APLICAÇÃO DO MAPEAMENTO DE FLUXO DE VALOR VERDE NO SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL Caio Luciano Migliato Faculdade de Engenharia Ambiental e Sanitária CEATEC Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias caiolmigliato@uol.com.br Patricia Stella Pucharelli Fontanini Tecnologia do Ambiente Construído CEATEC Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias patricia.stella@puc-campinas.edu.br Resumo: A busca pela sustentabilidade em ambientes de construção vem despertando cada vez mais interesse para o setor, em virtude dos evidentes desperdícios durante os processos construtivos. Nesse cenário estão inseridos também os altos custos e consumo de materiais desnecessários nas atividades de obras, que geram perdas e insatisfação do cliente final. O real conhecimento da situação busca propostas e caminhos para melhorar o desempenho do setor, e criar oportunidades de aplicação dos conceitos do Lean Thinking em obras da construção civil, devido aos ganhos de produtividade e redução das perdas. Dessa forma, esse trabalho identifica, a partir da aplicação do mapeamento de fluxo de valor, o processo de assentamento de pedra portuguesa em o- bra, e aponta desperdícios de materiais detectados desde a sua extração até a entrega final do produto ao cliente. O estudo ainda discute os resultados a- presentados pelo mapa de fluxo de valor nos processos do fluxo analisado. O estudo é preliminar e tem um caráter exploratório e investigatório. Como resultado, o artigo apresenta a aplicação do mapeamento de fluxo de valor, e o ponto de vista sustentável no fluxo observado. Palavras-chave: Mentalidade Enxuta, Mapeamento de Fluxo de Valor, Sustentabilidade, Construção Enxuta. 1. INTRODUÇÃO O setor da construção civil tem sido objeto constante de críticas quanto aos seus processos de produção e desempenho operacional, tal fato gera insatisfação da sociedade perante essa indústria. O setor apresenta problemas na questão produtiva, pois possui baixa eficiência, baixa qualidade e grande desperdício de recursos naturais. Ao analisar a situação, observa-se a necessidade de soluções que promovam melhoria no modo de produção e o aumento dos resultados, tanto no sentido do desempenho operacional, como na eliminação de desperdícios [1]. Com os problemas no setor, os conceitos Lean seguem como alternativa para resolver os problemas da baixa produtividade decorrentes de alguns fatores como: mão de obra qualificada, problemas no planejamento, controle da qualidade do material e dificuldade no acesso da obra, provocando uma interrupção no fluxo do trabalho e dificultando a seqüência de trabalho [2]. Para que ocorra a avaliação do Lean Thinking, necessita-se da compreensão dos variados fluxos. O Lean Thinking pode ser aplicável a toda empresa [3], e deve ser analisado em três fluxos e- xistentes: projeto, construção e sustentação. Devido a grande quantidade de empresas envolvidas em um empreendimento existe a necessidade de adaptação delas. O empreendimento pode ser divido em cinco fluxos [4]: Fluxo de negócio, Fluxo de projeto, Fluxo de Obra, Fluxo de suprimento, Fluxo de uso e manutenção. Possibilidades de aplicação do Lean Thinking na construção civil já foram relatadas na leitura [5; 6; 7]. 2. OBJETIVOS Avaliar o fluxo de assentamento de pedras portuguesas (ou assentamento de arenitos amarelos e vermelhos) como calçamento de médio impacto. 3. METODOLOGIA A pesquisa foi iniciada pela revisão bibliográfica sobre Lean Thinking e Lean Construction, e aplicação de mapeamento de fluxo de valor nos processos do setor da construção civil. Baseado na metodologia proposta por Rother e Shook [8] foram elaborados os mapas de fluxo de valor do estado atual e futuro, nos quais, posteriormente, buscou-se a análise para compreender os desperdícios apresentados e formas para solucioná-los. 4. RESULTADOS Para o desenvolvimento do estudo de caso, primeiramente, escolheu-se um processo produtivo realiza-
do na construção civil como estudo de caso exploratório e preliminar, o fluxo para o assentamento de pedras portuguesas (ou assentamento de arenitos amarelos e vermelhos) como calçamento de médio impacto. 4.1 MAPA DE FLUXO DE VALOR DO ESTADO ATUAL (MFEA) O fluxo de assentamento de arenito teve a escolha favorecida pela facilidade de coleta de dados e visibilidade do macro mapa desde a sua extração de matéria, primeiramente, foi acompanhada uma obra na etapa de assentamento de pedras portuguesas com 120 m 2 de calçamento. O processo em campo correspondeu as seguintes etapas: nivelamento da calçada, assentamento, fixação das pedras, rejunte e finalização. As etapas foram condensadas no mapa de fluxo de valor do estado atual em: nivelamento do piso, assentamento das pedras e verificação e recolocação. A extração do material acontece no maciço rochoso arenítico, sendo que primeiramente o operário inicia a medição da rocha para, logo em seguida, realizar o furo na rocha para a colocação de explosivo para promover o rompimento do material rochoso. Ao observar o mapa de fluxo de valor do estado atual verificou-se 3 grandes estoques espalhados ao longo da cadeia de suprimentos: estoque de material escavado aguardando encaminhamento (60 dias); estoque de blocos aguardando corte pré-selecionados (30 dias de estoque) e estoque de pedras de arenitos já cortas, aguardando o destino para obra ou casas de materiais de construção. Deve-se lembrar que o estoque além de representar recurso financeiro parado, também incorre em custos de gerenciamento de estoque para o proprietário do empreendimento. O material analisado, arenito ou pedra portuguesa, é um tipo de rocha bastante porosa, o alto índice de porosidade somado a exposição das rochas as intempéries do tempo, tais como chuva, sol e vento, resulta na perda de material devido ao acúmulo de bolor e fungos nas rochas. Portanto, o desperdício mais evidente é o desperdício computado em dias de estoque. Também pode ser observado no Mapa de Fluxo de Valor do Estado Atual do Processo analisado, apresentado na Figura 1, que a previsão de demanda é pequena, quase que inexistente na pedreira. Atualmente, trabalha-se com uma previsão estimada, baseada nos conhecimentos tácitos dos antigos funcionários da pedreira. No caso do mapa do estado atual apresentado na figura 1 foi analisada uma obra que recebeu material diretamente da empresa extratora da rocha, mas mesmo o fornecimento sendo realizado diretamente, foi observado um estoque de rochas na obra, para garantir o fluxo contínuo de e- xecução dos serviços. Durante a obra, foi solicitada algumas vezes, que fosse refeito partes do calçamento que não tinham ficado corretamente assentados (com a junta seca entre as pedras). O retrabalho na execução do serviço poderia ter sido evitado. Após a análise do mapa do estado atual da cadeia de suprimentos do assentamento da pedra portuguesa, observou um tempo total de produção de 241 dias, sendo que o tempo de processamento de atividades que efetivamente agregaram valor foi de 15 dias. O resultado mostra que cerca de 90% do tempo destinado a extração e realização do trabalho para a execução de um calçamento de pedra portuguesa é desperdício, transporte e retrabalho. 4.2 MAPA DE FLUXO DE VALOR DO ESTADO FUTURO (MFEF) No mapa de fluxo de valor do estado futuro, apresentado na figura 2, para o processo de assentamento de pedras portuguesas foram sugeridas algumas modificações, tais como: ao invés dos grandes estoques, foi sugerida a disposição de supermercados (estoques controlados de 15, 7 e 30 dias respectivamente), que podem ser controlados (aumentados e diminuídos) de acordo com o controle de previsão de demanda. Como a demanda de pedras portuguesas observado é muito sazonal, sugeriu-se dimensionar pelo histórico de vendas médias realizadas nos últimos 3 anos. Outra mudança sugerida foi a disposição dos arenitos ou pedras portuguesas no pátio de corte. Ao invés da área desorganizada, seriam construídas baias com o controle visual, para identificação de cada um dos tipos de arenitos cortados, indicando quando o nível de estoque se encontrasse em nível crítico, para sua imediata reposição, e dessa forma reduzindo a necessidade de grandes acúmulos de pedra. Outra sugestão interessante foi o monitoramento do rendimento de assentamento das pedras portuguesas em obra, que atualmente não é controlado, gerando atrasos e retrabalhos dos pedreiros, que acabam tendo que refazer o serviço, quando não a contento do empreiteiro ou do proprietário contratante do serviço. Por fim, com as mudanças sugeridas, foi observada uma redução no tempo total de execução do serviço de 75% do tempo total da cadeia de suprimentos analisada, o que representa um ganho real para todos os agentes envolvidos no processo analisado. Também se observou uma redução de 50% do tempo de valor agregado, onde as atividades que agregam valor teriam o seu tempo reduzido praticamente pela metade. Esse ganho de produ-
tividade pode ser obtido com a técnica de análise de mapa de fluxo de valor futuro. 5. CONCLUSÃO O mapeamento do fluxo de valor do assentamento de pedras portuguesas do estado atual mostra que não ha uma utilização dos conceitos do Lean Thinking, isso é evidenciado pelos desperdícios observados, tanto de materiais como de tempo de produção. O mapeamento do fluxo de valor é uma ferramenta Lean, que deve ser implementado para a obtenção de resultados efetivos, porém neste trabalho, apresentou-se o mapeamento do estado atual e futuro para evidenciar as etapas e processos a serem melhorados. Constata-se que a filosofia Lean deve ir além de uma aplicação de ferramenta. Deve fazer parte de um planejamento, para que os benefícios da implementação enxuta tenham o impacto esperado, e sobre tudo apontando possibilidade de redução de desperdícios e apoiando a sustentabilidade. 6. AGRADECIMENTOS Agradecemos o apoio da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, pela infraestrutura do laboratório para o desenvolvimento dos experimentos e pesquisa; a PROPESQ (PUC) pela bolsa de iniciação científica e à empresa extratora de arenito pelas informações e dados técnicos. 7. REFERÊNCIAS [1] LANNES JUNIOR, A.; FARIAS FILHO, J. R., O conceito Lean Green de construção: proposta de integração dos modelos Lean Construction e Green Building, aplicado á indústria da construção civil, subsetor edificações.in. XXIV Encontro Nacional de Engenharia de Produção. Florianópolis, 2004. [2] ROSENBLUM, A.; AZEVEDO, V.S.; JUNIOR, C.A.B.; TAVARES, M.E.N. Avaliação da Mentalidade Enxuta (Lean Thinking) na Construção Civil Uma visão estratégica de implantação.seget. In. Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia. Rio de Janeiro, 2007. [3] WOMACK, J. P. The challenge of value stream management. Lean Enterprise Institute Value Stream Management Conference. Dearborn, 2000. [4] PICCHI, F. A. Lean principles and the construction main flows. In: Conference of the International Group for Lean construction. Brighton, 2000. Proceedings Brighton: IGLC, 2000. [5] FONTANINI, P.S.P.;PICCHI, F.A. Value Stream Macro Mapping a case study of aluminum windows for construction supply chain. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR LEAN, 12th, Elsinore,2004. Proceedings Elsinore, 2004. [6] FONTANINI, P. S. P. Mentalidade Enxuta no fluxo de suprimentos da construção civil - Aplicação de macro mapeamento na cadeia de fornecedores de esquadrias de alumínio. Campinas, São Paulo, 2004. 259 f. Dissertação - Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Campinas, 2004. [7] FONTANINI, P. S. P. Análise do impacto potencial da aplicação dos princípios da mentalidade enxuta nos indicadores de desempenho da cadeia de suprimentos da construção civil a partir de simulação. Campinas: Faculdade de Engenharia Civil - UNICAMP, 2009. Tese de Doutorado - Faculdade de Engenharia Civil, UNICAMP, 2009. [8] ROTHER, M.; SHOOK, J. Aprendendo a Enxergar: mapeando o fluxo de valor para agregar valor e eliminar o desperdício. 1 ed. São Paulo: Lean Institute Brasil, 1999.
Figura 1. Mapa de Fluxo de Valor do Estado Atual do Processo de Assentamento de Pedras Portuguesas
Figura2. Mapa de Fluxo de Valor do Estado Futuro do Processo de Assentamento de Pedras Portuguesas