A PESQUISA QUALITATIVA
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- Ísis de Sá Lombardi
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1 A PESQUISA QUALITATIVA Profª Drª Siderly do Carmo Dahle de Almeida Prof. Dr. Paulo Eduardo de Oliveira CURSOS DE GRADUAÇÃO Pró-Reitoria de Ensino ORGANIZADORAS: Aparecida Cristina Cardoso Cristina Herold Constantino Fabiana Sanches Noiriel Leal (Liel) MARINGÁ 2014
2 Reitor: Wilson de Matos. Vice-Reitor: Wilson de Matos Silva Filho. Pró-Reitor de Ensino: Valdecir Antônio Simão. Presidente da Mantenedora: Cláudio Ferdinand. NÚCLEO DE FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E METODOLOGIA DA PESQUISA Gestora da disciplina: Cristina Herold Constantino. Professoras mediadoras da disciplina: Aparecida Cristina Cardoso, Fabiana Sanches e Noiriel Leal (Liel).
3 1. Introdução A observação da natureza e da realidade, por meio dos métodos científicos, tem a intenção de resolver os problemas humanos e de dar respostas às questões fundamentais acerca da vida, do cosmos e de tudo o que envolve a existência humana. O conhecimento não objetiva apenas matar a curiosidade do ser humano, mas resolver seus problemas de sobrevivência (POPPER, 2001). A pesquisa científica, em qualquer área do conhecimento, pode adotar duas abordagens distintas, mas complementares: a quantitativa e a qualitativa. A abordagem quantitativa levanta dados e elementos que podem ser quantificáveis, isto é, que permitem a análise numérica por meio de recursos estatísticos e matemáticos. Por sua vez, a abordagem qualitativa permite uma análise teórico-conceitual da realidade, na qual entram em jogo elementos subjetivos, que precisam de recursos de análise em que entram elementos de natureza linguística, social, cultural, psicológica etc. O objetivo deste material é compreender a natureza e a aplicação da abordagem qualitativa na produção do conhecimento. 2. A análise subjetiva Para compreender a abordagem qualitativa, é preciso entender, como ponto de partida, o que é uma análise subjetiva. A subjetividade é o antônimo da objetividade. A compreensão desses dois conceitos é fundamental para o entendimento da construção da ciência e do uso das distintas abordagens de investigação. A objetividade, de modo sintético, pode ser descrita como a forma de analisar e compreender a realidade a partir da perspectiva do objeto. Tome-se, por exemplo, o modo como um pesquisador analisa determinado fato histórico, fazendo uma simples descrição dos acontecimentos, tal como eles se apresentam, sem análise de elementos como a intenção das pessoas envolvidas, as circunstâncias, as causas e as consequências daqueles fatos, os aspectos sociais e culturais ali implicados etc. Assim, um simples relato histórico, que descrevesse, por exemplo, um conflito bélico ou um desastre natural, poderia ser feito com objetividade à medida que o pesquisador ou autor do relato pretendesse restringir sua descrição aos elementos externos, visíveis e tangíveis, que todas as pessoas, em tese, podem ver e compreender do mesmo modo. Todos conhecem a história da Chapeuzinho Vermelho. Do ponto de vista objetivo, todos sabem quais são os acontecimentos ali narrados. Mas, não haveria outra forma de compreender
4 aqueles acontecimentos? O filme Deu a Louca na Chapeuzinho (2005) é um exercício interessante para se compreender que nem sempre a objetividade é o único modo de se compreender os fatos. Imagem disponível em Acesso em 26 de agosto de Há outra forma de se compreender a realidade: a subjetividade. Trata-se de um modo de entender as coisas em que se assume a perspectiva do sujeito e não a do objeto. Nesse caso, como no filme citado, cada personagem tem seu ponto de vista, sua interpretação dos acontecimentos. Cada um, de acordo com seu contexto, seus valores, sua experiência de vida tem uma visão pessoal do que estava acontecendo. E todas essas diferentes visões, embora sejam contrárias entre si, se mostram como possibilidades genuínas de se compreender o que realmente estava acontecendo. 3. A abordagem qualitativa como perspectiva subjetiva Como foi refletido acima, a abordagem subjetiva permite ao sujeito analisar a realidade sob a sua forma pessoal de compreensão, isto é, a partir dos elementos que o situam num determinado contexto ou situação. Portanto, a subjetividade é uma análise situacional. A abordagem qualitativa é um modo de investigação que leva em consideração os elementos subjetivos de análise. Assim, por exemplo, considere o interesse de um antropólogo que quer estudar o modo de vida de uma determinada tribo ou comunidade.
5 Imagem disponível em destinoterra.blogspot.com. Acesso em 26 de agosto de Para este antropólogo não interessam apenas os dados objetivos daquilo que ele percebe exteriormente: interessam-lhe, sobretudo, os elementos de natureza subjetiva: as razões e motivos que explicam aquele modo de vida. Ele vai procurar compreender como as pessoas pensam, quais são seus valores, quais são suas intenções, quais são seus propósitos. A análise objetiva quer determinar o quê. A análise subjetiva quer descobrir o porquê. Interessam os fatos em si. Interessam as razões dos fatos. Portanto, a análise subjetiva é o pano de fundo da abordagem qualitativa, porque ela permite ao pesquisador avaliar não apenas os elementos exteriores, que poderiam ser traduzidos em números, gráficos e tabelas, como na abordagem quantitativa. A abordagem qualitativa permite a compreensão dos elementos simbólicos que estão presentes na realidade humana e cultural, que não podem ser traduzidos em elementos matemáticos, mas só podem ser compreendidos a partir da análise da linguagem. Como afirma Severino (2007, p. 115), a realidade humana só se faz conhecer na trama da cultura, malha simbólica responsável pela especificidade do existir dos homens, tanto individual quanto coletivamente. E, no âmbito cultural, a linguagem ocupa lugar proeminente, uma vez que se trata de um sistema simbólico voltado diretamente para essa expressão. Neves (1996, p. 1) também assinala esse caráter simbólico que a abordagem qualitativa apresenta, quando afirma:
6 Em certa medida, os métodos qualitativos se assemelham a procedimentos de interpretação dos fenômenos que empregamos no nosso dia a dia, que têm a mesma natureza dos dados que o pesquisador qualitativo emprega em sua pesquisa. Tanto em um como em outro caso, trata-se de dados simbólicos, situados em determinado contexto. Desse modo, enquanto as Ciências da Natureza podem se utilizar de modo mais favorável da abordagem quantitativa, as Ciências Humanas e Sociais não podem se contentar apenas com a visão pretensamente objetiva da realidade. Assim, como afirma Flick (2009, p. 25), a psicologia e as ciências sociais em geral possuem longa tradição na aplicação de métodos qualitativos. Para as ciências da vida humana e da sociedade, com efeito, também importam os elementos subjetivos de análise, aqueles que só podem ser descritos a partir de uma investigação de valores, razões, motivos pessoais, momento histórico, contexto cultural etc. Veja-se, por exemplo, o gráfico abaixo: Disponível em Acesso em 26 de agosto de A partir destes dados, é possível fazer uma análise quantitativa, que revelaria os elementos objetivos ali presentes, com relação à redução do analfabetismo, em uma década, nas diversas regiões do Brasil. Contudo, essa análise objetiva não revelaria elementos fundamentais para compreender o fenômeno do alfabetismo em suas implicações culturais, sociais, econômicas, históricas, regionais e assim por diante. Esses outros elementos dependeriam de uma análise qualitativa, em que os dados subjetivos também podem ser apreciados. Outro exemplo, considerando-se a tabela a seguir:
7 Disponível em Aceso em 26 de agosto de Também no caso da análise da taxa de fecundidade, apenas os índices numéricos (abordagem quantitativa) não são suficientes para a compreensão do fenômeno da diminuição do número de filhos no Brasil, nos últimos 70 anos. É preciso que a análise também inclua fatores sociais, culturais, econômicos e assim por diante. Portanto, é preciso que a investigação também apresente uma perspectiva qualitativa. Segundo Flick (2009, p. 20), a pesquisa qualitativa é de particular relevância ao estudo das relações sociais devido à pluralização das esferas de vida. Diferentemente da uniformidade que se pode encontrar nos elementos das ciências da natureza, a experiência humana e social não pode ser reduzida em elementos de uniformidade, exigindo assim um método que dê suporte à investigação de suas peculiaridades e idiossincrasias. Apesar das diferenças, não se deve, contudo, defender a absoluta oposição entre as abordagens quantitativas e qualitativas. Como ressalta Neves (1996, p. 2), os métodos qualitativos e quantitativos não se excluem. Embora difiram quanto à forma e à ênfase, os métodos qualitativos trazem como contribuição ao trabalho de pesquisa uma mistura de procedimentos de cunho racional e intuitivo capazes de contribuir para a melhor compreensão dos fenômenos. Pode-se distinguir o enfoque qualitativo do quantitativo, mas não seria correto afirmar que guardam relação de oposição. Portanto, para o trabalho de pesquisa e de construção do conhecimento, é importante considerar o valor e as possibilidades de ambas as abordagens. Como ressalta Flick (2009, p. 33), no cotidiano da prática de pesquisa, fora das discussões metodológicas, frequentemente se faz necessária e útil a ligação entre as duas abordagens. E mais: a pesquisa qualitativa e a quantitativa não são opostos incompatíveis que não devam ser combinados (FLICK, 2009, p. 95).
8 4. As características da abordagem qualitativa De acordo com Oliveira (2000 apud QUEIROZ, 2006, p. 90), o método qualitativo sempre foi considerado como método exploratório e auxiliar na pesquisa científica. No entanto, o autor destaca que o novo paradigma da ciência coloca o método qualitativo dentro de uma outra base de concepção teórica na mensuração, processamento e análise de dados científicos, atribuindo-lhe valor fundamental no desenvolvimento e consolidação da ciência em diferentes áreas. As características da abordagem qualitativa podem ser melhor compreendidas em contraposição às da abordagem quantitativa. Neves (1996, p. 1), apresenta um interessante paralelo entre ambas: Enquanto estudos quantitativos geralmente procuram seguir com rigor um plano previamente estabelecido (baseado em hipóteses claramente indicadas e variáveis que são objeto de definição operacional), a pesquisa qualitativa costuma ser direcionada, ao longo de seu desenvolvimento; além disso, não busca enumerar ou medir eventos e, geralmente, não emprega instrumental estatístico para análise dos dados; seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos quantitativos. Dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo. Nas pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador procure entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a partir, daí situe sua interpretação dos fenômenos estudados. Flick (2009, p. 23) também ressalta as distinções entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa. Para ele, As ideias centrais que orientam a pesquisa qualitativa diferem daquelas da pesquisa quantitativa. Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa consistem na escolha adequada de métodos e teorias convenientes; no reconhecimento e na análise de diferentes perspectivas; nas reflexões dos pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do processo de produção de conhecimento; e na variedade de abordagens e métodos. De acordo com Portela (2004, p. 2), A pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas sim com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização etc. Os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa se opõem ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade, o que pressupõe uma metodologia própria. Assim, os pesquisadores qualitativos recusam o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social, uma vez que o pesquisador não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e crenças contaminem a pesquisa. Na pesquisa qualitativa, ainda segundo Portela (2004, p. 2), o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas pesquisas, isto é, ele também está envolvido e acaba influenciando a
9 análise dos dados e as reflexões construídas. E aí que reside, principalmente, a riqueza do elemento subjetivo da pesquisa qualitativa. Pode-se considerar as diferenças mais significativas entre a pesquisa quantitativa e a qualitativa a partir do quadro a seguir: Disponível em: Acesso em 26 de agosto de Para Portela (2004, p. 3), as principais características da pesquisa qualitativa são: objetivação do fenômeno, isto é, o empenho em analisar os fenômenos com o maior grau de precisão possível, apesar da intervenção subjetiva; hierarquização das ações de descrever, compreender, explicar; precisão das relações entre o global e o local em determinado fenômeno; observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural; respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos;
10 busca de resultados, os mais fidedignos possíveis; oposição ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências. 4. Considerações Finais A pesquisa qualitativa tem muitas diferenças em relação à pesquisa quantitativa. Como foi visto, ela supera as limitações da abordagem meramente quantitativa, permitindo que as ciências sociais e humanas, sobretudo, possam fazer análises que envolvem elementos subjetivos. Ela também critica a tendência à unificação da ciência, o que seria um reducionismo, pois entende que a realidade humana, social e da natureza não pode ser compreendida por um único método nem por um único tipo de conhecimento, dada à sua complexidade. Por outro lado, o texto aqui estudado também ressalta a importância de integração entre as duas abordagens, de modo que a tarefa de investigação possa se beneficiar dos dados quantitativos e qualitativos que estiverem à disposição do pesquisador. Referências Bibliográficas FLICK, Uwe. Introdução à Pesquisa Qualitativa. Porto Alegre: Artmed, POPPER, Karl. A vida é aprendizagem. Lisboa: Edições 70, PORTELA, Girlene Lima. Pesquisa quantitativa ou qualitativa? Eis a questão. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, Disponível em: Acesso em 26 de agosto de QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa: perspectivas para o campo da etnomusicologia. Revista Claves. João Pessoa. Número 2. Nov. 2006, p Disponível em: acesso em 26 de agosto de SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez, 2007.
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