4323203 Física III para a Poli Pequeno manual para um cidadão de bem usar a Lei de Ampère O que é a Lei de Ampère? Uma das coisas que podemos observar, colocando uma bússola nos arredores de um fio que está conduzindo uma corrente elétrica I, é que essa corrente produz um campo magnético B. No caso, um B cujas linhas de campo são todas circuncêntricas ao fio, tal como exemplifica a Figura 1 abaixo. Figura 1 Aliás, de acordo com o resultado que pode ser obtido usando a Lei de Biot-Savart 1, esse campo, quando gerado por um fio retilíneo infinito por onde passa uma corrente estacionária I, possui uma magnitude dada por B = µ 0I 2πr, (1) Aqui, µ 0 é a permeabilidade do vácuo e r é a distância que existe entre um ponto P de observação (ou seja, um ponto onde queremos medir o valor desse campo magnético) e o 1 Vide, por exemplo, o exemplo que consta na Seção 7.2.1 das notas de aula do Prof. Marcos Lima. 1
Figura 2 fio. E, no caso, usando essa mesma Lei de Biot-Savart, não é difícil concluir que o sentido desse campo é anti-horário para um medidor que está diante de um fio cuja corrente flui para cima. Ou seja, se usarmos o esquema mnemônico da regra da mão direita, toda vez que fazemos um joínha com a nossa mão direita e associamos o sentido para o qual o nosso polegar aponta com o sentido para onde flui a corrente elétrica, o campo magnético que essa corrente gera vai no mesmo sentido dos demais dedos da nossa mão, conforme mostra a Figura 2. No entanto, algo que é muito importante de ser enfatizado aqui sobre as linhas de campo que constam ao redor desse fio (tal como a linha azul que aparece na própria Figura 2) é que, ao longo delas, o valor de B é sempre constante. Em verdade, isso que estamos dizendo não chega a ser uma coisa surpreendente, ainda mais quando olhamos para o resultado obtido em (1): afinal de contas, é exatamente isso o que esse resultado nos diz já que, devido a essa concentricidade de B em relação ao fio, r também pode ser visto como o raio de uma circunferência sobre a qual P está. Todavia, o algo que é importante de ser enfatizado aqui está diante da possibilidade de calcularmos a integral B d l = B dl = B dl, (2) 2
usando uma curva que é fechada e orientada. Pois, como as linhas de campo de B são justamente bons exemplos de curvas que são fechadas e orientadas (já que B tem um sentido bem definido em cada ponto da suas linhas de campo), é exatamente aqui que transparece esse algo que é importante. Afinal de contas, se identificarmos essa curva (que precisamos usar para calcular essa integral (2)) com uma circunferência de raio r centrada no fio, não é difícil perceber que B d l = B dl = B d = µ 0I 2πr 2πr = µ 0I, uma vez que (i) B e d l são vetores paralelos entre si e (ii) o comprimento de é igual a 2πr. Ou seja, no caso desse B que é concêntrico ao fio, vemos que vale B d l = µ 0 I e é justamente este o grande resultado que precisávamos destacar aqui. Pois, apesar dele ter sido obtido numa situação bem particular, ele vale para as situações mais gerais: no caso, esse resultado é justamente o que chamamos de Lei de Ampère. É claro que as situações mais gerais às quais estamos nos referindo aqui não aquelas mais bizarras e/ou malucas que podem passar pelas nossas cabeças: as situações mais gerais às quais estamos nos referindo aqui são aquelas onde, tal como acontece com a Lei de Gauss quando ela é usada para estimar campos elétricos, existe algum tipo de simetria que pode ser explorada. Por se dizer, a grosso modo, podemos afirmar que a Lei de Ampére nada mais é uma espécie de análogo da Lei de Gauss para o caso magnético. No entanto, é importante alertar o leitor que é preciso ter uma certa cautela para com essa afirmação por, pelo menos, dois bons motivos. (I) Enquanto a Lei de Gauss se vale de uma gaussiana (ou seja, de uma superfície fechada e orientada que é usada para estimar um fluxo), a Lei de Ampère se vale de uma curva fechada e orientada que acabou ficando conhecida como amperiana. (II) A Lei de Gauss ainda pode ser aplicada usando, no lugar de um campo elétrico, um campo magnético. Só que, no caso dessa Lei de Gauss aplicada ao caso magnético, 3
não existe uma carga magnética que pode ser contida pela gaussiana, uma vez que não existem monopólos magnéticos na Natureza 2. Ou seja, a Lei de Gauss aplicada ao caso magnético existe e é dada por S B d A = 0. omo a Lei de Ampère pode ser usada? Diante do fato que a Lei de Ampère se envolve para com o cálculo de uma integral de linha, a primeira coisa que precisamos fazer é escolher qual é a linha que se ajusta melhor a situação que precisamos calcular. E já que essa linha precisa ser orientada, a convenção é orientá-la seguindo esse mesmo esquema da mão direita que já está associada a correntes e campos: ou seja, já que o nosso objetivo é usar essa amperiana para cercar a região que contém uma área que vai ser furada por uma corrente elétrica, a convenção é orientar a amperiana no sentido anti-horário. Pois, assim, uma corrente positiva sempre vai apontar no sentido do polegar da nossa mão direita enquanto os demais dedos (dessa mesma mão direita) descrevem a orientação que foi dada à amperiana. Essa situação está bem ilustrada na Figura 3 onde, por exemplo, constam duas correntes: uma positiva e outra negativa. Note que a amperiana desta figura não descreve uma circunferência perfeita. E, além dessa constatação ser boa para reforçar que amperianas não precisam descrever circunferências perfeitas (ou seja, elas podem se identificar com qualquer linha fechada e orientada), um outro aspecto importante desta mesma figura é que ela nos dá a deixa para expressarmos a Lei de Ampère na forma mais geral possível. Especificamente, como B d l = µ 0 I int, (3) onde I int é a corrente elétrica total que atravessa a área que está contida pela amperiana. No caso da situação específica que está já sendo mostrada na Figura 3, por exemplo, I int = I 1 I 2 ; logo se I 1 e I 2 têm a mesma magnitude, I int = 0 e, portanto, B = 0 na região 2 Ao menos esses monopólos magnéticos nunca foram observados experimentalmente. 4
Figura 3 que é externa à amperiana. ampo magnético gerado por um fio com diâmetro não desprezível Apenas para fixar as ideias de como podemos usar a Lei de Ampère no cálculo do campo magnético, vamos considerar uma situação bem específica: vamos considerar o caso onde temos uma corrente constante transitando num fio que suporemos ser bem longo (apenas porque não queremos ficar pensando no valor do campo magnético nos seus pontos extremos), cujo diâmetro não pode ser desprezado. Por se dizer, como esse fio possui um diâmetro que não pode ser desprezado, não é errado afirmar que a lógica que nos leva à solução deste problema (que é encontrar qual é o campo magnético B que é gerado por este fio) é exatamente a mesma que já nos leva à solução do problema de encontrar qual é o campo elétrico de uma esfera maciçamente carregada usando a Lei de Gauss. E para entender porque estamos afirmando isso, vamos considerar a situação que está ilustrada pela Figura 4, onde vemos um corte imaginário deste fio. onsiderando que este corte imaginário é tal que a secção que ele descreve é um circulo de raio R, não é difícil perceber que, quando adotamos a circunferência de raio r (a maior que está presente nesta mesma figura tracejada em azul) como a amperiana que tanto 5
Figura 4 precisamos, a Lei de Ampère (3) nos mostra que B d l = B dl = B 2πr = µ 0 I Ou seja, o módulo desse campo magnético vale B = µ 0I 2πr em qualquer ponto de observação onde r R. Só que, como bem afirmamos acima, o diâmetro deste fio não pode ser desprezado. E qual é a consequência prática que segue desta afirmação? A consequência prática que segue desta afirmação é que também é necessário calcular qual é campo magnético no interior deste fio. Logo, se o nosso objetivo continua sendo usar a Lei de Ampère para calcular qual é o valor deste campo, precisamos lidar como uma nova amperiana cujo raio precisa ser necessariamente menor que R: e, no caso, como já temos uma circunferência orientada de raio menor que R na própria Figura 4 (ou seja, a menor circunferência que aparece tracejada), será justamente ela a adotada como essa nova amperiana. Entretanto existe um pequeno problema relacionado ao fato de estarmos lidamos com essa nova amperiana: como ela cerca uma área menor que a área da secção circular do fio, apenas uma fração I dessa corrente total a atravessa. E, no caso desta fração, ela pode ser calculada até que facilmente, desde que notemos que o problema com o qual estamos 6
lidando se envolve para com uma densidade de corrente J que é constante: ou seja, uma densidade de corrente cuja magnitude é igual a J = I A = I A. Aqui, A e A correspondem às áreas compreendidas pelas amperianas de raios R e r respectivamente (ou seja, A = πr 2 e A = πr 2, onde 0 r < R). Assim, como tudo isso nos leva a vemos que I = I r2 R 2, B d l = B dl = µ 0 I B 2πr = µ 0 I r2 R 2 e que, portanto, B = µ 0I 2π r R 2 é a magnitude do campo magnético dentro do fio (ou seja, quando 0 r < R). 7