RESUMO. PALAVRAS-CHAVE: dramaturgia: documentário:théâtre du Soleil: Amok.
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- Geovane Costa Vilanova
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1 STELZER Andrea. A dramaturgia do ator e os documentos na trilogia de guerra da Amok. Rio de Janeiro: UNIRIO. Doutoranda em teatro. Orientador: Walder Virgulino de Souza. Bolsista da CAPES. RESUMO Este texto busca relacionar a dramaturgia do ator dentro do processo de criação com os documentos reais, a fim de procurar responder como o teatro pode dar conta das questões mais urgentes da realidade. A Cia Amok fez uso do teatro documentário nos espetáculos da trilogia de guerra (Dragão 2008, Kabul 2010 e Histórias de Família 2012) onde os atores trabalhavam a partir de imagens e depoimentos reais das pessoas no contexto da guerra. No entanto, mesmo ao trabalhar com o teatro documentário, nota-se que os espetáculos da Amok são repletos de teatralidade que pode ser percebida pela extrema corporalidade dos atores, no aprendizado das línguas, nos cantos, nos objetos, nos figurinos, na luz e na música tocada ao vivo nos dois primeiros espetáculos. O teatro da Amok possui uma estética semelhante a do Théâtre du Soleil não somente por utilizar poucos elementos na cena e valorizar a plasticidade dos atores, mas, sobretudo, pelo conteúdo ético ao abordar cada subjetividade, buscando uma nova maneira de fazer um teatro político. PALAVRAS-CHAVE: dramaturgia: documentário:théâtre du Soleil: Amok. ABSTRACT This text wants to relate the dramaturgy of the actor inside the process of creation with the actual documents in order to try to answer how theater can handle the most urgent issues of reality. The Company Amok has used the theater documentary in the spectacles of the trilogy of war (Dragon , Kabul Stories of Family ) where actors worked with photos and testimonials of real people in the context of war. However, even when working with theater documentary, it is noticed that the performances of Amok is full of theatricality that can be seen in the extreme physicality of the actors, in the
2 learning of languages, in the songs, in the objects, costumes, light and in the music played alive in the first two spectacles. The theater Amok has a similar aesthetic to the Théâtre du Soleil not only by using few elements in the scene and enhance the plasticity of the actors, but mainly by ethical context by approaching each subjectivity, looking for a new way of doing political theater. KEY- WORDS: dramaturgy: documentary: Amok: Théâtre du Soleil. A noção de dramaturgia do ator não se remete à encenação de um texto à priori, mas começa pela improvisação dos atores no palco. São os corpos dos atores que produzem o texto. O texto é irradiado pelo jogo dos atores com os diferentes dispositivos que vão desde imagens, depoimentos, objetos, música, para dar suporte à criação cênico dramatúrgica. De acordo com Picon-Vallin (2009), a dramaturgia do ator surgiu com a perspectiva do teatro em abordar as questões urgentes do mundo, as crises e os conflitos da humanidade. Trata-se de uma forma de escritura contemporânea, movida pelo desejo de falar imediatamente do agora e de realizar a escrita dos atores diretamente no palco. O espetáculo é construído ao longo de um trabalho coletivo com a música, as cores, os objetos e etc. A dramaturgia do ator no Théâtre du Soleil relaciona o trabalho de cada subjetividade dentro do contexto da criação coletiva do espetáculo. Iniciada nos anos 70, a criação coletiva funda seu trabalho na experimentação dos atores e na construção de uma nova relação com o público. Mnouchkine também chama de documentos as experiências dos atores, que não somente representam um papel, mas, muitas vezes, mostram sua própria experiência de vida, visto que muitos atores vêm de países e culturas diferentes. Uma das grandes preocupações temáticas do Théâtre du Soleil é como representar a diferença, conforme explica Derrida, sem reduzi-la a uma simples explicação da realidade, mas de criar um pensamento sobre esta diferença ao aproximar-se dela e valorizar concretamente aquilo que ela tem de específico.
3 Este movimento de aproximação da alteridade se dá a partir de uma longa experiência dos atores com os dispositivos concretos de teatralidade das diferentes culturas abordadas nos espetáculos. Neste caso, a escritura subjetiva dos atores constitui uma incisão no real deixando um rastro ou uma marca que reconhece o outro, fundação também do espaço do entre. O mais importante é perceber a maneira como a escritura institui a diferença pelo reconhecimento do outro, tal como um devir, conforme afirma Deleuze, ou seja, de encontrar a zona de indiferenciação, de vizinhança entre sujeito e objeto. Acima de tudo, os atores aprendem a ter cuidado com a escuta do outro e afirmam o compromisso de dar voz a cada subjetividade envolvida no espetáculo. Não existe somente um olhar, mas cada olhar é uma paisagem aberta para novas possibilidades de experiência e de travessia pelo real. O outro é muito importante no percurso do Théâtre du Soleil. O Théâtre du Soleil reivindica constantemente uma ancoragem no "real", em particular o histórico e o político. Mnouchkine criou alguns de seus espetáculos estabelecendo uma relação direta com os acontecimentos reais. Para isto, ela deixou a grande teatralidade característica do trabalho com o teatro oriental para voltar à criação coletiva dos atores a partir dos documentos, de suas próprias experiências e da improvisação mais realista no palco. Vale lembrar que o realismo para Mnouchkine já é uma transposição, diferente do Naturalismo que foi um movimento literário que almejava uma cópia da realidade. Mnouchkine busca o desenho preciso da ação dos atores, no sentido que a precisão implica em engrandecimento do gesto, que não aparenta mais natural. O gesto deve ser simbólico, musical e poético. O verdadeiro na cena não é uma imitação do real, mas se traduz pela linguagem concreta de teatralidade de forma a ver o real com mais intensidade. A criação coletiva no Théâtre du Soleil volta a acontecer nos espetáculos Le Dernier Caravansérail (2003), construído a partir dos depoimentos dos refugiados e em Les Éphémères (2007), cuja dramaturgia foi construída a partir das próprias histórias íntimas dos atores. Neste caso, a fronteira entre real e
4 ficção torna-se quase invisível e as histórias dos atores passam a ser a história dos personagens. Os atores deixam de mergulhar no universo dos personagens para mergulhar em sua própria intimidade, neste sentido se aproxima de um teatro autobiográfico. Os atores definiam as histórias, a escolha dos atores, dos objetos, do figurino e também da música, criada junto com Jean-Jacques Lemêtre para criação de suas cenas. Nestes espetáculos não era somente a história que era real, mas o cenário era feito com objetos pessoais, a comida era tirada do forno e servida ainda quente, haviam plantas verdadeiras e crianças que participavam das cenas. De acordo com Picon-Vallin, Le Dernier Caravansérail inaugura um novo gênero de teatro documentário, onde os documentos partem de uma subjetividade ainda desconhecida e não de fontes poderosas e conhecidas como no teatro de Peter Weiss (O interrogatório, 1965), que era de cunho político. O político, no teatro documentário do Théâtre du Soleil, é tornar conhecida uma subjetividade até então oculta. A Companhia Amok, criada em 1998 pela diretora Ana Teixeira e o ator Stephane Brodt (que fez parte do Théâtre du Soleil por cinco anos) priorizou o processo de dramaturgia atoral em alguns espetáculos como em O Carrasco, Cartas de Rodez e Savina que foram criados a partir de romances, da procura de um mundo como dos ciganos, ou, no caso de Artaud, com um diálogo com a Mímica Corporal de Decroux. Estes espetáculos têm em comum uma preocupação não somente com a forma teatral, mas também com uma temática que trata das diferentes subjetividades no mundo contemporâneo. A trilogia de guerra surgiu como uma forma de dialogar com os conflitos bélicos do presente e de se perguntar como o teatro pode criar uma poética para falar destas realidades. A dramaturgia do ator, nos espetáculos de guerra da Amok, pode ser observada principalmente pelo jogo extremamente físico, pela musicalidade (das vozes, canções e diferentes línguas aprendidas) e pelo teatro documentário como forma de extrair uma poética do real.
5 As duas primeiras peças da trilogia de guerra da Amok estabelecem um diálogo direto com o Teatro documentário, onde a dramaturgia dos atores partiu da pesquisa de depoimentos e imagens reais no contexto da guerra. O espetáculo Dragão (2008) foi criado a partir de depoimentos sobre o conflito de guerra entre Israel e Palestina. Ao mesmo tempo, este real é filtrado por uma poética corporal dos atores em harmonia com a música tocada ao vivo, que representam grandes fatores de teatralidade da Companhia. O segundo espetáculo, Kabul (2010), aborda a questão das mulheres de véu no Afeganistão a partir de uma imagem real de uma mulher sendo executada no estádio de Kabul. Para falar deste drama real, a Amok dialogou com o romance Andorinhas de Kabul para estruturar a relação dos personagens: o carcereiro, sua mulher e um casal mais jovem, cuja mulher era a irmã da outra. Este espetáculo resultou no desejo de falar da resistência das mulheres que vão contra as leis absurdas instauradas naquele país. Kabul é um espetáculo marcado pelo silêncio e pela dramaturgia gestual dos atores. A mímica dos atores preenche o espaço vazio para comer, tomar banho, abrir a porta e subir escadas. A música, tocada ao vivo com instrumentos da região, ajuda os atores a encontrar o ritmo e a emoção dos personagens. O último espetáculo da trilogia, Histórias de Família (2012), não partiu de uma criação dramatúrgica dos atores, mas de um texto dramático de uma autora sérvia, Biljana Srbljanovic, para falar da perda de valores ocasionada pela guerra na ex-iuguslávia. O texto possui uma dinâmica muito rápida, o que exigiu um jogo dos atores diferente do que a Companhia vinha experimentando até então, com uma pesquisa antropológica da teatralidade. A autora trata de um drama familiar interpretado por atores que interpretam crianças e que por sua vez brincam de representar os adultos. A encenação propõe um jogo de quatro personagens diante de uma platéia de bonecas, todas mutiladas, simbolizando a infância perdida dentro de um contexto de perda de valores imposto pela guerra. Os personagens não apresentam nenhuma psicologia, a brincadeira deles é agredir e violentar o outro, seja com palavras ou com violência física.
6 Esta peça tem referência no teatro Pós-dramático, conforme proposto por Lehmann, no sentido em que se não possui uma seqüência linear como na estrutura do drama, mas são cenas que terminam e recomeçam como se nada tivesse acontecido. Cada quadro explora uma possibilidade de jogo que conduz ao filho que mata os pais. No final do primeiro quadro, o filho, Andria, espalha gasolina nos seus pais que estão dormindo e na casa inteira que pega fogo, mas, na cena seguinte, todos os personagens reaparecem vivos. A estratégia usada pelos atores ao representar crianças, e não se tornar infantil, não foi de imitá-la, mas de buscar a infância na maneira de atuar. Os atores optaram por trabalhar com as emoções indo até o limite, passando de uma situação de riso extremo para de raiva em segundos. Esse jogo exige um extremo preparo físico dos atores tanto com a voz quanto com o corpo, que deve estar flexível para reagir. Percebe-se a importância da música em todos os espetáculos da trilogia, tal como afirmou Meierhold (citado por Picon-Vallin, 2008, p.21): O papel da música, audível e inaudível, é de valorizar o texto, estruturá-lo e aprofundar seu sentido, encená-lo afinal. A música estabelece um tom circense que rompe com a violência e a crueldade dos diálogos da peça. Ela cria um ambiente lúdico e influencia no ritmo dos atores ao levá-los para o plano da brincadeira e da ironia das situações. Ela também é visível pela sincronia das partituras dos atores, tal como uma orquestra de movimentos. Mesmo partindo de um texto dramático, o espetáculo dialoga diversas vezes com o real como, por exemplo, nas notícias de jornal tiradas da época, no depoimento final da personagem Nazdege tirado de um documentário sobre as crianças sobreviventes na guerra da Sérvia, além das imagens reais da guerra projetadas na janela da casa mostrando que a guerra pode acabar, mas os fantasmas continuam a assombrar os que ficam. Encontra-se aqui outra relação entre teatro e história, ou seja, a dramaturgia textual e a poética da cena também criam um efeito no real. As novas vozes, antes desconhecidas, começam a ecoar através dos signos de teatralidade dos atores. A arte pode dar a ver o real de outra forma, como uma
7 partilha do sensível, conforme expressão de Rancière, ou seja, como novas possibilidades de perceber e se sensibilizar com o mundo. O teatro da Amok partilha uma nova forma de teatro político, não ao abordar diretamente a macroestrutura da história da guerra, mas ao abordar as subjetividades dentro do núcleo familiar, que são a estrutura da sociedade. A trilogia de guerra da Amok, através do teatro documentário, busca novas formas para dialogar com o real e essa busca se dá principalmente pela escrita dos atores no palco, valorizando a poética corporal como condição essencial para este diálogo. BIBLIOGRAFIA DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, PICON-VALLIN, Béatrice. Ariane Mnouchkine. Paris: Actes Sud-Papier, coll. Mettre en scène, A cena em ensaios. São Paulo: Perspectiva, LEHMANN, Hans Thies. Teatro Pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, RANCIÉRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: Ed. 34, 2005.
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