Familia e cultura: uma reflexao
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- Geovane Coelho Tomé
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1 Familia e cultura: uma reflexao Zélia Maria de Melo * Resumo A autora sublinha que a familia transmite a tradicao e esta representa o cenario do imaginario cultural, com os significados e significantes dos ritos e mitos do presente e do passado, construindo sua história particular, marcando, nas relacoes internas e externas, os vínculos afetivos e sociais, com a intencao de estruturar o universo psicológico dos membros do grupo familiar. Palavras-chave: familia, cultura, história, tradicao, mitos e ritos. Abs tract This paper stresses the fact that the family transmits tradition and that this represents the imaginary cultural scenery with the signifiers and signifying of past and present rites and myths, constructing their private history and marking affective and social ties in internal and external relationships and by so doing to structure the psychological universe of the members of the family group. Key words: family, history, tradition, myths and rites. Pensar a familia é se dar conta de que ela está inserida em um tempo, espaco que atravessam a cultura, incluem e excluem valores de uma época distante e próxima e significativa de uma história presente, mas atravessada pelo passado remoto ou marcado pela proximidade de fatos significativos para o registro da história pessoal e coletiva. Cultura, expressao da história, tradicao, contos, mitos e ritos vividos por um povo; tracos registrados, mas nem sempre disponiveis e acessiveis á compreensao imediata, demarcados por uma lógica quase sempre pouco linear, marcados pelas entrancas, vivências unicas e universais, herdadas pelo desejo do presente e do antepassado, heranca bern dita e, também, maldita nas confrontacoes das geracoes. A pesquisadora MARIA ANGELA D'INCAO (1989) define a familia como uma instituicao social que convive com as mudancas e constantes transformacoes sociais, o que náo significa que a familia nomeada colonial tenha perdido sua história e tenha sido substituida totalmente pela familia contemporánea. Sublinha a autora que a familia nao tem somente uma funcao social de preservacao do económico. A instituicao familiar convive com valores demarcados nao somente pelo registro do presente, mas sofre o processo de mutacao e estabelece o registro do passado no presente. As instituicoes e sociedades mudam e * Professora Adjunta, Universidade Católica de Pernambuco; Mestra em Antopologia e Doutora em Psicología, Universidade de Deusto, Bilbao - Espanha.
2 transformam-se, mas registram pontos comuns e divergentes sem, no entanto, serem desconectados dos movimentos da época, valores e tracos da sua história. A familia individual e coletiva estabelece pontos comuns e divergentes, relativizando a diferenca nos aspectos sociais e culturais. MINUCHIN (1993) escreve que, na familia, os registros das vivências do passado surgem no presente, prevalecendo, nas suas vivências individuals, os registros do passado da familia. Nos registros da história, estao presentes nao só as vivências das relacoes de poder e prestigio que tais familias tenham na sua comunidade, como também registros de fracassos que podem marcar as vivências e experiências, em termos individuais ou grupais. Na vivência da história individual, os registros das vivências do grupo familiar mesclam e marcam a vivência do individuo com as experiências de várias geracoes. Esse registro da história vivida pelos membros está igualmente marcado pelas experiências psicológicas, sociais e ideológicas da sociedade. Os registros universais da história também marcam a experiência da história individual. As transformacoes familiares no contexto amplo das mudancas das organizacoes sociais re-gistram mudancas e transformacoes individuais. No sentido amplo, a familia muda e se adapta aos movimentos históricos. Sem dúvida, a familia individual também se adapta constantemente ás transformacoes sociais. A funcao da familia é atender aos objetivos distintos: um interno - a protecao psicológica e social dos seus membros - e o outro externo - a acomodacao da cultura e a transmissao desta. Em todas as culturas, a familia tem a responsabilidade de dar a seus membros o registro de individualidade. A vivência do homem tem dois elementos básicos: um, de pertencer à cultura; e outro, ser apartado desta. A familia muda à medida que muda a sociedade. Continuando, MINUCHIN (1982) registra que a familia é uma unidade social que desenvolve sequências de papéis fundamentais para o crescimento psicológico do individuo, marcando as diferencas no contexto dos parámetros das diferencas culturais, mas com raízes universais. A familia tem uma organizao de apoio, protecao, limites e socializacao de cada elemento que compoe o conceito geral da familia. Tem uma proposta e propriedades de autoperpetuacao: uma vez favorecidas as mudancas, a familia preservará o processo da mudanca, pois as experiências sao qualificadas dentro desta e permanece na vida do grupo. A familia convive com as mudancas de valores, de padroes éticos, económicos, politicos e ideológicos, cuja finalidade é acompanhar as transformacoes da sociedade. Assim, ela transmite a tradicao, que representa o cenario do imaginario cultural com os significados e significantes dos ritos e mitos do presente e do passado, construindo sua historia particular, marcando, nas relacoes internas e externas, os vínculos afetivos e sociais, com a intencao de estruturar o universo psicológico dos membros do grupo familiar. A violência na história das familias acompanha o espaco e o tempo da história universal e individual, marcando as diferencas com as diversas vivências individuais e coletivas nas diferentes culturas. Com base no processo da multiplicidade étnico, cultura que demarca a estrutura da composicao demográfica brasileira, a história e a cultura tém um papel relevante na formacao sociofamiliar. A história revela que o imaginario social da formacao da familia brasileira acompanha até hoje os preconceitos dos primeiros registros realizados pelos colonizadores, supervalorizando alguns pontos e deteriorando outros, sem a preocupacao de aprofundar as diferencas sociais e relativizar as vivências do cotidiano.
3 NEDER (1997) reforca a necessidade de valorar as familias, pois sao elas que contribuem na formacao da identidade social básica para as criancas e, no contexto amplo, de cidadania. A construcao da identidade, individual ou coletiva, abre espaco para a tolerancia e diversidade humana, para o respeito pela diversidade histórica e cultural, dentro dos parámetros da politica das diferencas na sociedade brasileira. A importancia da familia está em valorar a construcao da identidade, destacando os aspectos históricos e culturais, criando espaco para afirmar a autoridade dos pais no contexto de possibilitar a introducao da disciplina e ou limites no processo da educacao nos diferentes espacos privados e públicos. A importancia é preservar o imaginario social da familia como suporte para estabelecer e manter os vínculos entre seus membros e, em consequência, evitar romper tais vínculos para nao estabelecer a fragilidade da identidade. Os estudos de Brazelton (1988) destacam a importancia do apego e o seu desenvolvimento na relacao familiar, pois é através do apego nas relacoes que se inicia a formacao da familia. É algo de contencao e se desenvolve antes mesmo da concepcao do novo sujeito na construcao familiar, pois é algo que se deseja, que se cria a partir da chegada do novo sujeito que vai formar a familia. Os vínculos comecam a ser desenvolvidos em período anterior á concepcao, no desejo do imaginario da mulher e do homem que vao formar a familia, que vao estruturar um espaco, para o recebimento de um novo sujeito, e que vao demarcar o papel, o lugar e a funcao, seus significantes e significados na relacao. E essa demarcacao vai delimitar a funcao paterna e a materna; e nesse momento se estabelece o significado da familia e sua rede de parentesco. No primeiro momento, surgem os vínculos biológicos para, posteriormente, no processo de crescimento, estabelecerem-se vínculos simbólicos, afetivos e sociais. Na construcao do espaco da nova familia e do grupo de convivência social e cultural, ela convive com os valores e normas estabelecidas pelo amplo entorno sociocultural grupal. A partir da estruturacao de vínculos familiares, torna-se possivel a estruturacao de vínculos nos espacos amplos do grupo social, como nas comunidades e no entorno da sociedade, pois, no contato com o seu novo grupo, os vínculos vao demarcar os lugares, os papéis e as fronteiras que contornam quem é o outro no universo das relacoes, dentro da interdicao da cultura a que o sujeito pertence. Na familia os registros da vivência do passado surgem no presente, prevalecendo, nos mesmos, a história individual e coletiva. Nos registros da história, estao presentes as vivências das relacoes de influência de poder e prestigio na sua comunidade como também as histórias de fracasso e registros das vivências nao elaboradas do que nao foi permitido falar, resquicio dos segredos, do ocultado - marcas das experiências vividas pelos membros da familia. Na experiência da história individual, a história do coletivo familiar mescla o individual com as expenriências amplas de várias geracoes. O registro da história vivida pelos membros também está marcado pelas experiências psicológicas, sociais e ideológicas da sociedade. Os registros universais da história marcam as experiências da história individual, nem sempre disponivel e acessivel á compreensao imediata. Refletindo, quando os lugares e os papéis nao sao definidos na relacao familiar, as demarcacoes sao prejudicadas, as histórias se mesclam e as funcoes se invertem. A intolerancia, a frustracao, a violência vividas por um elemento da familia na sua história particular podem romper barreiras, perpassam as fronteiras e vao perpetuarse na história da sua nova familia, á busca de parceiros violentos para perpetuar a história individual na
4 construcao de novas relacoes. Entao, instaura-se uma heranca maldita de componentes destrutivos. A ausência de vínculos na relacao familiar inscreve a desordem, a ausência da autonomia e da referência do ser individual no contexto do grupo social. Sublinhando os estudos de DAMATA (1991), a casa é o significante do particular, do privado, onde as relacoes internas sao estabelecidas de forma inversa da rua, do público. Isso porque a rua é o espaco da lei, das normas; é fria e exige o cumprimento dos direitos e deveres de cidadania. É na casa que se estruturam os limites e as relacaes de afeto, e onde ex istem as relacoes internas dentro do contexto familiar. Na convivência externa, destas e do contato diário com a comunidade. Ambas referendam as tradicoes, as histórias do passado e do presente no contexto das relacaes individuais e culturais. A familia busca, na tradicao cultural, a ordenacao dos valores, a sustentacao da construcao das lendas e dos mitos, a fantasia, a criacao, a desconstrucao para a construcao do novo. Nesse processo de mutacao, a busca do novo é o enriquecimento, a maturacao e, em consequência, instauram-se as vivências e as convivências no processo das mudancas sociais. A ausência da ordenacao de valores, as rupturas das tradicaes, das lendas e da história cultural podem contribuir para ausência de estruturacao de limites e de introjecao da lei, na representacao de convivência com grupos familiares e extrafamiliares, é provável que novas geracaes rompam também com a tradicao, mitos e lendas, história e ritos culturais, favorecendo, assim, a perda da sua história, sua identidade cultural. Com base nas reflexoes acima, o estudo da familia dentro da compreensao do seu papel - elemento de vínculos e de postura de limites no seu entorno -, como um destaque na formacao e estruturacao da crianca e do adolescente, no amplo contexto psicológico, social e relacional com as interacoes afetivas emocionais do individuo e do grupo na convivência social, requer um aprofundamento das discussoes permanentes sobre a familia no amplo espaco da ciencia, no seu contexto cultural. Pensar e repensar o papel da familia no contexto amplo da comunidade é priorizá-la e ter como suporte novos questionamentos para aprofundar e compreender as interrelacoes e interacoes individuais e culturais; é criar o cenario para questionar e buscar o entendimento nas diferentes áreas da ciência, a profundando e contribuindo com novas producoes académicas diante das abruptas mudancas e transformacoes sociais.
5 BIBLIOGRAFIA BRAZELTON, T. Berry. O desenvolvimento do apego: uma familia em formacao. Porto Alegre Artes medicas, BOWLBY, John. Formacao e tompimento dos lacos afetivos. Sáo Paulo : Martins Fontes, DAMATA, Roberto. A casa e a rua. Rio de Janeiro Guanabara, Koogan, D'INCAO, Maria Angela. (Org.). O amor romântico e a familia burguesa. In:. Amor e familia no Brasil. Sao Paulo: Contexto. p EIGUER, Alberto. A transmissao do psiquismo entre geracoes. Enfoque em terapia familiar, Sao Paulo, Unimarco editora MELO, Zélia Maria. Violencia y Familia: Supervivencia en la casa y en la calle. (Tese de Doutorado em Psicologia) Universidad de Deusto, Bilbao MINUCHIN, Salvador. Familias funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, p. MINUCHIN, Salvador. La recuperación de la familia: relatos de esperanza y renovación. Buenos Altes : Paidos, p. MUSITU, Gonzalo; ALLATT, Pat. Psicosociología de la familia. Valencia, Albatros Educación NEDER, Gizlene. Ajustando o foco das lentes: um novo olhar sobre a organizacao das familias no Brasil. In: Kaloustian, Silvio Manoug (Org.). Familia Brasileira a base de tudo. Sao Paulo Cortez, p VICENTE, Cenise Monte. O direito á convivência familiar e comunitaria: uma política de manutencao do vinculo. In: KALOUSTIAN, Silvio Manoug. (Org.). Familia Brasileira a base de tudo. Sao Paulo : Cortez, p
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