TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Jurídica A EXCLUSÃO DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) DA BASE DE CÁLCULO DE PIS/COFINS E A AÇÃO DE- CLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC) Nº 18/2007 Bruno Murat do Pillar Advogado Encontra-se em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) uma controvertida questão que se refere à possibilidade de o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre operações próprias compor a base de cálculo das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Como se sabe, o ICMS é um imposto estadual que incide sobre operações de circulação de mercadorias, cujo contribuinte será sempre o agente que promove a dita circulação. Para esse tributo há um regime excepcional de recolhimento, designado substituição tributária, segundo o qual o fabricante do produto deve, a par de efetuar o pagamento do imposto incidente sobre sua própria operação incluído no preço, reter e recolher o imposto incidente sobre operações subseqüentes (substituição tributária para frente) ou, em determinados casos, sobre operações antecedentes (substituição tributária para trás). As contribuições ao PIS e à Cofins, ambas instituídas pela Lei Complementar nº 70/91 e regulamentadas pelas Leis Federais nºs 9.718/98, 10.637/02, 10.833/03 e 10.833/03, sucessivamente modificadas por diversas medidas provisórias, incidem sobre a receita bruta das empresas, definida pela legislação como a receita proveniente da venda de bens e do preço dos serviços prestados. Por não integrarem o faturamento das empresas, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o ICMS substituto não são considerados no cálculo de PIS/Cofins, exclusão que consta expressamente do artigo 3º, 2º, inciso I, da Lei Federal nº 9.718/98, 1 que, no entanto, nada menciona sobre o ICMS incidente sobre operações próprias, que é destacado na nota fiscal pelo contribuinte. A inclusão do ICMS próprio na base de cálculo das contribuições a PIS/Cofins tem sido questionada judicialmente pelas empresas sob o argumento de que tais contribuições somente poderiam incidir sobre receitas que constituem faturamento, estando o ICMS e outros 1 Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta: I - as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos, o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário;
30 impostos fora desse conceito, uma vez que são receitas que, embora transitem na contabilidade das empresas, não são receitas próprias que incorporam nos seus respectivos patrimônios, mas sim destinadas ao erário Público Estadual. O tema em questão está sendo analisado no STF por meio do Recurso Extraordinário nº 24.0785/MG. O julgamento teve início em 24/08/2006 e já conta com seis votos favoráveis aos contribuintes, 2 no sentido de que o valor pago pelos empresários a título de ICMS não deve ser computado no cálculo das contribuições a PIS/Cofins, entendendo a maioria dos membros da Corte Federal que tais valores não integram o faturamento, formado apenas por receitas decorrentes da venda de bens e serviços. Foi divulgado no Jornal Valor Econômico do dia 13/11/2007 que o Presidente da República, por intermédio da Advocacia Geral da União, ingressou, no último dia 10 de outubro, com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ACD) no Supremo Tribunal Federal ADC nº 18/2007, sob a relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, numa tentativa arriscada de tentar reverter a tendência predominante na Corte de que o ICMS não deve integrar o cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins. A estratégia consiste em pedir ao Supremo Tribunal Federal que declare a constitucionalidade do artigo3º, 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98, regra que, conforme dito acima, exclui da base de cálculo do PIS e da Cofins os descontos incondicionais, o IPI e o ICMS substituto. Segundo a lógica proposta pelo Governo Federal, uma vez ratificada pelo STF a constitucionalidade desse dispositivo legal, qualquer outro tributo não discriminado nessa regra e aí entra o ICMS incidente sobre operações próprias e outros tributos não discriminados na norma estará, via de conseqüência, inserido no cálculo das contribuições a PIS/Cofins. O ajuizamento da ADC nº 18/2007 tem como objetivo unificar, no plano nacional, o entendimento dessa matéria nos Tribunais de todo o País. Entretanto, esse argumento esconde uma particularidade: o STF já tem entendimento firmado pela maioria de seus integrantes, que foi externado no julgamento do RE 24.0785/MG, o que, desde já, denuncia a aparente desnecessidade da pretendida unificação. 2 O voto do Relator, Ministro Marco Aurélio Mello, foi seguido por seis dos sete Ministros que já votaram na questão. Apenas Eros Grau votou pela manutenção do imposto na base de cálculo. Votaram a favor da exclusão do imposto da base de cálculo da Cofins os Ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Ainda faltam se posicionar os Ministros Gilmar Mendes (que pediu vista), Celso de Mello, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Trabalhos Técnicos
31 Mais uma vez o STF está sendo provocado a definir o alcance do termo faturamento previsto no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, e, especificamente no caso em questão, a dizer se o ICMS próprio é ou não custo que integra o faturamento. Sem pretender descer a minúcias conceituais o que, definitivamente, não é o objetivo deste trabalho, é certo que faturamento é o volume das receitas obtidas pela empresa a partir da comercialização da mercadorias e da prestação de serviços. Trata-se de riqueza própria do contribuinte que ingressa nos cofres de quem comercializa os produtos ou presta os serviços. O renomado tributarista Ruy Barbosa Nogueira, professor da PUC-SP, em antigo trabalho doutrinário já afirmava: Assim, as quantias que a empresa recebe não para si, mas para terceiros, tais como o quantum de imposto cuja obrigação de cobrar a lei lhe impõe, ou reembolso de despesas que estão a cargo de terceiros, evidentemente, não podem entrar na receita bruta da exploração, pois essas quantias de terceiros não constituem contas diferenciais de receita e despesas, isto é, não integram a receita proveniente da exploração. São valores neutros em relação à empresa. Não a beneficiando, também não podem onerá-la. (Parecer publicado na Revista dos Tribunais, 346/55) A tendência pró-contribuinte que vem se formando na Suprema Corte em relação à exclusão do ICMS próprio da base de cálculo das contribuições a PIS/Cofins está em total consonância com o precedente criado no seio daquela Corte quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 346.084-PR, em que o conceito de faturamento foi detalhado pelo STF no sentido de que estariam abrangidas no conceito apenas as receitas decorrente das vendas de mercadorias e/ou serviços. Um dos principais argumentos utilizados na ADC nº 18/2007 para justificar a inclusão do ICMS no cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins cinge-se ao fato de o ICMS ser calculado por dentro, ou seja, de seu valor ser acrescido no momento de seu próprio cálculo, técnica que inclusive foi considerada válida pela Suprema Corte. 3 Com todo respeito à linha de defesa sustentada pelo Governo Federal, a técnica de cálculo do ICMS não justifica a conclusão pretendida, pois o cálculo do ICMS por dentro serve apenas para viabilizar o princípio da não cumulatividade, que impõe a incidência do ICMS sobre o valor agregado à mercadoria sem gerar com isso nenhuma transformação conceitual capaz de classificar esse encargo tributário como parcela integrante do faturamento. 3 Recurso Extraordinário nº 212.209-RS. Trabalhos Técnicos
32 A respeito do instrumento processual adotado pelo Governo Federal, o uso da Ação Declaratória de Constitucionalidade não nos parece ser a forma técnica mais adequada para atingir o fim pretendido. Isso porque o principal requisito para o manuseio dessa Ação é a prova da divergência entre tribunais sobre a validade ou não de uma determinada regra, na hipótese, o artigo 3º, 2º, inciso II, da Lei nº 9.718/98. Em relação a esse requisito da Ação Declaratória de Constitucionalidade, decidiu a Suprema Corte, em voto do Ministro Neri da Silveira, citado pelo professor Clemerson Merlin Cléve, da Universidade Federal do Paraná, da seguinte forma: É que, em realidade, não se tratando de consulta à Corte Suprema, mas de ação, com decisão materialmente jurisdicional, impõe-se à instauração da demanda em exame, que se faça comprovada, desde logo, a existência de controvérsia em torno da validade ou não da lei, ou ato normativo federal, nos Tribunais do País. 4 Como se vê, para que a Ação Declaratória de Constitucionalidade possa ser conhecida pela Suprema Corte, o Governo Federal deverá provar que os Tribunais locais estão divergindo sobre a constitucionalidade dessa norma, o que, já antecipando, não ocorre em relação ao referido artigo 3º, 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98. Isso porque esse dispositivo legal exclui da base de cálculo do PIS/Cofins os descontos incondicionais, o IPI e o ICMS substituto, exclusões sobre as quais não há divergência nos Tribunais. As decisões judiciais que determinam a exclusão do ICMS próprio do cálculo do PIS e da Cofins ocorrem sob a análise da extensão do termo faturamento, previsto no artigo 195, iniso I, da Constituição Federal e não passam pelo exame da constitucionalidade do artigo 3º, 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98. Há um aparente desvio lógico no silogismo proposto na ADC nº 18/2007, pois a constatação da constitucionalidade do artigo 3º, 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98 não leva à inconstitucionalidade de outras exclusões não contempladas pela norma, visto que o que torna legítimas e constitucionais essas exclusões é o confronto entre elas e o artigo 195, inciso I, da Constituição Federal. Concluindo, a procedência do pedido principal da ADC nº 18/2007 pelo STF da forma como está sendo postulada poderá dar margem a abusos, uma vez que qualquer exclusão da base de cálculo de PIS/Cofins que não sejam descontos incondicionais, IPI e ICMS substituto 4 A fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. Ed. RT, 2ª Ed, p. 298. Trabalhos Técnicos
33 estará expressamente vedada, passando a Fazenda Pública a ter poderes para fazer incidir as contribuições a PIS/Cofins sobre as receitas que melhor lhe aprouverem, e não sobre aquelas inerentes ao processo produtivo. Oportuno transcrever trecho do voto do Ministro Marco Aurélio Melo, que deu origem à discussão no STF e que foi acompanhado pela maioria dos Ministros da Suprema Corte: Cumpre ter presente a advertência do Ministro Luiz Galloti, em voto proferido no Recurso Extraordinário nº 71.758: Se a lei pudesse chamar de compra e venda o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição. (RTJ 66/165) 5 Sintetizando, a ADC nº 18/2007, a nosso ver, não reúne os requisitos indispensáveis para ser conhecida, uma vez que não há prova do dissídio jurisprudencial a respeito do artigo 3º, 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98. Além disso, o fundamento proposto na Ação conflita com o pedido formulado, pois a eventual declaração de constitucionalidade do dispositivo legal nela indicado não terá o condão de afastar outras exclusões da base de cálculo de PIS/Cofins, uma vez que a constitucionalidade de tais exclusões deve ser aferida a partir do artigo 195, inciso I, da Constituição Federal e do conceito de faturamento já definido pela Suprema Corte. 5 Trecho do voto proferido no Recurso Extraordinário nº 240.785-MG. Trabalhos Técnicos