HOJE É DIA, MAIS UMA VEZ, DE MUDAR DE CASA E DE VIDA : EXÍLIO E REPRESENTAÇÃO EM LIXO E PURPURINA, CONTO DE CAIO FERNANDO ABREU
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- Martim Galvão Silva
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1 HOJE É DIA, MAIS UMA VEZ, DE MUDAR DE CASA E DE VIDA : EXÍLIO E REPRESENTAÇÃO EM LIXO E PURPURINA, CONTO DE CAIO FERNANDO ABREU Antônio João Galvão de Souza¹; Marilúcia Mendes Ramos² ¹ Bolsista da CAPES e Mestrando em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG). ² Orientadora e Professora Adjunta na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG). RESUMO Este trabalho é resultado de pesquisa em pós-graduação desenvolvida junto ao grupo A releitura da história de além-mar pelas veredas da literatura (UFG) desde Entendemos que as diversas possibilidades de aproximação entre a literatura e a história são particularmente significativas no âmbito do século XX. Marcado por itinerários do desassossego tais como os regimes ditatoriais e autoritários, as guerras, o genocídio e os movimentos migratórios, ele proporciona amplas reflexões sobre as densas relações entre experiência, trauma e memória. Assim, o objetivo dessa comunicação é analisar o conto Lixo e purpurina, de Caio Fernando Abreu, como uma narrativa que problematiza as relações apresentadas acima e amplia o campo de abordagem da história cultural, pois traz representações da experiência do exílio ao abordar o imaginário social daquele período. Palavras-chave: narrativa literária, discurso histórico, representação. Introdução O golpe militar implementado no Brasil em abril de 1964 e, posteriormente, o Ato Institucional Número 5 (AI-5), ocasionou profundos impactos na sociedade brasileira: estabeleceram-se políticas de extermínio premeditado e perseguição ideológica aos opositores do regime; suprimiram-se direitos arduamente conquistados ao longo da história civil nacional; 1
2 praticou-se tortura sistematicamente e com conseqüente imposição de brutal sofrimento físico, repressão e censura indiscriminada. Enfim, exercitou-se o poder político de modo completamente arbitrário. Conforme aponta Renato Franco (2003), uma das principais questões que se impõem ao exercício intelectual crítico, oposto à versão tida como oficial dos acontecimentos, é a de investigar como a produção literária brasileira configurou-se nessa circunstância de catástrofe. Tal consideração acerca da produção literária no Brasil, no âmbito da repressão da ditadura militar, conduziu-nos ao estabelecimento de uma problemática: investigar os percursos desenvolvidos pelo escritor Caio Fernando Abreu ( ) na elaboração de uma contística imersa nessa circunstância de catástrofe, principalmente na última década da ditadura militar. De forma angustiante, seus contos evocam uma temática da errância e do deslocamento, a qual parece transubstanciar-se numa narrativa com características ímpares no contexto da referida época. A importância do estudo da contística desse autor justifica-se pela intrínseca relação mantida com a recuperação da memória do sufoco, manifestada, principalmente, em contos cuja temática é a do exílio e a do estranhamento. No inicio da década de 1970 a literatura brasileira viu-se forçada a elaborar-se sob uma intensa sensação de esquartejamento, ou de sufoco, conforme termos propostos por Franco (1998), conseqüência da opressiva censura instaurada com o AI-5. Desse modo, o objetivo geral deste projeto de pesquisa é investigar as relações entre arte e sociedade, a partir de uma perspectiva de resistência cultural e artística durante o regime militar brasileiro ( ) e analisar a literatura produzida nessa ambiência, nela se destacando a contística de Caio Fernando Abreu. E, como objetivo específico, situar a contística de Caio Fernando Abreu na última década da ditadura militar e identificar a forma literária como seus contos reconstituem a memória do sufoco, da repressão e do cerceamento. Também queremos delinear a fundamentação teórica e crítica que norteará as análises em questão; depreender as constantes estilísticas que a narrativa de Caio Fernando Abreu assume; e analisar suas implicações na linguagem e na configuração de personagens, tempo e espaço. Material e métodos Ainda durante a graduação em Letras ( ), quando este projeto teve início sob a forma de pesquisa vinculada ao Programa Institucional de Iniciação Científica (PIVIC), levantou- 2
3 se toda a produção bibliográfica de Caio Fernando Abreu e também de bibliografia sobre a obra do autor. Desse modo, foram adquiridos todos os livros publicados pelo escritor. Alguns, mais relevantes, em mais de uma edição, exceto aqueles cuja distribuição está esgotada. Já a aquisição bibliográfica sobre a narrativa de Caio e sobre a fundamentação teórica multidisciplinar que sustenta esta pesquisa foi bastante profícua: ao longo da pesquisa foram estudados capítulos, ensaios, artigos e livros com abordagens teórica e crítica nas áreas de literatura, principalmente, mas também em história, filosofia, sociologia e antropologia. Procedendo à leitura dos contos selecionados e ao estudo da fundamentação teórica que subsidia o cotejo dos textos, a contística de Abreu foi confrontada com teorias literárias e com as leituras críticas acima mencionadas, o que levou à redação de fichamentos e relatórios apresentados à orientadora nas reuniões do grupo de pesquisa. Inerente à metodologia dessa pesquisa foi a redação de artigos e a apresentação desses em eventos e congressos literários e científicos atinentes a nossa área de pesquisa. Resultados e Discussão Os resultados obtidos com este projeto de pesquisa têm sido apresentados em diversos eventos científico-literários desde o primeiro semestre de 2006 em distintas modalidades como pôsteres, comunicações individuais e coordenadas e mesas-redondas, não somente em Goiânia como também em outras instituições de ensino superior no Brasil. Não obstante, este projeto obteve o terceiro lugar no V Prêmio UFG de Iniciação Científica, concedido em 2007, além de ter sido conduzido ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística, na Faculdade de Letras desta instituição, sob a forma de pesquisa de dissertação de mestrado em Estudos Literários. Tais resultados têm contribuído significativamente para o desenvolvimento desta pesquisa na medida em que foram conhecidos outros pesquisadores atuantes na mesma área de investigação que a deste trabalho; outras linhas de pesquisa adjacentes a esta foram descobertas; e a participação em encontros, reuniões, colóquios, congressos, seminários e simpósios permitiram publicações em cadernos de resumos e anais desses eventos e também em revistas de nossa área. Assim, ao suscitar discussões sobre a narrativa de Caio Fernando Abreu, temos divulgado, ainda que de modo incipiente, os estudos sobre a obra desse escritor, o que ressalta a pertinência desta pesquisa já que ela se concentra sobre a produção literária de um contista não muito estudado 3
4 academicamente e que como poucos conseguiu representar os cenários sociais brasileiros das décadas de 1970 e Assim, dentro de nossa proposta de pesquisa, selecionamos o texto Lixo e purpurina, escrito em Ele varia entre o diário, a crônica e o conto, e combina referências históricas e ficcionais que constroem um conjunto de imagens perturbadoras da década de O conto somente foi publicado vinte e um anos depois, na coletânea Ovelhas negras, em O eixo de Lixo e purpurina é o exílio e esse exílio pode ser entendido de dois modos. O primeiro é o auto-exílio político, isto é, o ponto de vista do narrador é o de um brasileiro que se encontra em Londres, o qual elabora uma tensa relação entre passado e presente, Brasil e Inglaterra, identidade e alteridade, e que recompõe constantemente as referências de entendimento da realidade ao seu redor. Um segundo modo de entender esse exílio consiste em pensá-lo em termos de constituição do sujeito que narra a sua experiência. O estudo Exílio e tortura revela a condição habitual do narrador exilado, que é a de ter as perspectivas em colapso. Há nesse caso uma busca dispersa e difusa que busca estabelecer um novo lugar, o qual nunca é inteiramente conquistado. Então, o sujeito exilado caracteriza-se justamente por sua condição de marginalidade e pelo seu incessante deslocamento em relação às mínimas condições necessárias para sua socialização. Assim sendo, a experiência não é apenas de cisão e de frustração, mais do que isso é a autodestruição desse sujeito/narrador cuja estabilidade dificilmente é vislumbrada. Conclusões O narrador de Lixo e purpurina mostra-se fragmentado, o que ressalta as perdas e estabelece uma relação tensa com o presente inquietante, já que marcado pela memória da repressão da qual se quer fugir, e o futuro esvaziado de expectativas, condição limite imposta pelo auto-exílio. Assim, de um lado tem-se o testimonio latino-americano (Seligmann-Silva, 2003) de um exilado que quer registrar suas impressões acerca de sua experiência. De outro, a dificuldade dessa narração posto que o trauma do real inviabiliza sua escrita, o que permite tecer considerações sobre essa narrativa produzida durante a ditadura militar brasileira. Podemos pensar em Lixo e purpurina como uma das tendências literárias no recorte histórico aqui estudado. Alfredo Bosi (1975) denomina-a de brutalismo na introdução de O conto brasileiro contemporâneo. Assim, suas principais características são: os limites da prosa, da trama e da 4
5 verossimilhança realista são tensionados ao máximo; há a profusão de um jogo verbal com excessos e silêncios, repetições e fragmentos no interior da narrativa, os quais ressaltam os conflitos de uma realidade agressiva, violenta e despedaçada. Como o percurso de existência é o da não constituição, nem de superação de impasses, ele se estabelece em Lixo e purpurina como perplexidade constante. O conhecimento do mundo ocorre como uma cadeia de choques, o que define um narrador em constante estado de alerta: Não tenho mais nada a perder. Não sabia que o mundo era assim duro, assim sujo. Agora eu sei. (Caio Fernando Abreu, 1995, p. 195). Sensação que também persiste no seguinte trecho: Que eu continue alerta. Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém. Livra-me dos poços e dos becos de mim Senhor. Que meus olhos saibam continuar se alargando sempre (Idem, 1995, p. 214 e 215). Referências ABREU, Caio Fernando. Ovelhas negras. Porto Alegre: L&PM, ADORNO, Theodor. Negative dialects. New York: The Continuum Publishing Company, BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, CANDIDO, Antonio. A literatura e a vida social. In: Literatura e sociedade. São Paulo: Editora Nacional, FRANCO, Renato. Itinerário político do romance pós-64: a festa. São Paulo: Editora da Unesp, Literatura e catástrofe no Brasil: anos 70. In: SELIGMANN-SILVA, M. História, memória, literatura: o testemunho na era das catástrofes. Campinas: Editora da Unicamp, GINZBURG, Jaime. Exílio, memória e história em Caio Fernando Abreu. In: Revista Literatura e Sociedade. São Paulo: Nankin Editorial, Imagens da tortura: ficção e autoritarismo em Renato Tapajós. In: Estudos de literatura brasileira contemporânea. Brasília: Editora da UnB, HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras,
6 RAMOS, Marilúcia Mendes. A releitura da história de além-mar pelas veredas da literatura. (Projeto de pesquisa). Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, VIÑAR, Marcelo. Exílio e tortura. São Paulo: Escuta,
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