A LITERATURA INFANTIL E O PENSAR CRÍTICO
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- Vitória Paixão Quintão
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1 A LITERATURA INFANTIL E O PENSAR CRÍTICO SILVIA CRISTINA FERNANDES PAIVA (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT). Resumo O presente trabalho é fruto de reflexões de uma pesquisa em mestrado, ainda em desenvolvimento, e objetiva discutir a prática da literatura infantil nas séries iniciais da educação básica, como ferramenta oportunizadora de desenvolvimento do pensamento crítico nos educandos. Para isso, busca compreender as concepções de literatura infantil que fundamentam a prática dos professores no processo de formação de alunos leitores. A proposta da pesquisa surgiu a partir das inquietações suscitadas pela minha experiência como professora na Escola Maria Dallafiora Costa, município de Primavera do Leste, MT. A escola, que agora se torna lócus da investigação, atende exclusivamente a crianças carentes com pouco acesso à leitura, suas atividades se desenvolvem em período integral. As aulas de Literatura Infantil estão integradas no quadro de atividades da escola e conta com uma sala específica para o desenvolvimento dos trabalhos. Conta, também, com um professor designado exclusivamente para esse exercício. A sala de Literatura Infantil foi concebida com o intuito de contribuir para a superação de problemas como a deficiência na compreensão, reflexão e interpretação de textos mais complexos que foram apontados pelos baixos índices atingidos pela escola nas últimas edições da Prova Brasil. Resultado este que se configura como realidade na maioria das escolas brasileiras. A problemática que norteia a idéia desta pesquisa versa sobre como os professores concebem e desenvolvem a proposta da literatura infantil nas escolas de ensino fundamental do município de Primavera do Leste. Existe a concepção de uma proposta de literatura infantil como instrumento de desenvolvimento do pensar crítico reflexivo? Quais gêneros literários circulam em sala de aula? Palavras-chave: Literatura Infantil, Concepções e práticas, Letramento literário. É de consenso entre os educadores que trabalham com educação infantil e nas primeiras séries da Educação Básica, a importância da literatura infantil no processo de construção do conhecimento dos alunos. Cabe, entretanto, o questionamento sobre como a literatura infantil está sendo concebida e efetivamente desenvolvida na cotidianidade do trabalho escolar. Assim, acreditamos que a investigação em torno desta problemática se apresente com relevância acadêmica e também social, uma vez que pode se configurar em oportunidade privilegiada para reflexão e avaliação do que já vem sendo desenvolvido, bem como ampliação das propostas de desenvolvimento de um trabalho eficaz. Acreditamos que a literatura adotada desde as séries iniciais se constitua em importante instrumento teórico e metodológico na promoção do ingresso do educando no pensamento crítico. A construção de uma proposta de educação para o pensar, objetivando formar indivíduos autônomos, críticos e criativos, aptos a exercer pensamentos e ações reflexivas, ganha com a literatura grandes possibilidades de concretização. A literatura, ao nos convidar para o despertar no contato com diferentes emoções e visões de mundo, proporciona condições para o crescimento interior, possibilitando a formação de parâmetros individuais para medir e codificar seus próprios sentimentos e ações. (Cagneti; Zotz, 1986, p. 23).
2 De outro ponto de vista, Abramovich (1997) discute como desenvolver por meio da literatura, o potencial crítico da criança. Argumenta que a partir do contato com um texto literário de qualidade a criança é capaz de pensar, perguntar, questionar, ouvir outras opiniões, debater e reformular seu pensamento. Sendo assim, a literatura é uma importante ferramenta para o desenvolvimento do pensar, e não qualquer pensar, mas um pensar crítico e reflexivo. Cabe ao professor, no papel de facilitador, colocar o aluno em contato com diferentes gêneros discursivos, que despertem boas motivações e desenvolva o gosto pelas temáticas, gosto este, que já é uma característica natural das crianças. Como afirma Marcos Antonio Lorieri, as crianças são filósofas por excelência; crianças bem pequenas questionam e pensam na existência das coisas (LORIERI, 2002, p., 42). Gadotti também se pronuncia a esse respeito afirmando que: "Desenvolver, desde cedo, a capacidade de pensar crítica e autonomamente, desenvolver a capacidade de cada um tomar suas decisões, é papel fundamental da educação para a cidadania" (GADOTTI, 2004, p., 30). A construção dessas características de pensamento reflexivo nos alunos, talvez seja o maior desafio dos educadores em nosso tempo histórico, no qual ainda está arraigada a idéia de uma educação baseada na memorização mecânica e técnica de conteúdos. Professores explicam, repetem e corrigem. Não há diálogo. Sendo assim, não existem o questionamento e o desenvolvimento do pensamento reflexivo e crítico. A pretensão aqui é a de, justamente, defender pressupostos que sejam contrários a essa concepção de educação, admitindo como ponto de partida que o diálogo é essencial para a construção do conhecimento. Na situação dialógica o aluno fala, opina, questiona, ouve, discute, argumenta, confronta outras idéias e "reelabora" o seu pensar, construindo assim sua identidade. Incitado à curiosidade, o gosto pela dúvida e à criatividade, o aluno deixa de ser um depositário de informações e passa a ser um sujeito competente e autônomo, distante de dogmatismos. Portanto, sujeito de sua própria história e sujeito de transformação das estruturas sociais injustas. Ainda, dentro dessa perspectiva, temos que levar em consideração o fato das avaliações promovidas pelo Ministério da Educação apontar para os baixos índices de compreensão, reflexão e interpretação de textos por parte dos alunos brasileiros. A idéia aqui defendida, da literatura como instrumento privilegiado de construção do pensamento crítico desde os primeiros anos de escolarização, contribuiria significativamente para a superação de tal quadro. A partir dessa realidade e pelos inquietantes desafios apontadas pela prática docente em escolas públicas e privadas, fui motivada a investigar: como a literatura infantil está sendo concebida e efetivamente desenvolvida em salas de aulas. Partindo da argumentação exposta, depreende-se a problemática central a nortear a idéia desta pesquisa: - Como os professores concebem e desenvolvem a proposta da literatura infantil nas escolas de ensino fundamental do município de Primavera do Leste? - Existe a concepção de uma proposta de literatura infantil como instrumento de desenvolvimento do pensar crítico reflexivo? - Quais gêneros literários circulam em sala de aula?
3 METODOLOGIA A pesquisa acontecerá no Ensino Básico em uma escola da rede pública municipal e uma escola particular do município de Primavera do Leste, MT. Sendo que, a escola pública selecionada atende exclusivamente crianças carentes com pouco acesso a leitura e suas atividades se desenvolvem em período integral. As aulas de Literatura Infantil estão integradas no quadro de atividades da escola, que conta com uma sala específica para atividades com a literatura infantil e um professor designado para o exercício. A outra escola selecionada tem como característica ser uma escola privada que atende alunos que possuem um nível socioeconômico médio-alto. A Literatura Infantil se faz presente durante as aulas de Língua Portuguesa, exercida pela própria professora de Língua Portuguesa. Para o desenvolvimento de nossa pesquisa será estruturada nas abordagens qualitativas, por meio da observação em salas de aula, entrevistas e questionários, projeto, planos de ensino, PPP da escola, com intuito de fazer a análise e interpretação das concepções e práticas efetivas dos professores. REFERENCIAL TEÓRICO Os primeiros livros produzidos para crianças surgiram no final do século XVII. Antes disso, o comportamento negligente e o tratamento hostil contra as crianças eram comuns. As crianças não recebiam qualquer atenção especial. Não havia espaço diferenciado do mundo adulto. A infância era uma fase desprezada pela sociedade medieval, reservada somente aos primeiros anos de vida. Como assinala Philippe Ariès: Contudo, um sentimento superficial da criança - a que chamei "paparicação" - era reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como com um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, como muitas vezes acontecia, pois uma outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato. (ARIÈS, 2006, p. 10) A criança desde bem pequena era inserida de modo igualitário ao mundo do adulto. De criança pequena, ela se transformava em pequeno adulto, partilhava de trabalhos e jogos, ignorando a etapa da adolescência. A criança aprendia o que deveria saber na convivência com jovens e adultos. A família não assegurava a educação da criança.
4 Segundo o mesmo autor: A transmissão dos valores e dos conhecimentos, e de modo mais geral, a socialização da criança, não eram, portanto nem asseguradas nem controladas pela família. A criança se afastava logo de seus pais, e pode-se dizer que durante séculos a educação foi garantida pela aprendizagem, graças à convivência da criança ou do jovem com os adultos. A criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-las (ARIÈS, 2006,p.IX). A concepção de uma faixa etária diferenciada aconteceu em meio à Idade Moderna, devido à nova noção de família centrada num núcleo unicelular, e não mais em amplas relações de parentesco. A organização unifamiliar impedia a intervenção dos parentes em negócios internos da família. A mentalidade que a criança é um indivíduo a ser adestrado surge com a influência da igreja, que impõe uma educação rígida embasada no pensamento religioso. Coube a escola e a literatura infantil o controle do desenvolvimento intelectual e manipulação das emoções da criança. Atribuiu-se à literatura infantil a tarefa educativa, por meio de textos de caráter pedagógicos preocupados na transmissão de normas e na formação moral da criança. Confirma-nos Zilberman: [...] e até hoje, a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuízos: não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença do objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança. (ZILBERMAN, 2003, p.16). Diversos teóricos entendem que o uso da literatura infantil com fins pedagógicos distorce sua função principal que não é somente apresentar conceitos, mas sim multiplicar as temáticas, abrir universos de "problematização" e de criação de novos conceitos. O professor ao propor o diálogo seria o promotor do "estranhamento", do incômodo e do deslocamento necessários à reflexão. Um dos recursos literários muito utilizados no trabalho com as séries iniciais do ensino fundamental são as fábulas. Enquanto gênero possui diálogo curto, escrito em prosa. Os personagens são animais, plantas ou objetos animados que ganham características humanas e no desfecho trazem um ensinamento, uma moral. Habitualmente, as fábulas refletem um método pedagógico em que o aluno não precisa questionar ou refletir. Nessa visão tradicionalista, a finalidade de seu uso é que os alunos se identifiquem com a moral imposta pela fábula. Jean-Jacques Rousseau, em Emílio ou Da Educação, defende que a educação, mais do que instruir, deveria se preocupar em formar o homem como cidadão, com a formação moral e política. Para este filósofo, as fábulas por mais encantadoras e poéticas que sejam, mostram fingimento (animais que falam); e fingimento é mentira; e mentira não deve ser ensinada às crianças. Todavia, poder-se-ia questionar, com base no próprio Rousseau, se o problema não se situa mais no
5 suporte teórico-metodológico tradicionalista que aprisionou este gênero literário do que exclusivamente no conteúdo ou no formato das fábulas. Segundo Rosseau: (Rosseau, 2004): Nada é tão vão nem tão mal entendido quanto à moral pela qual se termina a maior parte das fábulas. Como se essa moral não fosse ou não devesse ser compreendida na própria fábula, de modo que a tornasse sensível ao leitor! Por que, então, acrescentando no fim essa moral, retirar-lhe o prazer de encontrá-la por si mesmo? O talento de instruir é fazer com que o discípulo encontre prazer na instrução. Ora, para isso, seu espírito não deve permanecer tão passivo diante de tudo o que lhe disserdes que não tenha absolutamente nada a fazer para vos compreender. É preciso que o amor-próprio do professor deixe sempre algum espaço para o seu; é preciso que ele possa pensar: Eu compreendo, eu entendo, eu ajo, eu me instruo (p.345). Não podemos desmerecer o papel das fábulas, pois cada gênero literário tem a sua função. Cabe o olhar cuidadoso do professor ao planejar sua aula. A maioria das fábulas traz uma moral pronta, estrutura fechada (conclusiva) e não oferece lacunas para questionamentos. Para realizar o ingresso do educando no pensamento crítico os textos deverão apresentar lacunas para levantamento de temas e reflexões, não utilizando de textos conclusivos. A literatura infantil contraria o caráter pedagógico quando é utilizada como ferramenta de um pensamento crítico e reflexivo. A escola precisa impulsionar o leitor a uma postura crítica perante a realidade e oportunizar através da literatura infantil a transformação da sua própria experiência de vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não disponho até o presente momento da pesquisa, dados que possam fazer uma análise aprofundada do objeto em discussão. No entanto, minhas observações como professora das séries iniciais, indicam ser pertinente e necessário o questionamento sobre como o professor concebe a literatura infantil e opta por determinada metodologia e quais gêneros de textos seleciona para o desenvolvimento da Literatura Infantil em sala de aula. REFERÊNCIAS
6 ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil Gostosuras e Bobices. São Paulo: Spicione Ltda, ARIÈS, Philippe. Historia Social da Criança e da Família - 2º ed. - Rio de Janeiro: LCT, CAGNETI, Sueli de Souza; ZOTZ, Werner. Livro que te quero livre. Rio de Janeiro: Nórdica, GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. 4. ed. São Paulo: Cortez, LORIERI, Marcos Antonio. Filosofia: Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, ROUSSEAU, J.-J.. Emílio ou Da Educação. São Paulo: Martins Fontes, ZILBERMAN, Regina. A literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 2003
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