Palavras-chave: Gestão do patrimônio cultural. Lei Robbin Hood. ICMS Cultural. Cataguases, MG.
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- Maria Vitória Nunes Bergmann
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1 Cataguases para além de suas modernidades: gestão pública municipal do patrimônio cultural a partir da criação da Lei Robbin Hood 1 Michele Pereira Rodrigues (UFJF) 2 Resumo: No ano de 2015, a Lei Robbin Hood, cujo objetivo principal é promover a descentralização da gestão de algumas áreas para os municípios, completa 20 anos, contando com alta adesão dos municípios em sua aplicação. O escopo da análise será a cidade de Cataguases, MG e o objetivo deste trabalho será investigar quais ações do poder público local compõem a gestão do seu patrimônio cultural. Conclui-se que o processo de descentralização desencadeia, no caso de Minas Gerais, um importante programa de proteção do patrimônio cultural, a despeito dos desafios apresentados no caso de Cataguases, diante da legislação vigente. Palavras-chave: Gestão do patrimônio cultural. Lei Robbin Hood. ICMS Cultural. Cataguases, MG. Introdução No ano de 2015, a política de redistribuição do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços) no estado de Minas Gerais completa 20 anos. A criação desta lei é consequência do artigo 158 da Constituição Federal de 1988, que prevê que 25% do imposto supracitado pertence aos municípios. Desse total, ¼ da distribuição seria feita de acordo com legislação estadual. Nesse contexto, o estado tem se destacado em todo país por conta da alta adesão dos municípios na aplicação da lei, conhecida como lei Robbin Hood, cujo objetivo principal é promover a descentralização da gestão de algumas áreas para os municípios, através do repasse financeiro para aqueles que tem ações, por exemplo, de preservação do patrimônio cultural 3. 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Ciência Política da 4ª Jornada de Ciências Sociais da UFJF. 2 michelepereiraa@gmail.com 3 Assim como Abrucio (2006), entende-se por descentralização a transferência (ou conquista) de poder decisório e autonomia aos governos subnacionais.
2 Considerando que os municípios passam por grandes desafios quanto às suas finanças, como lembra Freire (2002), as transferências de ICMS têm papel relevante quanto à composição das receitas municipais e, segundo Magalhães (2008), são as principais razões pelas quais os municípios aderem à política, mais do que pela consciência da necessidade de preservação do patrimônio cultural. Segundo Botelho (2006), a partir da criação dessa lei, o número de ações ligadas à preservação dos bens culturais, como, por exemplo, a criação de conselhos municipais de patrimônio, tombamentos e registros têm aumentado significativamente. Todavia, como advertem Lira, Azevedo e Borsani (2014), esse saldo positivo não pressupõe necessariamente a eficácia da lei, situação que pretendemos investigar, por meio do município de Cataguases. Localizado na região da Zona da Mata de Minas Gerais, o município possui notoriedade nacional, por conta do tombamento realizado pelo IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de um extenso poligonal composto por edificações com características arquitetônicas heterogêneas, com destaque para o grande número de obras modernistas, projetadas por arquitetos reconhecidos como Oscar Niemeyer e Aldary Toledo, além da intensa produção cultural cinematográfica e literária. Justifica este trabalho, a percepção de que, ao longo dos anos, o número de municípios que recebem repasse de ICMS Cultural e o valor recebido por esses municípios tem aumentado consideravelmente. Entretanto, de acordo com dados da Fundação João Pinheiro 4, a cidade de Cataguases, que até 2011 detinha uma das maiores pontuações do estado, não acompanhou esse crescimento, perdendo a posição entre os municípios que mais recebem repasses de ICMS. Por que isso aconteceu? Nesse sentido, o objetivo deste trabalho será investigar quais ações do poder público local compõem a gestão do seu patrimônio cultural. Como objetivos específicos, pretende-se realizar um levantamento que teça um panorama das ações em âmbito federal que favorecem a administração do patrimônio cultural, com foco para a questão da descentralização em direção aos estados e municípios. Em seguida, almeja-se discutir as políticas públicas estaduais sobre o patrimônio cultural até chegarmos à escala municipal, onde serão tratadas as ações do poder público local do município em questão, 4 Disponível em: Acesso em: 18/08/2015
3 representados por diversos setores, incluindo o DEMPHAC Departamento Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Cataguases e a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. A metodologia adotada compreende um levantamento sobre os principais eixos temáticos da pesquisa, a saber: a) políticas públicas de gestão do patrimônio cultural; b) Lei Robbin Hood e; c) ICMS Cultural. Em um primeiro momento, foi realizada uma pesquisa quantitativa, cujos dados obtidos fornecem um panorama do número de municípios que aderiram à política de ICMS Cultural. Da mesma forma, identificou-se o valor dos repasses à cidade de Cataguases nos últimos anos. Além disso, pretende-se realizar uma entrevista semi-estruturada com um representante do governo municipal, com o propósito de verificar informações relevantes a esse trabalho. O trabalho está organizado da seguinte forma: a primeira seção, intitulada Políticas federais e a descentralização da gestão do patrimônio cultural, busca apresentar o desenvolvimento das políticas sobre o patrimônio cultural na esfera federal e o processo de descentralização em direção aos estados e municípios. Em seguida, a seção Políticas estaduais de proteção ao patrimônio cultural: questões sobre a Lei Robbin Hood destinase a apresentar a maneira como essas questões se desenvolveram no âmbito de Minas Gerais. A seção Cataguases para além de suas modernidades: tensões em torno do patrimônio cultural pretende revelar, de forma sucinta, as legislações em vigor na cidade e sua dinâmica atual. Posteriormente, serão expostos e discutidos os resultados das pesquisas realizadas e, por fim, as considerações finais. 1 Políticas federais e a descentralização da gestão do patrimônio cultural Em uma perspectiva histórica, é por volta dos anos 1920 que se tem notícia sobre os primeiros movimentos no Brasil que buscam a preservação do patrimônio cultural. Nesse período, as preocupações acerca da criação de uma identidade brasileira fomentam uma busca por elementos representativos dessa cultura. Esse processo culmina na criação, no ano de 1937, do marco legal da preservação cultural no país e do SPHAN, órgão federal que concentrou as ações para a proteção do patrimônio cultural no país até a década de 1970, quando foram criados órgãos estaduais de preservação.
4 Como revela Alonso (2010), no primeiro decreto a nível federal sobre o tema, a concepção de patrimônio estava relacionada aos fatos memoráveis da história e ao seu valor excepcional quer seja arqueológico, etnográfico, bibliográfico e artístico. Esse conceito é ampliado com a promulgação da Carta Magna de 1988 quando o patrimônio cultural passa a ser identificado por suas características de referência à identidade, à memória e à ação dos mais diversos grupos formadores da sociedade brasileira, em consonância com o que vinha sendo discutido nos principais fóruns mundiais sobre o assunto. De acordo com a Constituição Federal de 1988, Art Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. No Brasil, as discussões acerca do patrimônio cultural, em sua gênese, estiveram centradas no SPHAN. Entretanto, segundo Abrucio (2006) diversos fatores contribuíram para um processo de descentralização política dos mais diversos setores da sociedade, entre os quais é possível citar o advento da democracia e o surgimento de novas realidades, tais como a urbanização acelerada, que tornou os problemas locais mais intensos para um maior número de pessoas. Esses fatores colocaram em cheque a efetividade desse modelo centralizador de intervenção estatal, culminando em um processo de mudanças. Dessa forma, a Carta Magna traz em seu artigo 23 que é competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.
5 Mais recentemente, o governo federal reiterou a responsabilidade municipal na proteção do patrimônio cultural, com a promulgação da lei n.º , no ano de 2001, conhecida como Estatuto das Cidades. Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...] XII proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico (Estatuto das Cidades, 2001). Desse modo, Arimatéia (2010) atesta que o processo de descentralização aliado à autonomia fiscal e política dos governos subnacionais, que se tornaram possíveis após a Constituição de 1988, permitem o desenvolvimento de uma agenda independente do governo federal, contexto no qual foi criada a lei Robbin Hood. 2 Políticas estaduais de proteção ao patrimônio cultural: questões sobre a Lei Robbin Hood Em âmbito estadual, o ICMS Cultural foi implementado após a promulgação, no ano de 1995, da Lei Estadual nº , conhecida como Lei Robin Hood. Mais tarde, as leis nº /1996 e nº /2000 alteraram a distribuição do ICMS e, em 2009, a Lei Robin Hood foi substituída pela Lei nº , chamada também de ICMS Solidário. A política do ICMS Cultural objetiva a descentralização da proteção dos bens culturais no estado de Minas Gerais, uma vez que transfere para os municípios a responsabilidade pela salvaguarda do patrimônio cultural. As regras para o recebimento do repasse, que se dá por meio de envio de documentação comprobatória das ações realizadas em âmbito municipal, são definidas pelo IEPHA, através de Deliberações Normativas 5. A partir do envio dos documentos, é atribuída uma pontuação ao município de acordo com as ações de tombamento e registro a nível federal, estadual e municipal, existência e funcionamento de Conselho Municipal de Patrimônio, existência de Inventário de Proteção do Patrimônio Cultural, ações de educação patrimonial, existência de 5 Ao todo já foram divulgadas 10 Deliberações Normativas. No momento, está em vigor a n.º 02/2012, que está disponível em: Acesso em: 30/09/2015.
6 planejamento e política municipal de proteção do patrimônio cultural e Fundo de Preservação do Patrimônio Cultural. A partir da pontuação do município dividida pela soma da pontuação dos demais, é atribuído o IPC Índice do Patrimônio Cultural 6. Uma análise quantitativa permite evidenciar a alta adesão à política. No ano de 2015, por exemplo, do total de 853 municípios do estado, 653 recebem repasse referente ao Patrimônio Cultural, o que representa um total de 76% dos municípios mineiros 7. Fonte: Site do IEPHA 8 Um dos motivos para a alta adesão é que as regras para o repasse, apesar de serem rígidas, não geram custos altos de implementação e manutenção e permitem um repasse importante para o município. Em muitos casos, inclusive, Magalhães (2008) afirma que os municípios optam por contratar empresas para realizar os levantamentos necessários, por em prática algumas ações com o objetivo de pontuar e preparar a documentação para envio ao IEPHA. 6 Isso explica a razão de os valores não serem sempre os mesmos, já que o repasse depende da nota do município em questão e da quantidade de municípios pleiteando a pontuação e suas respectivas notas. 7 Disponível em: Acesso em: 29/09/ Elaboração da autora do trabalho.
7 É importante destacar que o crescimento do número de municípios que aderem à política não é constante, por alguns motivos, entre eles a necessidade de envio anual da documentação, regra muito questionada pelos gestores municípios, segundo Magalhães (2008). Além disso, outro ponto que chama atenção é a vinculação de tombamentos federais e estaduais a uma política que preconiza, entre seus objetivos, a municipalização. Isso se torna ainda mais paradoxal se percebermos que o IEPHA revogou a exigência de apresentação de laudos técnicos sobre esses bens alegando que a responsabilidade por eles é de competência do Estado e da União. Sendo assim, o município pontua independente de sua atuação, já que é responsabilidade de cada esfera a preservação dos bens tombados por ela 9. Há ainda, de acordo com Botelho (2006), contradições entre o discurso adotado no IPHAN e o que acontece nos órgãos patrimoniais dos estados, considerando que o atributo que possui a pontuação mais alta nas diretrizes do IEPHA, por exemplo, é o tombamento. Logo, é possível concluir que a política de ICMS Cultural em Minas Gerais fomenta os tombamentos em detrimento a outras ações de preservação do patrimônio cultural, como a educação patrimonial, revelando uma dificuldade de colocar em prática as concepções mais recentes sobre o tema. Entretanto, como lembra Botelho (2006), o uso dos instrumentos em defesa do patrimônio só fazem sentido a partir da atuação do poder público local, através da legislação municipal. Passemos então, às ações realizadas por essa esfera. 3 Cataguases para além de suas modernidades: tensões em torno do patrimônio cultural Antevendo a Lei Robbin Hood, as iniciativas de tombamento a nível local em Cataguases foram possíveis a partir da Lei Municipal nº de 1985, conhecida como Lei do Patrimônio. No mesmo ano é criado o Conselho Municipal de Patrimônio, através da Lei nº Na Deliberação Normativa em vigor, a pontuação para imóveis tombados a nível estadual e federal é superior àquela dada aos bens tombados pelo município.
8 Já o DEMPHAC - Departamento Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, órgão responsável pela gestão municipal do patrimônio é criado em Atualmente, é composto por três funcionários: um historiador, uma pedagoga e uma professora de história. Ainda no que tange a legislação municipal, no ano de 2003 foi aprovada a Lei 3.187, que dispõe sobre a criação da disciplina Educação Patrimonial e Ambiental nas escolas municipais. A lei estabelece que Caberá a todos os professores de educação infantil a inclusão do tema Educação Patrimonial e Ambiental em suas aulas semanais, durante pelo menos 1 hora/semana com o objetivo de desenvolver o espírito crítico e uma nova interpretação do patrimônio e meio ambiente. Devido ao tombamento federal, a cidade pontua no ICMS Cultural e recebe recursos dessa fonte desde o primeiro ano da política. Importa ressaltar, contudo, que no ano de 1996, por não haver um documento que dispusesse sobre os critérios da pontuação, todos os municípios com bens tombados a nível federal foram pontuados, segundo Cruz e Sousa e Moraes (2013). A Fundação João Pinheiro, não obstante, disponibiliza os dados dos repasses somente a partir do ano de 2002, conforme pode ser observado no gráfico abaixo. Fonte: Fundação João Pinheiro Elaboração da autora do trabalho.
9 Percebe-se que os valores do período exposto mantiveram-se com pouca variação até o ano de 2011, quando tiveram uma queda. Isso pode ser explicado por conta do alto número de municípios adeptos à política, exposto no gráfico 2, que foi recorde nesse ano e no ano seguinte, vindo a diminuir do ano de A Fundação João Pinheiro (entidade pertencente ao Governo do estado de Minas Gerais que realiza apoio técnico à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão) alerta, no entanto, que não há obrigatoriedade legal de aplicação dos valores recebidos pelos critérios em sua respectiva área, por conta do princípio da não-vinculação de receitas, embora, no caso do patrimônio cultural, exista a obrigatoriedade de manter bem conservados os bens tombados 11. Ou seja, o município que recebe recurso pelo critério Patrimônio, assim como os demais, não necessariamente precisa aplicá-lo nesta área. No decorrer do ano de 2015, estão sendo realizadas reformas em alguns bens tombados do município, entre eles as praças Santa Rita e Rui Barbosa. A prefeitura alega que, no caso da Praça Rui Barbosa, as obras foram possíveis a partir de um acordo do IPHAN com uma empresa para a prestação do serviço como parte do pagamento de uma multa aplicada pelo descumprimento da Lei que regulamenta a construção em área tombada por aquele órgão 12. Em relação à Praça Santa Rita, o IPHAN contratou uma empresa para realizar o serviço 13. Houve também a reforma da Ponte Metálica, em comemoração ao seu centenário, obra essa que, segundo o Jornal Cataguases 14, foi realizada com recursos do ICMS Cultural. Importa lembrar também da Lei 3.746/2009, conhecida como Lei Ascânio Lopes, que é uma ação de incentivo à cultura local que financia projetos locais e do Decreto 4.360, publicado em 24 de junho de 2015, que regulamenta a colocação de toldos e engenhos de publicidade na poligonal de tombamento de cidade. Essa última, alvo de contestação por parte as empresas de comunicação visual locais pela obrigatoriedade de apresentação do projeto e avaliação do setor de fiscalização de obras da prefeitura. 11 Na deliberação publicada no ano de 2000, houve uma tentativa de vinculação que foi logo revogada. 12 Disponível em: Acesso em 01/10/ Disponível em: Acesso em: 12/10/ Disponível em: Acesso em: 01/10/2015.
10 Recentemente, em 8 de setembro de 2015, foi aprovada a lei que institui o Plano Municipal de Cultura de Cataguases para o período Por diversas vezes, o secretário de cultura deu declarações à mídia local enaltecendo a aprovação do Plano, após, segundo ele, um longo período de discussões com a comunidade. Um dos maiores benefícios do documento, segundo o secretário, é a inclusão da cidade no Sistema Nacional de Cultura, o que a capacita para receber repasses diretamente do governo federal. 4 Apresentação e discussão dos resultados Entre os anos de 1998 e 2007, a prefeitura municipal realizou o tombamento de 19 edifícios, entre os quais, alguns já tombados pelo IPHAN. Os dossiês apontam que o tombamento se faz necessário em razão da importância histórica-cultural e econômica desses bens para o município 15. Contudo, nota-se que, desde então, não houve iniciativa de tombamento na cidade. Esse fato parece explicar a estagnação do município em relação ao repasse de ICMS Cultural, em um momento em que o número de cidades que aderiram à política aumentou, segundo Botelho (2006). Abaixo, é possível verificar a colocação do município em relação à pontuação dos demais. Verifica-se que entre os anos de 2002 e 2007 Cataguases esteve entre os 10 municípios que mais receberam repasse. Para o ano de 2016, todavia, a cidade apresenta a pior pontuação de todos os anos, despontando entre os municípios com piores notas. 15 Os dossiês de tombamento municipais bem como as leis municipais citadas no trabalho podem ser consultados na sede do DEMPHAC, na cidade de Cataguases. Já a documentação do tombamento federal encontra-se na sede do IEPHA-MG, localizada na cidade de Belo Horizonte.
11 Fonte: Fundação João Pinheiro 16 Esse cenário revela um descompasso entre o que vem acontecendo no município e no estado. É possível observar, por exemplo, que, enquanto cresceu o número de registros de bens imóveis no estado de Minas Gerais, Cataguases não registrou nenhum processo de tombamento com esse perfil aspecto que contraria as discussões mais recentes sobre o tema. Com o intuito de averiguar essas situações, foi realizada no dia 28/10/2014, uma entrevista semi-estruturada com Virgínia Ribeiro, pedagoga, funcionária do DEMPHAC e responsável pelas ações relativas à educação patrimonial no município. Sobre suas funções, Virgínia afirmou que realiza diversas ações em busca da conscientização para preservação do patrimônio em escolas municipais da cidade. Queixase, no entanto, da não pontuação do projeto PEPE Projeto de educação patrimonial em escolas - enquanto ação de educação patrimonial (a educação patrimonial é um dos critérios para pontuação no ICMS Cultural) por não corresponder à metodologia que o IEPHA adota. O projeto foi realizado entre os anos de 2008 e 2010 com alcance, segundo ela, de alunos, além de cerca de 470 profissionais entre professores e funcionários de escolas públicas municipais. Outro fator que limita a ação do DEMPHAC na cidade é o número reduzido de funcionários 17. Para Virgínia, se esse número fosse maior, seria possível realizar um 16 Elaboração da autora do trabalho.
12 trabalho melhor qualitativamente, dando o suporte necessário aos bens tombados, além de conseguir aumentar a quantidade desses bens, incluindo o registro de bens imóveis. Além disso, permitiria a continuidade dos projetos de educação patrimonial e atendimento ao público em meses do ano que os funcionários, segundo ela, praticamente abandonam para se dedicar à documentação que deve ser enviada ao IEPHA para obtenção de pontuação no ICMS Cultural. Virgínia vê como obstáculo a padronização dos projetos que pontuam, tendo em vista que cada município tem uma realidade diferente. Para ela, isso limita a atuação dos funcionários do setor, tendo em vista que, por conta do quadro enxuto de funcionários, é necessário dedicar-se quase que metade do ano àquelas ações que pontuam no ICMS cultural. Em sua opinião, essas situações tiram a autonomia dos municípios sobre as ações que devem ser adotadas, o que é prejudicial porque, em sua opinião, os funcionários municipais conhecem mais sobre a realidade local que o IEPHA. Desde os tombamentos, uma série de conflitos de interesses vem marcando a cidade. Segundo Alonso (2010), isso se dá, por exemplo, porque o IPHAN não estabeleceu critérios e normas claras para as intervenções na poligonal tombada. No ano de 2009, por exemplo, um manifesto assinado por sete entidades representativas de parte da sociedade local (entre elas o CREA e a Câmara dos Diretores Lojistas de Cataguases CDL) foi entregue ao então prefeito questionando os critérios adotados pelo IPHAN em relação ao tombamento dos bens de Cataguases. O documento exigia da prefeitura a remoção da legislação municipal de qualquer referência à submissão ao IPHAN de projetos em imóveis não tombados individualmente. Outrossim, classificava o tombamento dos bens de Cataguases como um evidente vício de tramitação. Por fim, o documento dizia aguardar parceria com o IPHAN para a preservação dos bens, além de um maior envolvimento do governo municipal e dos vereadores visando sensatez e equilíbrio para não transformar essa preservação em estagnação. No que tange ao poder público municipal, os documentos que deveriam guiar o desenvolvimento e proteger os bens tombados, como as leis de zoneamento (Leis nº e nº /1995) e o Plano Diretor (Lei nº 3.546/2006) tem alguns problemas apontados por Alonso (2009). Segundo o autor, uma breve análise sobre esses documentos revela que, 17 Vale ressaltar que a Deliberação Normativa em vigor obriga a prefeitura a alocar dois funcionários para a condução da política.
13 no Plano Diretor, muitas das ações previstas não foram regulamentadas, como é necessário a documentos compostos de diretrizes. Medidas de restrição ou favorecimento da compatibilidade do potencial construtivo, de modo a não estimular a destruição ou substituição dos bens tombados são comuns em cidades que prezam por seu patrimônio, segundo Botelho (2006). Especificamente sobre as Leis de Zoneamento, que datam do mesmo período em que era realizado o estudo sobre o tombamento municipal (anos 94 e 95) há controvérsias significativas em relação aos objetivos de preservação, incluindo a recomendação para adensamento demográfico da região central, justamente aquela que deveria ser protegida. De acordo com Alonso (2009) essas distorções se dão por conta de o executivo municipal ceder às pressões de setores da sociedade ligados à construção civil. Com efeito, foram aprovadas inúmeras emendas que acabaram por descaracterizar o que previa o documento inicial 18. Essa situação, segundo Villaça (2012) é preocupante pois, geralmente, é resultado de arranjos políticos ao invés de se basear em pesquisas e privilegiar os interesses da maioria ou daqueles que são afetados, mas tem menos representatividade por diversas razões. Outra situação polêmica foi a venda de terrenos da prefeitura no ano de 2012 com a justificativa de angariar recursos para a compra do Cine-Theatro Edgard, que é de propriedade privada. O edifício é tombado a nível federal e municipal e é um dos bens mais reconhecidos pelos moradores da cidade, contando com significativo prestígio. Após a venda dos terrenos, no entanto, os valores arrecadados tiveram outra destinação e o Cine- Theatro continua fechado aguardando a prefeitura mobilizar os recursos necessários à sua compra e reforma, além de alguns trâmites judiciais. 5 Considerações finais Os dados observados apontam para uma alta adesão dos municípios mineiros à política de redistribuição dos recursos advindos do ICMS a partir da criação da Lei nº. 18 Uma das mudanças com maior apelo popular nos últimos anos ocorreu em torno da modificação da classificação da Avenida Astolfo Dutra no Código de Zoneamento, Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo Urbano. A área que até então era considerada residencial, abriga há cerca de 25 um dos mais tradicionais trailers de lanche da cidade, que foi ameaçado de fechar devido à denúncia de descumprimento da lei. Após longas discussões na câmara municipal, foi aprovada a modificação da região para Zona Mista, o que permitiu o funcionamento do trailer e a chegada de novos comércios à região.
14 12.040/1995. Isso, sem dúvida, mostra o sucesso do alcance da política que trouxe aos municípios as discussões sobre a defesa do patrimônio cultural, além da autonomia sobre sua gestão, ainda que isso seja feito mais por motivos econômicos do que pela consciência sobre o assunto, como lembra Magalhães (2008). No entanto, é preciso considerar que a cidade de Cataguases vem enfrentando diversos desafios no que tange ao seu patrimônio cultural. Isso se dá por conta da legislação local que muitas vezes encontra-se em desacordo com as recomendações do IPHAN para as intervenções na poligonal tombada e às dificuldades no que tange ao critérios do IEPHA para pontuação no ICMS Cultural. Entende-se que os repasses procedentes do ICMS poderiam auxiliar na promoção de ações educativas e de sensibilização da comunidade, mas como não há obrigatoriedade de vinculação dos gastos na área, isso nem sempre é feito. Essas ações favoreciam também a pressão popular por continuidade e aperfeiçoamento da adesão à política do governo estadual. Em suma, a despeito dos desafios apresentados, o processo de descentralização apresentado no primeiro capítulo desta pesquisa desencadeia, no caso de Minas Gerais, um importante programa de proteção do patrimônio cultural, independentemente da agenda do governo federal. Referências ABRUCIO, F.L. Para além da descentralização: os desafios da coordenação federativa do Brasil. In: FLEURY, S. (org.) Democracia, Descentralização e Desenvolvimento: Brasil e Espanha. 1ª Edição. Rio de Janeiro: FGV, p ALONSO, P.H. A construção de um patrimônio cultural: o tombamento federal de Cataguases, Minas Gerais. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura Conhecer para preservar: documentação e preservação do patrimônio modernista tombado em Cataguases, Minas Gerais. 8º Seminário Docomomo Brasil. Disponível em: Acesso em: 13/10/2015 ARIMATÉIA, K. de. O ICMS cultural como estratégia de indução para a descentralização de políticas de patrimônio cultural. Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 12, n. 18, p , jan./jun. 2010
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