Relato. Educação Popular e Atenção à Saúde da Família: Reflexões a Partir de Uma Experiência em Extensão Popular. 1 Introdução.

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Transcrição:

Educação em saúde em DST/Aids: relato de experiência de extensão universitária Educação Popular e Atenção à Saúde da Família: Reflexões a Partir de Uma Experiência em Extensão Popular 1 Introdução O PEPASF articula atividades de promoção e atenção à saúde junto a moradores da comunidade, numa perspectiva integral e popular, sensibilizando o estudante na sua formação, através do conhecimento das dificuldades, carências e experiências daquele povo. Participam dele, atualmente, sessenta estudantes de diferentes áreas da UFPB: social (comunicação social, serviço social, pedagogia, psicologia) e saúde (educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia, medicina, nutrição, odontologia), compondo uma proposta interdisciplinar de atuação. Há que se destacar o componente interinstitucional do mesmo, com a participação de estudantes de outras instituições de ensino superior (IES). Outras práticas de extensão se unem ao PE- PASF, atuando na mesma comunidade, constituindo, na verdade, um amplo programa articulado, trazendo uma diversidade de formas de pensar e agir na saúde: os projetos Fisioterapia na Comunidade; Para Além da Psicologia Clínica; Saúde Bucal na Comunidade; e Educação em Saúde com Gestantes e Puérperas (Enfermagem). O Projeto propõe vivências com a comunidade, orientadas pelo eixo da saúde. Essa experiência, fundamentada na Educação Popular e Saúde (EPS), permite aos atores nela envolvidos uma compreensão ampla e dialógica do processo saúdedoença, de forma que saberes sejam trocados na perspectiva de um aprendizado mútuo e contínuo de ação transformadora. Que não haja domínio de um saber sobre outro, mas uma interação especificamente humana entre valores, pensamentos e sentimentos, através de um aprofundamento da intervenção da ciência na vida cotidiana das famílias e da sociedade (Vasconcelos, 2000). Dailton Alencar Lucas Lacerda 1, Pedro José Santos Carneiro Cruz 2, Amanda Camurça de Azevedo 3, Fernanda Filgueiras Gonçalves de Farias 4, Francisco Douglas C. Leite 5, Juliana Rodrigues Pereira 6 Resumo Este artigo tem por objetivo sistematizar uma experiência de extensão popular desenvolvida há dez anos na Universidade Federal da Paraíba: o Projeto Educação Popular e Atenção à Saúde da Família (PEPASF), que atua na Comunidade Maria de Nazaré, em João Pessoa (PB). Para tanto, contextualizaremos historicamente, descreveremos a atual conjuntura e apresentaremos as bases teóricas e metodológicas nas quais se sustenta o Projeto. Poderemos então refletir sobre os caminhos trilhados pelo Projeto e as perspectivas que essa experiência tem acumulado no campo da saúde, através de mudanças no perfil da formação profissional e na relação da universidade com a população, propiciada por uma proposta de extensão democrática, pautada na integralidade e radicalmente articulada no desenvolvimento de ações pedagógicas de promoção da saúde, diante da realidade dos setores mais excluídos da sociedade. Palavras-chave: educação popular; extensão universitária; promoção da saúde. 1 Professor do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), orientador do PEPASF, dailtonlacerda@yahoo.com.br. 2 Nutricionista, técnico voluntário do PEPASF, pedrojosecruzpb@yahoo. com.br. 3 Acadêmica do curso de graduação em Odontologia da UFPB, amanda_ camurca@yahoo.com.br. 4 Acadêmica do curso de graduação em Odontologia da UFPB, nandafgf@ gmail.com. 5 Acadêmico do curso de graduação em Fisioterapia da UFPB, douglasdoceara@gmail.com. 6 Acadêmica do curso de graduação em Serviço Social da UFPB, jujuceara@ yahoo.com.br. Interagir: pensando a extensão, Rio de Janeiro, n. 11, p. 101-106, jan./jul. 2007 101

Busca transpor os muros da universidade, numa proposta inovadora de extensão universitária, que dialoga com o popular. A extensão transpõe os muros institucionais e adquire, como trabalho social, a dimensão de exterioridade abrangendo ações educativas em movimentos sociais e outros instrumentos organizativos da sociedade civil, ou mesmo a partir do Estado (Melo Neto, 2006, p. 41). O Projeto, através de visitas domiciliares às famílias e apoio aos seus variados grupos de ação, que surgiram em parceria com a Associação Comunitária Maria de Nazaré (ACOMAN), a Unidade Saúde da Família (USF) e o Centro de Referência da Educação Infantil (CREI), contribui para o fortalecimento da dinâmica comunitária. A participação e a luta em busca da sobrevivência e garantia dos direitos de cidadania são características marcantes do processo de formação da Comunidade Maria de Nazaré. A comunidade foi formada há 14 anos, a partir de uma área de ocupação, em meio às lutas do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). Desde então, suas lideranças pautaram uma atuação organizada, coletiva e combativa junto às demandas daquele povo, especialmente nos campos da saúde, moradia e educação. Com cerca de 636 famílias, a comunidade, hoje, possui uma Associação Comunitária, onde funciona um núcleo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), um ateliê de costura, uma radio difusora comunitária e o trabalho com Educação de Jovens e Adultos (EJA). 2 Objetivos O Projeto tem por objetivo ações mútuas entre estudantes da UFPB e a comunidade, a partir do compartilhamento de conhecimentos diversos, construindo uma percepção diferenciada do processo saúde-doença, visando à promoção da saúde da população e autonomia desses sujeitos na condução da sua história. Possibilita uma vivência por dentro da educação popular e saúde e proporciona ao estudante a apreensão do processo ensino-aprendizagem, assim como um maior empoderamento nas ações desenvolvidas. Pretende contribuir na formação interdisciplinar e acadêmica dos estudantes envolvidos, favorecendo a formação do profissional de saúde com postura ética, visão humanística, senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania. 3 Metodologia Inicialmente, gostaríamos de destacar que as ações desenvolvidas pelo projeto têm, na educação popular, o seu pressuposto teórico-metodológico. O educador deve ser um inventor e um reinventor constante dos meios e dos caminhos com os quais facilite mais e mais a problematização do objeto a ser desvelado e finalmente apreendido pelos educandos. Sua tarefa não é a de servir-se desses meios e desses caminhos para desnudar, ele mesmo, o objeto, e, depois, entregá-lo, paternalisticamente, aos educandos, a quem negasse o esforço da busca, indispensável, ao ato de conhecer (Freire, 1980, p.17). É nessa perspectiva que se desvelam a interação com a comunidade e as relações estabelecidas entre a equipe de estudantes e professores. Há um cuidado em se fazer do cenário a realidade; das relações humanas, um objeto; e dos problemas, desafios pedagógicos. Todos, elementos que formam os sujeitos envolvidos nesta experiência. Desse modo, a educação popular não é apenas o referencial teórico de relação dos acadêmicos com a comunidade, mas um referencial para a formação profissional dos estudantes envolvidos. O projeto procura estimular a reflexão das pessoas da comunidade sobre sua situação de saúde e a condição sanitária de sua coletividade, de forma que assumam com propriedade e consciência a condução desse processo, desenvolvam ações de combate à exclusão e busquem a transformação de suas condições de vida. A equipe procura estabelecer ações educativas, na busca do desenvolvimento das pessoas, sua integração e harmonização, nos diversos níveis do físico, do emocional e do intelectual (Ferreira; Magalhães, 2007). A equipe desenvolve, atualmente, três frentes de atuação: vivência com as famílias da comunidade; ações coletivas, através de grupos operativos; e participação nas frentes de organização e gestão do próprio projeto. A vivência com as famílias acontece através de visitas domiciliares, nos sábados pela manhã. Os estudantes se distribuem em duplas interdisciplinares e procuram estabelecer vínculo com as pessoas das famílias, socializando informações em 102 Interagir: pensando a extensão, Rio de Janeiro, n. 11, p. 101-106, jan./jul. 2007

Educação em saúde em DST/Aids: relato de experiência de extensão universitária educação e saúde, bem como contribuindo no desenvolvimento de autonomia e empoderamento das pessoas, nos problemas, dificuldades e superações do cotidiano. Os grupos operativos são desenvolvidos durante a semana. Os extensionistas participam de ações pedagógicas coletivas, como: a) o grupo de mulheres, que trabalha para geração de renda numa oficina de artesanato; b) o grupo de crianças, na creche comunitária, com ações junto aos pais e à equipe pedagógica; c) o grupo de idosos, juntamente com a equipe de saúde da família local, desenvolve ações relacionadas a saúde e lazer na terceira idade; d) o grupo de gestantes, desenvolvido com socialização de informações, cuidados com o corpo, acompanhamento e orientação durante este período; e) a comissão comunitária de saúde, através de um curso de formação e capacitação de agentes ativadores de mudança da saúde na comunidade; f) o grupo da comunidade em geral, que pensa as principais lutas e campanhas da comunidade (moradia, saneamento, lixo) em atividades capazes de abranger toda a população, como exibição de filmes, de peças e esquetes teatrais, etc. O Projeto também organiza um programa semanal na Rádio Difusora Maria de Nazaré, mídia de comunicação comunitária que se organiza em torno da ACOMAN. O programa Atchim...Saúde! é transmitido todos os sábados e o roteiro é construído de acordo com demandas locais. O envolvimento com estes grupos compõe nossa intencionalidade na criação de espaços públicos que possam desenvolver o pensamento crítico para a identificação de problemas e elaboração de estratégias para sua superação. Implica a valorização de espaços para o debate e o estabelecimento de parcerias entre profissional-usuáriocomunidade. São momentos de aprendizado que estimulam professores, estudantes e moradores a assumir seu papel de agentes políticos (Ferreira; Magalhães, 2007). A participação de todos os estudantes e professores na organização e gestão do Projeto é um pré-requisito fundamental desta prática de extensão. Para tanto, existem comissões que gerenciam diferentes aspectos do projeto: freqüência; cadastro das famílias acompanhadas e sua situação de saúde; organização do programa na Rádio Comunitária; organização de atividades coletivas internas ao projeto, como oficinas de avaliação e integração; organização de reuniões teóricas, para reflexões e aprofundamentos conducentes à práxis educativa; organização de estágios de vivência local e regional, assim como nacional. É realizado durante os recessos universitários o Estágio de Vivência em Educação Popular e Atenção à Saúde da Família, através do qual estudantes e professores do Projeto conhecem a situação de saúde e educação de municípios do interior nordestino, observando as políticas de diferentes sistemas de saúde, a participação da comunidade nesse processo e a dinâmica social, fazendo a comparação com as vivências do Projeto e ampliando a visão crítica e humanizada do cuidado em saúde. Algumas vivências já aconteceram em municípios como Sobral-CE, Camaragibe-PE, Caruaru-PE, Esperança-PB, Recife-PE, Pedras de Fogo-PB, Caapora-PB, Montanhas-RN e Coremas-PB. Outra iniciativa do Projeto é o Estágio Nacional Multiprofissional de Vivência em Educação Popular e Atenção à Saúde da Família (VEPASF), que pretende aglutinar atores de práticas de educação popular em saúde pelo Brasil, criando espaços de interação entre estes e com a vivência na Maria de Nazaré, pautando seu fortalecimento, através da problematização dos desafios, dificuldades e possibilidades para a extensão popular. Esta experiência foi pela primeira vez desenvolvida em janeiro de 2007, contando com a presença de dezesseis estagiários, os quais se integraram por onze dias em nossas atividades. 4 Desenvolvimento (resultados e discussão) As ações desenvolvidas no âmbito do PE- PASF têm apontado caminhos para a transformação das práticas de atenção à saúde e formação profissional, indicando possibilidades para um trabalho efetivamente social e comprometido, com a construção de uma formação integrada com a vida. Quanto às reflexões sobre resultados e impactos do Projeto, devemos primeiro pontuar que há uma intencionalidade em suas ações, tanto nas visitas domiciliares, quanto nas atividades educa- Interagir: pensando a extensão, Rio de Janeiro, n. 11, p. 101-106, jan./jul. 2007 103

tivas em grupo: desenvolver as pessoas da comunidade, no sentido de incentivar sua postura crítica e a assunção de sua responsabilidade política, frente à realidade de exclusão e dificuldades sociais da comunidade. Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua convivência com o regime opressor (Freire, 2005, p. 52). Assim, diante dos problemas identificados pela população, a atividade extensionista é desvelada através de ações pedagógicas capazes de fomentar as iniciativas populares, permitindo expressarem-se com altivez e criatividade. Dessa maneira, o PEPASF experimenta, através de seu trabalho, novos sentidos para a vida na universidade brasileira, a qual deve estar fundamentada nas investigações livres e que proporcionem momentos de construção do saber. Porém, as exigências do mercado e da sociedade transformaram os cursos de graduação em apenas meios de profissionalização, treinamentos de técnicas e atualizações das novidades tecnológicas (Lemos, 2004). Muitos projetos extensionistas vêem a comunidade como um laboratório, excluindo as idéias de transformação social, objetivando apenas a obtenção de conhecimento e não uma relação de troca de saberes (Jezine, 2002). O impacto de práticas como o PEPASF vem se refletindo em mudanças no ensino superior, tentando institucionalizar uma formação preocupada com as demandas sociais. Nesse sentido, cumpre ressaltar os incentivos institucionais dos quais o PEPASF vem participando como o Programa Bolsas de Extensão do Centro de Ciências da Saúde da UFPB e o Programa de Apoio à Extensão Universitária voltado às Políticas Públicas (PROEXT MEC/ SESu/DEPEM). Percebemos que o estudante que participa da extensão com perfil popular incorpora em sua vida acadêmica a importância de conhecer os espaços que os cercam, descobrindo onde seus serviços são mais necessários. Aprende a interagir com a comunidade e entende o porquê que ele deve se sentir participante da mesma. Diferente de algumas outras extensões, o PE- PASF apresenta-se comprometido com a transformação social. Acredita que aqueles que constroem o projeto tornam-se atores engajados em uma realidade, antes desconhecida ou ignorada. O estudante emprega a educação popular nos espaços de organização do projeto, aprendendo que essa educação não é apenas utilizada na relação com a comunidade, mas também uma prática compartilhada a todo o momento com todos os integrantes. Desde tarefas organizativas do Projeto até a realização das atividades educativas, tudo é discutido em roda com os coordenadores, em um diálogo horizontal. Tal relacionamento, não encontrado na maioria dos espaços institucionais, favorece a formação de um ser crítico, capaz de trabalhar em equipe, expondo seus pontos de vista e sabendo respeitar o outro. Dessa forma, é trabalhada a autonomia do estudante, que deixa de ser um mero ouvinte e passa a lutar por seus ideais, compartilhando suas angústias e se descobrindo cidadão. A extensão popular apresenta-se como um currículo informal para contribuir com a formação do profissional comprometido, politicamente, preocupado com as demandas e interesses sociais e não, tecnicamente, centrado. É também relevante acentuar o processo de estruturação e gestão dos grupos operativos. Todos foram implementados no Projeto, a partir das necessidades e interesses expostos pela própria comunidade. Tais grupos têm suas atividades planejadas em equipe, constituída pelos estudantes, coordenadores e moradores. Dessa forma, a relação com as pessoas da Maria de Nazaré não é estabelecida apenas nas visitas domiciliares. Juntamente com os integrantes do PEPASF, a comunidade procura criar soluções para os problemas enfrentados em seu dia-a-dia no âmbito político e coletivo. Os grupos funcionam como uma fonte de fortalecimento de seus participantes, os quais encontram uma forma de serem ouvidos e de terem seus saberes respeitados, aprendendo novos conhecimentos e ensinando os seus próprios. As visitas domiciliares são espaços onde é radicalizada a interação dos acadêmicos com a realidade social e cultural daquelas famílias. Permite-se trabalhar aspectos mais subjetivos e específicos dos problemas, às vezes delicados demais para serem expostos em grupos. Assim, visitas domiciliares e 104 Interagir: pensando a extensão, Rio de Janeiro, n. 11, p. 101-106, jan./jul. 2007

Educação em saúde em DST/Aids: relato de experiência de extensão universitária grupos operativos são propostas que se integram para trabalhar com inteireza os problemas daquela comunidade, através da criação de vínculos subjetivos, mas investindo-se na organização política local. A Maria de Nazaré é referência quanto a sua força política, a qual vem se firmando através da interação com o projeto. Os trabalhos realizados por suas lideranças renderam diversos frutos. Entre eles podemos citar: a) a criação da ACOMAN, da Rádio Comunitária Maria de Nazaré e da creche; b) a implementação do PETI; c) a instalação de uma unidade de saúde da família. Tudo conseguido por reivindicações da comunidade, articuladas junto com o projeto. A interação entre estudantes de vários cursos da universidade, não somente da área das ciências da saúde, como também das ciências humanas, é estabelecida em vários aspectos: através da formação de duplas nas visitas, do compartilhamento de experiências dentro do projeto, em reuniões, na busca por soluções de problemas e nas atividades dos grupos. Assim, se desenvolve a transdisciplinaridade: o estudante tem contato com uma experiência multiprofissional e trabalha a importância de interagir com outros saberes, tornando-se capaz de melhor entender as necessidades do outro, pois passa a enxergar não apenas os problemas que competem a sua profissão (identificar e tratar), mas todos os aspectos que podem influenciar o bem estar das pessoas. A proposta do projeto promove uma aproximação do conhecimento científico, que existe nas universidades, com o saber popular da comunidade, que passa a ter acesso às informações socializadas pelos estudantes, os quais também começam a respeitar os conhecimentos que existem além das paredes das instituições. A educação popular promove esse compartilhar, não permitindo que o saber científico domine o saber popular, mas possibilitando uma união de conhecimentos. Dessa maneira, a metodologia desenvolvida na vivência do PEPASF demonstra maneiras possíveis de se implementar modelos alternativos à formação tecnicista, que se apresenta como um dos principais empecilhos para a prática da integralidade. Ferreira e Magalhães (2007), ao refletirem sobre o movimento para a reforma na graduação, afirmam que há urgência na definição de uma política de Estado para a formação de profissionais de saúde, com base no modelo da integralidade. Acreditamos que o trabalho com a extensão popular é capaz de apontar caminhos e jeitos de fazer interessantes, que permitirão a implementação de mudanças e transformações na formação e na postura do profissional frente à sociedade. 5 Conclusões Os caminhos trilhados pelo PEPASF nos levam a repensar o papel da extensão na sociedade para além do assistencialismo e tecnicismo: como forma de inserção nas ações de promoção e garantia dos valores democráticos, de igualdade e desenvolvimento social. Na perspectiva da área da saúde, procuramos desenvolver uma atividade que permita ao estudante extensionista vivenciar a integração entre ensino, pesquisa e extensão, como possibilidade de transformação da realidade social. Diante de tais reflexões, esta experiência tem tido importante papel na irradiação de metodologias participativas de relação com as classes populares dentro da Universidade. A reforma curricular de vários cursos de saúde da UFPB tem tomado como referência a experiência acumulada por este Programa. É oportuno destacar também que muitos estudantes do Projeto têm participado ativamente da Articulação Nacional de Extensão Popular (ANEPOP), uma rede que vem procurando criar canais de troca de experiência e reflexões entre os atores envolvidos em práticas de extensão na linha da educação popular. Finalmente, pontuamos a importância do fortalecimento político das práticas de extensão popular, permitindo fazer da extensão universitária uma política de formação acadêmica e de transformação da universidade brasileira, na medida em que reorienta o perfil dos planos curriculares, provoca mudança na formação e na postura dos docentes, convidando a universidade a assumir, de forma corajosa e ética, uma postura solidária e pedagogicamente propositiva, frente aos desafios da dinâmica de nossa sociedade. Interagir: pensando a extensão, Rio de Janeiro, n. 11, p. 101-106, jan./jul. 2007 105

6 Referências bibliográficas FERREIRA, V.A.; MAGALHÃES, R. Nutrição e promoção da saúde: perspectivas atuais. Cadernos de Saúde Pública, v. 23, n.7, Rio de Janeiro, 2007. FREIRE, P. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.. Pedagogia do oprimido. 40 a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. LEMOS, C. L. S. A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões. Revista da Associação Brasileira de Ensino Odontológico. São Paulo, v. 5, n. 1, 2005. MELO NETO, J. F. Extensão popular. Editora Universitária UFPB. João Pessoa, 2006. VASCONCELOS, E. M. Educação Popular e Atenção à Saúde da Família. 3 a ed. São Paulo: HUCITEC, 2000. Abstract This article has for objective systemize an experience of popular extension that has been developed for ten years in the Federal University of Paraíba, the Project Popular Education and Attention to the Health of Family (PEPASF), on the Maria of Nazaré Community, in João Pessoa (PB). For in such a way, we will historically contextualize, then will describe the current conjuncture and will present the theoretical and methodological bases that supports the Project. Then, we will be able to reflect on the ways trod by the Project and the perspectives that this experience has accumulated in the field of health, through changes in the profile of the professional formation and in the relation of the university with the population, propitiated for a proposal of democratic extension, centered in the integrality and radically articulated to the development of pedagogical actions of promotion of the health, ahead of the reality of the excluded sectors of the society. Keywords: popular education; university extension; promotion of the health. 106 Interagir: pensando a extensão, Rio de Janeiro, n. 11, p. 101-106, jan./jul. 2007