OFICINAS DE TRABALHO: HISTÓRIA E CONCEITOS



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Transcrição:

OFICINAS DE TRABALHO: HISTÓRIA E CONCEITOS Aline Bonetti 1, Fábio Bruno de Carvalho n 1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas/Centro de Ciências da Vida/Faculdade de Terapia Ocupacional, Av. John Boyd Dunlop, s/n, Jd. Ipaussurama, 13060-904, Campinas, SP, aline_bonetti@hotmail.com, carvalho1@mpcnet.com.br Resumo - As oficinas de trabalho são dispositivos que se desenvolveram ao longo da historia da loucura, atualmente são resultado da Reforma Psiquiátrica e da implementação da Reabilitação Psicossocial no país. Este trabalho buscou identificar a produção científica associada às oficinas de trabalho e analisar sua evolução histórica e conceitual. Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica sistemática que incluiu consultas a diversos tipos de publicações. Encontrou-se 106 publicações que contemplavam as oficinas de trabalho, sendo que, 6 eram artigos de revisão voltados à saúde mental, destes apenas um referia se as oficinas de trabalho, 45 eram relatos de experiências e 55 abordavam a evolução histórica das oficinas de trabalho. A partir de 2001, verificou-se um grande avanço na produção científica associada às oficinas de trabalho. Elas surgiram associadas ao tratamento moral e recentemente estão se vinculando a economia solidária. São conceituadas tanto como terapêuticas e psicodinâmicas quanto produtivas e ressocializantes. Palavras-Chave: oficinas de trabalho, reforma psiquiátrica, desinstitucionalização, saúde mental. Área do Conhecimento: Ciências da Saúde Fisioterapia e Terapia Ocupacional CNPq. Introdução A experiência de loucura sempre esteve presente na vida do homem desde os tempos primitivos e o que mudou, recentemente, foi a maneira de entendê-la e tratá-la. A partir do século XV e XVI, a desrazão foi incluída no grupo dos desviantes e era entendida como tudo aquilo que uma sociedade enxerga como sendo seu outro : a estranheza, a ameaça. (SILVEIRA; BRAGA, 2005). No século seguinte, criaram-se na Europa, as casas de internação. Eram locais em que os loucos internados passaram a conviver com todo tipo de pessoas, desde pobres, inválidos, mendigos, infratores até desempregados. É assim que no século XVIII e XIX, surge o Tratamento Moral derivado das idéias do religioso inglês Tuke e do médico francês Phillipe Pinel. A partir deste momento a loucura adquiriu o sentido médico de doença mental. Neste ambiente, as atividades laborativas tornaram-se o elemento empírico primordial no tratamento do doente mental (QUEIROZ, 2001). No Brasil, em 1852, foi inaugurado na cidade do Rio de Janeiro o hospício Dom Pedro II, em 1898, o Hospital do Juquerí, em São Paulo, sendo que ambos funcionavam dentro das perspectivas do tratamento moral (BRASIL, 2002). Na época da ditadura militar, o governo estabeleceu convênios com os hospitais psiquiátricos privados que serviram para o desenvolvimento da indústria da loucura e a piora da assistência aos doentes mentais. A Reforma Psiquiátrica nasce neste cenário como um movimento político de contraposição a mentalidade hospitalocêntrica, visando a desinstitucionalização e a criação de serviços substitutivos ao manicômio, que incluía: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Enfermaria de Psiquiatria em Hospital Geral, Serviços Residenciais Terapêuticos, Centros de Convivência e Cooperativas e Oficinas de Trabalho. Este trabalho é resultado de uma pesquisa de revisão bibliográfica sistemática que buscou evidenciar os estudos relativos à evolução histórica e conceitual das oficinas de trabalho na saúde mental e está vinculado ao Programa de Iniciação Científica (PIC) e ao Grupo de Pesquisa, Saúde Mental, Terapia Ocupacional e Perspectivas de Formação da PUC-Campinas. Metodologia A investigação foi realizada através de uma revisão bibliográfica sistemática, com a qual foram analisados livros, teses, artigos publicados em revistas especializadas, bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde/BIREME (Literatura Latino-americana en Ciencias de La Salud LILACS, Scientific Electronic Library Online - SciELO, Literatura Internacional em Ciências da Saúde MEDLINE) e textos da Organização 1

Mundial da Saúde e da Organização Pan Americana de Saúde. Os descritores utilizados inicialmente foram: oficina de trabalho, reforma psiquiátrica e desinstitucionalização. Junto à base de dados da BVS/Bireme, realizou-se uma busca com os descritores iniciais, mas devido ao elevado número de resultados irrelevantes, foi necessário acrescentar outras palavras aos indexadores, tais como: oficinas de trabalho protegido, saúde mental, serviços de saúde mental, reforma psiquiátrica evolução histórica. Neste processo, foi possível identificar com maior clareza os textos pertinentes a pesquisa e, dessa forma, o número de artigos encontrados se reduziu, pois havia repetições e temas irrelevantes a pesquisa. Alguns artigos internacionais também compuseram a amostra, facilitando a discussão frente aos dados nacionais. Foram realizadas leituras nos artigos completos, resumos, capítulos de livros e livros, em busca de se saber da história e dos conceitos sobre as oficinas de trabalho. Além disso, foram analisados também os documentos do Ministério da Saúde sobre as três Conferências de Saúde Mental, e aqueles que discutiam a evolução das políticas em Saúde Mental. As informações coletadas foram categorizadas de forma a favorecer uma análise sistemática dos dados. As categorias constituídas foram: tipos de documentos, tipos de publicações (periódicos, teses e dissertações, oficial ou capítulos de livro), idioma, ano de publicação, bases de dados, nacionalidade, resumo e temática predominante. Resultados A delimitação da amostra permitiu a elaboração de gráficos, tabelas e figuras de forma a se visualizar melhor os resultados obtidos. Foi encontrado um total de 106 publicações A Figura 1 mostra que no período I (1981-1990) poucos textos foram publicados, o início da Reforma Psiquiátrica no Brasil, portanto era uma época em que a prática estava se constituindo e as reflexões teóricas estavam por se fazer. No período II (1991 2000) houve aumento no volume de publicações em relação ao período anterior. Os textos analisados apresentam conteúdos teóricos abordando, principalmente a história da saúde mental. No período III (2001 2008) há um grande aumento das publicações e a história sobre a loucura e a reforma são incorporadas à maioria dos textos, referentes a relatos de experiências e avaliação dos resultados das oficinas de trabalho. É, destacadamente, maior o número de publicações em língua portuguesa nos três períodos, comparado com as publicações em língua inglesa, castelhana e alemã. Vê-se, assim que há um maior investimento brasileiro em investigar as oficinas de trabalho. Nº Categorias 1.Resumos; 2.Textos Completos; 3.Livros; 4.Capítulos de Livros; 5.Artigos Indexados; 6.Dissertações de mestrado; 7.Teses de doutorado; 8.Livros; 9.Capítulos de Livros; 10.Publicações Governamentais; 11.Português; 12.Inglês; 13.Espanhol; 14.Alemão; 15.1981 1990; 16.1991 2000; 17.2001-2008 Figura 1 Categorias Gerais Em contrapartida, o número de dissertações e teses é pequeno e pode ser creditado à ausência de programas de pós graduação específicos para se investigar a saúde mental. Na BVS/Bireme foram encontrados 63 artigos indexados sobre as oficinas de trabalho. Destes, 2 foram encontrados na Biblioteca Cochrane, 21 na Lilacs, 9 na Medline, um na OMS e 30 na Scielo. O número de livros, comparativamente aos de artigos, é pequeno. É importante destacar a existência de apenas um livro monográfico sobre as oficinas de trabalho em saúde mental (GALETTI, 2004). Um livro composto por vários textos todo dedicado as oficinas (COSTA & FIGUEIREDO, 2004). Existem capítulos de livros incluídos em livros que discutem temas mais amplos da saúde mental. O Ministério da Saúde, a Organização Mundial da Saúde e a Organização Panamericana de Saúde têm contribuído com a publicação de textos no campo, mas são poucos os relacionados às oficinas de trabalho. A Tabela 1 mostra que a grande maioria dos temas refere-se à evolução histórica, conceitual e política das oficinas de trabalho. Há também um grande número de relatos de experiências e um pequeno número de textos de revisão. 2

Tabela 1 Categorias temáticas Categorias Dados Período Histórico 1981 1990 1991 2000 2001 2008 Revisão 6 0 0 6 Histórico/Conceitual/Político 55 Histórico 32 3 6 23 Político 20 1 5 14 Conceitual 3 0 0 3 Relatório de Experiências 45 1 5 39 TOTAL 106 Os textos históricos discutem de uma forma geral a evolução do tratamento da loucura e incluem as oficinas de trabalho como um recurso terapêutico muitas vezes criticado e em outros é descrito como um elemento a mais entre as terapêuticas. Existem textos que tratam especificamente a história das oficinas de trabalho (GUERRA, 2004), outros se referem aos seus precursores e ao papel da terapia ocupacional e ainda outros descrevem a história de determinadas oficinas e suas instituições. Os textos que conceituam as oficinas de trabalho são poucos e a ênfase dada é decorrente da visão teórico-ideológica do autor, podendo predominar definições voltadas à subjetividade, criatividade, produtividade, adaptabilidade, socialização e politização. A Tabela 2 identifica que a maioria dos relatos de experiências sobre as oficinas de trabalho referem-se à reabilitação com doentes mentais, e têm origem nacional. Os relatos de experiência com deficientes mentais são poucos e internacionais. A maior parte das publicações indica que as oficinas de trabalho estão vinculadas, ainda, aos hospitais psiquiátricos. Há também em grande número vinculadas aos Centros de Atenção Psicossocial. Tabela 2 Características dos relatos de experiências Dados Categorias Nº Relato de Experiências Patologia da clientela Doentes mentais Deficientes mentais Local Período histórico 1981 1990 1991 2000 2001 2008 45 1 5 39 43 1 4 38 2 0 1 1 Hospitais 17 0 0 17 Enfermaria psiquiátrica 2 0 0 2 Ambulatório 2 0 1 1 CAPS 15 0 1 14 Centro de convivência Contexto empresarial 3 0 0 3 6 1 3 2 Estes achados apontam para uma realidade prática das oficinas que se sustenta em diferentes modelos teórico-ideológicos e, de certa forma, representam as diversas etapas da evolução histórica das oficinas. Os relatos de experiências relacionados a contextos empresariais se baseiam em publicações internacionais de língua inglesa. Tabela 3 Fundamentação teórica dos relatos de experiências Categorias Artigos Livro Cap. de Livros Psicanalítico 5 *** 1 *** 6 *** Comportamental / Adaptativo Psicodinâmico / Humanista 3** 4*** = 7 0 1 *** 2 *** 0 3 *** Social 8 *** 0 12 *** Período:** 1991 a 2000; *** 2001 a 2008 Na Tabela 3, se vê um maior número de publicações direcionadas as análises sociais das oficinas, na medida em que há um entendimento do homem como um ser produtivo que vive em sociedade e deve ter seu trabalho valorizado. Para os teóricos sociais a experiência de trabalho nas oficinas somente torna-se positiva quando uma de suas funções é proposta de modo a intervir no campo da cidadania. As publicações referentes a teorias comportamentais/adaptativas aparecem em número significativo relacionadas, principalmente 3

aos artigos de língua inglesa, com enfoque em treinamentos pré-profissionalizantes em direção da readaptação ao mercado de trabalho comum. Vale ressaltar que os únicos três artigos identificados, no período 1991 2000 são dos Estados Unidos. O livro monográfico que compõe a amostra se fundamenta nas teorias psicanalíticas, ao mesmo tempo em que incluí preocupações com a inclusão social. Os capítulos de livro que abordam as oficinas de trabalho partem de uma interpretação social para chegarem à psicanálise, misturando, assim, o terapêutico ao social. Discussão Os estudos de revisão bibliográfica têm como propósito analisar as mais recentes obras científicas disponíveis que tratem de um determinado tema ou dêem embasamento teórico e metodológico para o desenvolvimento de projetos da pesquisa. As revisões bibliográficas sistemáticas começaram no início do século XX, mas somente no final da década de 90 tornaram se mais praticadas e divulgadas (CORDEIRO et al., 2007). O aumento das publicações no Brasil sobre as oficinas de trabalho aconteceu entre 2001 2008, num período em que os equipamentos extrahospitalares, incluindo as oficinas de trabalho, foram compondo a rede de assistência à saúde mental. São deste período diversos tipos de textos referindo-se a história, aos conceitos, aos relatos de experiências, a política e a legislação das oficinas de trabalho. Apesar de se evidenciar uma evolução no uso das oficinas de trabalho, encontrou-se apenas 6 artigos de revisão pertinentes a esta temática. Destes, 4 estão em língua portuguesa e 2 em língua castelhana. Os artigos de revisão de Kantorski (2001) e Kantorski et al (2002) deram início a esta modalidade de investigação no campo da saúde mental. Os resultados dessas pesquisas mesmo sendo limitados representavam uma parte da produção no campo da saúde mental e da enfermagem em saúde mental. A revisão sistemática de Passos (2003) é um marco de qualidade neste tipo de publicação. É um artigo que faz um mapeamento da publicação brasileira em saúde mental, aponta suas tendências e características mais acentuadas e demonstra o crescimento da produção científica sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil, confirmado pelos achados desta pesquisa. Os dois únicos artigos de revisão metanalítica encontrados na Biblioteca Cochrane de Ruddy & Milnes (2008) e Abaass et al (2008) têm uma aproximação limitada com esta pesquisa, pois não tratam especificamente das oficinas de trabalho, mas mostram a inexistência de pesquisas com tais características neste campo. O único texto que apresenta uma revisão bibliográfica sobre as oficinas de trabalho, mesmo não sendo sistemática, é de Ribeiro (2004). A autora enfatiza a importância das oficinas de trabalho junto ao processo de reinserção social de doentes mentais e reconhece também um grande número de produções teóricas caracterizadas como relatos de experiências. A maioria das publicações em línguas estrangeiras são relatos de experiências de oficinas de trabalho ligadas a profissionalização e inclusão de deficientes mentais ao mercado de trabalho formal. As análises referentes às publicações internacionais mostram que as perspectivas teórico-ideológicas das oficinas em diferentes regiões do mundo, como nos Estados Unidos, seguem um modelo de treinamento préprofissional e dirigem-se a capacidade de adaptação dos usuários ao mercado de trabalho. O modelo inglês, da mesma forma, utiliza-se de terapias profissionalizantes e da reabilitação profissional. Nos EUA e na Inglaterra as bases teóricas predominantes são as técnicas cognitivocomportamentais pouco eficazes junto às pessoas com transtornos mentais graves, além de mostrarem pouca preocupação com a inclusão social. Na França, é enfatizado o modelo de readaptação com observação/orientação, formação e a reinserção, mas seus problemas são semelhantes aos dos países anglo-saxões (LEAL, 2004). A experiência italiana produziu a empresa social, diferentemente dos modelos anteriores. Neste modelo há uma rejeição a reabilitação voltada centralmente à adaptação ao mercado de trabalho. Valoriza-se a proposta de reinserção social pelo trabalho, mas sem desconsiderar a complexidade das relações envolvida na produção do sofrimento humano (ROTELLI; AMARANTE, 1992). O que se percebe é que o modelo das oficinas desenvolvido no Brasil está muito próximo da experiência italiana e se afasta das experiências norte- americanas e européias. Conclusão 4

Houve um grande aumento da produção científica sobre as oficinas de trabalho marcadamente a partir do ano de 2001. Esta revisão não pretendeu esgotar todas as possibilidades de categorização das publicações sobre oficinas de trabalho e que poderá ser aprimorada em outra investigação. Contudo, é possível afirmar que em seus primórdios as oficinas de trabalho estavam vinculadas à religiosidade e ao tratamento moral, passaram por uma perspectiva terapêutica envolvidas com a psiquiatria e a saúde mental, caminharam para a ressocialização, chegando à reabilitação profissional carregada de diversas expectativas que incluem: a adaptação ao mercado de trabalho; o favorecimento a cidadania; a geração de renda e a realização de desejos. Além disso, os textos mostram que na prática das oficinas de trabalho existe um eixo transicional entre diversos pares de conceitos, tais como: terapia e produção; desejo e adaptação; saúde e loucura; individual e coletivo e exclusão e inclusão e, dessa forma, não há um conceito único para as oficinas de trabalho em saúde mental, pois se houvesse ele deveria incorporar todas estas definições. Referências ABBASS, A. A.; HANCOCK, J. T.; HENDERSON, J.; KISELY, S. [Psicoterapias psicodinâmicas a corto plazo para transtornos mentales frecuentes]. (Cochrane Review). In: La Biblioteca Cochrane Plus, Issue 3, 2008. Oxford: Update Software. - BERLINCK, M. T; MAGTAZ, A. C; TEIXEIRA, M. A Reforma Psiquiátrica Brasileira: perspectivas e problemas. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. [online]. vol.11,n.1, pp. 21-28. ISSN 1415-4714, 2005. Acesso em: 22 abr. - BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. III Conferência Nacional de saúde mental: relatório final. Brasília, 2002. - BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Brasília: OPAS, 2005. CORDEIRO, A. M.; OLIVEIRA, G. M.; RENTERIA, J. M.; GUIMARÃES, C. A. Revisão sistemática: uma revisão narrativa. Rev.Col.Bras.Cir. v.34,n.6, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/rcbc. Acesso em: 12 maio - COSTA, C. M.; FIGUEIREDO, A. C. Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004. - GALETTI, M. C. Oficina em saúde mental: instrumento terapêutico ou intercessor clínico? São Paulo: Editora da UCG, 2004. - GUERRA, A. M. C. Oficinas em Saúde Mental: Percurso de uma História, Fundamentos de uma Prática. In: Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004. KANTORSKI, L. P. - A reforma psiquiátrica: um estudo parcial acerca da produção científica. Revista Eletrônica de Enfermagem. v.3,n.2, 2001. Disponível em: <http://www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 30 maio KANTORSKI, L. P.; PITIÁ, A. C. A.; MIRON, V. L. A Reforma psiquiátrica nas publicações da revista Saúde em Debate entre 1985 e 1995. Revista Eletrônica de Enfermagem. v.4,n.2, 2002. Disponível em: <http://www.fen.ufg.br>. Acesso em: 22 out. 2008. - LEAL, E. M. Trabalho e reabilitação psiquiátrica fora do contexto hospitalar. In COSTA, C. M.; FIGUEIREDO, A. C. (orgs.). Oficinas Terapêuticas em Saúde Mental sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004. - PASSOS, I. C. F. Cartografia da Publicação Brasileira em Saúde Mental: 1980-1996. Rev. Psic.: Teor. e Pesq., v.19, n.3, p. 231-39, 2003. - QUEIROZ, I. S. Os programas de redução de danos como espaços de exercício da cidadania dos usuários de drogas. Rev. Psicol. cienc. prof. v.21,n.4, 2001. Acesso em 15 abr. - RIBEIRO, R. C. F. Oficinas e redes sociais na reabilitação psicossocial. In COSTA, C. M.; FIGUEIREDO, A. C. (orgs.). Oficinas Terapêuticas em Saúde Mental sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004. ROTELLI, F.; AMARANTE, P. Reformas Psiquiátricas na Itália e no Brasil. Aspectos 5

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