FORMAÇÃO DOCENTE NO PNAIC: PERSPECTIVAS E LIMITES Mariane Éllen da Silva - ESEBA/UFU Myrtes Dias da Cunha - UFU RESUMO: O presente texto socializa algumas reflexões referentes à pesquisa em andamento sobre a atual política educacional brasileira, o PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa) e suas concepções referentes à infância, criança, leitura e escrita, prática docente. Tem por objetivo compreender como o PNAIC, por meio da formação continuada de professores alfabetizadores, projeta a criança e seu aprendizado da leitura e escrita no 1º ano do Ensino Fundamental. A presente investigação consiste numa pesquisa documental, cujo procedimento fundamental se caracteriza pela leitura e análise do material produzido no âmbito do PNAIC, considerados documentos oficiais e também por trabalhos acadêmicos cuja temática está direta ou indiretamente relacionada com esse programa. Por meio da análise da configuração textual dos cadernos do programa, investigamos quais são as concepções teórico-metodológicas que norteiam a formação continuada de professores alfabetizadores para o ensino da leitura e escrita no 1º ano do Ensino Fundamental. O PNAIC disponibiliza um conjunto de materiais para instrumentalizar a prática docente, esse material fundamenta-se nos direitos de aprendizagem e pretende nortear a organização do trabalho pedagógico nas escolas. O Programa definiu para cada área de conhecimento quadros de direitos de aprendizagem, direitos que se expressam em conhecimentos, capacidades e atitudes a serem desenvolvidos com as crianças; todos esses elementos contemplam o que se espera que o professor ensine às crianças, ao mesmo tempo, se estabelece que as crianças têm o direito de aprender de modo geral e especifica o que importante trabalhar em cada ano do ciclo de alfabetização. Sendo assim, defendemos que ensinar e aprender não podem ser tratados de maneira simplista como dever do professor e direito da criança; tampouco o direito de aprender pode se sobrepor ao direito de ensinar do docente. O professor precisa ter condições para efetivar o trabalho educativo, trata-se de um direito de ensinar, o que requer garantir condições para tal. Não se trata de uma capacidade inerente ao professor. PALAVRAS-CHAVE: PNAIC, prática docente, infância. INTRODUÇÃO O processo de alfabetização apresenta-se como assunto prioritário no contexto educacional atual; trata-se de uma das prioridades do governo federal em âmbito nacional, tendo em vista que no ano de 2012 foi implementado pelo governo, em parceria com as universidades públicas brasileiras, secretarias de educação e municípios, o PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), com o objetivo de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os 8 anos de idade, ao final do 3º ano do Ensino Fundamental. O PNAIC é uma política pública nacional 9669
2 voltada para a formação de professores alfabetizadores que atuam no 1º, 2º e 3º ano do Ensino Fundamental e também nas classes multisseriadas. Realizar um estudo sobre o PNAIC na formação de professores alfabetizadores nos oportuniza compreender as perspectivas e possíveis impasses desse programa, especialmente no que diz respeito ao processo de formação continuada, práticas docentes e também sobre as concepções que tal programa carrega a respeito do aprendizado das crianças, especialmente, do 1º ano do ensino fundamental. Nos cadernos de formação do PNAIC é sugerido um caminho metodológico para se alfabetizar até os 8 anos de idade. Cada componente curricular tem conteúdos a serem introduzidos, aprofundados e consolidados durante o ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) que são chamados de direitos de aprendizagem. Nesse sentido, nos preocupamos em investigar o que está sendo direcionado para os professores ensinarem e para as crianças do 1º ano do Ensino Fundamental aprenderem, tendo em vista que esse programa estabelece ações e direitos de aprendizagem para o ensino e aprendizado da leitura e escrita que precisamos discutir seu verdadeiro sentido, pois poderá impactar, significativamente, no tempo da infância, especialmente para as crianças do 1º ano. Diante dessas questões, nosso objetivo se caracteriza em compreender de que maneira o PNAIC, por meio da formação continuada de professores alfabetizadores, projeta a criança e seu aprendizado da leitura e escrita no 1º ano do Ensino Fundamental. De acordo com os propósitos desse estudo qualitativo, optamos pela pesquisa documental por considerarmos essa modalidade como possibilidade para ampliar nosso olhar frente às diferentes faces do objeto a ser investigado e por colocar em destaque a pesquisa documental, uma vez que para a discussão metodológica é pouco explorada não só na área da educação como em outras áreas das ciências sociais (LÜDKE e ANDRÉ, 2013: 44). Um percurso metodológico condizente a esta pesquisa se estruturou pela análise de documentos (leis, decretos, cadernos da formação do PNAIC) e também por uma ampla busca, coleta e leitura de trabalhos acadêmicos que explorassem a temática em questão. A opção por realizar uma leitura sobre como a criança é apresentada no material para formação continuada no 1º ano do Ensino Fundamental e como seu aprendizado da leitura e escrita é abordado pelo PNAIC, constitui-se coerentemente com o propósito de aprofundar os conhecimentos a respeito dessa temática, 9670
3 confrontando ideias a partir de leituras criticamente articuladas pelo nosso objetivo na pesquisa e pelos questionamentos decorrentes, conectando e formulando informações, a partir dos textos pesquisados. DISCUSSÃO E RESULTADOS Pudemos perceber que o PNAIC está inserido em um contexto educacional onde o ensino fundamental de nove anos foi implantando, o que significa a entrada de crianças com seis anos no ensino fundamental. A partir dessa implementação houve vários estudos sobre a concepção de ensino e aprendizagem da leitura e escrita para as crianças do 1º ano e sua relação com o tempo da infância, dentre eles, Kramer (2007) e Klein (2011), sinalizaram para a necessidade de se (re)construir um currículo para essa faixa etária implicando e estendendo a todo ensino fundamental. Nesse cenário, o PNAIC surge apresentando aos professores alfabetizadores brasileiros uma matriz curricular para as séries iniciais do ensino fundamental a partir do que apresenta como sendo direito de aprendizagem, com o intuito que toda criança seja alfabetizada numa idade considerada certa, até os oito anos. A maioria dos autores que participaram da produção de material para o Programa são da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE e desenvolvem pesquisas sobre alfabetização, letramento, leitura, produção de textos e didática do ensino da língua portuguesa. Os cadernos de alfabetização em língua portuguesa, foram organizados para favorecer o desenvolvimento do trabalho da formação continuada para o professor alfabetizador e contêm textos teórico-conceituais, exemplos de práticas pedagógicas, sugestões de atividades a partir de jogos, livro didático, sugestões de leituras adicionais para que os professores brasileiros reflitam sobre suas ações, construam práticas e as relacionem com os aportes teóricos fornecidos. A conexão dos textos é fundamentada a partir de conceitos defendidos pelos autores, como, por exemplo: Alfabetização na perspectiva do letramento, direitos de aprendizagem para cada componente curricular objetivando introduzir, aprofundar e consolidar conhecimentos, capacidades e atitudes, os recursos didáticos distribuídos pelo Ministério da Educação devem fazer parte do planejamento do professor, dentre outros. A proposta da formação é que o professor favoreça a aprendizagem das crianças, aprofundando reflexões sobre o processo de alfabetização e utilizando os materiais adicionais distribuídos pelo MEC, como, por exemplo, jogos para o processo de alfabetização, livros literários adquiridos no PNBE, livros didáticos aprovados no 9671
4 PNLD, obras complementares adquiridas no PNLD, coleção de obras pedagógicas disponível no portal do professor, dentre outros. Dessa maneira, os Cadernos de Alfabetização intentam informar, formar docentes sobre como alfabetizar e também oferecem possibilidades de reflexão sobre o uso dos materiais didáticos disponibilizados para as escolas. Todo discurso, princípios, conteúdos e concepções são voltados para os professores nessa proposta de formação continuada, a fim de alcançarem a meta de alfabetizar as crianças até os 8 anos de idade, o que implica, na visão do PNAIC, em um melhor desempenho/qualidade da rede pública de ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Sobre esse aspecto, acreditamos que o processo de formação continuada que busca relacionar um desempenho docente satisfatório e a obtenção de qualidade educacional deve ser ampliado de modo a não limitar-se ao conjunto de práticas para se resolver problemas imediatos, os quais, na verdade, são problemas históricos e sociais. Desta forma, faz-se necessário considerar as dimensões contextuais, históricas, políticas, econômicas e culturais que envolvem a profissão docente, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental. Se isso não acontecer, o peso da qualidade da educação ficará exclusivamente sobre a responsabilização do professor, excluindo qualquer responsabilidade do governo em garantir, por exemplo: melhores condições de trabalho, valorização dos professores, infraestrutura física e pedagógica das escolas, entre outras medidas. Os professores, dessa forma, são considerados executores de propostas, criadas por professores e pesquisadores de Universidades públicas que instrumentaliza a prática do professor por meio de teorias e técnicas que visam a resolução de problemas imediatos, caracterizando o ensino como um processo técnico de mediação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebemos que a organização dos materiais e conteúdos na formação é sempre dividida, arrumada e bem articulada, de modo a facilitar a aprendizagem, entretanto, não resolve tudo, assim, algo fica de fora ou fica pra depois: as relações que são estabelecidas no cotidiano das escolas, isto é, a realidade que os professores vivenciam no chão de cada escola; as infinitas maneiras de se pensar e fazer escola; a relação que os professores estabelecem entre si e entre outros profissionais da escola, com as famílias, com as crianças, com o conhecimento. Esses aspectos que consideramos essenciais devem fazer parte da formação docente no Brasil, uma vez que a formação se 9672
5 constitui nas relações. Assim, apoiamo-nos nas considerações de Cunha (2000) sobre a constituição do ser professor: Acreditamos que a produção do professor, no dia-a-dia da sala de aula, está diretamente ligada à subjetividade da escola. Enquanto não levamos em consideração os significados e as configurações particulares que se fazem presentes no cotidiano da escola, não podemos apreender os sentidos particulares do trabalho de cada profissional da escola, principalmente do professor. Sem levarmos em conta as configurações subjetivas que se articulam na escola, torna-se fácil julgar o professor de forma simplista, em termos de certo e errado apenas. O maior desafio que se apresenta, nesse caso, é entender pensamentos, sentimentos e ações, enfim, o fazer do professor, a partir do próprio sujeito; ou seja, o que se pretende é compreender como a realidade engendra pessoas e grupos. (CUNHA, 2000, p.151) Reconhecemos que a formação continuada de professores alfabetizadores é de suma importância para seus processos formativos e profissional, pois (re)aprende, (re)descobre, (re)reconstrói seus conhecimentos à medida que a prática pedagógica requer o uso desses saberes. Quando se postula a formação docente como um processo unilateral, essa formação pode se transformar em um meio de responsabilizar exclusivamente os professores pela superação das dificuldades referentes à leitura e escrita nos anos iniciais do ensino fundamental. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: Formação de professores no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Brasília: MEC, SEB, 2012. CUNHA, Myrtes Dias da. Constituição de Professores no Espaço-tempo da Sala de Aula. 259f. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000. KLEIN, Sylvie Bonifácio. Ensino Fundamental de Nove Anos no Município de São Paulo: um estudo de caso. 2011. 233f. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. KRAMER, Sônia. A Infância e sua singularidade. In: BEAUCHAMP, Jeanete. PAGEL, Sandra Denise. NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do (orgs). Ensino Fundamental de 9673
6 Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: FNDE, Estação Gráfica, 2007. LÜDKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 2. ed.; Rio de Janeiro: E.P.U., 2013. 9674