O papel da improvisação em quatro obras para percussão e meios eletrônicos em tempo real*
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- Ana Vitória Bergmann Corte-Real
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1 O papel da improvisação em quatro obras para percussão e meios eletrônicos em tempo real* Daniel L. Barreiro Cesar A. Traldi Celso L. A. Cintra Carlos R. F. de Menezes Júnior 82 Daniel L. Barreiro: Doutor em Música pela University of Birmingham (Inglaterra). É coordenador do Núcleo de Música e Tecnologia (NUMUT) e Professor do curso de Música e do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Cesar Traldi: Doutor em Música pela Unicamp. É membro do Núcleo de Música e Tecnologia (NUMUT), Professor de percussão do curso de Música e Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Celso Cintra: Doutorando em Musicologia pela ECA/USP. Mestre em Música pela UNESP. É membro do Núcleo de Música e Tecnologia (NUMUT), coordenador do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Multimídia e Professor de Harmonia, Teoria e Filosofia da Música do curso de Música da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Carlos Menezes Júnior: Mestre em Ciências na área de processamento da informação/inteligência artificial/computer music pela UFU. Bacharel em Violão pela UFU. É membro do Núcleo de Música e Tecnologia (NUMUT) e coordenador do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Produção Sonora. É professor de Arranjo, Harmonia e Prática de Conjunto. * Este trabalho tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) através do edital 021/2008. Gravações das obras disponíveis em
2 Resumo Este artigo aborda quatro obras musicais compostas para percussionista e meios eletrônicos em tempo real que apresentam diferentes graus de abertura à improvisação: Iluminura (vibrafone e computador), de Carlos Menezes Júnior; Granada (caixa-clara e computador), de Cesar Traldi; Altar ou A Resposta dos Deuses (temple bell e computador), de Celso Cintra; e Natural Tech (marimba e computador) de Daniel Barreiro. As obras, compostas em 2010, estão vinculadas a uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Iluminura estabelece um diálogo em tempo real entre vibrafone e computador, explorando momentos de fusão e momentos de forte contraste entre os sons acústicos e eletroacústicos. A maior parte dos eventos é definida na partitura, mas há trechos que abrem espaço para improvisações com conjuntos predeterminados de classes de notas. Granada explora trechos precisamente prescritos na partitura e delays de trechos improvisados baseados no ritmo do baião. Isso cria uma base rítmica sobre a qual são retomados elementos anteriores entremeados com momentos de livre improvisação. Altar ou A Resposta dos Deuses é concebida como uma improvisação livre, exceto o primeiro ataque forte indicado nas instruções. A obra possui três seções, mas o intérprete define a sua duração total. Trechos instrumentais são gravados e reproduzidos aleatoriamente com transformações e faz-se uso de delays cujos parâmetros mudam aleatoriamente. Natural Tech também não tem uma duração fixa e apresenta apenas instruções textuais sobre os tipos de comportamentos sonoros que devem ser explorados em cada uma das suas três seções principais. O roteiro apresenta ao(à) percussionista um contexto de improvisação fundado num processo global de transformação sonora que parte de eventos pontuais e espaçados em direção a eventos com um caráter mais contínuo. A parte eletroacústica é gerada em tempo real a partir do material instrumental captado durante a performance e busca delinear o processo global de transformação sonora mencionado. O conjunto das quatro obras apresenta um leque diversificado de abordagens, porém com alguns pontos em comum no que tange às pesquisas composicionais. 83 palavras-chave Percussão. Interatividade. Improvisação. Composição. RESUMEN This article discusses four musical works for percussion and live-electronics that present different approaches towards improvisation: Iluminura (for vibraphone and computer), by Carlos Menezes Júnior; Granada (for snare drum and computer), by Cesar Traldi; Altar ou a Resposta dos Deuses (for temple bell and computer), by Celso Cintra; and Natural Tech (for marimba and computer), by Daniel Barreiro. The works, composed in 2010, are linked to a research funded by Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Iluminura presents a dialogue in real-time between vibraphone and computer, exploring moments of fusion and moments of strong contrast between acoustic and electroacoustic sounds. Most of the events are specified in the score, but there are passages that open space to improvisations with predetermined sets of pitch-classes. Granada explores passages specifically prescribed in the score and moments of free improvisation. The computer delays improvised segments based on the rhythmic patterns of baião, creating a rhythmic foundation over which materials that were previously presented are interspersed with moments of free improvisation. Altar ou A Resposta dos Deuses is conceived as a free improvisation apart from the first strong attack, which is prescribed in the instructions. The work is structured in three sections, but the interpreter defines its total duration. Instrumental excerpts are recorded and played back randomly with transformations. The work also makes use of delays whose parameters change randomly. Natural Tech has no fixed duration either and displays only textual instructions regarding the types of sonic behaviour that must be explored by the performer in each of its three main sections. The work puts the percussionist in a context of improvisation based on an overall process of sonic transformation that departs from short and isolated events towards events with a more continuous character. The electroacoustic part is generated in real time from the instrumental material recorded during the performance and seeks to outline the overall process of the sonic
3 transformation mentioned above. This group of four works presents a wide range of approaches, but with some aspects in common regarding compositional research. PALABRAS-LLAVE Percussion. Interactivity. Improvisation. Composition. 1. Introdução 84 As quatro obras apresentadas nesse artigo foram desenvolvidas dentro das atividades de pesquisa do Núcleo de Música e Tecnologia (NUMUT) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O NUMUT tem como um de seus objetivos pesquisar a criação e a performance de obras musicais com dispositivos eletrônicos em tempo real. Iluminura, Granada, Altar ou A Resposta dos Deuses e Natural Tech são obras para instrumentos de percussão e dispositivos eletrônicos em tempo real que possuem como característica comum a improvisação. Essas obras foram estreadas pelo percussionista e pesquisador do NUMUT Cesar Traldi no III Festival de Percussão 2 de Julho, realizado de 20 a 25 de Julho pela Universidade Federal da Bahia em Salvador, Brasil. 2. Improvisação com eletrônicos em tempo real A performance de obras para instrumentos acústicos com dispositivos eletrônicos em tempo real exige dos intérpretes o desenvolvimento de uma nova postura interpretativa, ou seja, a utilização de técnicas interpretativas mediadas. Campos et al. (2007) apresentam uma discussão sobre a performance de uma obra completamente improvisada utilizando instrumentos de percussão e dispositivos eletrônicos em tempo real. Segundo Campos et al. (2007), a utilização de técnicas interpretativas mediadas, num contexto vinculado à utilização de elementos de improvisação, exigiu dos intérpretes a capacidade de controle de diferentes estruturas sonoras e a habilidade de percepção e reação aos eventos e às sonoridades geradas pelo computador (CAMPOS et al., 2007, p. 4). A utilização de dispositivos eletrônicos em improvisações amplia as possibilidades sonoras e muitas vezes tornam as improvisações ainda mais imprevisíveis. Segundo Costa (2007), a utilização destes recursos computacionais, além de ampliar enormemente o potencial de fabricação desta máquina de sons que é a performance, agrega à mesma, um alto grau de imprevisibilidade. As variáveis são infinitas e o grau de controle dos resultados sonoros por parte do músico responsável pelas operações de processamento depende do ambiente concreto (pleno de multiplicidades e complexidades) em que a performance se desenrola (COSTA, 2007, p. 5).
4 A seguir apresentamos as experiências com improvisações e dispositivos eletrônicos em tempo real realizadas dentro do NUMUT por meio de quatro obras: Iluminura, Granada, Altar ou A Resposta dos Deuses e Natural Tech. 3. Iluminura No século XIII, o termo Iluminura referia-se a um tipo de pintura decorativa presente nas letras capitulares de pergaminhos medievais. Muitas vezes, eram decorados com ouro ou prata e chamados de manuscritos iluminados. Estas gravuras serviram de inspiração para a criação de Iluminura, composta por Carlos Menezes Júnior para vibrafone e computador (rodando um aplicativo desenvolvido no software Pure Data 1 ). A obra foi elaborada visando estabelecer um diálogo entre estes dois instrumentos em tempo real, sem sons pré-gravados. Duas diretrizes nortearam a elaboração da composição: a) criar momentos em que o computador assumisse uma função de extensão do instrumento acústico, produzindo uma situação em que o ouvinte não conseguisse identificar onde termina a som do vibrafone e onde começa o som processado; b) estabelecer fortes contrastes entre instrumento acústico e computador, mesmo sendo o vibrafone a única fonte de exploração sonora utilizada na programação do aplicativo (patch) em Pure Data (Pd). A estrutura formal da peça é ternária (A B A ) sendo que a primeira seção tem um alto grau de determinação dos eventos na partitura, a segunda seção um baixo grau de determinação (tendo a improvisação como principal elemento) e a terceira seção volta a ter um alto grau de determinação, porém explorando apenas alguns elementos já apresentados na primeira seção. A obra começa com o vibrafone tocando simultaneamente três notas específicas, sendo que as duas notas mais agudas formam um intervalo de quinta justa e quarta aumentada com a terceira nota, que é a mais grave, conforme indicado na partitura. O computador capta o som do ataque e da ressonância, armazena em um buffer e após 10 segundos começa a reproduzi-lo em sentido retrógrado (de trás para frente). Com isso o ouvinte não consegue distinguir exatamente onde termina o som de ressonância do vibrafone e onde começa o som de ressonância reproduzido pelo computador. Na programação do patch em Pure Data foram criados três players para o mesmo buffer um que toca a amostra inteira em sentido retrógrado e com ambiência simulando uma catedral, outro que toca apenas a ressonância (sem o ataque) sem ambiência, e o terceiro que toca trechos desta amostra de forma aleatória, tanto em sentido retrógrado como no sentido original e com ambiência simulando uma pequena sala com pouca reverberação. Estes players também foram criados para explorar três planos diferentes de profundidades. Outras notas são executadas mantendo a mesma ideia inicial. A justaposição dos sons gravados e tocados cria um adensamento sonoro que acaba funcionando como uma extensão da própria sonoridade do vibrafone. Deste modo, cria-se um amálgama no qual o acústico e o eletrônico tornam-se uma massa sonora única. A exploração deste amálgama é um dos principais focos de pesquisa composicional adotados nesta peça Para maiores informações sobre o software Pure Data (Pd), ver <
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6 Continuação Figura 1. Partitura de Iluminura.
7 Quanto a organização do material musical, mais especificamente no âmbito das alturas, existe nesta obra uma forte referência ao modalismo do período medieval, em especial ao organum, combinado com propostas mais contemporâneas como conjuntos de classes de notas sem conotação modal ou tonal e a improvisação livre (esta última sendo utilizada como eixo principal na estruturação da seção B). Nessa seção, o intérprete começa improvisando com um conjunto restrito de notas oriundo da seção A, porém, à medida que a música avança, o percussionista acrescenta outras notas até abranger o total cromático. Assim, a improvisação é inicialmente dirigida por um conjunto específico de classe de notas, mas adquire, com o total cromático, um caráter gradativamente mais livre no âmbito das alturas. O patch improvisa junto com o intérprete e cria texturas a partir dos elementos sonoros executados pelo vibrafone nesta seção. A interface do patch mostra apenas algumas informações básicas tais como cronômetro, mensagem MIDI de nota recebida, buffer acionado, porcentagem de processamento utilizado e um botão para ligar ou desligar o DSP. 2 O controle do patch é feito através de um controlador MIDI, seja na forma de um pedal ou de qualquer outro controlador que envie mensagens de nota MIDI. 88 Figura 2. Interface do patch de Iluminura feito em Pure Data. Os equipamentos utilizados no processo de interação que se instaura na obra estão ilustrados na figura a seguir. Figura 3. Interações de Iluminura. 2 Do inglês Digital Signal Processor, responsável pelo processamento do áudio digital.
8 4. Granada Composta pelo percussionista Cesar Traldi para caixa-clara e computador utilizando o software livre Pure Data (Pd), essa obra contém trechos determinados pelo compositor e escritos de maneira tradicional na partitura e trechos de improvisação livre e improvisação baseada em pequenas células rítmicas. Granada foi composta com base nos ritmos do Baião (popular da região nordeste do Brasil) e pode ser dividida em 5 partes, conforme descrito abaixo: 1. Trecho escrito com base nas figuras rítmicas realizadas pelas caixas nos grupos de Baião. 2. Improvisação explorando efeitos sonoros não convencionais na caixa-clara. É captada pelo computador e, através de uma câmara de delay de 30 segundos, cria uma espécie de textura que será repetida até o final da obra. 3. Construção de uma estrutura rítmica baseada nas células do Baião através da execução de frases escritas na partitura e que também serão repetidas pela câmara de delay do computador. 4. Retomada de algumas frases apresentadas no trecho inicial da obra e agora realizadas sobre o ritmo criado. Após um pequeno trecho escrito, o intérprete deve realizar uma improvisação livre de aproximadamente dois minutos sobre a base rítmica criada. 5. No trecho final o intérprete realiza um ostinato rítmico e, junto com o computador, realiza um gradual diminuendo até o silêncio total ao final da obra. A próxima imagem mostra uma ilustração das interações existentes entre o intérprete, instrumento e computador. 89 Figura 4. Interações de Granada. O som da caixa-clara é captado por um microfone e enviado para o computador. Por meio de um pedal MIDI, o intérprete indica ao computador as diferentes partes da obra. O som acústico da caixa e os delays realizados pelo computador são amplificados por um sistema de amplificação estéreo. O patch desenvolvido em Pd recebe o som captado pelo microfone e quando acionado pelo pedal MIDI realiza os delays e também para de captar o som quando necessário.
9 90 Figura 5. Patch desenvolvido em Pd para a obra Granada. No canto superior direito do patch vemos o indicador do Pedal MIDI que irá mudar cada vez que o intérprete acionar o pedal durante a performance da obra. No canto superior esquerdo vemos uma indicação do delay que o computador realiza, o que permite acompanhar quando o som está entrando na câmara de delay, quando está saindo e quando está sendo reproduzido em delay. Na parte inferior existem dois cronômetros, o da direita marca o tempo de duração total da obra e o da esquerda marca o tempo transcorrido do delay de 30 segundos e o número de vezes que já foi realizado pelo computador. O quadrado grande do patch realiza um pulso de 120 BPM. É necessário que o intérprete realize o terceiro trecho da obra (formação do ritmo de baião) com grande precisão métrica para que, ao completar o ciclo de 30 segundos do delay, a frase se complete de maneira perfeita. Além da informação visual é possível ouvir o pulso de 120 BPM utilizando um fone de ouvido acoplado à placa de som do computador. 5. Altar ou A Resposta dos Deuses Composta por Celso Cintra, por encomenda do percussionista Cesar Traldi, a partir da sugestão de uma peça para temple bell e Pure Data, em que a execução fosse uma improvisação livre. A improvisação livre, em que nenhum tipo de préordenamento do material musical é feito antes da performance, utilizando um instrumento que emite apenas um som de altura definida, levou à concentração de toda a elaboração da peça na programação em Pure Data (Pd), gerando algumas questões que deveriam ser respondidas no desenrolar do processo composicional. As questões colocadas como desafios composicionais foram: 1. Como transformar uma improvisação livre em uma música na qual fosse possível identificar uma unidade intrínseca?
10 2. Como essa música poderia ser ouvida diversas vezes e, apesar do performer fazer uma improvisação livre, ainda assim soar como sendo a mesma música? 3. Como garantir, na própria concepção do patch em Pd, uma abertura que pudesse fazer com que o intérprete decidisse a duração de sua improvisação livre, e ainda assim respeitasse as questões/desafios acima? 4. Como proporcionar liberdade suficiente ao intérprete para que ele ficasse totalmente livre em sua improvisação, sem a necessidade de se preocupar com o acionamento de pedais ou teclas do computador? 5. Por fim, como aproximar a experiência do intérprete com a de uma improvisação livre coletiva (em que se trava uma espécie de jogo ou conversa entre os diversos músicos), fazendo com que o computador e o intérprete dialogassem de alguma forma durante a improvisação que seria feita a cada apresentação da peça? Serão comentadas as ideias musicais que motivaram a confecção dos patches e subpatches, bem como os resultados musicais e sonoros obtidos a partir de seu funcionamento. Com relação ao nome da música, ela surgiu a partir da função do instrumento. Embora seja um sino usado em templos (temple bell) ele é utilizado basicamente nos altares, sendo por vezes chamado de altar temple bell. As pessoas se prostram nos altares para pedir algo aos deuses ou procurar respostas para suas indagações, porém muitas vezes as respostas dos deuses nem sempre são como elas esperam, o que as obriga a adaptá-las às vicissitudes de suas vidas. Foi esta ideia de diálogo com os deuses, cuja resposta muitas vezes é inesperada e imprevisível obrigando uma reinterpretação das próprias perguntas que se tentou transportar para a interatividade performer/computador. Embora as respostas do computador sejam sempre inesperadas, elas sempre partem dos sons emitidos pelo intérprete no momento da performance, ou seja, elas possuem algo das próprias perguntas/ações do intérprete. Para a primeira questão/desafio a solução foi a de que a cada execução da peça, apenas os sons e figuras musicais presentes naquela performance seriam mandados de volta ao ambiente acústico. Nenhum som pré-gravado foi utilizado e a cada nova execução o intérprete deve apagar os arquivos sonoros gerados pela performance anterior. Para atender à segunda demanda foi elaborada uma pequena estrutura formal, que funciona como três momentos distintos, porém as sonoridades processadas pelo computador tornam-se progressivamente mais dependentes da execução instrumental. A música possui apenas uma instrução que deve ser repetida a cada execução: o intérprete deve atacar forte o instrumento e começar sua improvisação apenas a partir do momento em que o computador responde a este ataque, que é gravado pelo computador e reproduzido após 13 segundos. Esta duração foi o tempo cronometrado da duração do som do instrumento desde o seu ataque até a sua extinção completa. Esta duração pode variar de instrumento para instrumento, porém é uma duração suficiente para gerar uma expectativa tanto no intérprete quanto na audiência. Ao fazer o primeiro ataque, o patch principal identifica a frequência do instrumento por meio do objeto fiddle, e calcula a velocidade necessária para a leitura do arquivo de áudio gerado por este primeiro ataque para que ele soe 1 Hz acima do instrumento real, de forma que, se o instrumentista repetir o ataque do instrumento junto com a resposta do computador, ele possa gerar um batimento de 60 BPM. A música possui basicamente duas camadas sonoras. Uma das camadas é es- 91
11 92 tável a cada execução, formada a partir deste primeiro ataque, que é repetido inicialmente como um eco (elevado em sua frequência em 1Hz), depois de forma retrogradada e estendida, com duração proporcional à extensão da peça (o que o torna mais grave, devido à velocidade mais lenta com a qual é lido), e logo em seguida repetido em seu sentido original, também prolongado e consequentemente transposto ao grave, proporcionalmente à duração da peça. A outra camada é dinâmica e pode variar bastante a cada nova apresentação. Ela se inicia simultaneamente à resposta do computador ao ataque inicial do músico, e dura até a seção áurea da duração total. Quando o intérprete começa sua improvisação, após esperar a resposta de seu primeiro ataque pelo computador, um subpatch começa a gravar ininterruptamente 10 arquivos de áudio de 10 segundos cada um. Esses arquivos são então disparados por meio de processos randômicos. Esses processos definem qual dos arquivos será lido (podendo eventualmente disparar a leitura de um arquivo que não foi gravado ainda, não gerando, portanto, nenhum som) e em qual velocidade, sempre em sentido original, porém gerando transposições de acordo com a velocidade de leitura. 3 As velocidades de leitura são as seguintes: 1, 2, 3, 5, 0.5, 0.33, 0.2. Além dessas sete velocidades diferentes, o subpatch possui uma alternativa no seu processo que interrompe todos os sons que são executados naquele momento, iniciando novamente o processo de disparo randômico de arquivos sonoros. A este subpatch de gravação de arquivos é sobreposto outro, batizado como chuva de delays. Ele se inicia na seção áurea da seção áurea e termina simultaneamente com o subpatch gravador e reprodutor de arquivos (mencionado acima). Doze geradores de delay atuam nesse momento, cada um com uma duração diferente (em segundos: 12, 6, 4, 3, 2, 1.5, 1.333, 1.2, 1, 0.8 e 0.75). Inicialmente, um desses delays é escolhido randomicamente e sua duração determina o intervalo de tempo para o acionamento do próximo delay (também escolhido de forma randômica), e assim sucessivamente. Este subpatch possui também uma décima terceira opção que zera todos os delays que estejam soando. Quando os dois subpatches descritos acima são desligados, inicia-se um terceiro subpatch que durará até o final da performance. Este subpatch, por meio do objeto fiddle, identifica cinco parciais do som que o alimenta e produz um som sintetizado gerado pela sobreposição de ondas senoidais com frequências correspondentes aos parciais identificados. Estas ondas são tratadas de forma que suas amplitudes sejam inversamente proporcionais às amplitudes dos parciais do som captado. É interessante notar que, devido às características do temple bell, sua sonoridade é bastante próxima à de uma onda senoidal. Daí que, quanto mais forte toca o músico, menos se ouvem os parciais do som sintetizado, e quanto mais fraco ele toca, mais se ouve o som produzido pelo computador. Cabe ao músico, durante a execução, equilibrar sua dinâmica com a dinâmica daquilo que ouve, caso queira ouvir o som das ondas senoidais emitidas pelo computador em conjunto com o som de seu instrumento. Cria-se assim, uma situação interativa interessante, pois o computador reage instantaneamente às ações do percussionista gerando timbres inusitados (diferentes do timbre usual do instrumento) que mudam a cada ataque. 3 Isto significa que um arquivo lido com o dobro da velocidade original soa duas vezes mais curto e uma oitava acima, e um arquivo lido a 0.5 soa duas vezes mais longo e uma oitava abaixo.
12 Com relação à terceira questão/desafio, para que a duração da peça seja decidida pelo intérprete no momento da execução, foi definido um mínimo de 4 minutos e um máximo de 8 minutos. No entanto, ela pode vir a ser executada com maiores durações. A partir desta definição da duração, que o intérprete deve registrar na página inicial do patch em minutos e segundos, o computador calcula as seguintes informações: seção áurea da duração total para acionamento das ondas senoidais e desligamento do gravador e da chuva de delays; seção áurea da seção áurea para acionamento da chuva de delays; tempo para desligamento do patch principal e término da música. Segue abaixo um desenho esquemático da forma da peça: Figura 6. Estrutura formal de Altar ou A Resposta dos Deuses. A solução encontrada para a quarta questão/desafio foi fazer com que a peça se desenrolasse continuamente, com os diferentes subpatches sendo acionados e desligados por meio de contadores que também seriam responsáveis pelo desligamento geral das operações do patch ao final da peça. Segue abaixo a tela de abertura da peça no computador com suas instruções: 93 Figura 7: Tela inicial de Altar.
13 Com relação à quinta questão/desafio, todos os patches e subpatches foram pensados de maneira que, ao reproduzir apenas os sons que aconteceriam em cada apresentação específica, desse ao intérprete a sensação de que o resultado do que ouve como resposta à sua improvisação pudesse ser razoavelmente controlado: inicia-se com a gravação e reprodução de pequenos trechos de sua improvisação aos quais se sobrepõem ecos do que o músico toca a cada momento e finalmente o controle das ondas senoidais a partir das dinâmicas da execução. Abaixo, a configuração dos equipamentos utilizados em Altar ou A Resposta dos Deuses. 94 Figura 8. Configuração dos equipamentos para Altar ou A Resposta dos Deuses. 6. Natural Tech Natural Tech (2010), de Daniel Barreiro, é uma peça para marimba e meios eletrônicos em tempo real que propõe ao(à) percussionista um contexto de improvisação baseado num roteiro que apresenta apenas breves informações textuais sobre as características sonoras a serem exploradas na peça em cada uma de suas três seções principais. São elas: Seção 1: eventos isolados (espaçados por pausas) e variedade de materiais (mudanças abruptas de dinâmica, articulação, registro e quanto à densidade de eventos); Seção 2: maior continuidade entre os eventos (menor quantidade de pausas) e maior similaridade entre eles (variações mais graduais de dinâmica, articulação, registro e na densidade de eventos); Seção 3: eventos contínuos (rulos 4, por exemplo), com variações graduais de agógica e dinâmica. A duração de cada uma das seções (e, consequentemente, a duração total da peça) é definida pelo(a) percussionista, a quem também cabe a definição precisa dos eventos que irá tocar. Ao realizar sua improvisação seguindo este roteiro e em diálogo com a parte eletroacústica gerada em tempo real, o(a) percussionista delineia um processo global de transformação sonora que parte de eventos pontuais e espaçados (Seção 1) em direção a uma conformação sonora um pouco mais linear (os pontos tornam-se mais próximos Seção 2) e, por fim, chegando a uma organização que tende a soar 4 Técnica utilizada nos instrumentos de percussão (com duração sonora curta) onde, através da realização de um grande número de ataques contínuos, são simulados sons com duração longa.
14 como um plano sonoro de eventos contínuos sobrepostos (Seção 3). O pensamento composicional subjacente aproxima-se nitidamente de uma tentativa de traçar uma analogia sonora com as considerações de Kandinsky (1996) sobre os elementos básicos da pintura (o ponto, a linha e o plano). A forma como o computador interage com os sons instrumentais muda a cada seção. A mudança entre seções é coordenada pelo próprio percussionista, que envia a informação de início de seção ao computador através do acionamento de pedais em uma pedaleira MIDI. Assim, garante-se liberdade ao intérprete na definição da duração das seções, permitindo que o mesmo possa moldar o fluir temporal da obra em função dos tipos de materiais musicais que trabalha a cada momento em sua improvisação. Definido o roteiro descrito acima, o processo composicional concentrou-se na modelagem da interação entre instrumento acústico e sons eletroacústicos por meio da programação de um aplicativo (patch) no ambiente Max/MSP. 5 É importante notar que o som da marimba ao vivo não é submetido a nenhum tipo de transformação sonora e que os sons eletroacústicos que ocorrem durante a performance derivam integralmente do material tocado ao vivo (ou seja, não há sons pré-gravados ou trabalhados de antemão em estúdio). O objetivo composicional que norteou a programação foi o de imprimir um tipo de relação entre percussionista e computador que fosse característica a cada seção, delineando um processo de conquista gradativa de maior previsibilidade do resultado sonoro, conforme a descrição abaixo: 95 Seção 1 (características gerais): 1) Mudanças aleatórias em tempo real entre dois tipos distintos de materiais sonoros na parte eletroacústica: a) sons gerados por um vocoder que filtra o ruído branco em 23 bandas com valores de amplitude delineados a partir de análises dos eventos tocados anteriormente na marimba; b) eventos gerados pela sobreposição defasada e transposta de até 20 amostras sonoras curtas simultâneas (de 2 segundos cada) gravadas durante a performance, submetidas a modulação de amplitude (AM). As transposições das amostras variam aleatoriamente no registro. Um banco com um total de 40 amostras é gravado. Essas amostras são substituídas ciclicamente, uma a uma, durante a seção, gerando eventos eletroacústicos que mesclam amostras mais recentes e amostras mais antigas. 6 2) Mudanças aleatórias quanto à forma com que o computador reage às pausas e às variações de dinâmica da parte instrumental (viabilizadas pela programação de um seguidor de amplitude amplitude follower): a) emergência de sons eletroacústicos nas pausas da marimba; b) emergência de sons eletroacústicos no decorrer dos trechos instrumentais, notadamente nos trechos de menor amplitude. Intenção: instituir uma situação imprevisível para o(a) percussionista, de forma que não saiba quando os sons eletroacústicos vão ocorrer e quais características sonoras eles terão. 5 Para maiores informações sobre o software Max/MSP, ver < 6 A sobreposição de várias amostras curtas, submetidas a um processamento por modulação de amplitude, faz com que os eventos gerados não soem como mera imitação dos eventos instrumentais.
15 Observação: num momento de livre escolha, o(a) percussionista aciona um dos pedais MIDI, o que causa o início de um trecho de transição para a Seção 2. Este trecho é caracterizado pela ocorrência em paralelo dos dois tipos de materiais sonoros descritos acima (sendo que os sons de ruído branco filtrado produzidos pelo vocoder tendem a ser mais longos que anteriormente). 96 Seção 2 (características gerais): 1) Quanto ao material sonoro, a parte eletroacústica gerada em tempo real tende a ter uma sonoridade mais uniforme e mais próxima ao som da marimba do que na Seção 1. Os eventos são gerados pela sobreposição transposta de curtas amostras (de 2 segundos) gravadas durante a performance, as quais tendem a se concentrar no registro grave. Ao contrário do que ocorre na Seção 1, essas amostras não são submetidas a modulação de amplitude. Além disso, são reproduzidas apenas as últimas cinco amostras gravadas (e não mais 40, como na Seção 1), gerando sons eletroacústicos baseados numa memória de curto prazo. Pode-se dizer, portanto, que os sons gerados derivam das morfologias sonoras recentemente escutadas na parte instrumental. Outro aspecto digno de destaque é que os sons produzidos pelo vocoder estão ausentes nessa seção. 2) A forma como o computador reage às pausas e às variações de dinâmica da parte instrumental segue os mesmos preceitos que vigoraram na Seção 1, ou seja, ocorrem mudanças aleatórias entre os dois comportamentos abaixo: a) emergência de sons eletroacústicos nas pausas da marimba; b) emergência de sons eletroacústicos no decorrer dos trechos instrumentais. Intenção: instituir uma maior proximidade entre os sons instrumentais e eletroacústicos, bem como uma situação menos imprevisível para o(a) percussionista, já que a única imprevisibilidade diz respeito ao momento em que os sons eletroacústicos vão ocorrer (se nas pausas ou durante os trechos instrumentais de menor amplitude). Seção 3 (características gerais): 1) Quanto ao material sonoro, os sons eletroacústicos são gerados pela sobreposição defasada e transposta de até 20 amostras simultâneas de 10 segundos cada. Essas amostras são gravadas ininterruptamente a partir do início da seção (constituindo, no total, um banco de 20 amostras que são substituídas ciclicamente, uma a uma, durante a seção). Há, assim, uma grande proximidade entre os sons instrumentais e eletroacústicos. 2) Os sons eletroacústicos passam a ser gerados ininterruptamente, criando um situação previsível para o(a) percussionista (pelo menos no que diz respeito à forma como o computador reage aos eventos instrumentais). Intenção: instituir uma situação mais previsível para o(a) percussionista, uma maior proximidade sonora entre os domínios instrumental e eletroacústico, e uma sobreposição de camadas sonoras com características contínuas. Quanto à implementação do patch, um dos principais dispositivos que articula a interação entre o instrumento e o sistema computacional é o seguidor de amplitude (envelope follower). Nas duas primeiras seções, a gravação de cada amostra de dois segundos é disparada sempre que o seguidor de amplitude identifica picos médios
16 de amplitude na parte instrumental. Esses picos são considerados, portanto, como eventos significativos da performance a serem registrados. Dessa forma, se o(a) percussionista articular apenas notas com dinâmica baixa (p ou pp) por um tempo considerável, o patch tenderá a não gravar nenhuma amostra. A ocorrência de um evento mais preponderante, no entanto, iniciará a gravação de uma amostra. A reprodução de amostras, por outro lado, ocorre sempre que a performance atinge níveis mais baixos de dinâmica, oscilando entre momentos de pouca dinâmica e momentos de pausa (silêncio). A definição entre essas duas alternativas, no entanto, varia de forma imprevisível para o(a) percussionista. Um outro recurso explorado na concepção de Natural Tech foi possibilitar ao(à) percussionista que grave um segmento de 20 segundos em algum momento da performance por meio do acionamento de um dos pedais MIDI e escolha o momento de reproduzi-lo (com ligeiras mudanças de altura e duração em função da definição aleatória da velocidade de reprodução da amostra gravada). Após reproduzir a amostra o número de vezes desejado, o(a) percussionista pode gravar uma nova amostra que substituirá a anterior. Com esse recurso, o intérprete pode explorar processo imitativos (quando dispara a reprodução de uma amostra imediatamente após a sua gravação) ou ainda a recapitulação de um momento específico da performance em trechos posteriores (quando conserva uma mesma amostra por um período relativamente longo). Assim, o(a) percussionista pode articular a perfil geral da performance por meio de lembranças de momentos significativos ocorridos anteriormente Discussão e conclusões As quatro obras apresentadas neste artigo ilustram diferentes formas de abertura à improvisação e diferentes estratégias para atribuir identidade às obras que incorporam a improvisação em suas poéticas até mesmo nos casos em que a improvisação livre é preponderante. Além disso, exemplificam diferentes estratégias quanto ao tratamento das relações entre sons instrumentais e sons eletroacústicos A abrangência da improvisação Em Iluminura e Granada, a improvisação toma corpo em trechos específicos inseridos num contexto geral regido por uma partitura que determina precisamente boa parte dos eventos musicais. Os trechos de improvisação que ocorrem nas duas obras assumem duas características distintas: por um lado, há trechos dedicados à improvisação livre sobre camadas eletroacústicas constituídas ao longo da obra; por outro, há trechos de improvisação baseados em orientações que controlam (em certa medida) os eventos gerados, seja do ponto de vista harmônico (em Iluminuras, através da determinação de conjuntos de classes de notas) ou do ponto de vista rítmico (em Granada, por meio da referência aos padrões rítmicos do baião). Uma característica em comum entre as duas obras é o fato de fazerem referências a manifestações musicais da tradição, embora inseridas num contexto musical geral que contrasta (ou dialoga, pelo contraste) com aquela tradição (o organum medieval, em Iluminuras, e o baião, em Granada). Em Natural Tech, a proposta de improvisação domina toda a sua duração, embora haja certo direcionamento quanto às características musicais que devam ser
17 exploradas em cada seção (por meio do roteiro dado ao(à) percussionista). Altar ou a Resposta dos Deuses, por outro lado, especifica apenas as características do primeiro evento da obra, concedendo grande liberdade ao intérprete na definição dos eventos musicais subsequentes. Vê-se, portanto, que o conjunto das quatro obras ilustra gradações distintas no tratamento composicional da improvisação Identidade sonora e estrutural 98 Em Iluminuras e em Granada, a estrutura e a identidade sonora são determinadas pelos compositores, embora os momentos de improvisação possam variar consideravelmente de uma performance para outra ou de um(a) percussionista para outro(a), o que demonstra a forte participação do intérprete no resultado global dessas obras. Em Altar ou a Resposta dos Deuses, a estrutura (encarada como esquema abstrato de distribuição de seções) é determinada pelo compositor por meio da programação feita no computador. Esta estrutura se conserva em qualquer performance embora a duração total possa variar através do cálculo da duração de cada seção em proporção ao todo. Ainda que o grau de liberdade concedido ao(à) percussionista seja alto, pode-se dizer que a identidade sonora da obra é determinada em termos globais pelo compositor por meio da própria escolha do instrumento o temple bell, que não proporciona uma palheta sonora muito variada. De qualquer forma, a identidade sonora é definida em detalhe pelo(a) percussionista através da escolha das baquetas, dos modos de ataque, das dinâmicas, das durações, da densidade de eventos, entre outros fatores. Em Natural Tech, a estrutura deriva do roteiro estipulado pelo compositor, o que determina em termos globais como o processo sonoro vai se desencadear. As proporções entre as seções, a duração total da performance e os detalhes da realização sonora, no entanto, cabem inteiramente ao(à) percussionista que, neste caso, desempenha papel preponderante na confecção da identidade sonora. Acredita-se, no entanto, que a modelagem da interação com o computador (por meio do aplicativo programado) garanta uma mesma identidade geral da obra em performances distintas Relação entre computador e percussionista As quatro obras exploram diferentes gradações de fusão e contraste entre os sons instrumentais e eletroacústicos (MENEZES, 2006, p ), embora haja em todas elas uma tendência maior à fusão por meio do uso dos sons articulados na própria performance como material para a elaboração da parte eletroacústica (seja pela gravação e reprodução de amostras ainda que transpostas e estendidas, seja pela utilização de delays que retomam materiais musicais anteriormente apresentados na parte instrumental). Além disso, as obras apresentam diferentes relações entre computador e percussionista, criando momentos em que a reação do computador torna-se imprevisível e outros com um maior grau de previsibilidade. Isso confere, em alguns trechos, o caráter de computador improvisador, o que se aproxima de algumas formulações de Dobrian (2004) acerca da interação em obras com eletrônica em tempo real.
18 As diferentes gradações de previsibilidade e imprevisibilidade na relação entre percussionista e computador fica evidente em Altar ou A Resposta dos Deuses, que se desenvolve de maneira a dar um progressivo controle ao intérprete ou ao menos uma progressiva previsibilidade dos resultados sonoros emitidos pelo computador. Num primeiro subpatch, trechos são gravados e disparados randomicamente e com mudanças de altura e duração; um segundo subpatch, que se sobrepõe ao primeiro, dá ao intérprete um maior controle do que ouvirá, pois o que toca é repetido, ainda que não tenha controle nem previsão de quantas vezes, com qual atraso e se de fato será repetido; um terceiro subpatch dá ao intérprete uma maneira particular de controle em tempo real do resultado sonoro emitido pelo computador, com relação à dinâmica daquilo que toca: o som sintetizado pelo computador é baseado nas frequências dos parciais do som do instrumento, mas com uma relação inversamente proporcional entre as amplitudes dos parciais captados e gerados (quanto mais forte toca, mais fraco o som sintetizado pelo computador e vice-versa), o que influi na qualidade tímbrica dos sons. Todas estas características da peça não são dadas de antemão ao intérprete. Ele deve a cada execução descobrir um pouco da interação possível com o computador, como numa conversa com os deuses em que aprendemos cada vez mais sobre nós mesmos, e em que as respostas muitas vezes já se encontram nas próprias perguntas. Em Natural Tech, também busca-se instituir uma situação interativa cada vez mais previsível para o(a) percussionista. A peça parte de um contexto em que os sons gerados pelo computador variam aleatoriamente entre duas naturezas distintas. Além disso, a forma como o computador reage às variações de amplitude da parte instrumental é inconstante. Na segunda seção, os sons gerados pelo computador passam a ter sempre a mesma natureza, mas a forma como o computador reage às variações de amplitude da parte instrumental ainda não é previsível. A terceira e última seção, por outro lado, corresponde à situação mais previsível para o percussionista, pois o computador gera sons de uma única natureza e de forma contínua (sem depender das amplitudes dos eventos instrumentais) Considerações finais As várias abordagens apresentadas neste artigo mostraram poéticas diversificadas, porém com alguns pontos em comum no que tange às pesquisas composicionais. As obras mencionadas demonstraram estratégias composicionais que se mostraram eficazes para a construção do discurso musical por meio da modelagem das interações entre instrumento acústico e meios eletrônicos em tempo real num contexto voltado para a incorporação do acaso propiciado pela improvisação. Referências CAMPOS, C.; MANZOLLI, J.; TRALDI, C. Sinergética: Interpretação Mediada e Percussão Múltipla. In: PERFORMA 07 - ENCONTROS DE INVESTIGAÇÃO EM PERFORMANCE, 2007, Aveiro (Portugal). Anais... Universidade de Aveiro, CD-ROM. COSTA, R. Improvisação Musical Livre, Expressionismo Abstrato e Surrealismo: Aproximações. In: CON- GRESSO DA ANPPOM, 17., 2007, São Paulo. Anais... Editora da Unesp, 2007, 1 CD-ROM.
19 DOBRIAN, C. Strategies for Continuous Pitch and Amplitude Tracking in Realtime Interactive Improvisation Software. In: 2004 SOUND AND MUSIC COMPUTING CONFERENCE (SMC04), 2004, Paris. Proceedings Disponível em: < Acesso em: 15 maio de KANDINSKY, W. Ponto, linha, plano: contribuição para a análise dos elementos picturais. Lisboa: Edições 70, p. MENEZES, F. Por uma morfologia da interação. In: MENEZES, F. Música maximalista: ensaios sobre a música radical e especulativa. São Paulo: Editora UNESP, p
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