) TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ) ACÓRDÃO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N *02160393* Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n 766.297-5/9-00, - da Comarca de CANANEIA,. em que é apèlante MILSON UNGARO MENÃO sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO: ACORDAM/ em Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão." O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), SAMUEL JÚNIOR. São Paulo, 29 de' janeiro de-'-2009. /? í TORRES DE CARVALHO Relator
Voto n AC-3.050/09 Apelação n 766.297.5/9-00 - Câmara Especial de Meio Ambiente Apte: Milson Ungaro Menão Apdo: Ministério Público Origem: Cananéia - Proc. n 154/05 ou 131/05 Juiz: Sidnei Vieira da Silva AÇÃO AMBIENTAL. Cananéia. Parque Estadual da lha do Cardoso. Balneário Marujá. Supressão de vegetação e edificações. Dano ambiental. Desfazimento das benfeitorias. Recuperação da vegetação - Não sendo um 'morador tradicional', segundo a definição dada pelo Plano de Manejo do Parque e pela Lei n" 11.428/06, o réu não tem o direito de manter residência na área de preservação integral. Posse longeva não demonstrada. Necessidade de repor o meio ambiente na condição original, ante a natureza 'propter rem' da obrigação ambiental. - Sentença de procedência. Recurso do réu desprovido. 1. Trata-se de ação civil pública ambiental de obrigação de fazer, não fazer e indenizar proposta pelo Ministério Público e julgada procedente pela sentença de fls. 358/375, vol. 2 para condenar o réu (i) ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em apresentar, no prazo de sessenta dias, a aprovação junto ao Instituto Florestal projeto de recuperação da área degradada (PRAD), assinado por profissional com habilitação técnica florestal e que deverá conter a total demolição das construções erigidas na área em questão, a retirada da vegetação exótica eventualmente existente no local, a remoção do entulho e o replantio de mudas nativas de Mata Atlântica, em caráter heterogêneo, devendo inicial a execução do projeto, em trinta dias após a sua aprovação ou no prazo apontado pelo órgão aprovador; (ii) ao cumprimento de obrigação de não fazer consistente em abster-se de efetuar qualquer desmatamento, reforma, construção na área descrita ou qualquer outra forma de intervenção negativa no local, que não aquelas indicadas no plano de recuperação da área devidamente 50 18 025
Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n 766.297.5/9-00 -fls. 2 aprovado pelo órgão competente; (iii) pagamento de indenização, a ser apurada em sede de liquidação de sentença, correspondente aos danos ambientais que se mostrarem técnica e absolutamente irrecuperáveis, a ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação dos Interesses Difusos Lesados. Condenou-o ainda ao pagamento das custas e despesas processuais, sem condenação em honorários de advogado. Apela o réu (fls. 379/387, vol. 2); preliminarmente alega (i) a ineficácia da sentença, pois sua esposa, litisconsorte necessária ante o casamento com comunhão de bens, não foi citada; (ii) prescrição da pretensão do autor, pois adquiriu a propriedade há mais de vinte anos. No mérito, diz que (i) possui direito adquirido, nos termos do art. 5 o, XXXVI da CF, pois detém a posse mansa e pacífica há mais de oitenta anos e a propriedade foi adquirida em 1954 já com a edificação, oito anos antes da implantação do Parque Estadual da Ilha do Cardoso pelo DE n 49.139/62 de 3-7-1962 até hoje sem regulamentação; nunca desmaiou, construiu, plantou gramíneas ou qualquer outro tipo de vegetação exótica; as árvores de eucalipto e as flores na cerca foram retiradas; (ii) a casa não foi construída sem autorização, eis que à época o Parque Estadual da Ilha do Cardoso não se opôs, sendo observada as normas legais e o pagamento de tributos; (iii) as testemunhas não souberam precisar quando a construção foi erguida; a testemunha Ezequiel foi contraditada por ter se desentendido com o apelante; a testemunha Amoldo não poderia ter sido ouvido como informante; a diretora do parque confirmou que o imóvel não foi construído pelo apelante e que o parque não reconhece a certidão do registro do imóvel expedida pelo CRI de Cananéia, não soube esclarecer as demais perguntas e agiu com parcialidade. Pede a reforma da decisão e a improcedência da ação. Apelo tempestivo e preparado. Contra-razões a fls. 390/405, vol. 2. A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 413/420, vol. 3). 50 18 025
Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n 766.297.5/9-00 -fls. 3 É o relatório. 2. Litisconsórcio passivo. Esposa. Conforme já apreciado por esta Câmara Especial de Meio Ambiente na Ação Rescisória n 643.910.5/0-00, Eunice Moreira Mattar vs Ministério Público, 23-8-2007, Rei. Renato Nalini, não conheceram do recurso, v.u.: Ação civil pública ambiental não é ação real imobiliária e em nada interfere com os direitos dominiais dos réus. Desnecessidade de citação da esposa do réu-varão, pois ausente litisconsórcio passivo necessário. Se essa a única mácula da demanda, inviável a desconstituição do julgado por ação rescisória, eis que não houve qualquer descumprimento da lei, menos ainda violação a literal disposição legal. 3. Prescrição. O réu alega a ocorrência da prescrição por ser proprietário da área há mais de vinte anos; mas não tem razão. A infração (ocupação de área de preservação, sem autorização ambiental) tem natureza permanente, de modo que a qualquer tempo se pode intentar a ação para corrigila. 4. Parque Estadual da Ilha do Cardoso. A área objeto do processo está sujeita a diversas restrições: (i) compõe o Parque Estadual da Ilha do Cardoso criado pelo DE n 40.319/62 de 3-6-1962, declarado de utilidade pública pelo DE n 2.854 de 21-11-1973 editado com base no art. 5 o, 'a' da LF n 4.771/65 de 15-9-1965 (redação vigente ao tempo da edição do decreto) com a finalidade de assegurar integral proteção à flora, à fauna, às belezas naturais, bem como para garantir sua utilização a objetivos educacionais, recreativos e científicos; (ii) é área de preservação permanente por força do art. 2 o, alínea T do Código Florestal que protege as florestas e de mais formas de vegetação natural 5018 025
Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n 766.297.5/9-00 -fls. 4 situadas nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; (iii) é área tombada pelo CONDEPHAAT conforme Resolução SC-40 de 6-6-1985 (não anexada aos autos). A Resolução CONAMA n 4/85 de 18-9-1985 cuidou das reservas ecológicas, entre elas as restingas e áreas de mangue. O DE n 25.341/86 de 24-6-1986 aprovou o regulamento dos Parques Estaduais Paulistas; indicando as restrições e propondo a elaboração de planos de manejo. A LF n 9.985/00 de 18-7-2000 regulamentou o art. 225 I o, incisos I, II, III e Vil da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e da outras providências, instituindo regras de proteção. A Deliberação CONSEMA n 30/01 de 24-10-2001, não anexada aos autos, aprovou o Plano de Manejo do Parque Estadual da Ilha do Cardoso e estabeleceu a definição de 'moradores tradicionais' (fls. 4). 5. No mais, pouco se pode acrescentar à bem lançada sentença subscrita pelo Dr. Sidnei Vieira da Silva, que transcrevo em parte. O Parque Estadual da Ilha do Cardoso, criado pelo DE n 40.319/62 é unidade de conservação constitucionalmente protegida; a área ocupada pelo réu está situada na área do Parque Estadual e nela se verifica, pelo autor ou por seus antecessores, a supressão da vegetação natural (floresta alta de restinga), a construção de uma residência e a introdução de vegetação exótica. O réu não é morador tradicional da ilha (cuja permanência é autorizada pelo art. 42 da LF n 9.985/00) e não tem direito ao assentamento; possui a área por aproximadamente vinte anos, segundo os contratos que anexou. Diante do quadro probatório inserto nos autos, a recuperação do dano exige a demolição das edificações, remoção dos entulhos para fora do Parque e o abandono do local da ocupação para regeneração natural da vegetação, além da execução de medidas mitigadoras como se descreveu no laudo pericial a fls. 230/231. O Plano de Manejo apenas permite a permanência de moradores tradicionais, isto é, aqueles que estejam há, no mínimo, três gerações residindo na Ilha do Cardoso; desenvolvam atividades de baixa interferência no ^ 50 18 025
Câmara Espeãal de Meio Ambiente - Apelação n 766.297.5/9-00 -fls. 5 meio ambiente, caracterizada pela pequena escala e baseada no uso de recursos renováveis; e que tenham conhecimento e domínio das técnicas tradicionais (pesca, agricultura e construção); e prevê que o Estado se reintegre na posse dos imóveis ocupados por moradores não tradicionais, que entraram no Parque depois de sua criação. A Lei n 11.428/06, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do bioma Mata Atlântica, define 'população tradicional': "população vivendo em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural por meio de atividades de baixo impacto ambiental". 6. O réu adquiriu os direito possessórios ao imóvel, já construído, de Eugênio Grigorowistchs e outros por contrato particular de 10-11- 1989; os cedentes, por sua vez, haviam adquirido tais direitos em 27-1-1986 de Orestes Jacinto, também por contrato particular (fls. 109/116). Não se sabe quando nem de quem Orestes Jacinto adquiriu os direitos que cedeu, havendo tão somente menção ao cedente Paulo Mendonça, que não se sabe quem seja, na informação de fls. 108. Não há nenhum indício de que o terreno tenha pertencido a Haroldo Lippe nem que tenha sido por ele vendido, ante a inexistência dessa origem nos documentos do autor (ainda que baseado em registro aparentemente irregular, o loteamento estava inscrito no Cartório de Imóveis e os lotes eram objeto de compra e venda, não de simples cessão de posse) (ver fls. 299/308, vol. 2) e a afirmação em contrário da testemunha Ezequiel de Oliveira (fls. 336, resposta às perguntas da defensora). As testemunhas mencionam que Orestes Jacinto construiu a casa ocupada pelo autor por volta de 1970; a inexistência de ocupação anterior é comprovada pelas aerofotos de 1962 que acompanham a inicial. A mencionada posse 'de 80 anos' não tem qualquer substrato probatório. O réu menciona que, em algum momento no passado, a posse pertenceu a algum morador tradicional da ilha. Não há prova disso, nem quando isso ocorreu; mas ainda que tenha pertencido e ainda que a moradia antiga tenha sido substituída pela casa de alvenaria atual, a qualificação de mora- 50 18 025
Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n 766.297.5/9-00 -fls. 6 dor tradicional não se transmite com o imóvel. Quem adquire imóvel de morador tradicional não se torna, por força da aquisição, um deles; é e continua sendo um morador não tradicional, sem direito à permanência na área protegida. 7. Nestas condições, a procedência foi bem decretada. O autor não tem título que o habilite a permanecer no Parque Estadual, nem os singelos documentos particulares que apresentou são oponíveis às restrições trazidas antes deles pela legislação ambiental. Não há propriedade a proteger, pois proprietário o réu não é; e a posse deve ser exercida conforme as restrições ambientais, que a antecedem. Como a Câmara Ambiental tem afirmado em uníssono, o eventual direito individual à preservação da construção cede ao interesse maior da coletividade (de que o réu faz parte) em ter o sofrido meio ambiente preservado e restaurado. A obrigação de recompor o meio ambiente tem sólido fundamento constitucional e legal; a obrigação é considerada 'propter rem', a- companha a coisa e é transmitida ao proprietário atual, ainda que não tenha ele sido o causador do dano. A obrigação tem vários fundamentos. Um, de ordem legal, foi visto acima. Outro de ordem prática, uma vez que apenas o proprietário atual pode recompor o meio ambiente, já que dele é o domínio e a posse do bem. Outro mais amplo que ultrapassa a questão legal, bem expresso pelo Desembargador Renato Nalini no caso Ministério Público vs Canagril - Cana Agrícola Ltda, AC n 397.682.5/1-00 (que cuidou da queima da palha da cana-de-açúcar por ocasião da colheita), e que lembra o dever das gerações presentes de preservar o meio ambiente para as gerações futuras. O voto é pelo desprovimento do apelo do réu. TORRES DE CARVALHO Relator