PRISCILA MACHADO LIMA

Transcrição

1 PRISCILA MACHADO LIMA Por Maria Beatriz Alves de Araujo, CLICK NA LATA, II PRÊMIO CRIANDO ASAS PERIFACINE, III PRÊMIO CRIANDO ASAS OIA, IV PRÊMIO CRIANDO ASAS NOVO OLHAR, V PRÊMIO CRIANDO ASAS PRISCILA MACHADO LIMA fala baixo e sorri discretamente. A primeira vista, parece tranquila demais para um currículo com tantas participações bem sucedidas em projetos sociais. A educadora diz que o prazer de lutar por questões políticas vem de sua mãe. Espelhe-se nos exemplos da assistente de documentação do Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS), Priscila. Priscila refletida na exposição de câmeras fotográficas, no local de trabalho, Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS). A HISTÓRIA COMEÇA AQUI PRISCILA MACHADO LIMA nasceu em , em São Mateus, distrito da zona leste de São Paulo. Filha de pais separados, ambos reconhecem seu esforço. Mas é na mãe que ela se vê mais. Essa questão do prazer, de lutar por questões políticas, vem mais dela. Priscila conta que o bairro era muito precário quando chegaram à zona leste e, sua mãe, além de abrir um comércio, participou ativamente do Conselho Gestor do CEU (Centro de Educação Unificada). A filha, sem saber, já se inspirava nesse modelo de cidadania. A arte chegou em forma de teatro, aos 10 anos, na periferia de São Mateus. Por oito anos, Priscila fez parte da produção e organização do coletivo. Ao entrar no Instituto Criar, a atriz abriu mão do teatro, pois lhe faltava tempo para leituras e ensaios. Embora tenha aprendido muita coisa com a coordenadora da ONG, Priscila também foi estimulada a ler. Seu acervo mal cabe em casa, são muitos livros de filosofia, questões sociais e arte. Instituto Criar Priscila estudava mecânica no Centro de Capacitação Profissional Henry Ford (Centro Social Nossa Senhora Bom Parto) ao mesmo tempo em que integrava um projeto de comunicação do Canto Cidadão. Eu comecei a me interessar por essa questão de memória, porque os coordenadores do Canto Cidadão me chamaram para fazer parte da formação de educadores, participar do planejamento de aula. Dessa mesma ONG veio a indicação para o Instituto Criar. É 2005, Priscila tem 17 anos e começa a estudar na 2ª Oficina de Produção do Instituto Criar. No mesmo ano que foi ao cinema pela primeira vez. Transformando o Mundo

2 Priscila entende que agregar pessoas é um compartilhamento e uma soma de sonhos. A gente mostra o que sonha, as pessoas vão compartilhando o sonho, trazendo fragmentos do sonho, completando os pedaços ali, formando um núcleo. É uma soma, na verdade. O PRÊMIO CRIANDO ASAS ACONTECE II PRÊMIO CRIANDO ASAS Projeto CLICK NA LATA Participantes: Monalisa Duarte de Souza Silva Sousa, Ozana Natália de Souza Silva, Priscila Machado Lima. Priscila era aluna do Instituto Criar quando o Prêmio Criando Asas surgiu pela primeira vez. Naquela época, participava de uma oficina de projetos aos sábados. Quando veio a 2ª edição do prêmio em 2007, ela já estava apta para escrever um projeto. Priscila, a convite de Ozana Sousa, integrou o grupo do projeto Click na Lata, que pertencia ao coletivo Mundo em Foco, um dos vencedores da 1ª edição do prêmio. A princípio para substituir uma integrante e ser produtora executiva e, em pouco tempo, já era uma educadora junto com Ozana e Monalisa, na escola Ermelino Matarazzo, depois na creche Maria Jovita. Priscila focou na pesquisa sobre Ermelino Matarazzo, todos os logradouros da rua. Uma oficina de mapeamento com os alunos, um diário de bordo, um grande mapa e os percursos estavam prontos. A nova educadora se animou porque viu ali uma oportunidade de falar sobre educação patrimonial. Trabalhar com as pessoas o valor do bairro onde moram, a história de onde se cresce, é uma das paixões de Priscila. Sempre que exibiam filmes, ela tentava buscar a semelhança entre as situações apresentadas e a realidade. O que é que isso tem a ver com você?. Ela explica que somos atraídos pelas coisas que têm semelhança com a gente, mesmo quando não temos total consciência disso. A emoção com as crianças que a consideravam uma segunda mãe e o orgulho em manter o contato com elas até hoje é, para Priscila, o que mais valeu em sua participação no Click na Lata. III PRÊMIO CRIANDO ASAS Projeto PERIFACINE Participantes: Gabriel do Nascimento, Priscila Machado Lima, Tiago Kinzari. O Perifacine é um projeto de cineclube, que conseguiu atingir várias escolas e ONGs, e existe até hoje. Em 2010, o ano de maior repercussão, o cineclube foi o que mais exibiu filmes. Atualmente com falta de recursos, suas atividades andam mais lentas. Quando Rodrigo Sousa (Mundo em Foco) estava trabalhando na Fundação Casa, em 2011, o Perifacine foi convidado para fazer exibições lá. A maratona passou por diversas unidades exibindo filmes: Brás, Pirituba, Leopoldina, Raposo Tavares e Franco da Rocha. O projeto foi contemplado por dois anos consecutivos no VAI Valorização de Iniciativas Culturais e IV PRÊMIO CRIANDO ASAS Projeto OIA - Oficina de Iniciação Audiovisual Participantes: Carlos Eduardo Cortes Conceição, Felix Sampaio Oliveira, Jeferson Oliveira Magalhães, Priscila Machado Lima, Ricardo Henrique do Nascimento Querido, Tiago Kinzari. Desde 2007, o OIA começou a ser escrito. Mas foi um projeto que demorou a vingar. O projeto ganhou o Prêmio Criando Asas em 2010, só que para um público diferente, os moradores de rua. A primeira

3 dificuldade encontrada foi em relação ao espaço, pela resistência em receber esse tipo de público. Começamos a ir atrás de lugares e a ter contato com a população da situação de rua. Fomos ao Centro Franciscano e apresentamos a ideia. O Centro Franciscano, no Largo São Francisco (região central de SP), é um local onde os moradores tomam café da tarde e, em alguns dias da semana, recebem apoio de uma assistente social. Num desses horários de café, eu fui lá, apresentei a proposta e levei algumas câmeras fotográficas, deixando alguns deles tirarem fotos, para eles sentirem o que eu estava falando. O OIA foi uma oficina de audiovisual em que eles produziram três curtas-metragens e uma exposição de fotografias. Um dos vídeos é em situação de rua, cada um contando porque veio parar na rua. O grupo quis tirar essa mistificação em torno do morador de rua: o fato de estar na rua não significa que a pessoa é definitivamente moradora de rua. Muitas pessoas que a gente vê na Praça da Sé, com pasta de trabalho, às vezes todo social, são moradores de rua e você não sabe. Eles frequentam vários centros de acolhida e lugares que dão almoço, como Minha Rua Minha Casa, além do Centro Franciscano. Histórias de Transformação Social Alguns depoimentos emocionantes contam histórias de transformação na vida desses moradores. Como a história de um morador que voltou pra casa. Aos 18 anos, ele tinha o sonho de estudar câmera no Instituto Criar. Estava na rua porque tinha dificuldade no relacionamento com a avó. Saía de casa às cinco horas da manhã, tomava café e almoçava nos abrigos. Às vezes ligava pra avó dele e, nesse meio tempo, ele começou a voltar para casa algumas vezes, começou a chegar mais perto da família. No final do OIA ele voltou para casa. Saiu dos abrigos. Existe um rapaz, que inclusive dá seu depoimento no vídeo, que a família não sabe que ele está na rua, que sentia saudade dos irmãos. Ele queria voltar para casa mas, na verdade, ninguém sabe que ele está na rua. A família acha que ele está bem. Um dos meninos, aluno do OIA, foi expulso de casa quando a família descobriu sua homossexualidade. Depois dessa experiência, do vídeo, ele foi aceito e voltou a morar com os pais. Esta história é bastante tocante também. De um rapaz portador do vírus HIV que resolveu se cuidar. Disse ele que desistiu de tirar sua própria vida porque ele chegava à oficina e era recebido com sorriso, abraço e conversa. Priscila chorou à beça quando recebeu uma carta desse rapaz agradecendo o que ela fez por ele. V PRÊMIO CRIANDO ASAS Projeto NOVO OLHAR Participantes: Fagner Lourenço Fernandes, Leonardo Pinheiro Gonçalves, Jaqueline Soares dos Santos, Priscila Machado Lima, Tiago Souza Silva. O projeto Novo Olhar também foi uma oficina que Priscila foi pronto socorrer. Chamada para ajudar Fagner e Tiago a substituírem o abrigo planejado inicialmente, ela conseguiu que a Casa das Expedições se interessasse pelo Novo Olhar. A oficina contou com a participação de 20 crianças e jovens, durante três meses, nos finais de semana. A educadora foi chamada para ministrar a Oficina de Roteiro, mas, mais uma vez, participou diretamente de todo o projeto. Houve até premiação no encerramento, para dois alunos, que se destacaram pelo desempenho e assiduidade. Dica para os próximos vencedores Enxergar além do que se tem ali, pensar além e não desistir na primeira barreira, porque o que mais você acha é barreira. Ninguém confia nos jovens, têm sempre um pé atrás. As pessoas não dão credibilidade, mesmo você mostrando o histórico. É complicado. Mesmo falando que tem o apoio do

4 Criar às vezes é complicadíssimo. Priscila diz que sempre buscou formas de fazer as coisas acontecerem, que não vale a pena desistir. Quanto mais você se doa, mais supera, mais contribui com o projeto! O Prêmio Criando Asas sob o olhar do vencedor Priscila considera a aprendizagem adquirida de valor inestimável. Eu aprendi muito de projetos, aprendi muito na ONG que eu fazia parte, nas reuniões do FICAS. Eu fiquei um ano participando da formação deles paras ONGs. Eu era a única jovem que participava dessas coisas. A HISTÓRIA CONTINUA Click na Lata Alguns meninos assumiram a função de monitor, outros mais experientes já são educadores em oficinas. Alguns estão acompanhando a Ozana e o Rodrigo (link entrevista Ozana e Rodrigo). Priscila acompanha boa parte dos jovens através das Redes Sociais. OIA Um dos jovens, Jeferson, gostou tanto da experiência que levou o OIA para uma ONG, em Cerquilho, no interior de São Paulo. O jovem buscou essa oportunidade, fez a proposta, mudou-se para lá como educador e já está na 2ª oficina para adolescentes. A empreendedora Faz quatro anos que Priscila saiu de seu bairro. Atualmente mora sozinha, no Jabaquara. Ela tem knowhow para falar em protagonistas sociais juvenis. Ela própria continua seu trabalho na zona leste, região que tem paixão. A educadora vai pra São Mateus quase toda semana, onde ainda moram a mãe e os irmãos mais novos e, principalmente, onde está sua raiz. De você viver tendo dificuldade e vendo a dificuldade dos outros que estavam lá junto com você, crescendo e sabendo das necessidades, você aprende como agir. A educadora ressalta que uma das maiores dificuldades é a questão do apoio. São poucos editais para muita gente que quer mudar muita coisa! Os pais às vezes falam você tem que ganhar dinheiro com isso. Mas a educadora não liga para isso. Acho que já desistiram de tentar me barrar. Ultimamente leio menos, mas ainda é bastante. Logo que eu comecei, eu lia uns cinco, seis livros por semana. Ia em tudo que é biblioteca por perto, fazia o curso de Redigir, na ECA, pegava uns livros lá, levava pra sala de aula, começava a ler e depois começavam os debates. A professora ficava enlouquecida, ela falava você vem com a mochila cheia de livro e faz todo mundo ler e discutir?. Atualmente cursa faculdade de Produção de Audiovisual, à noite, na FMU Faculdades Metropolitanas Unidas. Audiovisual é uma coisa que eu sou apaixonada desde bem cedo. Durante o dia trabalha no MIS (Museu da Imagem e do Som), onde começou na recepção. Hoje é Assistente de Documentação no Acervo, lida com inventário, indexação, banco de dados e identificação dos objetos. Liderança Sobre sua notória liderança, Priscila diz tentar não se olhar como alguém assim, tento olhar a todos com um olhar individual. O mesmo que fazia com os alunos nos projetos. Não apenas levar a arte, mas via cada dificuldade da pessoas. Arte, como uma questão social, é você olhar pra cada pessoa com um olhar, cada um aprende as coisas de um jeito, cada um precisa de um apoio, cada um tem uma necessidade.

5 A gente acha que apropriar é só ir no lugar, mas não. Você tem que se apropriar também das questões da pessoa, tornar-se sua amiga. Uma pessoa que tá ali porque tá precisando de alguma coisa, que tá buscando algo. Então, tem que verificar o que cada um tá buscando, o que cada um precisa, além disso. O que é que ele quer com isso. Priscila diz que de sua primeira participação em projetos, em 2007, para hoje, sua forma de entender o mundo mudou. Cada vivência é muito única, muito individual e muda muito. Atualmente, todo tempo que Priscila tem disponível é do coletivo NUFRA - Núcleo Fragmentos da Arte nufrag.wordpress.com, que ela coordena junto com Tiago Kinzari. É lá que apóiam todos os que pedem ajuda. Seja para escrever um projeto, ler um roteiro, ministrar oficinas, como a de iluminação. Priscila, para o bem geral da nação, é incansável.