O MENINO DO DEDO VERDE Maurice Druon

Transcrição

1 O MENINO DO DEDO VERDE Maurice Druon Tistu era um menino com cabelos louros e crespos nas pontas. Tinha grandes olhos azuis e faces rosadas e macias. Todo mundo o beijava. Mas Tistu não ficava vaidoso. Vivia na Casa-que-brilha, uma casa esplêndida, junto ao Sr. Papai e a perfumada Dona Mamãe, no meio de belas árvores, belos carros, belos cavalos e o pônei Ginástico. Eram muito ricos. Tistu era um menino muito feliz. Mirapólvora era como se chamava a cidade onde Tistu nascera. Era em Mirapólvora que o Sr. Papai

2 fabricava canhões de todos os calibris, grandes ou pequenos, muito procurados. Em casa Dona Mamãe ensinou Tistu a ler, escrever e calcular. Quando ele fez 8 anos o levaram para a escola mas ele dormia nas aulas todos os dias. Tentava lutar contra o sono mas não adiantava. Então o Sr. Papai decidiu que ele aprenderia as coisas olhandoas com os próprios olhos. Com o jardineiro Bigode, Tistu descobriu que tinha o polegar verde. Inacreditavelmente ao encostar o polegar na terra nascia uma flor! Não contou a mais ninguém. No dia seguinte foi com o Sr. Trovões, amigo do Sr. Papai, até uma cadeia.

3 Pelo caminho, o Sr. Trovões explicava: - Uma cidade é composta de ruas, casas e pessoas que moram nas casas e o mais importante numa cidade é a ordem. As pessoas que espalham a desordem são postas aqui, na cadeia. falou alto o Sr. Trovões. - E colocam o prisioneiro aqui para curar sua maldade? - perguntou Tistu. - Tentam ensinar-lhe a viver sem matar e roubar. respondeu o Sr. Trovões. Tistu viu, atrás das grades com pontas de ferro, prisioneiros infelizes de cabeça baixa e pensou: - Se esta cadeia não fosse tão feia talvez eles tivessem menos vontade de fugir. À noite Tistu teve um pesadelo e acordou. Decidiu ir até a cadeia e lá foi aplicando o polegar por toda parte que podia: no chão, nas grades, no muro e até na fechadura. Voltou logo em seguida para casa. Pela manhã, toda a cidade já sabia da fabulosa notícia. Os prisioneiros esqueceram-se de fugir, pararam de reclamar e brigar. Tistu ficou contente. No terceiro dia aprendeu com o Sr. Trovões que a miséria mora nas favelas. As favelas ficam nas margens

4 da cidade e é pior que uma cadeia. Caminhos estreitos, lamacentos, malcheirosos, portas remendadas com papelão... - Mas por que toda essa gente mora em casinhas tão pequenas? - perguntou Tistu - Porque eles não têm trabalho, nem sorte, e a miséria é isto. Ele viu um homem batendo numa mulher e uma criança fugir chorando. - A miséria torna os homens ruins? - perguntou Tistu. - Quase sempre. respondeu o Sr. Trovões. No dia seguinte os jornais anunciavam que os quarteirões das favelas haviam se tornado os mais belos da cidade e as pessoas começaram a visitá-los e assim as pessoas que moravam nas favelas conseguiram emprego de vendedor, de guia de turismo... Foi ao visitar o hospital que no quarto dia Tistu ficou conhecendo a menina doente. Era um hospital grande e bonito mas a menina não tinha motivos para querer sarar. Flores poderiam ajudá-la. O polegar de

5 Tistu não tinha descanso. Quando ela acordou se viu no meio de um jardim! - Doutor, eu aprendi que para a gente sarar é preciso ter vontade de viver, ter esperança e para cuidar direito dos homens é preciso amá-los bastante. - Nota dez, Tistu! disse o doutor. Tistu ficou muito sério por alguns dias. Passava horas e horas calado. - Em que é que você está pensanso, Tistu? perguntou-lhe um dia Dona Mamãe. - Estou pensando que o mundo podia ser bem melhor do que é. Dona Mamãe fez uma cara zangada. - Isto não são ideias para a sua idade. Vai brincar com o Ginástico. - O Ginástico pensa a mesma coisa. disse Tistu. Há alguns dias que todo o mundo cochichava em Mirapólvora. Pairava segredo no ar. Tistu quis informarse melhor. Procurou o Sr. Bigode. - Haverá uma guerra. E numa guerra, todo mundo perde alguma coisa. Uns perdem o filho, como a Amélia, a

6 cozinheira. Outros perdem um braço, uma perna, ou então perdem a cabeça. Tistu pensou no que poderia fazer porque a guerra é algo horrível. A fábrica de canhões do Sr. Papai, funcionava sem parar. A fábrica forneceria as armas para a guerra. Então Tistu teve uma ideia brilhante. Plantas surgiram por todo lado na fábrica. Os canhões haviam atirado flores! A paz voltou e os exércitos se retiraram. No dia seguinte, Tistu tomou coragem e contou aos seus pais o que tinha feito: - Fui eu que semeei flores nos canhões! E na favela. Fui eu! A cadeia. Fui eu! No quarto do hospital para a menina doente. Fui eu! Pronto! Eu tenho polegar verde. Sr. Papai e Dona Mamãe conversaram entre si e decidiram transformar a fábrica de canhões em fábrica de flores. E foi um sucesso! A cidade que se chamava Mirapólvora passou a se chamar Miraflores. Passaram alguns dias e pela manhã uma manhã, uma notícia deixou a todos da casa-que brilha muito tristes. O jardineiro Bigode não acordara.

7 - Bigode resolveu descansar para sempre. Você não pode mais vê-lo. Ele partiu para uma viagem muito longa e nunca mais voltará. explicou Dona Mamãe a Tistu. Tistu procurou o pônei Ginástico. - Bigode morreu. Morreu porque era muito velho. Toda vida termina assim. respondeu o pônei. Tistu muito triste enxugou as lágrimas e pôs um pouco de ordem em suas ideias. Tistu começou a construir uma escada muito alta feita de plantas até o céu. Já não se via mais onde acabava. - Se Bigode está mesmo lá em cima, como insistem em dizer, aproveitará esta escada para descer, nem que seja um pouquinho. disse Tistu ao pônei Ginástico. - Vou esperar três dias. Depois sei o que me resta fazer. No quarto dia, Ginástico tentou roer o pé da escada mas era duro demais. - Você quis então derrubar a minha bela escada! Por que, Ginástico? Para impedir que eu suba? - perguntou Tistu muito zangado. - Foi. disse o pônei chorando.

8 - Mas vamos Ginástico, não chore. Eu vou só subir e descer. Já estarei de volta. Ginástico continuava chorando. Ele viu Tistu escalar os degraus. - Eu trarei uma estrelinha pra você. Até logo, Ginástico. E ele desapareceu para sempre. Quando os moradores da Casa-que-brilha saíram naquela manhã a chamar Tistu por todos os cantos, viram no meio do prado dois chinelinhos e uma frase escrita no chão: TISTU ERA UM ANJO! Resumo da obra: Solana Rovena Marques de Souza