Aplicando a Diretriz Européia para o Diagnóstico da Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal: relato de caso

Documentos relacionados
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FUNÇÃO VENTRICULAR PRESERVADA. Dr. José Maria Peixoto

Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal: estado da arte

Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal Novos Critérios Diagnósticos e Avanços Fisiopatológicos

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

Detecção precoce de cardiotoxicidade no doente oncológico deve ser efectuada sistematicamente? Andreia Magalhães Hospital de Santa Maria

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FRAÇÃO DE EJEÇÃO PRESERVADA FISIOPATOLOGIA E MANEJO

Avaliação da Função Sistólica Longitudinal na Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal

Medida do Átrio Esquerdo em Pacientes com Suspeita de Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal

Abstract. Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Ciências Cardiovasculares Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói (RJ), Brasil 2

Prevalência de Comorbidades em Pacientes com Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal

Curso de Reciclagem em Cardiologia ESTENOSE VALVAR AÓRTICA

16/04/2015. Insuficiência Cardíaca e DPOC. Roberto Stirbulov FCM da Santa Casa de SP

ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CARDIOVASCULAR

Cardioversão Química Oral de Fibrilação Atrial Aguda na Unidade Básica de Saúde

aca Tratamento Nelson Siqueira de Morais Campo Grande MS Outubro / 2010

Ecocardiografia. Ecocardiografia 30/07/2013. Dr. Frederico José Neves Mancuso. Classe I. 1 Diagnóstico / Screening. 2 -Etiologia.

Função ventricular diastólica.

Estratificação de risco cardiovascular no perioperatório

Autor(es) CAMILA PICONI MENDES. Co-Autor(es) MARLENE APARECIDA MORENO. Orientador(es) DANIELA FALEIROS BERTELLI MERINO. 1.

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação Fisiopatologia em Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, para obtenção do título

Síndrome Coronariana Aguda

Fatores Associados com a Regressão da Hipertrofia Ventricular Esquerda em Diálise e Impacto em Mortalidade Cardiovascular

PROGRAMAÇÃO DE ESTÁGIO CARDIOLOGIA

ONTARGET - Telmisartan, Ramipril, or Both in Patients at High Risk for Vascular Events N Engl J Med 2008;358:

VALVOPATIAS E ENDOCARDITE INFECCIOSA CORRELAÇÕES HEMODINÂMICAS E ANATÔMICAS

Disfunções valvares. Prof. Dra. Bruna Oneda 2013

RCG 376. prevendo o desfecho

Avaliação Ecocardiográfica da Terapia de Ressincronização Cardíaca: Dois anos de seguimento

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

DR. CARLOS ROBERTO CAMPOS INSUFICIÊNCIA MITRAL (I.M.I)

Coração Normal. Fisiologia Cardíaca. Insuficiência Cardíaca Congestiva. Eficiência Cardíaca. Fisiopatogenia da Insuficiência Cardíaca Congestiva

Atividade Física e Cardiopatia

Julho de 2016 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

SOPROS CARDÍACOS NA INFÂNCIA

TEMA INTEGRADO (TI) / TEMA TRANSVERSAL (TT) 4ª. SÉRIE MÉDICA

Hipertensão Pulmonar e RM

Índice Remissivo do Volume 31 - Por assunto

INSUFICIÊNCIA AÓRTICA AORTIC REGURGITATION

RESIDÊNCIA MÉDICA 2014 PROVA OBJETIVA

Avaliação segmentar na ecocardiografia com estresse físico

INTERVENÇÕES PREVENTIVAS E TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA

Rosângela de Oliveira Alves ROA

SISTEMA CARDIOVASCULAR

Curso Nacional de Reciclagem em Cardiologia da Região Sul Florianópolis Jamil Mattar Valente

PRODUÇÃO TÉCNICA DESENVOLVIMENTO DE MATERIAL DIDÁTICO OU INSTRUCIONAL FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU- UNESP. Programa de PG em Medicina

PROJETO DE EXTENSÃO DE REABILITAÇÃO CARDIORRESPIRATÓRIA

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Cardiomiopatia Conceitos, evolução e prognóstico

Paulo Cesar de Carvalho Studart, Luciano Herman Juaçaba Belém, Arnaldo Rabischoffski, Antonio Carlos Nogueira. Hospital Pró-Cardíaco (RJ)

XVI Congresso de Cardiologia. de Mato Grosso do Sul

Artigo de Revisão. Tratamento da Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal. Introdução. Identificando os alvos terapêuticos na ICFEN

Desmistificando a ecocardiografia

Insuficiência Cardíaca

Marcos Sekine Enoch Meira João Pimenta

Correlação de Risco entre Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono e Insuficiência Cardíaca na Atenção

Processo Seletivo Unificado para Residência Médica 2019

Relato de Caso. Hipocinesia Apical Transitória no Hipertireoidismo. Introdução. Relato do caso. Discussão. Palavras-chave

INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO. Dr Achilles Gustavo da Silva

Estudo Hemodinâmico e Angiocardiográfico Normal. Renato Sanchez Antonio

MIOCÁRDIOPATIA NÃO COMPACTADA BIVENTRICULAR RELATO DE CASO MIOCARDIOPATIA NÃO COMPACTADA- RELATO DE CASO

- Exames I. ECG: primeira consulta pré-operatória e em caso de pulso irregular (suspeita de fibrilação atrial)

DÚVIDAS FREQUENTES NO EXAME CARDIOLÓGICO NO EXAME DE APTIDÃO FÍSICA E MENTAL

Aneurisma Roto do Seio de Valsalva Direito com Fístula para o Ventrículo Direito

Quantificação da função ventricular esquerda em doentes com má janela ecocardiográfica. Liliana Lopes Hospital Garcia de Orta, Almada

Importância da Avaliação ao Exercício de Pacientes Orovalvares: Uma Reflexão

PECULIARIDADES DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA NO IDOSO

Conflitos de interesse

Sessão Interativa. Atualizações do Protocolo de Dor Torácica

Respostas cardiovasculares ao esforço físico

Relação entre Volume do Átrio Esquerdo e Disfunção Diastólica em 500 Casos de uma População Brasileira

Angiotomografia Coronária. Ana Paula Toniello Cardoso Hospital Nove de Julho

Os Resultados dos Registros Internacionais de Insuficiência Cardíaca Descompensada se Aplicam aos Pacientes Brasileiros?

Estudo de polimorfismos genéticos em pacientes com insuficiência cardíaca. Palavras chave: insuficiência cardíaca, gene ECA, polimorfismo D/I

PROTOCOLO MÉDICO INSUFICIÊNCIA CARDÍACA NA UNIDADE DE EMERGÊNCIA. Área: Médica Versão: 1ª

Projeto BPC: Conceitos Gerais. Sabrina Bernardez Pereira, MD, MSc, PhD

Avaliação do Internato 14/3/2016 Nome:

Reunião Anatomoclinica 27 de junho de 2012

HIPERTENSÃO ARTERIAL PULMONAR

Preditores de lesão renal aguda em doentes submetidos a implantação de prótese aórtica por via percutânea

EDEMA AGUDO DE PULMÃO

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 3. Profª. Tatiane da Silva Campos

CASO CLÍNICO. Identificação: Mulher, 48 anos, branca, casada, do lar, natural e residente de Italva. Queixa Principal: falta de ar e dor no peito

UNIVERSIDADE DE SÃOPAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA

A função sistólica ventricular direita e a função diastólica ventricular esquerda como preditores de mortalidade na hipertensão arterial pulmonar

Avaliação de dissincronia cardíaca pelo ecocardiograma: estratégias para um resultado adequado

Formação Avançada em Ecocardiografia Lisboa e Porto Das 14h30 às 20h00

Insuficiência cardíaca diastólica e sistólica em pacientes hipertensos: diagnóstico e tratamento diferenciais

CASO CLÍNICO DO BLOCO DE APARELHO CARDIORRESPIRATÓRIO: Descompensação: edema agudo de pulmão e choque cardiogênico

PREDITORES ECOCARDIOGRÁFICOS DE PROGNÓSTICO NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA POR DISFUNÇÃO SISTÓLICA VENTRICULAR ESQUERDA

HEMODINÂMICA SISTEMA CARDIOVASCULAR. Rosângela B. Vasconcelos

CRITÉRIOS E EXAMES COMPLEMENTARES PARA REALIZAÇÃO DE ANESTESIA PARA EXAMES DIAGNÓSTICOS

Angina Estável: Estratificação de Risco e Tratamento Clínico. Dr Anielo Itajubá Leite Greco

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE MEDICINA

SCA Estratificação de Risco Teste de exercício

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO DIASTÓLICA VENTRICULAR ESQUERDA NA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA: ÊNFASE NO ECOCARDIOGRAMA POR DOPPLER PULSADO TECIDUAL

Função Diastólica na Estenose Aórtica. Correlação com NT-ProBNP e Remodelamento Pós-Operatório

Exame Cardiovascular Limites da Região Precordial

TÓRAX: Percussão. Auscultação: Resenha Anamnese Exame físico Inspeção Palpação Percussão Auscultação. Exames complementares.

PREVENÇÃO DA CARDIOTOXICIDADE ESTRATÉGIAS QUE DÃO CERTO

FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CARDIOLOGIA UNIDADE DE ENSINO INSTITUTO DE CARDIOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL / DISTRITO FEDERAL

Transcrição:

345 Aplicando a Diretriz Européia para o Diagnóstico da Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal: relato de caso Applying the European Guideline for Diagnosing Heart Failure with Normal Ejection Fraction: case study Relato de Caso 2 Antonio José Lagoeiro Jorge 1, Evandro Tinoco Mesquita 2, Mario Luiz Ribeiro 2, Gustavo César Barreto Viana 3 Resumo Relato de caso de paciente portadora de hipertensão arterial e diabetes melittus que apresentava queixas de dispnéia sem sinais de congestão sistêmica e pulmonar, e com critérios definitivos para disfunção diastólica ao ecodoppler tecidual (EDT). Essas características, se aplicadas à Diretriz da Sociedade Européia de Cardiologia sobre como diagnosticar a insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal (ICFEN), podem confirmar a suspeita clínica dessa síndrome. Palavras-chave: Insuficiência cardíaca, Fração de ejeção, Disfunção diastólica Abstract Case study of a patient with arterial hypertension and diabetes mellitus complaining of shortness of breath with no signs of systemic or pulmonary congestion and with definitive diastolic dysfunction criteria through tissue ecodoppler. Applying the Guideline established by the European Cardiology Society on how to diagnose heart failure with normal left ventricular ejection fraction, these characteristics may confirm the clinical suspicion of this syndrome. Keywords: Heart failure, Ejection fraction, Diastolic dysfunction Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é uma complexa síndrome clínica, classicamente associada com dilatação do ventrículo, redução da contratilidade e diminuição da fração de ejeção (FE). No entanto, nas últimas duas décadas, estudos têm mostrado que muitos pacientes com sintomas e sinais de IC apresentam FE normal (maior que 50%) 1. A ICFEN é hoje a forma mais comum de apresentação da IC, sendo mais presente em mulheres idosas, em obesos e com história de hipertensão 2. Estudos epidemiológicos mostram uma taxa de prevalência da ICFEN bem elevada 3, sendo que Moutinho et al. observaram prevalência de ICFEN em 64,2% de uma população de pacientes atendidos no Programa Médico de Família, em Niterói (RJ), com sinais e sintomas de IC 4. O diagnóstico clínico de IC é ainda um desafio na prática clínica devido à baixa sensibilidade e especificidade dos achados clínicos, sendo fundamental a avaliação objetiva da função cardíaca através de cardioimagem 5. Em relação à ICFEN existem diferentes critérios para definir o valor de corte da FE e dos parâmetros para avaliação da função diastólica. Recentemente, artigo publicado pela Sociedade Européia de Cardiologia (SEC) 6 mostra uma nova Diretriz que utiliza critérios do EDT e do peptídeo natriurético do tipo B (BNP) com a apresentação de dois algoritmos que devem ser utilizados na prática clínica para excluir e para diagnosticar ICFEN 6. 1 Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Ciências Cardiovasculares - Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói (RJ), Brasil 2 Hospital Universitário Antonio Pedro - Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói (RJ), Brasil 3 Curso de Especialização em Cardiologia - Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói (RJ), Brasil Correspondência: lagoeiro@globo.com Antonio José Lagoeiro Jorge Rua Itaguaí, 116 ap. 102 - Pé Pequeno Niterói (RJ), Brasil CEP: 24240-130 Recebido em: 01/08/2008 Aceito em: 15/09/2008

346 Jorge et al. Relato do caso Paciente feminina, 63 anos, portadora de hipertensão arterial e diabetes mellitus tipo 2, que relatava dispnéia ao realizar serviços domésticos, relacionando-a com a vida sedentária e o excesso de peso. Paciente fazia uso de AAS, atenolol, glibenclamida, metformina, amilorida, hidroclorotiazida e enalapril. Relata ainda história recente de internação hospitalar com síndrome coronariana aguda (dor torácica típica e aumento de troponina), sendo submetida à coronariografia sem evidências de doença aterosclerótica coronariana. A paciente se apresentava obesa, facies atípica, pressão arterial de 138mmHgx90mmHg, FC=67bpm, IMC=38,77 kg/m 2 e cintura abdominal=111cm. A pressão venosa em jugular era normal e na ausculta cardíaca observava-se ritmo regular em 2 tempos com BNF e sopro sistólico +/4 em foco mitral. A ausculta pulmonar era normal. À avaliação dos membros inferiores, não apresentava edema. A bioquímica apresentava glicose=141mg/dl, colesterol=158mg/dl, HDL=65mg/dl, LDL=76mg/dl, triglicérides=83mg/dl e hemoglobina glicada=5,9% O ecocardiograma com Doppler (Quadro 1) apresentava os seguintes achados: FEVE 65% (Teicholtz), diâmetro de átrio esquerdo de 3,1cm, hipertrofia do ventrículo esquerdo e regurgitação mitral de grau leve. Quadro 1 Ecocardiograma com Doppler FE 65% (Teicholtz) DDF VE 4,6cm DAE 3,1cm Hipertrofia do ventrículo esquerdo Função sistólica preservada Hipocinesia em região apical Válvula aórtica calcificada, porém sem restrições ao movimento dos folhetos Regurgitação mitral de grau leve Déficit de relaxamento do VE disfunção diastólica grau I FE=fração de ejeção; DDF=diâmetro diastólico final; VE=ventrículo esquerdo; DAE=diâmetro do átrio esquerdo Aplicou-se o algoritmo para diagnóstico de ICFEN da SEC, sendo solicitado a complementação com EDT, pois os achados do ecocardiograma com Doppler foram insuficientes para afastar ou confirmar o diagnóstico de ICFEN. Após a otimização da medicação com aumento da dose do inibidor da enzima de conversão da angiotensina e troca do betabloqueador, a paciente encontra-se assintomática em classe I da NYHA. Discussão A dificuldade na identificação dos pacientes com quadro clínico de ICFEN parece estar relacionada principalmente à alta complexidade da síndrome e à falta de um método padrão-ouro e/ou de uma ferramenta que possa auxiliar no diagnóstico ou na exclusão, na prática clínica 7. Novas técnicas de avaliação do desempenho cardíaco têm mostrado que a ICFEN pode ser resultante da disfunção sistólica da bomba muscular ventricular na presença de um desempenho preservado da bomba hemodinâmica 8, o que manteria a FE em valores normais. Estudos recentes mostram que a avaliação da função sistólica longitudinal, usando medidas derivadas do EDT, estaria reduzida em pacientes com ICFEN, sugerindo que a FE isolada não seja sensível para o diagnóstico precoce da ICFEN 9. Em pacientes clinicamente estáveis com reduzida capacidade de exercício, os índices obtidos pelo ecocardiograma com Doppler-padrão, que avaliam o fluxo transmitral (E e A) e das veias pulmonares (Ard e Ad), são insuficientes quando comparados ao EDT para o diagnóstico correto da ICFEN 10. Logo, o ecocardiograma sem o emprego do Doppler tecidual não permite identificar anormalidades presentes na contratilidade miocárdica que levam à disfunção diastólica 7, o que impossibilita o diagnóstico da ICFEN 10. Neste relato de caso, a presença de hipertrofia do ventrículo esquerdo (HVE) e as queixas de cansaço sem evidências de congestão pulmonar ou sistêmica poderão sugerir a presença de ICFEN 11, porém o ecocardiograma-padrão não possui parâmetros que confirme que a disfunção diastólica esteja associada ao aumento da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo 10. Assim, para adequada confirmação do quadro clínico, a Diretriz da Sociedade Européia de Cardiologia para o diagnóstico e a exclusão de ICFEN 6 recomenda o EDT em que a presença de uma relação E/E superior a 15 se correlaciona com o aumento da pressão diastólica do VE. O EDT realizado na paciente mostrou parâmetros de disfunção diastólica moderada em que se destaca um VAE-I de 34,63ml/m 2, massa indexada

347 de VE de 126g/m 2 e uma relação E/E de 11,18 (Quadro 2) que são marcadores importantes juntamente com os sintomas de IC para o diagnóstico da ICFEN 6. Quadro 2 Ecocardiograma com Doppler Tecidual FE 75% (Teicholtz) Atualmente muitos pacientes atendidos no consultório apresentam-se com dispnéia, sem sinais de congestão pulmonar e/ou sistêmica, quadro que pode estar associado a condições não-cardíacas como, por exemplo, DPOC, obesidade, hipotiroidismo e anemia. A Diretriz da SEC para esse modelo de dispnéia sem congestão envolve uma seqüência de passos, buscando excluir a ICFEN (Figura 2) e a seguir confirmar a ICFEN (Figura 1) 6. VDF-I 91,56ml/m 2 VAE-I 34,63ml/m 2 (normal 29ml/m 2 ) Massa do VE indexada 126,7g/m 2 (normal 122g/m 2 ) Relação E/E 11,16 (normal < 8) Relação E/A 0,99 Aumento do volume do átrio esquerdo Insuficiência mitral de grau leve Alteração da função diastólica grau II (pseudonormal) FE=fração de ejeção; VDF-I=volume diastólico final do ventrículo esquerdo indexado; VAE=volume do átrio esquerdo; VE=ventrículo esquerdo; E=velocidade do fluxo transmitral no início da diástole; E =velocidade estiramento no início da diástole; E/A=índice de velocidade fluxo mitral inicial e tardio Figura 1 Como diagnosticar ICFEN: fluxograma PCP=média de pressão capilar pulmonar; r=constante de tempo do relaxamento do VE; b=constante de rigidez da câmara do VE; PDF=pressão diastólica final; VE=ventrículo esquerdo; EDT=ecocardiograma com Doppler tecidual; E=velocidade do fluxo transmitral no início da diástole; E =velocidade estiramento no início da diástole; BNP=peptídeo natriurético do tipo-b; E/A=índice de velocidade fluxo mitral inicial e tardio; DT=tempo de desaceleração; VAE-I=volume de átrio esquerdo indexado; Ard=duração do fluxo reverso da sístole atrial para veia pulmonar; Ad=duração do fluxo atrial pela válvula mitral; ICFER=insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida; ICFEN=insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal; FA=fibrilação atrial; M=mulher / H=homem Fonte: European Heart Journal, 2007 2.

348 Jorge et al. Figura 2 Como excluir ICFEN: fluxograma E=velocidade do fluxo transmitral no início da diástole; E =velocidade estiramento no início da diástole; BNP=peptídeo natriurético do tipo-b; FEVE=fração de ejeção do ventrículo esquerdo; VAE-I=volume de átrio esquerdo indexado; VDF-I=volume diastólico final indexado; EDT=ecocardiograma com Doppler tecidual; S=velocidade de encurtamento no eixo longitudinal na sístole; FA=fibrilação atrial; ICFER=insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida; ICFEN=insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal; DAC=doença aterosclerótica coronariana Fonte: European Heart Journal, 2007 2. O EDT é um método prático e reprodutível no diagnóstico da ICFEN, permitindo medir o volume do átrio esquerdo (VAE-I) (Figura 3), a velocidade do fluxo transmitral no início da diástole (E), a velocidade de movimento do anel mitral (E ) e a relação E/E, que são medidas mais confiáveis para o diagnóstico da disfunção diastólica do que o fluxo mitral isolado obtido pelo ecocardiograma convencional 10. A aplicação das Diretrizes da SEC na prática médica diária poderá aumentar a acurácia diagnóstica da ICFEN, o que trará como conseqüência a possibilidade da intervenção terapêutica adequada ser aplicada corretamente. Figura 3 EcoDoppler tecidual Medida do volume do átrio esquerdo

349 Referências 1. Hunt SA, Abraham WT, Chin MH, et al. ACC/AHA 2005 Guideline update for the Diagnosis and Management of Chronic Heart Failure in the Adult: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Update the 2001 Guidelines for the Evaluation and Management of Heart Failure). Circulation. 2005;112:E154-E235. 2. Bhatia RS, Tu JV, Lee DS, et al. Outcome of heart failure with preserved ejection fraction in a population-based study. N Engl J Med. 2006;355:260-69. 3. Hogg K, Swedberg K, McMurray J. Heart failure with preserved left ventricular systolic function; epidemiology, clinical characteristics, and prognosis. J Am Coll Cardiol. 2004;43:317-27. 4. Moutinho MAE, Colucci FA, Alcoforado V, et al. Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e com disfunção sistólica na comunidade. Arq Bras Cardiol. 2008;90(2);145-50. 5. Lester SJ, Tajik AJ, Nishimura RA, et al. Unlocking the mysteries of diastolic function deciphering the Rosetta stone 10 years later. J Am Coll Cardiol. 2008;51:679-89. 6. Paulus WJ, Carsten T, Sanderson JE, et al. How to diagnose diastolic heart failure: a consensus statement on the diagnosis of heart failure with normal left v e n t r i c u l a r e j e c t i o n f r a c t i o n. E u r H e a r t J. 2007;28(20):2539-550. 7. Brutsaert DL. Cardiac dysfunction in heart failure: the cardiologist s love affair with time. Prog Cardiovas Dis. 2006;49(3):157-81. 8. Brutsaert DL, De Keulenaer GW. Diastolic heart failure: a myth. Curr Opin Cardiol. 2006;21(3):240-48. 9. Manisty CH, Francis DP. Ejection fraction: a measure of desperation? Heart. 2008;94(4):400-401. 10. Kasner M, Westermann D, Steendijk P, et al. Utility of Doppler echocardiography and tissue Doppler imaging in the estimation of diastolic function in heart failure with normal ejection fraction. A comparative Doppler-conductance catheterization study. Circulation. 2007;116:637-47. 11. MacIver DH, Townsend M. A novel mechanism of heart failure with normal ejection fraction. Heart. 2008;94:446-49.