ÊNFASE COGNITIVISTA NO ENSINO DA LEI DE BRAGG

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Transcrição:

IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM ENSINO DE F ÍSICA 1 ÊNFASE COGNITIVISTA NO ENSINO DA LEI DE BRAGG Hamilton B. Napolitano a [hamilton@if.sc.usp.br] Jahyr Eliel Theodoro b [_theodoro@yahoo.com.br] Javier Ellena b [aviere@if.sc.usp.br] a UnUCET, Universidade Estadual de Goiás b Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo RESUMO Considerando a importância conceitual da descrição cognitivista para o fenômeno da difração dos raios X e que sua compreensão é parte indispensável para um correto entendimento da interação da radiação com a matéria, apresenta-se neste trabalho um tratamento da psicologia educacional de Ausubel à lei de Bragg, visando facilitar a aprendizagem significativa em Física Moderna. O uso dessa metodologia no ensino da lei de Bragg enfatiza conceitos como: (1) partículas carregadas aceleradas emitem radiação em todas as direções; (2) princípio de Huygens; (3) princípio de superposição linear; (4) interferência construtiva e destrutiva entre outros em vez de (1) reflexão dos raios X pelos planos reticulares e (2) distribuição dos átomos em famílias de planos, entre outros. INTRODUÇÃO O ensino de ciências é um tema amplo e diverso, que pode ser abordado sob várias óticas. Uma delas é a do professor. Napolitano & Moraes (2001) defendem que a atividade docente deve ser exercida sob a fundamentação de, pelo menos, quatro elementos essenciais: compreensão social, competência didática, domínio de conteúdo e compromisso ético. A articulação e exercício desses elementos, por parte do docente, durante a aula aumenta o sentido e o significado das ciências para o aluno. A competência didática auxilia o professor na discussão do conteúdo específico, permitindo-lhe organizar e escolher uma maneira de apresentação que facilite a compreensão do estudante. Uma possibilidade dentro dessa competência é o ensino de algum conteúdo específico sob uma abordagem cognitivista da aprendizagem. Esse é o tema central de nosso trabalho. Esse trabalho apresenta uma abordagem da psicologia da aprendizagem aplicada à ao ensino da difração. Essa descrição constitui-se apenas uma alternativa para o ensino de ciências calçada em alguns pressupostos da teoria de aprendizagem significativa de Ausubel (1968). A partir de uma experiência nossa aplicada ao ensino da Cinemática (Napolitano & Lariucci, 2001; Napolitano et al., 2002) procuramos argumentos a favor do uso de experimentos com ênfase cognitivista no ensino de ciências. A vantagem principal está na possibilidade de explorar símbolos alternativas (gráficos, tabelas entre outros), conforme a teoria de Ausubel, em vez de utilizá-los dentro de uma metodologia construtivista, onde o aluno é visto como agente de uma construção ou simplesmente utilizá-los dentro do que chamaríamos de aprendizagem por descoberta. Teorias psicológicas da aprendizagem podem ser genericamente reunidas em duas categorias: as teorias do condicionamento e as teorias da cognição. No primeiro grupo estão as teorias que definem a aprendizagem pelas conseqüências comportamentais e enfatizam as condições ambientais como forças propulsoras da aprendizagem. No segundo grupo estão as teorias que a definem como um processo de relação do sueito com o mundo externo e que tem conseqüências no

IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM ENSINO DE F ÍSICA 2 plano da organização interna do conhecimento (organização cognitiva). A psicologia da cognição será utilizada como uma teoria que descreve, em linhas gerais, o que sucede quando o ser humano se situa e organiza seu mundo. A teoria de Ausubel enfoca a aprendizagem significativa (Moreira, 1983) como o mecanismo humano utilizado para adquirir e reter a vasta quantidade de informações de um corpo de conhecimento. TÓPICOS DO COGNITIVISMO DE DAVID AUSUBEL Podemos encontrar um vasto número de teorias da aprendizagem, dentre as quais está incluída as da psicologia da aprendizagem. Essas podem ser genericamente reunidas em duas categorias: as teorias do condicionamento e as teorias da cognição (Pfromm Netto, 1987). No primeiro grupo estão as teorias que definem a aprendizagem pelas conseqüências comportamentais e enfatizam as condições ambientais como forças propulsoras da aprendizagem. No segundo grupo estão as teorias que a definem como um processo de relação do sueito com o mundo externo e que tem conseqüências no plano da organização interna do conhecimento (organização cognitiva). Nosso enfoque será descrever sob a abordagem cognitivista a lei de Bragg para a difração dos raios X (Giacovazzo, 2002). Para isso, a psicologia da cognição será utilizada como uma teoria que descreve, em linhas gerais, o que sucede quando o ser humano se situa e organiza seu mundo. Dentre os processos de compreensão, transformação, armazenamento e uso da informação envolvidos na cognição, enfatizaremos apenas o da compreensão. A teoria de Ausubel enfoca a aprendizagem significativa (Moreira, 1998) como o mecanismo humano utilizado para adquirir e reter a vasta quantidade de informações de um corpo de conhecimento. Para Ausubel, novas idéias e informações podem ser aprendidas e retidas na medida em que conceitos relevantes esteam adequadamente claros e disponíveis na estrutura cognitiva do indivíduo, e sirvam de alicerce à novas idéias e conceitos. Ele também destaca o processo de aprendizagem significativa como o mais importante na aprendizagem escolar. Segundo Moreira (1983) o conceito central da teoria de Ausubel é o da aprendizagem significativa um processo através do qual uma nova informação se relaciona de forma não arbitrária e substantiva a um aspecto relevante da estrutura cognitiva do indivíduo. (p. 20). Neste processo de aprendizagem a nova informação interage com uma estrutura de conhecimento específica, existente na estrutura cognitiva de quem aprende. Assim novas informações, conceitos e proposições podem ser apreendidos significativamente na medida em que outras informações, conceitos, proposições relevantes esteam adequadamente claros e disponíveis na estrutura cognitiva do aluno. A experiência cognitiva não se restringe à influência direta dos conceitos á aprendidos significativamente sobre componentes da nova aprendizagem, mas abrange também modificações significativas em atributos relevantes da estrutura cognitiva pela influência do novo material. O processo da aprendizagem significativa é caracterizado por uma articulação dos aspectos específicos da estrutura cognitiva com as novas informações, através do qual estas adquirem significado e são integradas à estrutura cognitiva de maneira não arbitrária, contribuindo para diferenciação, elaboração e estabilidade dos conceitos preexistentes e também da própria estrutura cognitiva. A essência desse processo é que idéias simbolicamente expressas seam articuladas de maneira substantiva e permanente a algum aspecto da estrutura cognitiva, como por exemplo uma imagem, um símbolo, um conceito ou uma proposição á significativa. Quando idéias e proposições interagem de forma arbitrária com a estrutura de conhecimento do indivíduo, a aprendizagem é dita mecânica. Moreira (1983) ainda diz em contraposição com a aprendizagem significativa, Ausubel

IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM ENSINO DE F ÍSICA 3 define como aprendizagem mecânica aquela em que novas informações são aprendidas praticamente sem interagir com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva. (p. 22). Na aprendizagem mecânica novos conceitos e idéias são armazenados de maneira arbitrária, não interagindo com aquela á existente na estrutura cognitiva e pouco ou nada contribuindo para a sua diferenciação. Um exemplo típico de aprendizagem mecânica é memorização de fórmulas, leis e/ou conceitos. Uma das condições para que a aprendizagem sea significativa é que o conteúdo a ser aprendido sea articulável à estrutura cognitiva do aprendiz de maneira substantiva. Um conteúdo assim é dito potencialmente significativo, e deve ser logicamente articulável e suficientemente não arbitrário, de modo que possa ser correlacionado de forma substantiva às idéias correspondentemente relevantes existente no indivíduo. DIFRAÇÃO DOS RAIOS X A difração é um fenômeno de utilidade diversa na pesquisa científica. Suas implicações sustentam o arcabouço teórico das técnicas difratométricas como, por exemplo, a cristalografia de raios X. É um assunto bem conhecido de todos que estudam fenômenos ondulatórios, sendo abordado por vários livros texto e ilustrado por diversas experiências de Química e/ou Física. Pode ser utilizada para explicar desde a localização dos máximos e mínimos na experiência de fenda única até a descrição de padrões observados em sólidos cristalinos quando expostos à radiação X. A difração é verificada, por exemplo, quando um feixe de fótons incide sobre um obstáculo contendo um ou mais orifícios com dimensões da ordem de seu comprimento de onda, sendo assim uma evidência conclusiva da natureza ondulatória da luz. Quando verificamos a difração de elétrons ou nêutrons temos, por outro lado, uma evidência do caráter ondulatório da associação onda-partícula atribuída à matéria. Essas ondas associadas a partículas materiais por de Broglie devem satisfazer à conhecida e útil relação E = hν = hc (Eq. 1) Onde h é a constante de Planck e c é a velocidade da luz, que corresponde à velocidade de propagação de qualquer onda eletromagnética no vácuo. A descrição a seguir dará ênfase ao caráter ondulatório deste fenômeno, uma vez que estará restrita à difração por ondas eletromagnéticas. O raio X é uma radiação eletromagnética situada na região entre os raios gama e ultravioleta, com intervalo de comprimento de onda de particular interesse para o fenômeno da difração por cristais variando entre 0,4 e 2,0 Å. Quando um feixe de raios X atinge algum material, seus elétrons são forçados a oscilarem devido ao campo elétrico da radiação incidente, tornando-se uma nova fonte espalhadora em todas as direções, uma vez que carga acelerada emite radiação (Cullity, 1978). Devido à forte interação entre o campo elétrico e os meios materiais, quando comparada com as interações de campos magnéticos com estes meios, pode-se afirmar, numa primeira aproximação, que apenas o campo elétrico aparece na interação dos raios X com a matéria quando se analisa o espalhamento (Cullity, 1978; Stout & Jensen, 1989). Como o comprimento de onda dos raios X é da ordem das distâncias entre os átomos que constituem a matéria, ocorrerá a difração desta onda espalhada, contendo informações estruturais, pelos diversos espalhadores (átomos ou elétrons) no interior da amostra. Esses espalhadores discretos são uma das conseqüências da atomicidade da matéria. Essa difração pode ser explicada

IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM ENSINO DE F ÍSICA 4 pelo princípio de Huygens que, qualitativamente, diz que todos os pontos de uma frente de onda de luz podem ser considerados fontes puntiformes que produzem ondas secundárias (Schwarzenbach, 1996). Claro que, se a disposição dos átomos na amostra for aleatória, não haverá relações fixas de fase entre as ondas espalhadas (espalhamento incoerente, portanto), e o efeito combinado das diversas ondas espalhadas será difuso. No entanto, se a distribuição dos átomos obedecer a algum padrão regular, o efeito combinado dessas ondas difratadas também obedecerá a um padrão regular, recíproco ao padrão de distribuição dos átomos. Com o obetivo de localizar geometricamente as direções de interferência construtiva (Cullity, 1978), representa-se um cristal por uma distribuição discreta de densidade eletrônica, parcialmente representada na Fig. (1). Esta figura mostra um átomo a 2 posicionado em M, que está a uma distância r do átomo a 1, posicionado na origem O. Os átomos a 1 e a 2 são dois centros espalhadores, o vetor unitário s 0 representa a direção do feixe incidente enquanto o vetor s, também unitário, representa uma direção particular do feixe espalhado. A diferença de caminho ótico entre as duas ondas espalhadas pelo conteúdo eletrônico dos átomos a 1 e a 2 é δ = OB AM = r ( s ) (Cullity, 1978; Stout & Jensen, 1989). s 0 Figura 1 Espalhamento decorrente de uma distribuição discreta de carga. As direções dos feixes de raios X incidentes e espalhadas estão representadas pelos vetores unitários s 0 e s, respectivamente. Os átomos a 1 e a 2 ilustram dois centros espalhadores da amostra. Considerando a radiação incidente monocromática com comprimento de onda, a diferença de fase entre essas duas ondas será 2π ( s s0) φ = δ = 2π r 2πr S (Eq. 2) mostrando que o cálculo da interferência entre as ondas espalhadas não depende explicitamente dos três parâmetros s, s o e, mas unicamente da combinação( s s0 )/ = S. Para que as duas ondas espalhadas esteam em fase, é necessário que a diferença de caminho entre elas r S inteiro ou zero. sea zero ou um número inteiro de comprimento de onda, ou sea, ( ) Para o espalhamento elástico, cada feixe de raios X espalhado (na direção indicada por S) possui o mesmo comprimento de onda do feixe incidente, porém é uma onda que tem fase e

IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM ENSINO DE F ÍSICA 5 amplitude própria. Conforme descrito na Eq. (2), a fase depende da mudança de direção do vetor S, e da posição r do espalhador. A amplitude do feixe espalhado depende da densidade eletrônica ρ(r) dos espalhadores, ilustrado pelos átomos a 1 e a 2 na Fig. (1). O espalhamento a partir de uma região com densidade eletrônica ρ(r) pode ser expresso a partir da função espalhamento F(S). O espalhamento da radiação por um átomo na posição r em relação à origem da cela unitária é dado por f f. exp(2π ir S), onde f é o fator de espalhamento atômico do átomo a, = que depende do número total de elétrons desse átomo e da direção do feixe espalhado. Uma forma conveniente de estudar o espalhamento por todos os átomos dentro do cristal é identificarmos o espalhamento resultante para a cela unitária (por ser o menor espaço físico que se repete por translação). A amplitude total da onda espalhada pela cela unitária, F(S), será a soma das contribuições dos N átomos da cela unitária (Stout & Jensen, 1989) N F( S) = f = 1 0 n exp B sen 2 2 θ exp(2πir S) (Eq. 3) Onde f 0 é o fator de espalhamento atômico do -ésimo átomo da cela unitária em seu estado fundamental. As quantidades n (onden 1) e B correspondem ao fator de ocupação e ao parâmetro de deslocamento atômico do -ésimo átomo, respectivamente. θ é o ângulo de espalhamento correspondente a direção h e é o comprimento de onda da radiação X. A quantidade r S na Eq. (3) corresponde ao produto escalar entre o vetor posição de cada átomo r = x a + y b + z c e o vetor do espaço recíproco S = ha* + kb* + lc*, onde x, y e z são as coordenadas fracionárias para o átomo particular da cela unitária (Giacovazzo, 2002; Stout & Jensen, 1989). A Fig. (2) ilustra a direção do vetor S ( s ) / =, que é perpendicular ao plano reticular que forma um ângulo θ com os feixes incidente e espalhado, coincidindo com a direção de ON, que bi-secciona o ângulo formado entre s e s o (Giacovazzo, 2002). Como o ângulo entre a direção de observação e o feixe incidente é 2θ, temos que o módulo do vetor S é dado por Como s = 1, por ser unitário, temos s 0 S s = θ 2 sen. 2senθ S = (Eq. 4)

I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 6 Figura 2 Dependência do vetor espalhamento S em relação a s e s o. O diagrama demonstra o espalhamento da onda incidente para um ângulo particular 2 θ. Por definição, o vetor S indica a direção que satisfaz a condição de interferência construtiva para o feixe espalhado; seu módulo S é dado por 2senθ θ /. P representa o plano reticular e N é a normal a esse plano reticular A Eq. (4) nos informa qual a magnitude do vetor espalhamento S. Para identificar as direções permitidas para que o vetor S satisfaça a condição de interferência construtiva, considerase o arrano de átomos igualmente espaçado no cristal. Para isto o cristal é visto como uma rede ideal de difração tridimensional, de forma a constituir um arrano tridimensional infinito de pontos uniformemente espaçados ao longo de a, b e c. Os máximos de difração ocorrerão apenas para algumas direções particulares definida pelo vetor S, sendo o produto r S nulo ou inteiro, de forma a satisfazer às condições S a = h, S b = k e S c = l, onde h, k, e l são os índices de Miller (Giacovazzo, 2002). Essas equações satisfeitas simultaneamente estabelecem a condição de Laue para a existência de um feixe difratado na direção definida pelos índices hkl. Uma forma de compreender estas condições de Laue é analisar o cristal como sendo constituído por um empilhamento tridimensional de celas unitárias (Drenth, 1999). Isto equivale, por exemplo, a n1 translações na direção a, n2 na direção b e n3 na direção c. A amplitude total da onda espalhada K(S) por esta pilha de celas unitárias será n1 n2 n3 t =0 u =0 v=0 K ( S) = F ( S) exp( 2πit a S) exp( 2πiu b S) exp( 2πivc S) (Eq. 5) Onde F(S) é a amplitude da onda espalhada pela cela unitária, dado pela Eq. (3). Como o n1 cristal é composto por uma grande quantidade dessas celas, a somatória exp( 2πita S) t =1 é igual a zero, a menos que o argumento da exponencial sea um número inteiro de 2π, ou sea, a S inteiro. O mesmo argumento vale para as outras duas somatórias. Dessa forma, as únicas condições em que K(S) é diferente de zero são as equações de Laue.

IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM ENSINO DE F ÍSICA 7 A equação fundamental S = ( s s 0 )/ pode ser representada através de uma construção geométrica dada pela equação de Bragg, conforme representado na Fig. (3). O vetor recíproco S é perpendicular ao plano difrator hkl. O módulo do vetor S é igual ao inverso da distância interplanar d hkl. Assim o módulo de 1 / S é interpretado geometricamente como a distância interplanar d hkl entre planos hkl. A Eq. (4) fica então 2 d hkl senθ = (Eq. 6) A Eq. (6) é a equação de Bragg, onde d hkl corresponde à distância entre os planos hkl, θ ao ângulo de incidência, ao comprimento de onda do feixe incidente. Figura 3 Representação esquemática (fora de escala) da equação de Bragg. q é o ângulo entre o feixe de raios X incidente e o plano difrator hkl. A diferença de caminho entre as duas ondas espalhadas por A e C é BC + CD = 2d hkl senq. A condição de difração é verificada quando a diferença de caminho for um múltiplo inteiro do comprimento de onda l. O módulo do vetor S hkl é o inverso da distância interplanar d hkl. A LEI DE BRAGG NA PERSPECTIVA COGNITIVISTA A intenção dos Bragg ao enunciar a Eq. (6) era a determinação das características estruturais dos sólidos cristalinos a partir dos padrões de difração obtidos da interação da radiação com a matéria. Assim o artifício utilizado na descrição da difração por W. H. Bragg e seu filho W. L. Bragg foi fenomenológico. Podemos dizer que o trabalho dos Bragg marca o nascimento da difratometria de raios X, de grande interesse para identificação dos elementos químicos presentes em uma amostra, e o uso da difração para obtenção de estruturas moleculares e cristalinas. Assim como através da difração da luz visível podemos observar as franas de Young e calcular a separação entre as fendas, também podemos, através da difração de raios X, observar o padrão de difração e reconstruir o retículo associado ao ordenamento dos átomos no cristal. Os méritos e qualidade desse trabalho deram a eles, pai e filho, o Prêmio Nobel de Física de 1915.

IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM ENSINO DE F ÍSICA 8 Uma análise cuidadosa da Fig. (2) nos convence que somente em algumas direções particulares a diferença OB AM será um número inteiro de comprimentos de onda e portanto suas contribuições serão construtivas. O uso da aprendizagem significativa de Ausubel deve incluir a ênfase de conceitos como: (1) partículas carregadas aceleradas emitem radiação em todas as direções; (2) princípio de Huygens; (3) princípio de superposição linear; (4) interferência construtiva e destrutiva, entre outros. Deixamos claro que são restritos à representação: (1) a reflexão dos raios X pelos planos reticulares e (2) a distribuição dos átomos em famílias de planos. Do ponto de vista educacional, um recurso que pode ser útil na ênfase correta dos conceitos são os mapas conceituais. Essa técnica sugere a construção de um mapa de conceitos em forma de organograma, onde organizamos, de forma lógica e com significados bem estabelecidos, um layout do assunto em questão. Dessa forma, cada hierarquia estabelecida no organograma de conceitos tem significado, e pode facilitar a distinção entre o que é modelo e o que é realidade. Claro que este recurso instrucional é uma entre as muitas técnicas disponíveis que obetivam facilitar a assimilação correta e precisa dos conceitos envolvidos. Na Fig. (4) é apresentado um esquema conceitual (não exatamente um mapa conceitual), destacando os principais conceitos necessários à aprendizagem e ao ensino da lei de Bragg. Figura 4 Fenômenos e conceitos apresentados hierarquicamente em forma de organograma para a difração de raios X, organizados a partir da interação entre radiação e matéria. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUSUBEL, D. P. (1968). Educational Psychology: a cognitive view. 1st Ed. New York, Holt, Rinehart and Winston.

IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM ENSINO DE F ÍSICA 9 CULLITY, B. D. (1978). Elements of X-ray diffraction. Addison-Wesley Publishing Company, Inc. Massachusetts. DRENTH, J. (1999). Principles of Protein X ray Crystallography. 2nd ed., Springer, New York. GIACOVAZZO, C. (1992). The diffraction of X-ray by crystals. In: Fundamentals of Crystallography. Editado por Giacovazzo, C. IUCr e Oxford Science Publication, New York, 1992. MOREIRA, M. A. (1983). Uma abordagem cognitivista ao ensino da Física. Porto Alegre, Editora da Universidade. MOREIRA, M. A. (1998). Teorias de Aprendizagem. São Paulo, EPU. 195p. NAPOLITANO, H. B. & MORAES, I. J. (2001). Alguns elementos essenciais no ensino de ciências. Inter-Ação, Rev. Fac. Educ. UFG, v. 26 (1), p103-116. NAPOLITANO, H. B. & LARIUCCI, I. J. (2001). Alternativas para o Ensino da Cinemática. Inter- Ação 26 (2), 119. NAPOLITANO, H. B.; LARIUCCI, C. & MORAES, I. J. (2002). Ênfase Cognitivista no Uso de Experimentos para o Ensino de Ciências. In: Anais do XI ENDIPE. Goiânia, 12p. PFROMM NETTO, S. (1987). Psicologia da Aprendizagem e do Ensino. Papelivros, São Paulo. STOUT, G. & JENSEN, L. H. (1989). X-ray structure determination A practical guide. The Macmillan Company. London, 2a. Edição.