Conversão da terra rural em urbana em Barra do Choça/BA: a expansão dos loteamentos privados em cidades pequenas



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Transcrição:

Conversão da terra rural em urbana em Barra do Choça/BA: a expansão dos loteamentos privados em cidades pequenas Joscimara Nunes Lemos 1 Graduanda em Geografia/UESB E-mail:njoscimara@yahoo.com.br Pretende-se analisar neste artigo o que vem provocando a conversão da terra rural em urbana e correlacionar as mudanças endógenas que vêm ocorrendo em Barra do Choça ao processo da urbanização, pois acredita-se que tais transformações percebidas, no que tange a expansão da terra urbana, não são explicadas apenas por processos no local, mas estão relacionadas a outras escalas de análise. Nesse sentido, discute-se o conceito de apropriação privada da terra urbana, dentro da lógica capitalista. Para tanto, será realizada uma pesquisa empírica, bem como uma pesquisa teórica, a fim de contrapor a teoria com a prática e construir um conhecimento científico a respeito do tema, para além do senso comum. O processo de urbanização foi intensificado e modificado a partir da década de 1970, em função da própria reestruturação produtiva do capital, o que provocou mudanças significativas nas cidades brasileiras. Observa-se em Barra do Choça um forte processo de transformação do solo rural em urbano, por meio do avanço dos loteamentos privados em áreas antes destinadas à produção do café. Essas cedem espaço para o surgimento de novo bairro na cidade em questão, que leva à expansão da cidade, provável periferização, êxodo rural e deslocamento de pessoas provenientes de outros bairros. Palavras-chave: Capitalismo. Urbanização brasileira. Cidade pequena. Introdução Sob a nova lógica de produção e reprodução do capital, cada vez mais o espaço urbano, além de ser produto e condição das relações sociais, torna-se uma mercadoria a ser consumida. Por isso a terra rural é cada vez mais transformada em terra urbana, o que não pressupõe o desaparecimento do campo, mas a extensão do urbano nesse espaço. Observa-se em Barra do Choça o processo de conversão de terra rural em urbana, em que áreas antes destinadas à produção do café estão sendo loteadas. Diante disso, sentiu-se a necessidade de desenvolver um artigo a respeito dessa transformação, com o intuito de se saber quais os motivos de tais mudanças e a correlação desse processo com a urbanização brasileira associada à reestruturação produtiva do capital. 1 Membro do Grupo de Pesquisa Urbanização e Produção de Cidades na Bahia, sob a orientação do Prof. Dr. Janio Santos.

Para a realização destas reflexões, fez-se o levantamento empírico, assim como uma discussão teórica, a fim de se analisar o conceito de rural e urbano na lógica do capital. Para que se entenda tal transformação correlacionada a outras escalas de análise, é fundamental abranger uma leitura sobre o processo de urbanização e as cidades pequenas nesse contexto, pois parte-se do pressuposto de que as mudanças observadas não têm explicação somente no âmbito local. Inicialmente, discute-se o processo de urbanização, associado ao conceito de cidade, sob a égide da reestruturação produtiva do capital iniciada na década de 1970. Com base nisso, é necessário pensar os conceitos de rural e urbano, na lógica capitalista, e a ideia da apropriação privada da terra. Finalmente, discutir a conversão da terra rural em urbana em Barra do Choça, enquanto uma cidade pequena. Reestruturação produtiva do capital e mudanças na urbanização brasileira Inicialmente, antes de se analisar as mudanças na urbanização brasileira, à luz da reestruturação produtiva do capital, é necessário compreender o conceito de urbanização. Parte-se do pressuposto de que esse termo está intimamente atrelado ao conceito de cidade, visto que ela é, como Carlos (1994) sinaliza, produto das relações sociais materializadas no espaço. Além de produto, a cidade é também condição da reprodução social. Com base nisso, em consonância com Sposito (2004), a cidade, enquanto materialidade das relações sociais, não é a-histórica, ela foi e é engendrada num contexto histórico, o que supõe processo de produção e reprodução, pois, como afirma Carlos (1994), ela não é um produto pronto e acabado, mas em constante construção. Visto que a cidade é um produto das relações sociais dadas num espaço e num tempo e é mutável, ao seu processo de produção, reprodução e desenvolvimento dá-se o nome de urbanização, concebida por Sposito (2004, p.34) como um movimento espaço-temporal. Diferentemente do que se pensa, o processo de urbanização não é singular ao sistema capitalista, visto que as cidades são anteriores a esse sistema econômico. Contudo, a industrialização reconfigurou esse processo, o

que alterou, por conseguinte, a função das cidades. A cidade, além de locus de reprodução da vida, é [...] essencialmente o locus de produção, concentração dos meios de produção, do capital, da mão-de-obra, [...]. (CARLOS, 1994, p.69-70). Essa característica foi consolidada e fortalecida com as mudanças no sistema produtivo capitalista nos anos 1970. Considera-se, portanto, a necessidade de discutir o processo de reestruturação produtiva a fim de se analisar as mudanças na urbanização brasileira. Nos anos 1970, segundo Balando, Pinto e Busato (2006), o capitalismo vivenciou uma crise denominada pelos autores de crise de lucratividade. Diante disso, visando superar esse momento, o capital utilizou como estratégia a expansão da sua reprodução por meio das re-localizações dos processos produtivos em países considerados, até então, periféricos do sistema. Essa estratégia de ampliar a reprodução para além dos países núcleos ocorreu com a fragmentação dos processos produtivos, a fim do capital se apropriar das vantagens competitivas que possibilitam a ampliação da extração da mais-valia relativa e absoluta e, por conseguinte, da acumulação. Os autores argumentam ainda que: Com o intuito de superar a crise de lucratividade, mudanças profundas nos padrões de acumulação foram consubstanciadas no âmbito da pluralidade de capitais e do poder territorial (Estado nação), visando, com isso, a ampliação espacial da acumulação abertura de novos mercados, novas capacidades produtivas, novas possibilidades de recursos e, ainda, novos espaços de acumulação financeira para além dos espaços dos países centrais que vivenciavam uma crise de sobreacumulação.(balanco, PINTO e BUSATO, 2006, p.20) No entanto, concomitante à fragmentação da produção, manteve-se a concentração e a centralização do capital, tendo-se em vista que essa característica, como afirmam Balanco, Pinto e Busato (2006), é inerente ao desenvolvimento do capitalismo. A ampliação da reprodução do sistema vigente não ocorreu somente com as re-localizações produtivas em países considerados periféricos do sistema, mas também com a fragmentação produtiva no espaço nacional brasileiro, com o intuito do capital se apropriar das vantagens locacionais, como na Região Nordeste.

Segundo J. Santos (2009), o Brasil passou de uma sociedade majoritariamente rural para urbana em 1960-1970. No entanto, [...] na Bahia, esse processo aconteceu mais tardiamente. Só no início da década de 1980, de acordo com os dados do IBGE, a concentração da população urbana superou a que vivia no campo [...] (J. SANTOS, 2009, p.500). Isso se deve ao fato de que havia uma concentração produtiva na Região Sudeste, explicada pela análise atenta do processo de formação territorial do país à luz da lógica do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo. Somente nos anos 1970, devido à nova lógica de produção do capital, aliada à política estatal de integração do território nacional do período militar, ocorreu o processo de fragmentação espacial da produção para outras regiões do país. Porém, com a manutenção do Sudeste como centro de comando. Esse contexto, para Balanco, Pinto e Busato compreende: O período que se estende de 1968 a 1980 [...] marcado pela continuidade no processo de integração produtiva entre as regiões brasileiras. Numa primeira fase, que engloba o período de 1968 1973, a grande disponibilidade de financiamento externo, devida à grande liquidez no mercado internacional, viabilizou a implementação de projetos de investimento de longo prazo no Brasil, consolidando a integração produtiva da estrutura industrial do Nordeste à do Sudeste, por meio da implantação da indústria de bens intermediários na região nordestina [...]. (BALANCO, PINTO e BUSATO, 2006, p.30) Isso se deve ao fato de que as indústrias, mediante ao avanço das tecnologias, sistemas de comunicação e de transportes, não necessitam estar aglomeradas num mesmo espaço. Dessa maneira, elas podem se deslocar para outras áreas do espaço nacional, a fim de maximinizar a lucratividade, pois, como afirma Limonad (2004, p.250): As novas indústrias, pelo fato de serem intensivas em capital e tecnologias de informação e comunicação, com emprego reduzido de mão de obra, podem localizar-se fora dos grandes centros urbanos, em áreas sem tradição industrial o que lhes propicia uma força de trabalho com baixo nível de organização sindical. É clarividente que as transformações operadas no e pelo sistema produtivo vigente alteraram de maneira substanciosa o processo de

urbanização no Brasil e, por consequência, as formas, conteúdos e função das cidades. A cidade, por ser produto e condição das relações sociais, [...] vai se transformar à medida que a sociedade como um todo se modifica. (CARLOS, 1994, p.68) No que concerne aos grandes centros urbanos, de acordo J. Santos (2009), as modificações observadas correspondem à consolidação das metrópoles enquanto centros de comando do capital. Quanto às pequenas e as médias cidades, o autor afirma que as mudanças observadas nesses núcleos urbanos são referentes à: [...] expansão urbana, a segregação socioespacial, o aprofundamento das desigualdades entre as classes, a terciarização econômica e o crescimento das áreas centrais, a divisão territorial do trabalho na escala intraurbana e a valorização de novas áreas fora do centro. (J. SANTOS, 2009, p.507) Depreende-se, dessa forma, que a expansão da cidade de Barra do Choça/BA, por meio da conversão da terra rural em urbana, é produto e condição das transformações no processo de urbanização operadas pela nova lógica de reprodução do capital. Cabe, então, discutir os conceitos de rural e urbano, a fim de se compreender o que vem a ser terra rural e urbana e a lógica da propriedade privada sob a égide do capital. O urbano, o rural e a lógica capitalista da propriedade privada Parte-se do pressuposto de que a compreensão do par dialético urbanorural perpassa pelo entendimento do par cidade-campo, pois a generalização do urbano se estendeu ao espaço rural. Dessa maneira, modificaram-se as relações cidade-campo. Segundo Souza (2010), as abordagens sobre cidade e campo são em sua maioria dicotômicas: a cidade é vista enquanto símbolo do moderno e o campo, do atraso. No entanto, a autora evidencia a necessidade de se analisar campo e cidade como partes integrantes de uma mesma totalidade: a do sistema capitalista. A cidade e o campo correspondem às formas materializadas no espaço, em função das relações sócio-espaciais; constituem a realidade percebida no

âmbito prático-sensível. O urbano e o rural correspondem ao abstrato, ao conteúdo das relações sociais que não pode ser apreendido na realidade prático- sensível. Contudo, o espaço rural diferencia-se do urbano por ser [...] um meio específico de características mais naturais que o urbano, em que a terra ou o espaço natural aparece como fator primordial cuja territorialização é intensa, [...]. (SOUZA, 2010, p.205). Nesse sentido, a terra é vista no espaço urbano como o apoio da produção, enquanto que no espaço rural, como meio da produção. Depreende-se, dessa forma, que campo e cidade são pares dialéticos de uma mesma totalidade, são indissociáveis e se diferenciam no conteúdo das relações sociais. A complementariedade entre cidade e campo se deve ao fato da generalização mundial do urbano. Segundo Sobarzo (2010), baseado em Lefebvre, o urbano não se restringiu às cidades, mas se estendeu no território, incluindo o campo, mediante a industrialização. Esse processo, denominado extensão urbana, não se limita a extensão das formas materiais, mas também da lógica capitalista, do conteúdo das relações sociais marcadas pela contradição e da prevalência do valor de troca da terra, como sinaliza Lefebvre (). É válido frisar, como afirma Sobarzo (2010), que a extensão urbana não significou o processo de desaparecimento do campo, mas mudanças no seu conteúdo e na sua função dentro do modo capitalista. Ainda segundo o autor: [...] Num primeiro momento, observa-se uma clara diferenciação em função da divisão do trabalho. Na era industrial, verifica-se a absorção do campo pela cidade [...] e a explosão da cidade no campo pela tecnologia, modo de vida e símbolos da cidade, expansão da troca e da mercadoria. (SORBAZO, 2010, p.61) De acordo com Carlos (2007), A industrialização permitiu a realização espacial da propriedade privada da terra, [...], pela generalização da mercadoria-espaço [...]. (p.107). Nesse sentido, entende-se que o espaço, além de produto e condição das relações socioespaciais, é também mercadoria a ser consumida, cujas parcelas de terra urbana e rural entram no circuito da troca. Além disso, a terra rural deixa de pertencer ao campo, é convertida em terra urbana e ganha novas formas materiais, o que causa a expansão do tecido urbano e mudanças substanciais nas relações da sociedade.

A extensão do urbano no campo de Barra do Choça-Ba Antes de se analisar as mudanças no espaço urbano de Barra do Choça, faz-se necessário discutir o conceito de cidade pequena, já que é dessa forma que a se considera. Entende-se que o parâmetro demográfico por si só não é suficiente para se definir o que é ou não uma cidade pequena, mas é necessário também abranger outras características que permitem capturar as dinâmicas socioespaciais para, assim, definir esses núcleos urbanos, pois [...] não se pode deixar de considerar a contagem populacional quando se quer pensar o que se denomina de pequenas e médias cidades, mas o que se afirma é que esse dado não traduz a dinâmica o conjunto de cidades [...]. (MAIA, 2010, p.18-19). É necessário, então, utilizar também como parâmetro a função das cidades pequenas frente às dinâmicas do sistema econômico. Em função da divisão territorial do trabalho, aliada ao processo de desenvolvimento histórico do capitalismo no território brasileiro, as cidades apresentam diferentes níveis de urbanização. Só que cada uma, com suas especificidades e particularidades, não deixa de participar do sistema produtivo. Não há um isolamento socioespacial entre elas, mas uma articulação em redes urbanas, devido ao fato de que As recentes adaptações do capitalismo incorporaram de forma mais efetiva no processo produtiva outra face das economias de aglomeração, os espaço não-metropolitanos. (ENDLICH, 2007, p.2). Ou seja, a nova lógica capitalista, engendrada pela reestruturação produtiva, articulou os espaços em redes para permitir a reprodução ampliada do capital. Nesse sentido, cada núcleo urbano cumpre uma função que garante a reprodução do sistema econômico. As cidades pequenas caracterizam-se principalmente pela sua relação estreita com o campo, relação esta que se dá de maneira direta, integrando-o a outras escalas espaciais. Além disso, são cidades, de acordo com Maia (2010), que apresentam comércio fraco, baixa especialização técnica e circulação monetária dependente dos recursos repassados pela União para os municípios. As características supracitadas, aliada ao tamanho demográfico da população da cidade que é de 34.788, de acordo com o Censo realizado em

2010, possibilitam a classificação de Barra do Choça, situada a 27 km de Vitória da Conquista e a 537 de Salvador, enquanto cidade pequena. Isso se deve ao fato de que ela apresenta uma intensa relação com o campo, onde é produzido o café que constitui a base econômica do município. Além de apresentar um comércio fraco, fragilidade de outras atividades produtivas, a dependência da circulação monetária dos repasses municipais e dos salários de aposentados e pensionistas e uma dependência de serviços diversos oferecidos por Vitória da Conquista/Ba, cidade que exerce centralidade, como sinaliza Machado( 2009). De acordo com Machado (2009), Barra do Choça começou a se formar no século XX, era um pequeno povoado e somente em 1930 foi elevada à categoria de vila. Sua emancipação política e conseqüente desmembramento de Vitória da Conquista só ocorreu em 1962 mediante interesses de políticos locais. Inicialmente, a produção desenvolvida na vila Barra do Choça era a monocultura da mandioca, além da pecuária. Nos anos 1970 foi introduzida pelo Estado, que concedeu créditos e apoio técnico aos produtores interessados no plantio, a monocultura do café na Região Sudoeste, sendo Barra do Choça um dos municípios contemplados. Em virtude disso, segundo Machado (2009), ocorreu a expansão do tecido urbano e a migração de pessoas oriundas de outras localidades a fim de trabalharem na colheita. Percebe-se na cidade em questão uma recente conversão da terra rural em urbana e a consequente formação do bairro Cidade Jardim. Entende-se que esse processo não é explicável somente pelas dinâmicas locais, mas por mudanças no sistema produtivo que ocorreram numa escala internacional. Tais mudanças são decorrentes dos novos interesses do processo de reprodução do capital, que adentram nos espaços denominados periféricos, a fim de ampliar a acumulação e a sua reprodução. A busca por novos espaços para a reprodução ampliada se deu também a nível nacional por meio da desconcentração industrial dos centros metropolitanos do país para áreas como a Região Nordeste, porém, com a consolidação da Região Sudeste como centro de comando da produção no território brasileiro. Nesse sentido, ocorreu a generalização do urbano no campo, no que se refere à lógica capitalista da prevalência do valor de troca.

A conversão da terra rural em urbana nada mais é do que a expressão da generalização do urbano no espaço brasileiro, a extensão do urbano que generaliza o espaço enquanto mercadoria a ser apropriado de forma privada e consumido de maneira diferenciada. Isso expressa os conflitos de classe numa sociedade marcada por contradições inerentes à reprodução do sistema vigente. Considerações finais A análise das transformações das cidades somente à luz das relações no local produz interpretações da realidade socioespacial de forma equivocada. Os espaços são indissociáveis; fazem parte de uma mesma totalidade. É a ordem distante que se projeta sobre o lugar e que causa a modificação das relações sociais dadas num espaço e as transformações nas formas materializadas, bem como no seu conteúdo. Contudo, o espaço não é passível nem inerte, ele apresenta uma lógica interna dotada de particularidades e especificidades históricas que o diferencia de outros e tem um grau de influência nos processos. Barra do Choça, definida como cidade pequena, devido às especificidades e as funções desse núcleo na rede urbana e pela relação direta e forte com o campo, apresenta modificações não explicadas somente pelas relações locais. Nesse sentido, o conjunto das modificações empreendidas pelo capital no seu processo de reprodução não se restringiu à escala internacional, mas projetou-se sobre o espaço brasileiro e atingiu desde as metrópoles até as cidades médias e pequenas. Consolidaram-se, assim, as metrópoles enquanto centro de comando da produção, reconfigurou-se a relação campo-cidade e às pequenas cidades foram atribuídas novas funções que garantem a reprodução do sistema. A nova lógica de reprodução ampliada do capital, mediante a fragmentação da produção com a manutenção da centralização dos centros de poder e de comando do capital, provocou o processo de extensão do urbano. O urbano, entendido enquanto processo dinâmico, o conteúdo das relações socioespaciais, se estendeu ao campo, não ficou restrito às cidades devido à industrialização. Dessa forma, modificou-se a relação campo-cidade que deve

ser entendida de forma imbricada, complementar e não dicotômica. A extensão do urbano, em escala mundial, generalizou as relações ditadas pelo sistema capitalista, em que prevalece o valor de troca sobre o valor de uso. Nesse sentido, generalizou-se a lógica da apropriação privada da terra, vista enquanto mercadoria a ser consumida, o que não significa o desaparecimento do campo, bem como de suas particularidades. Nesse sentido, a terra rural é convertida em terra urbana, o que está acarretando a expansão do tecido urbano de Barra do Choça e o deslocamento de pessoas do centro e de outros bairros para essas novas áreas urbanas. É válido frisar que a pesquisa contida neste artigo não encerra em si. Todas as respostas para as questões referentes às transformações operadas em Barra do Choça se constituem como o início de um trabalho científico, a ser amadurecido posteriormente. Referências bibliográficas BUSATO, P.; PINTO, E. C.; BUSATO, M. I. Acumulação do capital, dimensões espaciais e desigualdades regionais brasileiras. In: BALANKO, P. et al (Org). Desenvolvimento regional: análises do Nordeste e da Bahia. Salvador: SEI, 2006. p. 9-33 CARLOS, A. F. A. A cidade. São Paulo: Contexto, 1994 CARLOS, A. F. A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Labur Edições, 2007 ENDLICH, A. M. Novos referenciais de desenvolvimento e planejamento territorial: possibilidades para as pequenas cidades. In: REDES, Santa Cruz do Sul, v. 12, n. 2, p. 5-35, mai./ago. 2007 LEFREBVRE, H. A revolução urbana. Tradução de Sérgio Martins. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999 LIMONAD, E. Espaço-Tempo e Urbanização: Algumas considerações sobre a urbanização brasileira. In: Cidades: Revista Científica/ Grupos de Estudos Urbanos, v.1, n.1, 2004. Presidente Prudente: Grupos de Estudos, 2004. p.243-258 MAIA, D. S. Cidades médias e pequenas do Nordeste: Conferência de Abertura. In: HENRIQUE, W.; FERIN, D. Cidades médias e pequenas: teorias, conceitos e estudos de caso. Salvador: SEI, 2010 p.15-39.

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