclusiva tem representado um desafio para a educação superior e a ausência de políticas públicas que promovam uma efetiva educação inclusiva é uma evidência. Portanto, implementar ações educativas junto a estudantes com necessidades educacionais especiais no ensino superior é uma questão de democracia e cidadania. Ao refletir sobre a universidade pública numa ótica de formação e de democratização, estamos assumindo uma posição clara contra exclusão enquanto relação social e tomando-a como um direito do cidadão (CHAUÍ, 2004). Muller & Glat (1999) revelam que a educação inclusiva só será efetivada se o sistema educacional for renovado, modernizado, abrangendo ações pedagógicas, porque a inclusão é desafiadora e os docentes na universidade devem fazer parte dessa mudança. No entanto, remodelar todo o sistema educacional universitário exige profundas transformações por parte dos educadores, pois a atuação docente se dá com 94 Revista Educação Especial n. 27 p. 93-99 2006

diferentes grupos. Entre estes, alguns podem parecer diferentes dos outros, porque se locomovem com cadeiras de rodas, ou com muletas ou ainda tem dificuldade na aprendizagem, etc. Essas práticas não se distanciam talvez de muitas outras, mas refletem uma realidade que a universidade tem-se eximido. A Educação Especial está inserida neste contexto universitário e é responsável pelo atendimento educacional de pessoas com necessidades educacionais especiais que incluem alunos com dificuldades no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdotação ou talentos. Tem-se notado que a partir das políticas de inclusão há uma maior necessidade de preparação da comunidade acadêmica para receber estes alunos. Diante disso, qualificar o profissional no ensino superior, que ao longo de sua trajetória como docente poderá defrontar-se com um aluno que apresente alguma necessidade educacional especial exige uma preparação que vai além do conhecimento científico, que é indispensável, mas também, conforme Schön, (2000), existem zonas práticas indeterminadas, como por exemplo, incertezas, singularidades e conflitos de valores que fazem parte do cotidiano acadêmico, e que o professor deve enfrentar. A partir da reflexão feita, deve-se considerar que ao tratar de necessidades educacionais especiais, estamos fazendo referência a um universo de pessoas com características diferentes, e, neste espaço insere-se a instituição pública de ensino superior, a universidade, onde também evidenciam-se práticas sociais segregadoras, inclusive quanto ao acesso ao saber. Ao longo de quase todo o século XX, a sociedade brasileira, suas agências formadoras e seus agentes empregadores regeram-se por padrões de normalidade. As pessoas com deficiência eram naturalmente compreendidas como fora do âmbito social (BRASIL, 2004, p.29). A nossa sociedade definiu normas e padrões para todos os homens, e as pessoas com necessidades educacionais especiais frente a esta realidade, é discriminada e estigmatizada, havendo nos nossos dias ainda dificuldade de aceitação do diferente tanto na família como no meio social. Frente ao exposto, percebe-se que a inclusão é fundamental para a construção de uma sociedade democrática. O respeito às diferenças e a igualdade de oportunidades requer o movimento de incluir, que faz uma ruptura com o movimento da exclusão. Este debate vem sendo promovido por diferentes instâncias e países, incluindo o Brasil, portanto a inclusão é a garantia à todos do acesso contínuo ao espaço comum na vida em sociedade, que deverá estar organizada e orientada, respeitando a diversidade humana, as diferenças individuais, promovendo igualdade de oportunidades de desenvolvimento para toda a vida. Diante das dificuldades enfrentadas pelos alunos com necessidades educacionais especiais que freqüentam o ensino superior, é indispensável que a universidade ofereça uma educação de qualidade, pois antes de lhes ser garantido um direito, plenamente reconhecido, é um dever do estado implementar ações que favoreçam não só seu ingresso, como sua permanência e saída do ensino superior. 95

Denise Molon Castanho Soraia Napoleão Freitas Neste contexto, apontar caminhos para a mudança no projeto de organização universitária e na prática pedagógica dos professores que atuam no Ensino Superior é premente, favorecendo assim as políticas de inclusão neste universo. Para Freire: (1996, p.76) O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências, o educador não pode abrir mão do exercício da autonomia, pedagogia centrada na ética, respeito a dignidade aos educandos. O papel do professor no contexto do ensino superior remete a uma postura ativa, dialética, política e ética, fazendo com que este educador tenha um compromisso permanente com a vida dos alunos, assim como com a autonomia de seus educandos, oportunizando espaços onde a liberdade possa ser exercida de forma criativa e espontânea. Ainda no que diz respeito aos aspectos legais, é relevante destacar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira LDBEN 9394/96, que garante um capítulo exclusivo para a Educação Especial, ou seja, o capítulo V (Cury, 2001). O estudo de Martins (2004) refere a um distanciamento entre a lei e a prática, considerando as ações de inclusão nos diferentes níveis do Ensino. Ao efetuar uma análise da legislação, dos conceitos de educação especial e necessidades educacionais especiais promove um olhar a legislação brasileira revelando que em 1988, a Constituição Federal, prescrevia, no seu artigo 208, inciso III, entre as atribuições do Estado, isto é, do Poder Público, o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. A garantia do Estado brasileiro de educar a todos, sem qualquer discriminação ou exclusão social e o acesso ao ensino fundamental, para os educandos, em idade escolar, sejam normais ou especiais, passa a ser, a partir de 1988, um direito público. No final dos anos 80, a expressão que faz referência às pessoas com alguma necessidade especial, é portador de deficiência. Na Constituição Federal de 1988, o uso da expressão só é justificado em função de que o conceito de deficiência era herança da Medicina. A terminologia portadores de deficiência nos remete a um Brasil excludente que tratava seus doentes, deficientes ou não, como portadores de moléstia infecciosa. Estes enfoques clínicos mantêm-se até a Constituição Federal de 1988. A LDBEN, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, apresenta uma reformulação terminológica onde o termo portadores de deficiência é substituído para pessoas com necessidades educacionais especiais. É relevante destacar que as manifestações do Conselho Nacional de Educação, no esforço de definir as diretrizes nacionais para a educação especial, registram, no Parecer CNE/CEB n. º l7/2001, de 03 de julho de 2001 e a Resolução CNE/CEB n. º 02, de 11 de setembro de 2001, que os sistemas de ensino devem matricular todos os educandos com necessidades educacionais especiais. 96 Revista Educação Especial n. 27 p. 93-99 2006

Os educandos com necessidades especiais conforme a Resolução CNE/CEB n.º 02, de 11 de setembro de 2001, no seu artigo 5º são: ( BRASIL, 2004, p.13) l) Os educandos com dificuldades acentuadas de aprendizagem. Esses educandos são aqueles que têm, no seio escolar, dificuldades específicas de aprendizagem, ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares. 2) Os educandos com dificuldades de comunicação e sinalização. Estas são as diferenciadas dos demais alunos, o que demandaria a utilização de linguagens e códigos aplicáveis. As crianças cegas de nascença, por exemplo, se enquadrariam neste grupo. 3) Os educandos com facilidades de aprendizagem. Os conselheiros observam que há alunos, que por sua acentuada facilidade de assimilação de informações e conhecimentos não podem ser excluídos da rede regular de ensino. Aqui, o valor está em avaliar que são especiais aqueles que dominam rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes no meio escolar. O movimento de incluir os alunos com necessidades educacionais especiais, na escola é uma forma de tornar a sociedade mais democrática, sendo papel de todos os cidadãos transformar as instituições de ensino em espaços legítimos de inclusão. Portanto, a inclusão é um processo complexo inserido na organização da educação nacional que necessita de ações transformadoras de perspectivas realistas frente a importância de fazer do direito de todos à educação num movimento que deve ser coletivo. Desta forma, somente através da conscientização de comunidades, sociedade e famílias que tem acesso ao saber, e tem a oportunidade de fazer uso de sua educação de forma crítica, é que estaremos indo ao encontro de possíveis soluções que poderão ser pensadas, repensadas e colocadas em prática nos grupos atingidos pela exclusão. No contexto universitário, a concepção de direitos iguais para todos, também recebe destaque nas políticas propostas pela UNESCO, na Conferência Mundial sobre a Educação Superior, realizada em Paris em outubro de 1998, apresentando como principais postulados idéias em contraposição a concepção atual de ensino superior: a) Acesso ao ensino. O acesso aos estudos superiores será igual para todos; b) Responsabilidade do Estado. O Estado conserva uma função essencial no financiamento do ensino superior. O financiamento público da educação superior reflete o apoio que a sociedade lhe presta e dever-se-ia continuar reforçando, sempre mais, a fim de garantir o desenvolvimento deste tipo de ensino, de aumentar a sua eficiência e manter a qualidade e pertinência; c) Apoio à pesquisa. Promover, gerar e difundir conhecimento por meio da pesquisa [...] fomentar e desenvolver a pesquisa científica e tecnológica, ao mesmo tempo que a pesquisa no campo das ciências sociais, das ciências humanas e das artes; d) Responsabilidade social. A educação superior deve fazer prevalecer os valores e os ideais de uma cultura de paz, formar cidadãos que participem ativamente na sociedade [...] para consolidar, num contexto de justiça dos direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz. (CASTE- LÕES, 2002, p. 2) 97

Denise Molon Castanho Soraia Napoleão Freitas Assim, a educação inclusiva é um desafio, é tarefa dos educadores, dos representantes governamentais e de todos os cidadãos, mas para se efetivar uma política inclusiva deve-se ir além da análise e aplicação de documentos legais como diz Moreira (2005, p. 43) : [...}estes aparatos legais, sem dúvida, são importantes e necessários para uma educação inclusiva no ensino superior brasileiro, muito embora, por si só não garantam a efetivação de políticas e programas inclusivos. Uma educação que prime pela inclusão deve ter, necessariamente, investimentos em materiais pedagógicos, em qualificação de professores, em infra-estrutura adequada para ingresso, acesso e permanência e estar atento a qualquer forma discriminatória. Em se tratando do ensino superior a inclusão é uma discussão recente. Este novo refere-se ao desconhecido, e, este diferente, exige do educador ações pautadas não só em políticas públicas como também numa prática reflexiva. O educador, neste contexto universitário também precisa de capacitação, preparação que garanta o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos necessários a uma ação segura por parte desses profissionais. Neste sentido, Perrenoud (2002, p.47) revela que [...)] uma postura e uma prática reflexiva devem constituir as bases de uma análise metódica, regular, instrumentalizada, serena e causadora de efeitos. Neste contexto, as práticas reflexivas não podem limitar-se ao bom senso e experiência pessoal. O profissional precisa de saberes que não pode reinventar sozinho, e a reflexão deverá estar assentada de forma em que haja uma cultura no âmbito das ciências humanas. É necessário reconhecer o professor e valorizá-lo enquanto ser inacabado é necessário ressignificar os processos educativos, admitindo na tendência de formação reflexiva [...]uma estratégia para melhorar a formação de professores, uma vez que pode aumentar sua capacidade de enfrentar a complexidade, as incertezas e as injustiças na escola e na sociedade. (ZEICHNER apud PIMENTA, 2005, p. 30) Diante do exposto, acredita-se que no universo do ensino superior a prática docente frente a alunos com necessidades educacionais especiais necessita além de políticas públicas, de ações compartilhadas capazes de orientar o educador na formação de sujeitos, valorizando a diversidade em todos os espaços e fazendo valer o verdadeiro sentido da inclusão enquanto processo que reconhece e respeita diferentes identidades e que aproveita essas diferenças para beneficiar a todos e a todas (FREI- TAS, 2005). Desta forma, cabe as instituições de ensino superior, instituir políticas de inclusão e demover ações de exclusão, valorizando cada vez mais, ações pautadas no respeito a diversidade, considerando o papel que as mesmas assumem ao longo da história da sociedade. Referências BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394/96 de 20 de dezembro de 1996, Brasília, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Direito à educação: subsídios para a gestão dos sistemas educacionais: orientações gerais e marcos legais. Brasília, 2004. 98 Revista Educação Especial n. 27 p. 93-99 2006

BRASIL. Ministério da Educação. O ensino superior público. Brasília, 2000. CASTELÕES, L. Os desafios da Educação na América Latina. Disponível em: <http://www.comciencia. br>. Acesso em: 15 de setembro de 2003. Resenha, Rio de Janeiro: Vozes, 2002. CHAUÍ, M. A universidade pública sob nova perspectiva. Disponível em: <http://www.anped.org.br>. Acesso em 20 de Rio de Janeiro : Vozes, 1993. CURY. C. R. J. (Org). LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/LDB Lei 9.394 de 1996. Rio de Janeiro: DPA, 2001. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREITAS, S. N. (Org). Educação inclusiva e necessidades educacionais especiais.. Ed. UFSM, 2005. MARTINS, V. Educação Especial como direito. Universidade Estadual de Sobral, Fortaleza: 2004. Disponível em: <http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=87&rv=direito> Acesso em: 20 de julho de 2004. MITTLER, P. Educação Inclusiva: contextos sociais. Trad. Windyz Brazão Ferreira. Porto Alegre: Artmed, 2003. MOREIRA, L. C. In(ex)clusão na universidade: o aluno com necessidades educacionais especiais em questão. Revista Educação Especial,, n. 25, p 37-48, 2005. Disponível em: <http://www.ufsm.br/ ce/revista>. Acesso em: 16 de Set. 2005. MULLER T. M. P.; GLAT, R. Uma professora muito especial: questões atuais de educação especial). Viveiros de Castro, 1999. PIMENTA, S. G. (Org) Saberes pedagógicos e atividade docente. In: PIMENTA S. G. Formação de Professores: identidade e saberes da docência. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005. PERRENOUD, P. A prática reflexiva e o ofício do professor: profissionalização e razão pedagógica In: Saber refletir sobre a própria prática: objetivo central da formação de professores. Trad. Cláudia Schilling. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2002. SANTOS, M. P. Educação Inclusiva e a Declaração de Salamanca: conseqüências ao sistema educacional brasileiro. Revista Integração, Ano 10, n. 22, 2000. SCHON, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. Correspondência Denise Molon Castanho Rua Silva Jardim, 2410, Centro, Cep 97050-700., Rio Grande do Sul Brasil E-mail: molon@ccsh.ufsm.br Soraia Napoleão Freitas Universidade Federal de Centro de Educação Departamento de Educação Especial., Rio Grande do Sul Brasil E-mail: soraianfreitas@ig.com.br 99