A pesquisa analisou a influência do programa Supernanny nas práticas docentes e buscou identificar possíveis conseqüências para o desenvolvimento
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- Talita Maranhão Estrela
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2 A pesquisa analisou a influência do programa Supernanny nas práticas docentes e buscou identificar possíveis conseqüências para o desenvolvimento moral. Os dados, analisados qualitativamente indicam que os professores possuem crítica elaborada pautando-se na participação ativa dos alunos na construção das regras e rotinas, priorizando a expressão de sentimentos e o respeito às opiniões.
3 Para a teoria piagetiana, a autonomia moral refere-se à capacidade de decidir e agir por si mesmo, acatando as conseqüências de seus atos, escolhendo suas normas e valores, fazendo projetos e tomando decisões. Seu desenvolvimento não se dá por meio da transmissão de valores através de censuras, sermões e discursos, mas, sim, pela interação da criança num ambiente sociomoral cooperativo em que a justiça, o respeito mútuo, o diálogo, a igualdade e demais valores, estejam presentes e sejam vivenciados de forma a tornarem-se, paulatinamente, parte das ações do futuro adulto. A pesquisa analisou a influência do programa Supernanny nas práticas docentes e identificou suas conseqüências para o desenvolvimento moral. Os dados, analisados qualitativamente indicam que os professores possuem crítica elaborada pautando-se na participação ativa dos alunos na construção das regras e rotinas, priorizando a expressão de sentimentos e o respeito às opiniões.
4 Identificar, descrever e analisar a influência do programa Supernanny nas práticas docentes para conseguir obediência e melhoria das relações sociais e buscar identificar suas prováveis consequências para o desenvolvimento moral, de acordo com a perspectiva piagetiana.
5 Procedimento de coleta de dados: Para a coleta de dados foram aplicados 35 questionários com questões abertas em professores da Educação Infantil II (crianças de quatro a cinco anos) e Ensino Fundamental I (crianças de seis a nove anos) da rede pública e particular de ensino da região metropolitana de Campinas/SP. Foram considerados para o recrutamento professores que estivessem trabalhando em um dos níveis de ensino selecionados há pelo menos 2 anos consecutivos e que já tivessem assistido ao programa em questão. A idade média dos professores variou entre 22 e 57 anos, sendo 33 do sexo feminino e 2 do sexo masculino. Todos alegaram conhecer como o programa funciona, porém, nenhum afirmou assisti-lo semanalmente. O questionário foi aplicado após a exibição de trechos selecionados de alguns episódios do programa Supernanny, exibido no canal aberto do SBT. Os trechos selecionados referiam-se aos 4 principais procedimentos utilizados pelo programa: colocação de regras, elaboração da rotina, estratégias para expressão de sentimentos e emprego de sanções/recompensas. Após assistirem aos vídeos individualmente, os professores responderam, para cada um dos procedimentos, se concordavam ou não com o procedimento empregado, se já o utilizaram em sala de aula e se os objetivos esperados foram alcançados.
6 A televisão exibe programas do tipo reality show, apoiados na vida real, que se propõem a ajudar os pais a enfrentar os conflitos com seus filhos e as situações de indisciplina e desrespeito, tais como: crianças que gritam constantemente, que querem ter suas vontades satisfeitas na hora, que agridem física e verbalmente, que enfrentam os pais quando estes os contrariam, etc. Esses programas visam orientar os pais e buscam demonstrar através de cenas verídicas que as situações difíceis, vividas no ambiente familiar, podem ser mudadas. Com o uso de alguns procedimentos, os pais podem obter o controle da situação e melhorar a relação com seus filhos
7 Os dados coletados foram analisados qualitativamente a partir do método de Análise de Conteúdo, método que implica em categorizar os dados, fazendo recortes das verbalizações dos sujeitos, buscando-se assim, estabelecer relações que viabilizem a compreensão e interpretação dos dados. A partir da análise dos dados, as respostas versaram sobre: importância das regras para o desenvolvimento infantil, necessidade da construção coletiva das regras, importância da coerência entre família e escola na construção das regras, importância da rotina como fonte de segurança para as crianças, importância da apresentação e discussão da rotina com as crianças, importância da criação de estratégias específicas para a expressão de sentimentos, compreensão de algumas sanções e recompensas concretas incentivam bons comportamentos, porém não possuem efeito duradouro.
8 Importância das regras: De acordo com os relatos dos participantes, as regras são fundamentais para o desenvolvimento infantil, uma vez que ajudam a estabelecer parâmetros de boa convivência e organizam a interação das crianças com o meio social em que vivemos Os professores participantes, enfatizaram que é preciso que as regras sejam construídas juntamente com as crianças, para que elas possam entender sua fundamentação e sua importância.
9 Acredito que criar alguns combinados com as crianças serve como referência para um bom convívio. Regras são essenciais para as crianças. As crianças precisam e pedem por limites. Saber respeitar regras é fundamental para o convívio. Estabelece parâmetros e proporciona uma boa convivência entre os alunos. É necessário colocar regras para as crianças, algumas construídas com eles, conforme a necessidade, e outras são essenciais como: NÃO BATER, NÃO FALAR PALAVRÕES... essas não são negociáveis. Quando as regras são criadas juntamente com as crianças e alguma delas desrespeita a regrinha, não precisa o professor lembrá-la, os próprios amiguinhos cobram.
10 Elaboração da rotina: A pesquisa indicou que a rotina tem uma grande importância, pois a criança se orienta e sente-se mais segura diante da realização da rotina, o que facilita o bom andamento das atividades. Para os professores, é evidente a necessidade da rotina no cotidiano das crianças, mas apontam que é necessário vivenciar, sair do papel de superioridade e colocar em prática todos juntos, revendo o entendimento e a colaboração da mesma Indicou também que os professores trabalham a construção da rotina juntamente com as crianças no momento da roda. As atividades seguem de acordo com a rotina pré-estabelecida (podendo ocorrer mudanças) e as crianças acompanham e cobram quando algo foi modificado. Segundo relatos dos participantes, quando a rotina é construída juntamente com as crianças, elas ficam mais autônomas além de ficarem menos ansiosas quanto ao que irá ocorrer durante o dia.
11 Rotina é importante, desde que seja de comum acordo. A rotina é importante para a criança se orientar e se organizar. É importante que as crianças tenham uma rotina estabelecida em seu cotidiano. Diminui a ansiedade dos alunos e ajuda a administrar o dia de maneira mais produtiva, lembrando-os das atividades. As crianças ficam menos ansiosas para saber o que vamos fazer no decorrer do dia. A criança sente-se mais segura e precisa desse direcionamento por parte do adulto. Sem rotina não há fortalecimento das regras e não há disciplina.
12 Expressão de sentimentos: Muitos relatos ressaltam a importância da expressão dos sentimentos das crianças pautada em relações de confiança com o professor, para que se sintam acolhidas e confiantes. Além disso, enfatiza-se a estreita relação entre o desenvolvimento emocional com o avanço cognitivo da criança. Os relatos dos professores abordam a importância do saber ouvir o que o aluno sente, pois assim podem, inclusive, tomar conhecimento e refletir sobre possíveis erros e buscar novas formas de agir. Este processo precisa ser trabalhado de maneira que as crianças não sintam-se constrangidas em expressar seus sentimentos, é preciso ensinar a criança a reconhecer, identificar e respeitar seus sentimentos, sabendo também respeitar os dos outros Ressaltam, também, a importância de se elaborar estratégias como jogos, caixas da verdade, brincadeiras e atividades lúdicas para que as crianças consigam expressar seus sentimentos de forma livre e sem constrangimentos. Muitos professores afirmaram que lançam mão dessas estratégias na busca por uma melhor resolução de conflitos, melhor convivência em sala de aula, na aproximação das crianças, dentre outros.
13 Sim, as crianças precisam falar o que estão sentindo, mas primeiro precisamos passar confiança para elas. Assim como nós, as crianças sentem e precisam saber como expressar esses sentimentos e nós precisamos propiciar estes momentos. É importante que as crianças possam expressar o que estão sentindo. As crianças, em várias oportunidades, necessitam expressar seus sentimentos. A conversa é muito importante. Devemos dialogar mais com as crianças, sermos ouvintes ativos para auxiliar as crianças a se expressarem, para a construção de sua moral autônoma. A expressão de sentimentos deve ser hábito, construção de conduta. Ouvir o que a criança tem a dizer é um fator muito importante para o desenvolvimento dela. Não dá para trabalhar a cognição se o emocional não estiver bem.
14 Emprego de sanções e recompensas: No que diz respeito às sanções e recompensas, grande parte dos professores participantes apontou a recompensa como uma forma errônea de se trabalhar com os alunos. Questões como agir por interesse, negar-se a trabalhar na ausência de um objeto de desejo oferecido como recompensa, obedecer somente por desejo à recompensa e não pelo respeito ao próximo, e a iminência de um aumento progressivo no valor da recompensa a ser oferecida até que se torne impraticável, e a tática caia por terra foram alguns dos pontos negativos apontados pelos entrevistados. Contrapondo-se à maior parte dos professores que indicaram a recompensa como uma ação negativa, alguns dos participantes afirmam reconhecer esta prática como uma boa forma de incentivo ao aluno. Justificativas como: - auxílio no discernimento de certo e errado, estímulo para a melhora, simples consequências boa para uma atitude boa e necessidade de se estimular os pequenos avanços através de elogios - foram apresentadas, como forma de ilustrar à criança o que se deseja ensinar.
15 Não concordo. A criança deve compreender porquê deve ou não fazer algo, não por que vai ganhar uma recompensa. Quando crescer não vai receber recompensas por tudo. Não concordo com recompensas externas para o comportamento. Não. A utilização da recompensa promove a heteronomia e não a construção da autonomia. *** Sim. Se torna uma forma de estímulo. Sim. Se temos o dom de criticar, devemos ter também o bom senso de elogiar. Sim, sem exageros, com moderação Sim, por que estimula a melhorar. Sim. A vida é assim. Se nos comportamos, trabalhamos e/ou pensamos e agimos bem, merecemos ser valorizados (não acredito em bens materiais, mas num elogio, um carinho, e às vezes aquele... doce) e quando agimos ao contrário somos punidos.
16 Por meio dos dados coletados pôde-se refletir que os professores conheciam claramente o programa e as estratégias difundidas pela nanny para modificar o comportamento e a dinâmica familiar. Além disso, reproduziam algumas das práticas propostas com seus alunos em sala de aula, principalmente no que se refere ao estabelecimento de uma rotina diária e à possibilidade de criar condições para a expressão de sentimentos. Porém, a marca dos discursos dos professores foi pautada na participação dos alunos na construção das regras e rotinas de acordo com as necessidades vigentes e o respeito às opiniões (o que não acontece na proposta do programa), enfatizando que algumas regras podem ser negociadas e outras não. Ressaltam-se as considerações por parte dos professores de que o programa analisado, com seus procedimentos e intervenções, não objetiva educar as crianças para a autonomia, mas, sim, conseguir obediência, resolver conflitos e melhorar relações a curto prazo.
17 A análise dos dados indica que os professores até já utilizaram algumas estratégias propostas pelo programa em suas salas de aula, porém possuem uma crítica bem elaborada ao programa, principalmente com relação à efetividade dos resultados relacionados à imposição de regras e de rotinas de forma arbitrária e incoerente. Os professores pautam-se na participação ativa de seus alunos na construção das regras e rotinas, priorizando o diálogo, a expressão de sentimentos e o respeito às opiniões ao invés da imposição pela autoridade. Muitos professores relataram que já utilizavam algumas das técnicas de expressão de sentimentos, que foi vista como uma forma positiva de a criança poder dizer o que pensa sobre o que está acontecendo a sua volta e se sentir respeitada, em especial quando surgem conflitos. Os professores, porém, ressaltaram algo que não é explorado pelo programa: a expressão de sentimentos pela criança é importante desde que seja espontânea e não forçada e, também, desde que haja uma relação de confiança e de acolhimento por parte do adulto afetivamente envolvido.
18 Alguns dos profissionais se utilizam de recompensas concretas e elogios como forma de incentivo para conseguir obediência e um bom comportamento. Neste item, as respostas mostraram-se diversas, pois muitos utilizam e avaliam positivamente o funcionamento dessa prática, enquanto outros acreditam que esta seja apenas uma forma maquiada de manipulação e controle, que não é duradoura. Embora não explicitem qual a concepção sobre educação que baliza suas intervenções, um aspecto importante percebido ao longo da pesquisa é que esses professores possuem um discurso bastante coerente com a construção da autonomia moral de seus alunos. Apesar do número limitado de sujeitos da amostra e da região restrita de exploração (região metropolitana de Campinas-SP), pôde-se perceber que, embora esses professores entrem em contato com as diversas metodologias e sugestões oferecidas pela mídia como forma de orientação, houve uma preocupação em refletir sobre as futuras conseqüências do emprego destes a longo prazo no processo de desenvolvimento moral.
19 ARAÚJO, U.F. O ambiente escolar e o desenvolvimento do juízo moral infantil. In: L. MACEDO (org.). Cinco estudos de educação moral. São Paulo, Casa do Psicólogo, p , ASSIS, M. C.; ASSIS, O. Z. M. PROEPRE: fundamentos teóricos e prática pedagógica para a educação infantil. Campinas, SP : IDB, BEE, H. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas, BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, FREIRE, P. Uma educação para a liberdade. Porto: José Reis Riveiro, GUZZO, R. S. L. (org). Desenvolvimento infantil: família, proteção e risco. Campinas, SP: Ed. Alínea, KAMII, C. A autonomia como finalidade da educação: Implicações da Teoria de Piaget. Universidade de Illinois, Chicago:1981. LA TAILLE, Yves. (2001) A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, J. R. G. (org). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus. p. 9-23, MENIN, M.S.S. Desenvolvimento moral: refletindo com pais e professores. In: L. MACEDO (org.). Cinco estudos de educação moral. São Paulo, Casa do Psicólogo, p , PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, PROEPRE: Fundamentos Teóricos da educação infantil 4º edição REICHERT, C. B. & WAGNER, A. Considerações sobre a autonomia na contemporaneidade. Estud. pesqui. psicol., dez. 2007, vol.7, no.3, p.0-0. ISSN VINHA, T.; BASSETO, C.R.C.; VICENTIN, M.R.; FERRARI, M. T. B. Supernanny e S.O.S. Babá: um olhar construtivista sobre os procedimento empregados. Revista Eletrônica de Psicologia e Epistemologia Genética, Volume 2 Número 3. Jan-Jul/2009. VINHA, T. P. O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista. Campinas/SP: Mercado de letras: VINHA, T. P.; TOGNETTA, L. R. P. Construindo a Autonomia Moral na Escola: Os Conflitos Interpessoais e a Aprendizagem dos Valores. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 9, n. 28, p , set./dez. 2009
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