Linguagem musical do primeiro movimento do Concerto Duplo de Ligeti: sinais intervalares e seu contexto harmônico
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1 Linguagem musical do primeiro movimento do Concerto Duplo de Ligeti: sinais intervalares e seu contexto harmônico MODALIDADE: COMUNICAÇÃO Luís Otávio Teixeira Passos Universidade Federal de Campina Grande luisotpassos@gmail.com Halley Chaves da Silva Universidade Federal de Campina Grande halleydeth@yahoo.com.br Resumo: O objetivo desta pesquisa é compreender os processos harmônicos empregados no primeiro movimento do Concerto Duplo (1972) de Ligeti, a partir dos sinais intervalares. As análises de Bernard (1987, 1999) de obras de Ligeti são uma referência inicial para este trabalho. A análise apresenta a relação de sinais intervalares com seu contexto harmônico, que é realizado através de cinco movimentos de transformação, chamados de expansão, contração, filtragem, continuação e adensamento. Palavras-chave: György Ligeti. Sinal intervalar. Harmonia. Música do século XX. Musical Language of Ligeti s Double Concerto First Movement: Interval Signals and their harmonic context. Abstract: This research aims to understand the harmonic processes employed in Ligeti s Double Concerto First Movement (1972), starting from interval signals. Bernard analysis (1987, 1999) on Ligeti s work is taken as a starting point to this work. This analysis presents the interval signals relations to their harmonic context, which is done in five transformational movements, named as: expansion, contraction, filtering, continuation and building-up. Keywords: György Ligeti. Interval Signal. Harmony. 20th Century Music. 1. Introdução Para se compreender os caminhos que o compositor György Ligeti percorreu até a composição do Concerto Duplo (1972), cujo primeiro movimento é aqui analisado, é fornecida uma breve contextualização histórica, do percurso composicional de Ligeti e análise dos processos harmônicos utilizados nessa obra. A geração do pós-guerra, Boulez e Stockhausen, entre outros, buscou na música dos compositores seriais o caminho para a nova música. Schoenberg havia proposto o método, no entanto foi duramente criticado, pois o empregou sobre uma estrutura formal tradicional, como acontece em sua primeira composição serial, a suite para piano Op. 25. Nesse sentido, apesar de a obra apresentar uma nova organização de alturas, ainda estava atrelada a uma estrutura formal, desenvolvida no período barroco. A música de Alban Berg ( ), da mesma forma, também baseava-se nas estruturas do passado. Anton Webern ( ), ao contrário, foi considerado pelos compositores do pós-guerra como um
2 modelo a ser seguido, pois a forma em suas obras nasce da própria estrutura harmônica/intervalar, e além disso, há nesse compositor uma preocupação no tratamento tímbrico. Sua Sinfonia n. 1 explora uma textura pontilhista, onde cada ponto é orquestrado com um timbre específico. O resultado é uma densidade tímbrica, em contínua transformação. Com Boulez, Stockhausen e Messiaen o pensamento serial é aplicado a outros parâmetros musicais como duração, intensidade, andamento e articulação, gerando o serialismo integral. Do ponto de vista da percepção e compreensão dos processos musicais, Ligeti entendia que o processo de organização paramétrica (altura, duração, timbre, dinâmica, modos de ataque) era problemático em si, pois produzia resultados radicalmente diferentes daqueles existentes na ordenação inicial da série. Desse modo, não há garantia que uma única ordem básica produzirá estruturas análogas nos vários níveis de percepção e compreensão (LIGETI apud BERNARD, 1987: P. 208). Isso é evidente quando séries são sobrepostas. Portanto, a unidade existia na descrição verbal e a composição tornou-se menos importante que o préplanejamento. O caráter individual dos vários arranjos seriais se enfraquecem pelo resultado da sobreposição de várias séries horizontais, onde, sempre que possível, notas comuns ocorrem na mesma altura. Tal entrelaçamento obscurece cada uma das linhas seriais (especialmente quando todas as partes são tocadas num mesmo instrumento), e os intervalos resultantes têm pouco ou nada a ver com o arranjo original. Onde tal procedimento é associado a séries de durações, o compositor dificilmente consegue sequer manter uma influência sobre os intervalos que resultarão, quanto mais determiná-los. Eles são derivados automaticamente do tipo de procedimento. Desse modo, as séries de alturas perdem seu último resquício de função, paralisadas pelo complexo emergente (LIGETI apud BERNARD, 1987: P. 208). O que Ligeti observou na música serial é a preferência por uma homogeneidade intervalar, particularmente a escala cromática; que os intervalos não mais primeiramente constituem a estrutura, mas relações de densidade, distribuição de registro e as várias disposições de acumulação e quebra de complexos verticais (LIGETI apud BERNARD, 1987: P. 208). Nas obras do fim da década de cinquenta e início da década de sessenta, a música de Ligeti se fundamentou em várias técnicas, sendo uma delas o foco no tratamento textural e de massas sonoras. É também o período da tabula rasa onde a hegemonia da harmonia, melodia, ritmo, pulso e progressão harmônica são eliminados. Obras como Apparitions (1959), Atmosphères (1961), Volumina (1962) são exemplos de tal abordagem, na qual gestos musicais são construídos em clusters. Pouco a pouco, e em cada nova peça, Ligeti vai reestabelecendo a função harmônica, melódica, rítmica, e o retorno a uma pulsação evidente.
3 Posteriormente, o compositor tornou-se consciente das consequências de suas técnicas composicionais daquele tempo, afirmando que: Eu destruí os intervalos: isso quer dizer, inseri tantas segundas menores que até mesmo as segundas menores, ou o cromatismo, desapareceu no sentido harmônico (LIGETI apud BERNARD, 1999, P. 2, LIGETI apud HÄUSLER, 1983: P. 94). A música de Ligeti evoluiu de modo particular da década de 50 para a 60. Após esse período, as estruturas musicais e o cluster tornaram-se gradualmente menos densos, e, em certos momentos, intervalos específicos ganharam forte relevância, ao ponto de poderem articular a forma da obra. Intervalos foram assim utilizados para marcar o começo de seções, os pontos culminantes, ou até mesmo colorir momentos específicos. Lontano (1967), por exemplo, inicia-se com uma única altura, e na letra de ensaio H, um único trítono é ouvido. Exemplos como esse aparecem em várias outras obras, tais como Melodien (1971) e o Concerto Duplo. No caso do Concerto Duplo a ideia de contrastes extremos se faz em todos os níveis possíveis: instrumentação (clara x escura), registro (amplo x reduzido) e densidade (alta x baixa). Tal logo os intervalos ganharam importância, foram utilizados para delinear esses contrastes. 2. Fases composicionais de Ligeti Paul Griffiths (2011) divide a música de Ligeti em três fases: Anos na Hungria, de 1956 a Le Grand Macabre e Depois de Le Grand Macabre. 1 a fase: Em Ligeti escreve músicas para piano de modo mais livre. Foram anos difíceis de despotismo na Hungria, onde propor o novo na música seria difícil, por causa dos regimes autoritários, que esse país enfrentou por volta de a fase: - Inicia com a viajem à Viena em dezembro de 1956, para estudar novas técnicas. Fica muitíssimo impressionado com a música de Webern. Escreve um artigo criticando Structures 1a, (a primeira obra de Boulez a usar o serialismo integral) no qual apresenta os problemas do caminho serial integral. Ligeti estuda com Koenig e compoe Artikulation. Em 1959, de modo independente introduz clusters em Apparitions (1958-9), obra que lhe trouxe reputação internacional. A música desse período é basicamente textural, marcada pelo uso de
4 micropolifonia, massas sonoras, sinais intervalares, e por uma variação gradativa e lenta. É nesta fase que é escrito o Concerto Duplo. O marco final dessa fase é a ópera Le Grand Macabre que combina todo o potencial musical desenvolvido até esse ponto. 3 a fase: Ligeti escreve várias obras. Aqui se destacam os Estudos para piano, um conjunto de obras que combina música de origem não-européia (em especial Banda Linda polifonia, da República Centro-Africana), e da música semi-comercial caribenha e latino-americana. De um certo modo, os Estudos também continuam os experimentos modais de Bartók e Debussy, realizados no início do século XX. 3. Concerto Duplo Foi escrito em 1972, para flauta, oboé e orquestra. Possui dois movimentos, cujo primeiro é o objeto de estudo. Nesse movimento a textura varia entre massa sonora e polifonia, e os eventos musicais ocorrem de forma lenta e gradativa, que de certo modo, há relação com o tão conhecido sonho de Ligeti. Do ponto de vista harmônico, há um diálogo de alturas entre solistas e orquestra. Essa funciona como uma espécie de pedal de ressonância para as principais alturas dos solistas. Noutros momentos, assume papel protagonista, possuindo seu próprio material harmônico. A orquestração é feita visando a evidenciar os principais eventos, mudança de textura, e de modo geral, transparecer e delinear a forma musical. 4. Sinal Intervalar A nova forma com a qual Ligeti passou a empregar os intervalos, i.e. alternando regiões cromáticas com chegadas a sonoridades harmônicas específicas, criou o que é chamado de sinal intervalar. Trata-se de momentos específicos, onde nota-se uma chegada clara num dado intervalo, tais como o trítono, uníssono, entre outros. Os sinais intervalares são ainda enfatizados com uma orquestração específica, mudança de textura e dinâmica. Desse modo, são também articuladores da forma musical. Este recurso harmônico é comum a várias obras da segunda fase do compositor. Este artigo pretende, portanto, estudar cada sinal intervalar e suas relações entre si. 5. Método analítico
5 O método analítico empregado tem como referência as várias análises de Bernard da música da segunda fase de Ligeti. Bernard desenvolveu métodos próprios, com o intuito de melhor explicar e compreender as obras analisadas. Seu método parte da elaboração de gráficos de altura e duração do som, um tipo de redução da partitura orquestral. A partir daí, ele analisa as alturas em busca de possíveis relações, num diálogo constante com a obra. Concomitante, Bernard tece suas conclusões, também com comentários que o próprio compositor deixou sobre sua obra. Ao contrário de Bernard, não se optou por utilizar gráficos, mas pentagrama, pela facilidade de se ler as alturas, e mostrar a evolução dos sinais intervalares. 6. Análise Os sinais intervalares foram usados por Ligeti para realçar e caracterizar o começo de seções e subseções. No exemplo da Figura 1 os sinais intervalares marcam o começo dos dois primeiros temas: o tema da flauta [1] 1 e o tema do oboé (segundo [17]). Além disso, o exemplo mostra a evolução de um sinal a outro. a) b) c) Figura 1. Concerto Duplo, I movimento [1-17]: transformação harmônica do sinal intervalar (a) e sua expansão cromática (b) até o segundo sinal intervalar (c), que aparece no fim do compasso [17]. Diante do processo composicional de Ligeti no Concerto Duplo, os questionamentos motivadores da pesquisa são: há relação entre os sinais intervalares? É possível identificar uma lógica da sucessão desses sinais? Há repetição intervalar? Todos intervalos são usados, ou há algum que não participa? Quais consequências isso pode gerar? Como o sentido de tensão e relaxamento é evocado nessa linguagem harmônica? É possível determinar uma progressão harmônica característica do Concerto? Esses são alguns dos questionamentos iniciais. A redução da partitura orquestral para a versão analítica se deu da seguinte forma: num primeiro momento todas as alturas presentes vertical e horizontalmente num determinado compasso foram escritas na forma de escala, para facilitar sua leitura. A partir disso, foram separadas as regiões com mudanças mais significativas. Vale observar que uma 1 Os números de compassos são aqui indicados sempre entre colchetes.
6 região harmônica as vezes é compartilhada por vários compassos. Por fim, foram identificados os sinais intervalares (SI) e os pré-sinais intervalares (PRE). A Figura 2 apresenta a análise, que vai do compasso 1 ao 44. Nota-se que os sinais intervalares possuem menor densidade, variando de 2 a 5 notas. Cada sinal intervalar dá proeminência a um intervalo específico. Essas características já foram observadas por outros autores. No entanto, ao contrapor os sinais intervalares com o contexto harmônico que os precedem e os sucedem, aqui chamado de pré-sinais intervalares, nota-se que estes são sempre de alta densidade, com acúmulo de cromatismo e intervalos de segunda menor. Mas, mais do que isso, eles conseguem dar significância aos SI através de contraste e tensão. Identificou-se cinco movimentos tanto para a transformação de um SI para um PRE como de um PRE para um SI: expansão, quando os intervalos do SI são expandidos gradativamente, adicionando notas cromáticas; contração, quando os intervalos de um PRE são reduzidos para os intervalos de um SI; continuação quando o intervalo das notas extremas de um SI é transposto, servindo de base para o PRE seguinte. Essa técnica assemelha-se à técnica da sequência. Filtragem, quando alguns intervalos específicos de um PRE são isolados de modo a formar o SI seguinte. Adensamento quando alturas são adicionadas sem expansão de registro. Também se observou que é possível a combinação de dois movimentos como exemplo, continuação+adensamento, que ocorre no PRE3 (figura 2).
7 Figura 2. Análise parcial do primeiro movimento do Concerto Duplo de Ligeti, [1]-[44]. As alturas foram aqui dispostas de modo escalar a fim de facilitar a leitura. Na obra, ocorrem tanto verticalmente, quanto horizontalmente. 7. Conclusão A análise aqui apresentada é parcial, compreendendo os primeiros quarenta e quatro compassos do primeiro movimento do Concerto Duplo de Ligeti. No entanto, a identificação dos cinco movimentos conseguem melhor explicar a região cromática que se alterna com os sinais intervalares, bem como a evolução harmônica. A continuação da pesquisa almeja terminar a análise do primeiro movimento, e averiguar se os cinco
8 movimentos identificados, mantem-se. Caso isso seja verdadeiro, a pesquisa será continuada em obras do mesmo período para averiguar se há alguma similaridade. Referências BERNARD, Jonathan W. Inaudible Structures: Audible Music: Ligeti's Problem and His Solution. Music Analysis, Vol. 6 N Ligeti's Restoration of Interval and Its Significance for His Later Works. Music Theory Spectrum. University of California Press, Vol. 21, no. 1, p.1-31, LIGETI, Gyorgy. States, Events and Transformations. Perspectives of New Music, Princeton: Princeton University Press, vol. 31, n. 1, , Doppelkoncert Mainz: Edition Shott, Partitura. HÄUSLER, Josef. Zwei Interviews mit Gyorgy Ligeti. Trans. Sarah E. Soulsby. In: Ligeti in Conversation. London: Eulenberg, 1983, pg GRIFFTHS, Paul. Gyorgy Ligeti. In: Grove music online. Disponível em < search=quick&pos=1&_start=1#firsthit>. Último acesso 23 de maio de 2014.
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