Procedimento Sumário

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1 fls. 61 Processo: Requerente: Requerido: Procedimento Sumário Vivian Nacarato Antunes Estado de São Paulo Vistos. Vivian Nacarato Antunes, qualificada na inicial, propôs ação cominatória, com pedido de antecipação da tutela, contra Estado de São Paulo, com o objetivo de compelir a Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo a fornecer o medicamento descrito na inicial (Colina, vitamina D, colecalciferol, ômega 3 DHA500), em razão da doença que padece (esclerose múltipla), fundamentando sua pretensão, em síntese, no disposto nos artigos 196 e 198 da Constituição da República e na Lei nº 8.080/1990. Concedida a tutela cautelar, o Estado refutou a pretensão. Apresentada réplica. É o relatório. Decido. 1. Tratando-se de questão exclusivamente de 1

2 fls. 62 direito, passo ao imediato julgamento. 2. Tenho convicção de que o direito assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, embora de eficácia imediata, não é absoluto, obrigando o Estado a adotar medidas tendentes a garantir o tratamento igualitário a toda população, por meio de políticas públicas planejadas. Ou seja, a garantia à saúde não pode vir por meio de atos isolados, mas sim por meio de políticas sociais e econômicas que exigem planejamento, sob pena de, em benefício de alguns, grande parte da população ser prejudicada. O meu entendimento é bem sintetizado no seguinte texto, de Octávio Luiz Motta Ferraz, mestre em direito pela USP e doutor em direito pela Universidade de Londres, professor de direito na Universidade de Warwick (Reino Unido). Foi também assessor sênior de pesquisa do relator especial da ONU para o direito à saúde: As necessidades em saúde são inúmeras e crescentes, os recursos são escassos, e os custos de novos tratamentos, cada vez maiores. Mesmo países ricos enfrentam esse problema em maior ou menor escala. É nesse contexto que se deve questionar a posição quase unânime do Judiciário brasileiro (liderada pelo Supremo Tribunal Federal) de interpretar o direito à saúde como um direito individual ilimitado a todo e qualquer tratamento, procedimento ou medicamento. Em número cada vez maior de ações judiciais, nossos juízes vêm ordenando aos serviços públicos de saúde, em todos os níveis da Federação, que financiem tratamentos originariamente não contemplados na política de saúde elaborada pelas respectivas 2

3 fls. 63 secretarias e Ministério da Saúde. Esses tratamentos muitas vezes são de elevadíssimo custo, disponíveis apenas no exterior e, freqüentemente, tão ou menos eficazes que os disponíveis no sistema público de saúde. Diante da escassez de recursos, a conseqüência dessa interpretação não é, ao contrário do que se poderia imaginar, a ampliação do acesso a serviços de saúde a camadas da população anteriormente excluídas. O resultado inevitável é, na verdade, uma substituição parcial das prioridades de investimento estabelecidas pelos especialistas em saúde pública do Poder Executivo. Ou seja, puxa-se o cobertor da saúde pública para aqueles que conseguiram acessar o Judiciário e se descobre parte daqueles que a política estatal havia originariamente decidido contemplar. Como as camadas mais desfavorecidas da população ainda encontram obstáculos importantes no acesso à Justiça, essa atitude implica não só problemas de eficiência mas também riscos à eqüidade na distribuição dos recursos escassos da saúde. Esse quadro parece reforçar a posição dos críticos da "justicialidade" do direito à saúde e outros direitos sociais, para os quais juízes não teriam legitimidade democrática ou capacidade técnica para interferir em complexas áreas como a da saúde. Para outros, porém, isso significaria verdadeira abdicação do Judiciário de sua função de protetor dos direitos fundamentais e conseqüente desvalorização do direito à saúde, que ficaria totalmente à mercê da vontade política de nossos governantes, historicamente insuficiente, como vimos acima, para financiar um sistema público de saúde adequado. Não há dúvidas de que o Judiciário é posto em situação extremamente difícil quando é 3

4 fls. 64 chamado a proteger o direito à saúde e outros direitos sociais reconhecidos na Constituição. Simplesmente ignorar que tais direitos dependem de políticas públicas complexas, que têm custos e que os recursos para atendê-los são escassos, porém, não é resposta adequada a esse importante desafio. O direito à saúde deve ser interpretado como um direito à igualdade de condições (eqüidade) no acesso aos serviços de saúde que determinada sociedade pode fornecer com os recursos disponíveis. É essa a interpretação mais adequada do artigo 196 da Constituição, que garante "acesso universal e igualitário" aos serviços e ações de saúde. É ainda corroborada pelo principal tratado internacional ratificado pelo Brasil para a proteção dos direitos sociais, que impõe aos Estados o dever de protegê-los progressivamente "até o máximo de seus recursos disponíveis". (artigo 2º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). 3. Não obstante, tenho que ter em mente que este posicionamento restou flagrantemente derrotado na jurisprudência do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reconhece o dever do Estado de fornecer medicamento e/ou insumo aos que não tiverem condições de adquiri-los por meios próprios. Aliás, o tema é enfrentado no Tribunal por meio de decisão monocrática, com respaldo dos demais integrantes da Corte (cf. Agravo Regimental nº /50000, 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 29 de agosto de 2012, rel. Des. Sergio Gomes). 4

5 fls. 65 Em face dessa orientação firmada pela Segunda Instância, e diante da importância do tema e das consequências que poderiam advir do uso descontínuo do medicamento e/ou insumo, adoto os fundamentos da jurisprudência dominante para reconhecer o dever do Estado a fornecer o medicamento e/ou insumo solicitado. No caso dos autos, há comprovação de que o jurisdicionado tem residência neste Estado e há presunção de sua hipossuficiência, não elidida por prova em contrário. Há comprovação de que jurisdicionado padece de doença cujo tratamento, com o uso do medicamento e/ou insumo, foi determinado por médico que o acompanha. Vale ressaltar que o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considera que o medicamento e/ou insumo sugerido, a conveniência ou não do uso de determinado fármaco é de competência exclusiva do médico que acompanha o enfermo (Resolução nº , de 8 de janeiro de 1988, do Conselho Federal de Medicina Código de Ética Profissional. Porém, não fica o Estado obrigado a fornecer medicamento/insumo de uma determinada frabricante, conforme decidido pelo Tribunal de Justiça quando do julgamento dos embargos de declaração nº /50000, a obrigação do Estado de disponibilizar medicamentos e/ou insumos não está adstrita a marcas específicas, podendo este fornecer produtos que, com comprovação científica, possuam a mesma 5

6 fls. 66 bioequivalência (genéricos) dos solicitados (rel. Des. Nogueira Diefenthaler, j , vu, 5ª Câm. Direito Público). Com esses fundamentos, e, repito, adotando o entendimento da Instância Superior, julgo procedente o pedido e condeno a Ré ao pagamento da verba honorária que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. São Paulo, 21 de março de Marcelo Sergio - Juiz de Direito (assinado digitalmente) 6