LÍNGUA E DISCURSOS: TENDÊNCIAS EDUCACIONAIS ATUAIS EM RELAÇÃO AOS ALUNOS SURDOS

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Transcrição:

4511 LÍNGUA E DISCURSOS: TENDÊNCIAS EDUCACIONAIS ATUAIS EM RELAÇÃO AOS ALUNOS SURDOS Sonia Maria Dechandt Brochado (UENP FAFIJA) Estas reflexões sobre a inclusão de alunos surdos no ensino comum têm o objetivo de levantar discussões sobre o contexto educacional adequado e compreender o processo de apropriação da escrita do português, com segunda língua (L2) pelos surdos. O foco atual das políticas educacionais inclusivas indicam que uma escola que tenha como meta a inclusão dos alunos surdos necessita ser um espaço bilíngue, contando também com a disponibilização de recursos visuais adequados ao processo de aprendizagem do aluno surdo, além da presença da língua de sinais, condição essencial para sua acessibilidade ao conhecimento, por meio do instrutor surdo, intérprete ou professor usuário desta língua em sala de aula. Ademais, se torna necessário a disponibilização de atendimentos especializados que devem ser planejados em parceria com os professores da classe comum. Segundo Damázio (2007) o atendimento especializado a ser disponibilizado aos alunos surdos que frequentam o ensino regular devem ocorrer em três momentos. O primeiro se constitui no atendimento em Libras, na escola comum, no qual são trabalhados os conteúdos escolares em Libras, por um professor preferencialmente surdo. O segundo consiste no ensino de Libras, também preferencialmente por um professor surdo e o terceiro no ensino da língua Portuguesa, preferencialmente por um professor graduado nesta área. Este trabalho tem como objetivo analisar as tendências educacionais atuais em relação aos alunos surdos, considerando que a proposta política educacional inclusiva vigente em nosso país trouxe um embate nesta área, visto que muitos pesquisadores e a própria população surda em sua maioria defendem a manutenção de espaços educacionais segregados. Visa também discutir a afirmação da autora acima, essencialmente no que se refere ao ensino do português como segunda língua (L2), com base em outros estudiosos da área. O presente artigo será constituído por reflexões derivadas de análises de textos provenientes de eventos mundiais que debateram o tema inclusão, documentos legais, livros publicados pelo MEC referentes à área da surdez, análises de dissertações, teses, artigos publicados em periódicos e capítulos de livro. Sabemos que a questão da acessibilidade de comunicação é essencial para o êxito educacional dos surdos. Essa comunicação só se dará num ambiente lingüístico adequado em que o aluno surdo possa interagir. A proposta educacional bilíngue deve garantir o domínio da Libras como primeira língua (L1) e da Língua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua (L2). No entanto, são bastante conhecidas as dificuldades de comunicação dos surdos que frequentam o ensino comum, na realidade brasileira. Embora esteja em vigor atualmente a Lei Federal 10.436/2002, que oficializa e dispõe sobre a língua de sinais brasileira como língua da comunidade surda, e mais recentemente o Decreto 5.626/2005, que regulamenta as leis 10.098/94 e a Lei 10.436/02 orientando o atendimento da pessoa surda, não têm sido suficientes para a inclusão do aluno surdo que frequenta o ensino regular. A partir dos anos 80, no Brasil, os estudos referentes à surdez e à língua de sinais vêm adquirindo um espaço bastante significativo, especialmente, no contexto escolar, reafirmando o papel desta língua no processo de desenvolvimento lingüístico, cognitivo e social do surdo, bem como da aprendizagem da escrita da língua oral, como segunda língua por este sujeito. Vários pesquisadores brasileiros, entre eles, Quadros (1990, 1995, 1997a, 1997b, 1999, 2000, 2002, 2004), Souza (1996, 2000), Gesueli (1988, 1998), Góes (1994, 1996), Fernandes (2003), Silva (1998, 1999), Ferreira Brito (1995, 1993, 1989), Felipe (1989, 1993) têm salientado a importância da língua de sinais para aquisição da linguagem do surdo e como mediadora na aprendizagem da

4512 língua oral, na modalidade escrita. Estes e diversos outros trabalhos produzidos no Brasil sobre a escrita dos surdos oferecem contribuições significativas para a compreensão de como os surdos constroem suas produções escritas. Nos anos 90, do último século, tivemos a Declaração Mundial de Educação para Todos e a Declaração de Salamanca que impulsionaram mundialmente a discussão e a organização de medidas políticas e de práticas educacionais inclusivas. Neste contexto verificamos que a população de alunos surdos sempre foi tratada de forma a se constituir uma exceção, pois, desde a Declaração de Salamanca evidencia-se a possibilidades de tais alunos serem educados em espaços segregados. Esta possibilidade se manteve em nossa legislação por meio da interpretação do capítulo V, que trata da Educação Especial na LDB/96, assim como nas Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica publicada em 2001, pois nesta consta no Art. 9º que: as escolas podem criar, extraordinariamente, classes especiais para atendimento, em caráter transitório, a alunos que apresentem condições de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos. No entanto, a partir da publicação da Política Nacional da Educação Especial na perspectiva inclusiva, publicada em 2008, temos a eliminação de tal possibilidade. A premissa central deste documento é a de que os alunos que apresentem quaisquer condição de deficiência, incluído nesta categoria as pessoas com surdez, devem estudar em espaços educacionais inclusivos, ou seja, todos os alunos sem exceções devem estudar em classe comum e quando necessário devem receber no contra-turno atendimento especializado. Este documento tem gerado controvérsias, em especial em relação ao processo educacional dos alunos surdos. Considerando os objetivos propostos neste artigo apresentaremos alguns dos argumentos que justificam a manutenção do atendimento educacional de modo segregado aos alunos surdos em escolas ou classes especiais, na seqüência apresentaremos os argumentos a favor da inclusão educacional desses alunos em sala de aula inclusiva. Os argumentos levantados para defender a manutenção da educação de alunos surdos de modo segregado tomam como base a escola que temos na maioria dos municípios de nosso país, com professores despreparados, sem conhecimento de Libras, e muitas vezes, até mesmo sem a disponibilização de intérprete em sala de aula (DAMÁZIO, 2007). Dessa forma, o aluno surdo terá poucas oportunidades de interações significativas, fato que, provavelmente, acarreta prejuízos ao seu desenvolvimento cognitivo, social e acadêmico. Além disso, como os professores do ensino regular normalmente utilizam procedimentos de ensino basicamente orais, se torna muito difícil para os alunos surdos compreenderem os conteúdos apresentados e dependendo do nível de aprendizagem prévia do aluno em Libras e da língua Portuguesa, pode-se dizer em alguns casos, até mesmo impossível. As condições necessárias para inclusão de alunos surdos vão muito além da simples colocação de um intérprete em sala de aula, abrange, sobretudo os procedimentos de ensino, os recursos utilizados, as formas de interações estabelecidas. Por isso alguns pesquisadores, tais como Lacerda (2006), têm analisado que as experiências de inclusão não têm possibilitado o pleno desenvolvimento dos alunos surdos. Outro argumento comum comentado por vários pesquisadores a favor da segregação educacional do aluno surdo se refere à importância dos surdos conviverem com surdos. Segundo Skliar (1999) este fato é fundamental para o surdo desenvolver sua identidade e cultura. A favor da inclusão educacional dos alunos surdos temos os argumentos que servem de base para o processo de inclusão de maneira geral, principalmente a possibilidade de propiciar a aprendizagem da convivência com as diferenças e deste fato poder ser percebido como oportunidade de enriquecimento e não como um problema, bem como de favorecer a reconstrução da percepção social positiva, no caso específico em questão, do aluno surdo em relação a sua capacidade de aprendizagem, desenvolvimento e de comunicação. No entanto, sabemos que para todas estas aprendizagens sociais ocorrerem será necessário organizar as condições para sua efetivação. Considerando que a proposta educacional inclusiva é recente temos alguns conhecimentos que indicam as condições necessárias a este processo, pois simplesmente a colocação de alunos surdos nas classes comuns não garantirá que o processo de inclusão venha ocorrer de fato. Um dos principais aspectos fundamentais que se destaca para ocorrência deste

4513 processo é a escola assumir uma educação bilíngüe no sentido de efetivar a utilização de duas línguas nos espaços escolares. Para isso os alunos surdos aprenderão como primeira língua a Libras e como segunda, a língua Portuguesa, no caso dos alunos ouvintes e da comunidade escolar, especialmente seus professores teremos como primeira a língua Portuguesa e como segunda, a Libras (MEC/SEESP, 2006). Para que isto ocorra será necessário que a Libras esteja presente no cotidiano da escola, nas diversas atividades realizadas e, até mesmo se institua horários específicos para aprendizagem de todos da Libras, por meio da inserção desta língua como disciplina no currículo da escola e no caso dos professores e funcionários esta aprendizagem poderá se dar em grupos de estudos específicos para este fim. Outro aspecto importante a ser trabalhado no processo de inclusão dos alunos surdos são as modificações necessárias nas estratégias de ensino utilizadas em sala de aula, com a ampliação dos recursos imagéticos, tais como figuras, maquetes, filmes, utilização de fantoches, a realizações de dramatização e vivências em contextos reais. Ressalta-se que estas estratégias não devem se efetivar ocasionalmente, mas que passem a fazer parte da rotina das aulas, cotidianamente. Quanto ao ensino da Língua Portuguesa como segunda língua, fundamentando-nos no que observaram estudiosos contemporâneos quanto à linguagem e surdez, propomos que esse processo de apropriação para pessoas surdas ocorra como processo mental independente da oralidade, não associado ao som que as letras possam refletir. Brochado (2006), em A apropriação da escrita por crianças surdas, relata o resultado de investigação do processo de ensino-aprendizagem de L2 por crianças surdas brasileiras, em contexto de escola especial, afirmando que é um processo, constituído por etapas que se sucedem no tempo, cujo ponto de partida é a língua materna (L1) e o ponto de chegada é a língua meta (L2). Cada uma dessas etapas ou estágios de aprendizagem constituem o que se denomina interlíngua (IL), termo criado por Selinker (1972) para se referir ao sistema lingüístico empregado por um falante não nativo. É um sistema que apresenta traços da língua materna, traços da língua meta e outros propriamente idiossincráticos, cuja complexidade é progressiva em um processo criativo que atravessa sucessivas etapas marcadas por novos elementos que o aprendiz interioriza. Conclui que os dados descritos e analisados na amostra de produção textual de crianças surdas, usuárias da Libras, permitiram encontrar resultados que sugerem que a apropriação de uma L2 pelos surdos, no caso a escrita do português, caracteriza-se por um processo contínuo, constituído por etapas que se sucedem no tempo, cujo ponto de partida é a língua de sinais (L1) e o ponto de chegada é a Língua Portuguesa (L2), na modalidade escrita. Cada uma destas etapas ou estágios de aprendizagem dos alunos aprendizes constitui a sua interlíngua. Estes estágios sucessivos do conhecimento lingüístico revelam que a linguagem dos aprendizes varia, há marcas de instabilidade que refletem uma competência transicional, que revelam que o aprendiz não aprende uma língua mecanicamente, mas que se utiliza de estratégias de transferência da língua materna, de estratégias de simplificação, de estratégias de hipergeneralização e estratégias de transferência de instrução, que são dependentes de fatores internos individuais e de fatores externos contextuais, como a competência do professor, a adequação de metodologia e dos materiais didáticos, a quantidade e qualidade de input da língua alvo a que estão expostos os aprendizes. O estudo de Santos (1994), comparando carta de informante ouvinte estrangeiro com as de informantes surdos, também encontra muitas características comuns no processo de apropriação de uma segunda língua por ouvintes estrangeiros e por surdos, demonstrando que o português para o surdo é um processo de apropriação de segunda língua e com características semelhantes às dos ouvintes, respeitando-se as peculiaridades das modalidades das línguas envolvidas e as especificidades da surdez. Ressaltamos o fato de que os surdos serão sempre estrangeiros no uso do português e que muitas de suas construções são próximas as de um falante não nativo. Isso se dá, principalmente, em relação ao uso de elementos funcionais, como conectivos, preposições, conjunções e outros

4514 constituintes morfossintáticos empregados de modo inadequado por quem não tem vivência na língua. Também em Ensino de português para surdos (MEC/SEESP, 2004), comparando-se aspectos da aquisição do português como segunda língua por ouvintes e por surdos, observam-se aspectos comuns no processo de apropriação. Os aprendizes de segunda língua se utilizam de várias estratégias para descobrir a gramática da língua-alvo, permitindo a produção de frases convergentes da Língua Portuguesa e gerando também sequências divergentes. A partir das características encontradas por Brochado (2006) nas produções escritas das crianças surdas pesquisadas, observou-se diferentes estágios de interlíngua desses aprendizes, que permitiram agrupá-las em três estágios distintos, para fins didáticos. A autora observa que estes estágios detectados não têm a finalidade de classificar os aprendizes surdos conforme a interlíngua que apresentam, mas de apenas compreender como se dá a apropriação da escrita do português como uma segunda língua por esses sujeitos. Notou-se que a apropriação não é caótica e que depende de fatores internos comuns aos seres humanos e de outros fatores externos contextuais. INTERLÍNGUA I (IL1) Nesse estágio observamos o emprego predominante de estratégias de transferência da língua de sinais (L1) para a escrita da Língua Portuguesa (L2) desses informantes, caracterizando-se por:. predomínio de construções frasais sintéticas;. estrutura de frase muito semelhante à Língua de Sinais Brasileira (L1), apresentando poucas características do português (L2);. aparecimento de construções de frases na ordem SVO, mas maior quantidade de construções tipo tópico-comentário;. predomínio de palavras de conteúdo (substantivos, adjetivos, verbos);. falta ou inadequação de elementos funcionais (artigos, preposição, conjunção);. usar verbos, preferencialmente, no infinitivo;. empregar raramente verbos de ligação (ser, estar, ficar), e, às vezes incorretamente;.usar construções de frase tipo tópico-comentário, em quantidade, proporcionalmente maior, no estágio inicial da apropriação da L2;. falta de flexão dos nomes em gênero, número e grau;. pouca flexão verbal em pessoa, tempo e modo;. falta de marcas morfológicas;. uso de artigos, às vezes, sem adequação quanto ao uso;. pouco emprego de preposição e/ou de forma inadequada;. pouco uso de conjunção e sem consistência;. semanticamente, é possível estabelecer sentido para o texto. INTERLÍNGUA II (IL2) Nesse estágio constatamos na escrita de alguns alunos uma intensa mescla das duas línguas, em que se observa o emprego de estruturas lingüísticas da Língua de Sinais Brasileira e o uso indiscriminado de elementos da Língua Portuguesa, na tentativa de apropriar-se da língua alvo. Emprego, muitas vezes, desordenado de constituintes da L1 e L2, como se pode notar:. justaposição intensa de elementos da L1 e da L2;. estrutura da frase ora com características da Libras, ora com características da frase do português;.frases e palavras justapostas confusas, não resultam em efeito de sentido comunicativo;. emprego de verbos no infinitivo e também flexionados;. emprego de palavras de conteúdo (substantivos, adjetivos e verbos);. às vezes, emprego de verbos de ligação com correção;. emprego de elementos funcionais, predominantemente, de modo inadequado;. emprego de artigos, algumas vezes concordando com os nomes que acompanham;

4515. uso de algumas preposições, nem sempre adequado;. uso de conjunções, quase sempre inadequado;. inserção de muitos elementos do português, numa sintaxe indefinida;. muitas vezes, não se consegue apreender o sentido do texto, parcialmente ou totalmente, sem o apoio do conhecimento anterior da história ou do fato narrado; INTERLÍNGUA III (IL3) Nesse estágio, os alunos demonstraram na sua escrita o emprego predominante da gramática da Língua Portuguesa em todos os níveis, principalmente no sintático. Definindo-se pelo aparecimento de um número maior de frases na ordem SVO e de estruturas complexas, caracterizam-se por apresentar:. estrutura da frase na ordem direta do português;. predomínio de estruturas frasais SVO;. aparecimento maior de estruturas complexas;. emprego maior de palavras funcionais (artigos, preposição, conjunção);. categorias funcionais empregadas, predominantemente, com adequação;. uso consistente de artigos definidos e, algumas vezes, do indefinido;. uso de preposições com mais acertos;. uso de algumas conjunções coordenativas aditiva (e), alternativa(ou), adversativa (mas), além das subordinativas condicional (se), causal e explicativa (porque), pronome relativo (que) e integrante (que);. flexão dos nomes, com consistência;. flexão verbal, com maior adequação;. marcas morfológicas de desinências nominais de gênero e de número;. desinências verbais de pessoa (1ª e 3ª pessoas), de número (1ª e 3ªpessoas do singular e 1ª pessoa do plural) e de tempo ( presente e pretérito perfeito), com consistência;. emprego de verbos de ligação ser, estar e ficar com maior freqüência e correção; Fonte: Brochado (2006:p.314-316) Quadro: Estágios de interlíngua observados em aprendizes surdos. Essas características observadas na produção textual dos informantes, sugerem que há diferentes estágios de apropriação da escrita da Língua Portuguesa (interlínguas) e que as produções da IL constituem um continnuum de vários estilos, que podem ir dos mais formais, cuidadosamente produzidos, até ao discurso mais espontâneo, sem preparação prévia. Em cada um desses tipos de discurso, o conhecimento formal das regras e a habilidade para o uso comunicativo vão realizar-se de maneira diferente, segundo a situação e o contexto lingüísticos. O progresso na língua alvo se produz como o resultado da apropriação de regras novas da L2, através da participação em distintos tipos de discursos; quer dizer, é o uso da IL que gera a ampliação do conhecimento. Esses estudos demonstram que é fundamental para desencadear esse processo de apropriação do português pelos surdos, na modalidade escrita, a interação em um ambiente lingüístico que proporcione input adequado, como sustenta Fernandes o estímulo do meio é fator indispensável para pôr em atividade os mecanismos de aquisição (ou o impulso natural de aquisição de língua), despertando a capacidade inata do indivíduo (2003:31). Também é importante se notar que o cérebro está neurologicamente dotado para adquirir língua, não necessariamente a fala (oral), pois a aprendizagem de uma língua por pessoas que nascem surdas e aprendem uma língua de sinais, demonstra que ouvir e falar não são condições necessárias para aprender e usar uma língua. Isto sugere que para o cérebro dar entrada às regras gramaticais de uma língua L1 ou L2, o que importa não é o som, o espaço ou a visão, mas a função lingüística. O que importa é o uso funcional dos signos, e não a natureza do material que utiliza. (Grifos da autora).

4516 As reflexões apresentadas acima levam a conclusão de que a escrita da L2 se dá num processo constante de interação entre aspectos internos e externos, individuais e contextuais. Assim, sugerimos que as ações pedagógicas enfatizem as interações em sala de aula, na tentativa de aproximar esse ambiente de aprendizagem às situações naturais, tendo como requisito fundamental o domínio da língua de sinais entre profissionais surdos, profissionais ouvintes e alunos surdos e ouvintes. Para isso, a sala de aula interativa deverá apresentar as seguintes características ( BROWN, 1994, apud MEC/SEESP, 2004:107): a) realização de uma quantidade razoável de trabalhos em grupo ou em pares; b) fornecimento de informações autênticas em contextos do mundo real; c) produção visando a uma verdadeira comunicação; d) realização de tarefas que preparem os alunos para o uso autêntico da língua no mundo lá fora ; e) produção escrita visando a um público real, não um público inventado; f) em suma, associar o ensino da língua com o uso que ela tem fora da sala de aula. Pretende-se com este artigo mobilizar profissionais que poderão refletir sobre o contexto didático-pedagógico escolar e sobre a importância de uma proposta educacional bilíngüe para o aluno surdo no ensino comum que, além de promover a acessibilidade, incentiva a busca de estratégias educacionais mais adequadas. REFERÊNCIAS BRASIL.Ministério da Educação. Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Disponível em: www.mec.gov.br/seesp/legislacao.shtm Acesso em: 30 nov.2008. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC, 2008. Disponível em: <http:/portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>acesso em: 6 jan.2009. QUADROS, R. M. e SCHMIEDT, M. L. Idéias para ensinar português para alunos surdos.ufsc/ MEC/SEESP, 2007. Ensino de português para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Heloísa Maria Moreira Lima Salles et al. Brasíla: MEC, SEESP, 2004. 2v.(Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(Lei nº 9394/96). Brasília, 1996. AMPARE. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1994. BROCHADO, Sônia Maria Dechandt Brochado. A apropriação da escrita por crianças surdas. In: Estudos Surdos I. Petrópolis-RJ: Arara Azul, 2006. DAMÁZIO, M. F. M. Atendimento Educacional Especializado: pessoa com surdez. Brasília/DF: SEESP/SEED/MEC, 2007. 52p. FERNANDES, E. Linguagem e surdez.porto Alegre: Artmed, 2003. LACERDA, C. B. F. A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes sobre esta experiência. Caderno CEDES, Campinas, v. 26, nº.69, p.163-184, 2006. QUADROS, R.M. de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997., Aquisição de L1 e L2: o contexto da pessoa surda. In: Seminário Desafios e possibilidades na Educação bilíngüe para Surdos (org, INES). Rio de Janeiro: Líttera Maciel, 1997, p.70-87., (org.) Estudos Surdos I. Série Pesquisas. Petrópolis, RJ: Ed. Arara Azul, 2006. SKLIAR, C. (Org.) Atualidade em educação bilíngüe para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. SANTOS, D. V. dos. Coesão e coerência em escrita de surdos. Dissertação de Mestrado em Educação. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.