Governo eletrônico e revisão de processos básicos da administração pública: superando o falso conflito entre eficiência e transparência



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Transcrição:

Governo eletrônico e revisão de processos básicos da administração pública: superando o falso conflito entre eficiência e transparência José Carlos Vaz Introdução Este artigo faz parte do painel: O uso de processos básicos como fator de transparência, do XIII Congresso do CLAD, 2008. O painel e o artigo voltaram-se a pensar o impacto de trabalhos de revisão do desenho de processos básicos na administração pública no campo da transparência. Neste sentido, buscou-se uma abordagem relativamente pouco explorada, aquela que procura ligar atividades tradicionalmente voltadas à produção de ganhos de eficiência para a gestão a um outro campo, o da promoção da transparência enquanto parte integrante do processo de afirmação dos direitos políticos coletivos. O desenvolvimento de novas aplicações de governo eletrônico voltado para a otimização de processos em áreas-meio das organizações públicas, como compras e arrecadação, normalmente é encarado unicamente sob o ponto de vista da promoção da eficiência do governo. No entanto, a incorporação do governo eletrônico a esses processos básicos pode se converter em um fator de promoção da transparência e do controle social dos governos. Processos redesenhados, com implantação de instrumentos de governo eletrônico, podem gerar além de maiores recursos e ampliação dos serviços, uma maior transparência que proporcionará maior integração e ao mesmo tempo maior possibilidade de acesso as decisões governamentais. A promoção da transparência vincula-se à efetivação do direito ao controle social do governo, ao permitir o acompanhamento da formulação de políticas e das iniciativas de governo pelos cidadãos e suas organizações. Cria condições para o estabelecimento de relações de confiança entre governados e governantes e dá legitimidade às ações destes últimos. Por outro lado, exige a existência de mecanismos de prestação de contas dos atos governamentais (VAZ, 2005). Nesta categoria de direitos promovidos pelo uso da Internet incluem-se as iniciativas que permitem essa prestação de contas e sua apropriação pela sociedade. Portanto, incorpora iniciativas de acesso de cidadãos a informações sobre as ações do governo, fundadas na noção de direito à informação pública permitindo-lhes acompanhar, avaliar e controlar o desempenho governamental, como, por exemplo: a publicação de demonstrativos financeiros, relatórios de atividades de órgãos públicos, planos de governo, andamento de obras e divulgação de licitações. A partir de uma análise comparada dos casos apresentados no painel, este artigo pretende discutir a aplicação do governo eletrônico a processos básicos em áreas-meio de organizações públicas do ponto de vista do seu potencial de promoção da transparência, trazendo experiências brasileiras relevantes no campo e possibilitando, a partir delas, uma reflexão crítica sobre o tema. 1. O que é um processo? Segundo DAVENPORT (1994), um processo é um conjunto de atividades estruturadas e medidas destinadas a resultar em um produto especificado para um determinado cliente ou mercado (...) é uma ordenação específica das atividades de trabalho no tempo e no espaço, com um começo, um fim, e inputs e outputs claramente identificados: uma estrutura para a ação. 1

Essa forte articulação da idéia de processo de trabalho ao fornecimento de um produto com clientes específicos também é amparadas por Gomes (2006), que afirma que os processos correspondem a um conjunto de recursos e atividades inter-relacionados que recebe insumos e transforma-os, de acordo com uma lógica pré-estabelecida e com agregação de valor, em produtos-serviços, para responderem às necessidades dos clientes. Os processos, assim, podem ser entendidos como elementos centrais da operação das políticas públicas. Uma vez que as políticas públicas implicam ações do poder público, normalmente complementadas por um conjunto de atores da sociedade ou do Estado, também implicam a operação de processos que tornem estas ações viáveis, eficientes e eficazes. Processos apresentam algumas características muito claras. Uma primeira delas é a delimitação: têm um começo e um fim claramente estabelecidos. Em geral, os processos tendem a articular-se entre si no interior de uma organização ou no âmbito da cadeia de suprimentos de uma políticas pública, envolvendo várias organizações. Com isso, normalmente o fim de um processo é o evento de disparo (início) de outro processo. Isto faz com que a intervenção de redesenho de um processo leve em conta essas ligações com outros. Dificilmente é possível alterar apenas um processo, isoladamente. Por exemplo, não é possível alterar o processo de gestão de estoques de suprimentos sem intervir também no processo de sua aquisição. Uma vez que os processos vinculam-se a objetivos claros, eles têm clientes, produtos, insumos e fornecedores claramente definidos. Para que se compreenda o funcionamento de um processo e, a partir daí, seja possível empreender melhorias ou redesenho do processo, é preciso analisá-lo, identificando seus componentes. Os principais componentes de um processo são: Entradas: são os insumos necessários ao funcionamento do processo; Saídas: são os produtos e informações geradas pelo processo; Procedimentos de operação: são as várias operações, estruturadas de maneira lógica e préconcebida, que garantem a transformação dos insumos em produtos; Critérios de controle: são os elementos de avaliação, baseados em padrões de desempenho pré-estabelecidos, que permitem a mensuração de resultados e o controle pelos gestores do processo Recursos humanos: são as pessoas envolvidas nas várias etapas de operação do processo; Infra-estrutura: são os recursos materiais que criam as condições básicas para a operação do processo, como instalações, equipamentos, materiais de consumo etc.; Tecnologia: são os recursos tecnológicos empregados, incluindo tanto os recursos físicos (computadores, máquinas etc.), como as técnicas e softwares. Valendo-nos da abordagem sistêmica, um processo pode ser entendido com um tipo particular de sistema que pode ser encontrado nas organizações. Em algumas situações, há quase uma total coincidência entre um processo e um sistema de informações. Na verdade, a operação de qualquer processo está baseada em um ou vários sistemas de informações, por mais simples e informais que estes sejam. Ao mesmo tempo, a alimentação e a operação de um sistema de informações dependem de um ou mais processos específicos. 2

A abordagem sistêmica também auxilia a compreender os processos e a desenvolver uma capacidade analítica de identificar os vários níveis de relacionamento de um processo. Geralmente, os processos fazem parte de macroprocessos, que podem ser definidos como agrupamentos de processos baseados em suas características intrínsecas (mesmos insumos, produtos assemelhados, processamento correlato) e com objetivos articulados entre si ou um único objetivo compartilhado. Uma organização ou a cadeia de suprimentos de uma política pública normalmente tem um pequeno número de macroprocessos. Se, por um lado, os processos podem ser vistos como partes de um macroprocesso, também podem ser subdividios em atividades: unidades de processamento parcial de um determinado processo. Em geral, seus produtos são produtos intermediários do processo. Por serem intermediários, muitas vezes ficam ocultos dos órgãos de controle e dos instrumentos de promoção de transparência do governo. Daí a importância de se investir em iniciativas de redesenho de processos que gerem transparência em todas as etapas do processo, e não somente em seus resultados finais. Uma distinção importante a se fazer, especialmente na Administração Pública, é entre projetos e processos. Processos são atividades contínuas, estruturadas e rotineiras. O processamento de um caso ou evento tem começo e fim, mas o processo mantém-se indefinidamente, pois repete-se para outros casos. É o caso da emissão da carteira de identidade: o processo permanece existindo após a emissão de uma carteira individual, e será repetido na emissão da carteira de identidade do cidadão seguinte. Já um projeto, entendido não somente como plano para implementação de algo, mas como conjunto de atividades, como normalmente é usado na administração pública, articula um conjunto de atividades não contínuas e não rotineiras. Ao terminar o processamento da implantação do projeto, o projeto está encerrado. A : implantação de uma central de atendimento ao cidadão para emitir carteiras de identidade é exemplo de um projeto. Uma vez inaugurada a central, e os processos nela previstos passando a ser operados, o projeto está encerrado. Ao se pensar na gestão ou no redesenho de processos, é necessário levar em conta que os processos não existem descontextualizados. Não caem do céu. Processos estão vinculados a organizações ou a redes de organizações articuladas na cadeia de suprimentos de uma políticas públicas. São operados por pessoas concretas, inseridas em um ambiente social. Portanto, os processos estão expostos à influência da cultura organizacional, dos objetivos e estratégias organizacionais, às normas e políticas organizacionais. Da mesma forma, estão submetidos a um ambiente, incluindo a regulação interna e externa das organizações, a tecnologia disponível, os condicionantes econômicos, culturais, sociais etc. Não é possível analisar um processo sem identificar claramente suas relações com o ambiente interno e externo das organizações a que pertence. 2. Redesenho de processos A gestão os processos muitas vezes atinge o limite de sua capacidade de maximizar sua produtividade. Condições estruturais, novos objetivos e estratégias organizacionais, transformações da base tecnológica, alterações de expectativas dos clientes, mudanças legais, obsolescência de sistemas e equipamentos e outros motivos podem levar à identificação da necessidade de realizar transformações estruturais nos processos, o chamado redesenho dos processos. 3

A decisão de redesenhar processos exige uma cuidadosa reflexão prévia. É preciso ter clareza dos benefícios pretendidos e estabelecer diretrizes e orientações gerais quanto às expectativas para os processos redesenhados. Além disso, face ao alto nível de integração e interrelação que os processos organizacionais costumam ter, normalmente é necessário recorrer a algum tipo de priorização. Especialmente em organizações muito grandes e complexas, ou em cadeias de suprimentos de políticas públicas que envolvem um grande número de organizações, é impossível intervir em um número muito grande de processos simultaneamente, exceto em algumas situações onde uma tecnologia totalmente nova é implantada, normalmente através de um novo sistema de informações integrado. Supõe-se que o redesenho de processos produza benefícios concretos como a promoção de mudanças de vulto nas práticas de trabalho da organização; a Incorporação de novos valores, novas tecnologias e novos princípios; e a ampliação significativa da eficiência e da eficácia dos processos. Entretanto, diferentes caminhos podem ser escolhidos. Por exemplo, pode ser necessário escolher entre um novo desenho do processo baseado na aplicação de um volume significativo de recursos em tecnologias de ponta ou no emprego de tecnologias menos avançadas somado a um investimento pesado em capacitação de equipe. Esse estabelecimento de orientações gerais para a tomada de decisão deve presidir todas as ações do redesenho do processo. Se observamos alguns exemplos de diretrizes de redesenho comumente referidos em trabalhos técnicos e na literatura, vemos que a maioria delas concentra-se na eficiência e na eficácia da produção dos outputs primários dos processos. Como exemplos, podemos apontar: mudar foco dos procedimentos internos para o atendimento às demandas do cidadão; eliminar todas as perdas com lentidões, gargalos, retrabalho, duplicidade de atividades, atividades que não agregam valor ao cliente etc. ; reduzir variância no desempenho do processo; melhorar a comunicação entre as áreas; automatizar o que for possível, aproveitando o máximo a TI; padronizar o atendimento. Poucas vezes o aumento da transparência do processo é colocado como uma diretriz a presidir o redesenho. A seleção dos processos prioritários para redesenho implica uma visão estratégica dos processos da organização. Isto exige a compreensão de quais são os objetivos e estratégias da organização, a identificação dos fatores críticos para o sucesso da estratégia e a definição de quais são os processos com maior impacto sobre esses fatores críticos. É pouco recomendável investir uma grande energia em um processo que tem pouco impacto estratégico, se há outros, de maior impacto, que também poderiam ser revistos. Assim, a importância estratégica dos processos assume um lugar de destaque no processo de seleção de prioridades para redesenho. 3. Limites e possibilidades de promoção da transparência ROTONDARO (2006, p.40) aponta dois critérios centrais para a seleção de projetos a redesenhar: a importância estratégica do processo e o seu desempenho atual. Processos de baixo desempenho e alta importância estratégica são naturalmente os objetos prioritários de intervenção. A aplicaçào desses critérios pode ser completada com outras iniciativas: Identificação dos macroprocessos e processos com relacionamentos críticos com outros, o que exige a elaboraçào de um mapa de relacionamentos dos processos e macroprocessos. Análise de oportunidades de ganhos e eliminação de lacunas de eficiência nos processos atuais. 4

Análise de oportunidades de ganhos de qualidade dos produtos dos processos. Análise da viabilidade política, econômica e técnica da intervenção nos processos. As iniciativas de redesenho de processos centram sua energia em identificação e superação das disfunções do processo. As disfunções mais comuns são: Inadequação de entradas e saídas Falhas na padronização de informações Tempos de espera (fluxo parado) Deficiências nas normas Encadeamento indevido de atividades Atividades que não agregam valor Retrabalho Insuficiência de recursos (pessoal, equipamentos, instalações etc.) Sobrecarga ou ociosiodade de unidades funcionais e trabalhadores envolvidos. As disfunções, uma vez identificadas, devem ser priorizadas, pois é comum não ser possível resolver todas, por questões de viabilidade ou oportunidade. Para a priorização, é necessário combinar gravidade da disfunção, urgência na solução e tendência no caso da inação sobre ela. As melhorias de desempenho geradas pelo redesenho de processos geralmente envolvem: a) Revisão das atividades: A atividade pode ser suprimida? Deve-se mudar a ordem de realização das atividades? Ao suprimir atividades desnecessárias, ou ao modificar a ordem de sua realização, o processo torna-se mais facilmente acompanhável e compreensível por agentes externos, facilitando a transparência. Existem atividades que devem ser adicionadas? Pode-se adicionar atividades específicas que aumentam o grau de transparência, relacionadas à publicidade de etapas intermediárias, integração de sistemas de informação, prestações de contas, organização e sistematização de informações de controle. A atividade precisa ser feita por este nível hierárquico? A mudança de nível hierárquico ou cargo do responsável por uma atividade pode ampliar o acesso à informação. b) Mudanças em normas: normalmente, a mudança de normas que presidem a operação de um projeto pode ser utilizada para promover maior transparência, especialmente pela maior publicidade e pela adoção de práticas de impessoalidade. c) Revisão das entradas e saídas Fornecedores/clientes: pode-se adotar tanto fornecedores ou clientes nas várias etapas do processo que possam gerar ganhos de transparência e controle, quer seja por sua natureza jurídica, quer seja pela sua capacidade de publicização de informações. Informações/insumos: As informações que servem de insumo a um dado processo podem ser alteradas de forma que a nova escolha possibilite um acesso a informações com maior nível de acessibilidade, integração ou abrangência. Meios de transmissão das informações/produtos: a utilização de recursos de governo eletrônico tende a criar condições para a ampliação do acesso. 5

d) Adequação de infra-estrutura e incorporação de TI: a introdução de novos sistemas, novos dispositivos, a integração de bases de dados e a implantação de novos padrões de conectividade trazem diferenças qualitativas na ampliação da transparência dos processos, por trazerem ao processo novas capacidades de fornecimento de informação sistematizada a públicos externos. e) Adequação de recursos humanos: o treinamento de pessoal para uma maior postura de transparência é uma operaçào de longo prazo, o que faz com que, muitas vezes, opte-se, onde possível, por medidas no campo da mudança de perfil dos recursos humanos envolvidos. Como se pode ver, existem múltiplas possibilidades de gerar transformações nos processos. Também se pode ver que sua capacidade de realizar mudanças no campo da transparência é bastante desigual. As três experiências estudadas mostram que muitas dessas possibilidades não são exploradas. No caso do aumento da arrecadação do Estado de São Paulo, COELHO (2008) demonstra que todo o foco da intervenção concentrou-se nos aspectos dos processos que incidiam diretamente no aumento da arrecadação sem, necessariamente, ampliar sua capacidade de dar mais transparência à arrecadação do ICMS no estado. O trabalho de RIBEIRO (2008), explicita os limites e potencialidades de maneira concreta. A implantação dos mecanismos de governo eletrônica para as compras do governo do estado de Sào Paulo trouxeram basicamente benefícios no campo da realização das atividades básicas de certas modalidades de compras, mas não tiveram a mesma expressão na geração de transparência, apesar de depender do desenvolvimento de uma plataforma de internet necessariamente colaborativa e descentralizada que recolhe um enorme volume de informações. Da mesma forma, os benefícios gerados pela implantação da nota fiscal eletrônica no município de São Paulo, em termos de transparência, são muito mais potenciais do que efetivos, como nos apresenta MATHEUS (2008). Ou seja, é preciso questionar se o aumento de accountability pretendido na revisão dos processos tributários (que é relativo, na verdade...) de fato reverteu-se em ações de maior controle social, e em controle efetivo sobre a aplicação de recursos. Certamente, é preciso adotar um tom de ceticismo sobre esses pontos. Na verdade, a nota fiscal eletrônica CRIA NOVAS CONDIÇÕES para melhorar a transparência e gerar uma postura mais transparente dos governos. Mas, sozinha não faz isso. 4. Conclusões Algumas questões, levantadas previamente à pesquisa das experiências, ou emergidas ao longo do trabalho, foram direcionadores importantes do trabalho. O artigo procurou, mais do que oferecer respostas, explorar essas interrogações como possíveis alavancas para a expansão do conhecimento e do pensamento crítico sobre o governo eletrônico. Assim, as conclusões deste artigo trazem novas temáticas para pesquisas futuras. A primeira das questões que norteiam este artigo diz respeito aos os limites e possibilidades de promover a transparência e o controle social por meio da revisão de processos básicos da administração pública, especialmente por meio do governo eletrônico. Quais são as reais possibilidades? Que limites essa pretensão encontra? As possibilidades e limites aqui 6

apresentados evidenciam que a tecnologia, por si só, é incapaz de produzir todas as transformaçòes democráticas no campo da transparência. Pode, quando muito, criar condições. Seu aproveitamento depende de processos políticos muito mais complexos. A segunda questão significa procurar olhar para as possibilidades identificadas em termos de seu real impacto em termos de transparência e controle social. O quanto é possível ampliar a transparência e fortalecer processos de controle social dos governos por meio de revisão de processos básicos? Há, realmente, alguma possibilidade de gerar verdadeiras mudanças nas práticas políticas? Em termos das ações dos governos para estimular a transparência através da Internet, o ponto de partida é o entendimento da informação como direito do cidadão, bem público e fundamento para o acesso a uma série de outros direitos, dispondo de um caráter de promotora de uma alavancagem de outros direitos. A participação e o controle social sobre o governo dependem fundamentalmente da circulação de informação. Entretanto, não se trata unicamente de uma questão de montante de informação veiculado, mas também da forma de sua apresentação, de maneira a atingir um público amplo e de fortalecer processos políticos. A Internet, nestes casos, pode funcionar como um canal a mais na relação do Estado com o cidadão, sem ter capacidade para substituir outras formas de relacionamento. A terceira ordem de questões nos interpela se há conflito ou complementaridade entre a promoção da transparência e controle social e o aumento da eficiência dos processos e/ou a ampliação do alcance e profundidade dos serviços prestados. Ou seja, ao investir na eficiência necessariamente devemos assumir que não geraremos ganhos em termos de transparência? Será possível ser transparente e eficiente ao mesmo tempo? Como promover a transparência pode gerar ganhos de eficiência? Como a eficiência pode produzir mais transparência. Não pareceu, em nenhuma das experiências estudadas, que houvesse uma forte contradição entre esses dois possíveis resultados. Entretanto, as possibilidades de sinergia são muito pouco exploradas. Por fim, uma quarta ordem de questões diz respeito aos fatores críticos para o sucesso dessas iniciativas. Certamente, falta muito neste campo. Os fatores tecnológicos certamente influenciam os resultados finais, como o caso das compras no estado de Sào Paulo demonstra. Os fatores políticos claramente afetam o resultado final: houvesse maior compromisso com a transparência, certamente as três experiências estudadas teriam mais a apresentar neste campo. Vale a pena, aqui, retomar as idéias apresentadas em VAZ (2005): Para que a internet contribua para padrões de governança que aprofundem a democracia, alguns requisitos são necessários: a promoção do acesso dos cidadãos à Internet, a articulação dos principais sistemas informatizados com os portais e websites governamentais e a estruturação da informação com foco na sua busca pelo cidadão. Para efetivamente promover a participação cidadã e controle social, portanto, é requerido um certo nível de institucionalização da abertura da organização pública ao fornecimento de informações. A compreensão de que fatores permitem que iniciativas de redesenho de processos sejam bem sucedidas em ampliar a transparência é fundamental para a formulação de programas e políticas públicas de apoio à modernização democrática da administração pública, no Brasil e na América Latina. 7

Esta é, por si, só, uma importante justificativa deste trabalho. A expansão das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e, mais especificamente, do governo eletrônico abriu um campo novo de conflito e disputas sociais, com a emergência da idéia de governança eletrônica. A disputa por seu conteúdo passa pela discussão das formas de utilização da internet pelos governos para incrementar a participação cidadã, a transparência e o controle social dos governos. Conforme afirma VAZ (2007:224), esta é uma disputa entre concepções que, em última análise, alcança o tipo de modernização que se quer produzir na administração pública: uma modernização conservadora, que oferece ganhos de eficiência e qualidade no atendimento ao cidadão e à execução dos processos básicos das organizações governamentais, mas preserva as estruturas de poder e a concentração de renda e riqueza; ou uma modernização democrática que amplie o exercício da cidadania e promova a radicalização da democracia. Bibliografía COELHO, Hugo & VAZ, José Carlos. Estudo do impacto de práticas de governo eletrônico na redução de ineficiências causadas por disfunções burocráticas na Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo. Buenos Aires, Anais do XIII Congresso do CLAD, 2008. DAVENPORT, T. Reengenharia de processos. S. Paulo, Campus, 1994. GOMES, C. Organização e gestão por processos. S. Paulo, Fundap, 2006. LAURINDO, F. & ROTONDARO, R. Gestão Integrada de processos e da TI. S. Paulo, Atlas, 2006. MATHEUS, Ricardo. A nota fiscal eletrônica (NF-e) do município de São Paulo: mais cidadania ou maior tributação? Buenos Aires, Anais do XIII Congresso do CLAD, 2008. RIBEIRO, Manuella Maia. Governo eletrônico e transparência nas compras governamentais: as possibilidades de aumento da transparência nas secretarias do estado de São Paulo. Buenos Aires, Anais do XIII Congresso do CLAD, 2008. ROTONDARO, R. Identificação, análise e melhoria de processos críticos. In: LAURINDO, F. & ROTONDARO, R., 2006. VAZ, José Carlos. Governança eletrônica: para onde é possível caminhar? Revista Pólis, número especial, 2005. VAZ, José Carlos. Internet e promoção da cidadania: a contribuição dos portais municipais. S. Paulo, Ed. Blucher, 2007. Reseña biográfica Prof. Dr. José Carlos Vaz Professor e vice-coordenador do Curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Bacharel em Administração pela FEA-USP, Mestre em Administração Pública e Doutor em Administraçào e Sistemas de Informação pela EAESP Fundação Getúlio Vargas. Coordenador do Comitê Executivo Internacional da Rede LogoLink. Endereço: Av. Arlindo Bettio, 1000 São Paulo Brasil RG 14.164.188 Tel (55 11) 8124-8374 e-mail: vaz@usp.br 8