Abusividade na Aplicação Indistinta da Multa Qualificada

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Transcrição:

Abusividade na Aplicação Indistinta da Multa Qualificada 28 de junho de 2017 Por Guilherme Molina No que concerne ao tema sanções e penalidades no âmbito do Direito Tributário Brasileiro, notadamente destacam-se as multas que podem vir a ser impostas aos sujeitos passivos integrantes das relações jurídico-tributárias. Naturalmente, por constituírem mecanismo de penalização aos contribuintes e responsáveis, demandam previsão normativa anterior à prática dos fatos jurídicos ensejadores da incidência destas. Obviamente, encontram-se presentes em nosso sistema jurídico diversas espécies de multas, havendo variação no tocante à natureza jurídica de cada uma delas, bem como na intensidade da punição potencialmente imposta, a depender da situação fática (jurídica) produzida, ante determinada conduta, omissiva ou comissiva, do sujeito passivo da relação jurídico-tributária, respeitados os requisitos previstos legislativamente. Nesse sentido, insta frisar que, na esfera tributária, as multas podem assumir caráter indenizatório ou punitivo. O primeiro decorreria da necessidade de reposição patrimonial, portanto, quando da existência de prejuízos causados por uma parte (contribuinte ou responsável) e suportados pela outra (entes federativos), ao passo que teriam natureza punitiva, as multas destinadas a penalizar ou punir aquele que produza conduta violadora de normas prescritas no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Portanto, com feição indenizatória teríamos a multa moratória, que, conjuntamente, aos juros moratórios e à correção monetária teriam o condão de repor o patrimônio dos entes federativos (União Federal, Estados, Municípios e Distrito Federal), nas hipóteses previstas em Lei. De outro lado, a multa punitiva configuraria como gênero, comportando as seguintes espécies de multa: de ofício, isolada, agravada e qualificada. Ante o tema proposto, o enfoque será essencialmente na conceituação e nas implicações da multa qualificada, dissecando-se os requisitos e as condições necessárias para a sua incidência, além da avaliação de eventuais hipóteses de abusividade. A multa qualificada pode ser entendida como a sanção administrativa pecuniária aplicável nas hipóteses de falta de pagamento de tributo(s), de ausência de apresentação de declaração e/ou nos casos de declaração inexata, quando qualquer destas situações for

produzida mediante conduta com dolo específico 1 de sonegar, fraudar ou, ainda, atuar em conluio, conforme as definições dos artigos 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964. Em termos percentuais, verifica-se que a multa qualificada é a própria majoração (em dobro) da multa de ofício, a qual é imposta em procedimentos fiscalizatórios, quando identificados os fatos jurídicos descritos, sobretudo, nos artigos 80, caput, da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, e 44, inciso I, da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Portanto, a multa de ofício, calculada no percentual de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença do tributo, torna-se qualificada, alcançando o patamar de 150% (cento cinquenta por cento) sobre a mesma base, quando identificada sonegação, fraude ou conluio, ex vi dos artigos 80, 6º, inciso II (parte final), da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, e 44, 1º, da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Importante salientar que, ante a presença de dolo específico nas hipóteses supracitadas, os casos ensejadores de aplicabilidade da multa tributária qualificada potencialmente trarão repercussões na esfera criminal, na medida em que a conduta do sujeito passivo da relação jurídico-tributária pode resultar na representação fiscal para fins penais, se identificada a prática de crime contra a ordem tributária ou contra a Previdência Social. Frise-se que tanto no âmbito tributário, como no penal, há necessidade de identificação de conduta dolosa nas hipóteses sonegação, fraude ou conluio para que fiquem caracterizadas como infrações sujeitas à aplicação da multa qualificada e da representação fiscal para fins penais. Até porque, especificamente na seara tributária, as infrações que podem implicar na incidência da multa qualificada são consideradas, conforme classificação proposta por Paulo de Barros Carvalho 2, como infrações subjetivas, entendidas como aquelas que necessitam da identificação das figuras do dolo ou da culpa para que a sanção seja imposta ao infrator. De toda a sorte, mesmo considerando a clara existência das infrações subjetivas, a doutrina assevera que, em regra, as infrações tributárias possuem caráter objetivo, o que significa dizer que independem da aferição da intenção do agente: Ainda que o princípio geral, no campo das infrações tributárias, seja o da responsabilidade objetiva, o legislador não está tolhido de criar figuras típicas de infrações subjetivas. São elas a sonegação, a fraude e o conluio, 1 Conforme Luciano Amaro [...] é a vontade de obter determinado resultado com a ação realizada (por isso chamado, também de dolo de resultado ), in AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 449. 2 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 5ª edição. São Paulo: Noeses, 2013, p. 857.

além daquelas em que se eleger a culpa (nos aspectos de negligência, imprudência ou imperícia), como ingrediente necessário do tipo legal. 3 Assim sendo, acredita-se que a autoridade de fiscalização tributária tem realizado avaliação equivocada em diversas situações práticas, na medida em que tem, em muitas oportunidades, presumido, ou considerado, mesmo sem as devidas provas, a intenção dolosa de determinado sujeito passivo de relação jurídico-tributária, procedendo à imposição indistinta e equivocada da multa qualificada. Exatamente em função de notarem a aplicação (contra si) de multa tributária contrariamente aos preceitos legais, contribuintes e/ou responsáveis têm buscado a revisão dos atos administrativos, sobretudo o Auto de Infração e Imposição de Multa, praticados pelos agentes públicos incumbidos de fiscalizar as pessoas físicas e jurídicas, nos tribunais administrativos competentes. Avaliando a questão, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem apresentado posicionamento semelhante ao defendido neste texto, qual seja, a necessidade de identificação de conduta dolosa nas hipóteses de sonegação, fraude ou conluio: SANÇÃO TRIBUTÁRIA. MULTA QUALIFICADA. JUSTIFICATIVA PARA APLICAÇÃO. NECESSIDADE DA CARACTERIZAÇÃO DO EVIDENTE INTUITO DE FRAUDE. A evidência da intenção dolosa exigida na lei para a qualificação da penalidade aplicada há que aflorar na instrução processual, devendo ser inconteste e demonstrada de forma cabal. A prestação de informações ao fisco em resposta à intimação divergente de dados levantados pela fiscalização, a movimentação bancária desproporcional as receitas declaradas, mesmo que de forma continuada, bem como a apuração de depósitos bancários em contas de titularidade da contribuinte não justificados e não escriturados, independentemente do montante movimentado, por si só, não caracterizam evidente intuito de fraude, que justifique a imposição da multa qualificada de 150%, prevista no 1º do artigo 44, da Lei nº. 9.430, de 1996, já que ausente conduta material bastante para sua caracterização. Aplica-se as infrações decorrentes o decidido na infração principal. Recurso Especial do Procurador Negado. 4 (Destaques nossos); MULTA DE OFÍCIO QUALIFICADA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO E DO EVIDENTE INTUITO DE FRAUDE OU SONEGAÇÃO. REDUÇÃO AO PERCENTUAL NORMAL. POSSIBILIDADE. 3 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 472. 4 Acórdão nº 9101-001.851 (Proc. nº 11516.002118/2005-00), CARF, Relator(a): Conselheiro José Ricardo da Silva, sessão de 28/01/2014.

1. A aplicação da multa de ofício qualificada no percentual de 150% somente se justifica nas situações em que haja comprovação da ação ou omissão dolosa, com evidente o intuito de sonegação ou fraude do autuado. 2. Na ausência de comprovação dessas circunstância agravantes, o percentual da multa de ofício qualificada deve ser reduzido ao percentual normal de 75%. [...] 5 O assunto tem sido, igualmente, levado à apreciação do Poder Judiciário, sendo que a compreensão da matéria, por exemplo, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF-3), que possui competência para julgar, em segunda instância, os processos federais nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, é semelhante à do CARF: ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. DECADÊNCIA. ART. 173, I, CTN. INOCORRÊNCIA. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA DE OFÍCIO. PERCENTUAL QUALIFICADO DE 150%. CARACTERIZAÇÃO DE FRAUDE. FALTA DE EMISSÃO DE NOTA FISCAL, DE CONTABILIZAÇÃO E DE DECLARAÇÃO. MANUTENÇÃO. JUROS DE MORA. CUMULAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA DIVERSA. [...] 5. A multa foi aplicada no percentual qualificado de 150% (cento e cinquenta) por cento, de forma isolada, com fulcro no art. 44, II c/c 1º, IV, da Lei nº 9.430, vigente à época dos fatos, originária de fiscalização realizada na sede da empresa, em cumprimento a mandado de busca e apreensão expedido pelo juiz da 4ª Vara Federal de Minas Gerais, que concluiu pela prática de atos fraudulentos. 6. No caso em questão, considerando que a fiscalização apontou evidente intuito de fraude caracterizado pela intenção do contribuinte furtar-se ou reduzir o montante de tributos pela falta de emissão de documento fiscal obrigatório em todas as vendas de mercadorias, bem como falta de contabilização e da declaração das respectivas receitas, conforme apurado no Termo de Verificação de Infração, é de ser mantido o percentual qualificado de 150%, sem que se possa falar em violação aos princípios da proporcionalidade e do não confisco. [...] 10. Apelação improvida. 6 Por fim, apesar de considerarmos a importância da existência de preceitos legais atinentes às sanções e penalidades, verifica-se que a imposição da multa qualificada tem sido realizada, em diversas oportunidades, sem o correto embasamento legal para a sua aplicação e/ou sem a devida comprovação probatória da ocorrência do fato jurídico descrito na norma, obviamente, não podendo a imposição, da referida multa, se basear 5 Acórdão nº 3102-002.091 (Proc. nº 19515.721290/2011-18), CARF, Relator(a): Conselheiro José Fernandes do Nascimento, sessão de 26/11/2013. 6 Apelação Cível nº 2089930/SP (Proc. nº 0001066-38.2014.4.03.6100), TRF-3, 6ª Turma, Relator(a): Juiz Convocado Miguel Di Pierro, julgado em 12/11/2015 e publicado em 19/11/2015.

em provas que não sejam robustas ou cabais, nem, tampouco, constituir mera presunção das hipóteses de sonegação, fraude e conluio, afinal, faz-se necessário que o infrator tenha conduta, comissiva ou omissiva, dolosa, logo, com a intenção para tal. Exatamente por visualizar situações como as citadas, conclui-se que são presenciados casos de abusividade na aplicação da multa qualificada, quando a imposição desta se dá de forma indistinta e sem o estrito cumprimento das disposições legais relativas à matéria. Destarte, nosso posicionamento é condizente com o defendido pela doutrina e pela jurisprudência administrativa e judicial, devendo-se fixar a noção de que a aplicação ou imposição indistinta da multa qualificada não pode prosperar, visto que terá, certamente, caráter abusivo e sem qualquer fundamento no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Dessa forma, os contribuintes e responsáveis que se depararem com a imposição inadequada e abusiva da multa qualificada devem buscar seus direitos mediante ações, defesas e/ou recursos perante as esferas administrativa e judicial, para que haja prevalência da correta aplicação das normas jurídicas relativas ao tema sob análise. Guilherme Molina é advogado e sócio do escritório Molina & Reis Sociedade de Advogados, especialista em Direito Tributário pela Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da PUC-SP (COGEAE), com extensão em Tributação das Estruturas e dos Negócios Societários, Tributação dos Negócios da Economia Digital e Estratégias Societárias, Planejamento Tributário e Sucessório, todas pela Fundação Getúlio Vargas (FGVlaw), graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).