Aqui fica, portanto, a expressão do meu reconhecimento.



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Conselho da União Europeia Bruxelas, 21 de junho de 2016 (OR. en)

Transcrição:

Intervenção do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra Cerimónia de Encerramento Conferência Internacional sobre Alterações Climáticas: A Resposta da Comunidade Jurídica Internacional Organização Mundial de Juristas Lisboa, 28 de Novembro de 2007 Antes do mais, gostaria de sublinhar que é para mim uma honra usar da palavra na sessão de encerramento desta conferência da Organização Mundial de Juristas, cujos trabalhos decorreram de forma irrepreensível e primaram por abrir novas pistas de reflexão sobre o presente, e o porvir, do direito internacional do ambiente na sua estreita relação com o fenómeno, criticamente importante, das alterações climáticas que ameaçam o futuro do nosso planeta. Embora a minha parcialidade seja confessa, melhor palco não poderia haver que a cidade de Lisboa - uma cidade em que a Europa termina e se abre ao mundo - para acolher a conferência de uma Organização cujo propósito é, precisamente, facilitar o diálogo entre a comunidade jurídica mundial sobre aqueles aspectos que, a cada momento, mais clamam e reclamam a sua atenção. São estas, pois, boas razões para publicamente agradecer ao Senhor Dr. José Alves Pereira, Presidente Nacional da Organização Mundial de Juristas, e brilhante advogado, o honroso convite que me dirigiu para esta cerimónia, a quem igualmente felicito pelos diligentes esforços empreendidos para a realização de tão importante conferência, fazendo-o de forma manifestamente bem sucedida. Aqui fica, portanto, a expressão do meu reconhecimento.

Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores. Um mundo governado pelo direito, não pela força. É este o mote que norteia a actuação da Organização Mundial de Juristas, ao longo dos seus já quase 45 anos de existência. Palavras lapidares, independentemente da nossa preferência por uma ou outras das interpretações que lhes foi conferindo história: Que a lei nos protege da força, porque ao limitar as nossas esferas respectivas de acção, nos resguarda face à interferência indevida de terceiros. Que a lei é libertadora, na medida em que emana de uma vontade democrática soberana: a vontade de um corpo cívico que delibera e se governa directa ou indirectamente a si mesmo. Ou, simplesmente, porque quem vive sob a lei não se encontra obrigado a obedecer à vontade arbitrária de outrem, quem quer que ele seja. A ideia de um governo que se submete, e actua, segundo a lei tem todos os ingredientes para comandar a obediência de um homem racional, que se quer igualmente livre. Uma parte do ser-se racional envolve, portanto, a exigência de sermos governados por uma lei justa, clara e publicamente conhecida. 2

Outra parte consiste nesse posicionamento crítico que nos leva a questionar a razão pela qual a lei é afinal lei. Porque se alturas há em que a lei o é apenas na forma, outras há em que é difícil saber quem é o nosso superior legal. Uma incerteza especialmente presente quando duas ou mais fontes diferentes de comando legal nos dizem, simultaneamente, duas coisas diversas, quando não mesmo conflituantes, sobre o que fazer ou o que não fazer, em determinada matéria. Um homem racional, dir-nos-ia o autor de Leviatã, deseja antes do mais saber quem é o seu soberano isto é, a quem deve obediência. Ao que nós acrescentaríamos, num espírito democrático que ele deseja igualmente saber de que forma a sua presença é feita sentir nas decisões que afectam a sua vida. Mas a resposta a esta questão não é sempre clara, sobretudo quando colocada a nível internacional, onde as jurisdições são múltiplas e as hierarquias difusas. Tentar, porém, trocar esta incerteza pela certeza enganadora das distopias, designadamente por um governo mundial, ou Leviatã global, dotado de poderes supremos a nível legislativo, executivo e judicial, é menos parte da solução do que parte do problema. Um tal governo, com o seu monopólio global da força, e concomitante potencial de abuso e violência, não é nem necessário, nem tão-pouco suficiente, para encontrar soluções globais para os graves problemas ambientais com que hoje nos deparamos. 3

Com efeito, esse cosmopolitanismo moral, na base do qual o direito internacional do ambiente hoje se constrói, não implica, necessariamente, o cosmopolitanismo político ou um Estado mundial como seu complemento. Mas também não se satisfaz com o status quo presente, em que os mecanismos de aplicação do direito do ambiente são insuficientes e o conceito de responsabilidade do Estado por violação de uma obrigação legal internacional a única base conceptual para obtenção de reparação. Para que as obrigações de protecção ambiental sejam substantivamente cumpridas exige-se isso sim uma articulação mais próxima entre actores estatais e não estatais num sistema multinivelado de governança global assente em formas descentralizadas, mas efectivamente actuantes, de prossecução de algumas funções de governo, cujo alcance tem de ser hoje transversal a vários, senão mesmo a todos, os Estados. É precisamente este objectivo que a Organização Mundial de Juristas prossegue, no entendimento de que o império da lei tem o seu alicerce mais forte no diálogo contínuo entre legisladores, juristas, juízes e professores de direito de todo o mundo. Encontrando na Organização Mundial de Juristas a sua plataforma comum de acção, estes profissionais do direito procuram angariar apoio público para as diversas instituições que governam e asseguram a aplicação do direito internacional, designadamente no domínio do ambiente, que hoje aqui nos convoca. 4

Apesar da extraordinária complexidade de um problema cujas causas e consequências a comunidade científica começa apenas a deslindar, as indicações existentes de que certas actividades humanas contribuem, muito significativamente, para o aquecimento da atmosfera terrestre têm de ser tratadas com a maior seriedade. Se correctas as previsões, as alterações climáticas de que seremos alvo podem transformar senão mesmo ameaçar as condições de vida da humanidade. E conduzir quer a migrações em massa, de um novo tipo de refugiado, o já chamado refugiado ambiental, quer a uma competição mais agressiva, porventura belicosa, por recursos naturais dentro e entre Estados. Se o cenário deve causar inquietação, esta sai imediatamente agravada pelo facto de as externalidades negativas das alterações ambientais caírem antes do mais sobre os países mais pobres, e as populações mais vulneráveis, que são também na sua esmagadora maioria e ironicamente as menos responsáveis pela emissão de gases estufa. Por esta e outras razões, o fenómeno do aquecimento global apela à redefinição da nossa concepção de justiça, tanto a nível intra quanto a nível intergeracional. Intrageracional, porque a justiça ambiental tem de ser, em primeiro lugar, feita entre aquelas populações que vivem em diferentes cantos do nosso planeta, num tempo que é o tempo presente. 5

Intergeracional, porque a justiça ambiental tem igualmente de voltar os olhos para o futuro, assim acrescentando uma nova dimensão temporal à tradicional dimensão espacial do direito internacional. Nova dimensão temporal essa que exige antes do mais a plena articulação legal do princípio do desenvolvimento sustentado: ou o mesmo será dizer, um desenvolvimento económico que atenda às necessidades da geração presente sem que comprometa o atendimento de semelhantes necessidades das gerações futuras. Isto porque cada geração é simultaneamente beneficiária do legado planetário da geração anterior e responsável pela custódia da herança natural da geração seguinte. Uma herança da qual nenhuma geração é pois proprietária, mas apenas administradora fiduciária para tempos vindouros. A interiorização da nossa condição de meros usufrutuários do planeta exige porém uma revolução de mentalidades, que tem na educação o seu principal instrumento. Mas se as interdependências ambientais são hoje mais ou menos conhecidas, o que se conhece menos bem são as implicações legais e possíveis respostas legais para os problemas que elas criam. E, no entanto, as medidas legalmente vinculativas são cada vez mais necessárias quer para controlar as actividades por detrás dos efeitos ambientais negativos observados, quer para mitigar esses mesmos efeitos, quando já estabelecidos. 6

Essas medidas não passarão, porém, de meras declarações de intenção, se os Estados a elas não se obrigarem, e não houver instituições dotadas dos poderes necessários à sua monitorização e implementação. E se muito há a fazer, no sentido da harmonização possível dos objectivos da protecção do meio ambiente e do desenvolvimento económico, certo é que, neste processo reconciliatório, grandes responsabilidades recaem sobre o direito administrativo do ambiente. Direito que, pela sua própria natureza transfronteiriça, vai, em Portugal, recebendo desenvolvimento acelerado, em resposta ao efeito catalizador do processo de integração comunitária, e, muito em particular, do direito europeu do ambiente. Positivo é, pois, verificar que, no nosso país, as normas de direito administrativo vão sendo, cada vez mais, dirigidas a assegurar que as entidades públicas não agridam o ambiente, ou a disciplinar as actividades privadas potencialmente lesivas para esse mesmo bem, estabelecendo, para tal, mecanismos adequados ao controlo público dessas actividades, tanto no momento do seu licenciamento como no da fiscalização do seu exercício. Ao Estado compete o exercício da função administrativa, e administrar significa, antes do mais, gerir interesses de outrem, de acordo com a lei e a finalidade dos bens entregues à sua guarda e conservação. Bens que, no caso da administração pública, são, tipicamente, bens públicos, bens de interesse colectivo, entre os quais se destacam, claro está, os bens ambientais. 7

Não será pois de estranhar que muitos litígios em matéria ambiental sejam litígios de natureza jurídico-administrativa, quer por serem, no fundamental, de direito administrativo as normas que protegem o ambiente, quer por serem imputáveis a entidades públicas algumas das mais significativas agressões ao ambiente. Mas não só entidade públicas: é que as mais importantes actividades potencialmente lesivas para o ambiente, reguladas pelo direito administrativo, são hoje da responsabilidade de particulares, originando a eclosão de litígios de tipo jurídico-administrativo entre privados. Litígios cujo julgamento cai pois, muito naturalmente, na esfera da competência dos tribunais administrativos. Assim o reconhece, de resto, a ordem jurídica portuguesa, que muito recentemente alargou a protecção jurisdicional administrativa do ambiente, por forma a abarcar tanto questões que, fora da esfera penal ou contraordenacional, envolvam a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens ambientais por uma entidade pública, quanto numerosas agressões ambientais cometidas por particulares. Desta ampliação de jurisdição, combinada com os múltiplos instrumentos processuais que, no novo contencioso administrativo português, podem ser colocados ao serviço das relações em matéria de ambiente (designadamente um leque alargado de providências cautelares), resulta que os tribunais administrativos desempenham um papel fundamental na protecção dos chamados direitos de terceira geração, entre eles o ambiente. 8

Direitos cujo traço distintivo é o carácter difuso dos interesses protegidos e a tónica colocada na automobilização dos cidadãos interessados na obtenção da sua protecção judiciária. Com efeito, se até 1989 a tutela jurisdicional do ambiente era, entre nós, forçosamente mediatizada por direitos subjectivos individuais de matriz liberal tais como a integridade física ou a propriedade foi então constitucionalmente consagrado o direito ao exercício de acção popular relativamente a bens de natureza colectiva, entre eles os bens ambientais naturais. Assim sendo, o interesse na preservação do património natural é, e deve ser, crescentemente invocado junto dos tribunais administrativos por via de iniciativas processuais populares, associativas ou públicas (encarnadas institucionalmente pelo Ministério Público), orientadas à salvaguarda de importantes bens ambientais naturais, que seguem já não uma lógica individual, mas isso sim uma lógica supra-individual, de solidariedade colectiva. O fenómeno recente de ecologização da jurisdição administrativa portuguesa é já imparável, e, dada a natureza pública do bem jurídico ambiente, fortes são os argumentos entre nós aduzidos a favor de uma ainda maior concentração do contencioso ambiental sob a alçada dos tribunais administrativos. Tal como acontece em Portugal com o direito administrativo do ambiente, o caminho percorrido, nesta área, pelo direito internacional, sobretudo desde a década de 70, é muito substantivo, mas a sua juventude é ainda visível na fragilidade jurídica e institucional que o rodeia. 9

Se os mecanismos de aplicação do direito internacional do ambiente, designadamente a nível jurisdicional, estão ainda na sua infância, inegável é que este direito vai estabelecendo padrões normativos de conduta (designadamente na forma dos princípios da precaução e do poluidor-pagador) que os eleitorados nacionais pela força complementar do voto e da opinião pública mobilizada começam a obrigar à realização prática. Não é, pois, por acaso que vemos vários líderes mundiais competir pelo estabelecimento de objectivos cada vez mais ambiciosos em termos de políticas de combate ao aquecimento global. Mas, pese embora o esforço desenvolvido, não são boas as notícias, pois as emissões de carbono continuam a aumentar, senão mesmo a acelerar visivelmente, tendo até duplicado, desde 1990, em potências mundiais emergentes, como a China e a Índia. Persuadir os países em vias de desenvolvimento a diminuir as suas emissões é uma tarefa árdua: uma tarefa na qual incumbe aos países mais ricos dar o primeiro passo, e persuadir quer pela parceria tecnológica, quer pelo EXEMPLO. A União Europeia aceitou reduzir as suas emissões de gases estufa em, pelo menos, 20% até 2020, por relação a valores de 1990, e aumentar essa percentagem para 30% num acordo pós 2020, caso outros países industrializados, entre eles os Estados Unidos da América, conjuntamente com as grandes potências económicas emergentes, designadamente a China e a Índia, façam esforços no mesmo sentido, mas à altura das suas possibilidades. 10

As cartas estão lançadas sobre a mesa, mas a Europa, sozinha, não pode salvar o planeta : a colaboração da América, o maior poluidor mundial, é essencial nesse desiderato, até porque os maiores poluidores do futuro a China e a Índia dificilmente aderirão ao ideal de um mundo mais Verde se a América não o fizer. Formando novos e mais amplos consensos entre as potências económicas existentes e as potências económicas emergentes, o tempo de actuar é agora. Para que haja lugar a um futuro que valha realmente a pena viver. Por gerações vindouras, cujos interesses compete a todos nós, desde já, representar. 11