Brasileiros em Londres: relatório para a campanha De Estrangeiros a Cidadãos (Strangers into Citizens)

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1 Brasileiros em Londres: relatório para a campanha De Estrangeiros a Cidadãos (Strangers into Citizens) Setembro de 2007 Yara Evans, Jane Wills, Kavita Datta, Joanna Herbert, Cathy McIlwaine, Jon May, Padre José Osvaldo de Araújo, Ana Carla França and Ana Paula França Department of Geography Queen Mary, University of London Mile End, London E1 4NS ISBN:

2 Brasileiros em Londres Relatório para a campanha De Estrangeiros a Cidadãos (Strangers into Citizens) Yara Evans Jane Wills Kavita Datta Joanna Herbert Cathy McIlwaine Jon May Padre José Osvaldo de Araújo Ana Carla França Ana Paula França Departament of Geography Queen Mary, University of London Londres, Reino Unido Setembro de 2007

3 ÍNDICE Lista de Figuras 3 Introdução 4 População Brasileira em Londres 4 Brasileiros em Londres: um levantamento 6 Perfil Demográfico de Brasileiros em Londres 6 Grau de Escolaridade de Brasileiros em Londres 7 Porque os Brasileiros Vêm a Londres 8 Brasileiros no Reino Unido: entrada e permanência 10 Atividade Econômica de Brasileiros em Londres 12 Brasileiros em Londres: temporariamente ou para ficar? 16 Apoiando a Campanha De Estrangeiros a Cidadãos, da London Citizens 17 Agradecimentos 18 Bibliografia 18 2

4 FIGURAS Figura 1: Idade 6 Figura 2: Idade: homens e mulheres 7 Figura 3: Cursos de Graduação 8 Figure 4: Objetivo no Reino Unido 9 Figura 5: Objetivo no Reino Unido: homens e mulheres 10 Figura 6: Situação Imigratória 11 Figura 7: Tipos de Trabalho 13 Figure 8: Tipo de trabalho: homens e mulheres 13 Figura 9: Horas Semanais Trabalhadas: homens e mulheres 14 Figura 10: Sálario 15 Figura 11: Sálario: homens e mulheres 15 Figura12: Expectativa de permanência no Reino Unido 16 Figure 13: Expectativa de permanência no Reino Unido: homens e mulheres 17 3

5 Introdução Em julho de 2005, Jean Charles de Menezes, um jovem brasileiro que vivia na Inglaterra por cerca três anos, foi morto violentamente por policiais numa estação de metrô no sul de Londres, ao ser confundido com um terrorista. Este trágico evento tornou-se manchete pelo mundo todo e colocou em evidência a comunidade brasileira em Londres por vários dias. Na época, houve especulação na mídia de que Jean Charles teria agido de modo suspeito ao se deparar com a polícia, por se tratar de um imigrante não documentado 1. Logo após a sua morte, uma investigação pela polícia teria revelado que seu visto de estudante havia vencido e que, portanto, ele estava no país ilegalmente. Jean Charles estaria, assim, receoso de vir a ser descoberto e deportado pelas autoridades, razão pela qual teria tentado correr da polícia, ocasionando a sua execução sumária. Embora a própria polícia tenha desmentido essa versão da tentativa de fuga, ela foi usada por algumas pessoas para insinuar que sua morte talvez se justificase, dado que estava no país com o visto vencido. A morte de Jean Charles deixou entrever uma grande preocupação na sociedade britânica quanto à presença e atividades de imigrantes irregulares no Reino Unido. O tema da imigração tem sido muito debatido na mídia britânica nos últimos anos, em grande parte graças ao fluxo crescente de imigrantes e conseqüente acirramento da competição por empregos no país. Mudar essa imagem dos imigrantes e sobretudo os imigrantes irregulares constitui um dos principais objetivos da campanha De Estrangeiros a Cidadãos, que vem sendo liderada pela London Citizens. Essa organização reúne grupos comunitários, igrejas, sindicatos e estabelecimentos educacionais compromissados com a justiça social. A campanha reivindica do governo britânico uma anistia para cerca de meio milhão de imigrantes que, por diversas razões, se encontram no país irregularmente e, em consequência, alijados dos direitos de cidadãos. Sua regularização lhes restituiria tais prerrogativas, possibilitando-lhes o desempenho de um papel mais ativo na sociedade. Permitiria, também, ao governo, maior arrecadação, por meio de impostos que no momento não são cobrados. Outra conseqüência seria a exposição dos patrões inescrupulosos, facilitando-se a vigência do salário minímo (para maiores informações, consulte O estudo aqui relatado foi produzido no contexto dessa campanha e enfoca os brasileiros, que constituem um dos novos grupos de imigrantes a chegarem ao Reino Unido ao longo da última década. Pouco se sabe sobre os brasileiros que aqui vivem e trabalham (Cwerner 2001 ; Jordan and Duvell 2002; Datta et al 2007a,b), embora haja indicações de que formem uma comunidade de considerável tamanho. O estudo foi, assim, instigado pela necessidade de se conhecer melhor sua situação. Este relatório apresenta dados que foram levantados para produzir um perfil sócio-econoômico dos brasileiros em Londres, ao mesmo tempo que contribui para a campanha De Estrangeiros a Cidadãos. População Brasileira em Londres Analistas de assuntos do Brasil no Reino Unido concordam que os dados oficiais sobre a população brasileira no país estão sempre totalmente defasados. Segundo o último 1 Os termos imigrantes não-documentados e irregulares são usados com referência a pessoas que se encontram no Reino Unido em situação imigratória irregular, incluindo-se aí o visto vencido. 4

6 censo britânico de 2001, havia cerca de brasileiros em Londres, ao passo que estimativas não oficiais para o mesmo periodo indicavam haver entre e (Cwerner 2001). Organizações brasileiras sediadas no Reino Unido, assim como analistas, estimam que o número de brasileiro no país todo seja de cerca de A grande maioria, entre e indivíduos, encontra-se em Londres. Somente no bairro de Brent, estima-se que haja cerca de brasileiros. Existe, também, uma grande comunidade em Stockwell, no Sul da capital, enquanto que o distrito de Bayswater, no centro londrino, há muito é chamado de Brazilwater por brasileiros, indicando a sua grande presença na área. Dados oficiais tendem assim a subestimar o número de brasileiros que vivem no Reino Unido. Tal discrepância entre dados oficiais e estimativas não oficiais já havia sido observada em estudos anteriores de brasileiros nos Estados Unidos (Margolis 1998) e no Reino Unido (Cwerner 2001), e deve-se a vários fatores. Primeiramente, as autoridades de imigração britânica não dispõem de meios eficazes para monitorar o movimento das pessoas no país após sua passagem pelas fronteiras; Tampouco registram sua saída, exceto em casos de deportações. Em segundo lugar, o tempo de permanência da maioria dos brasileiros é condicionado pelo tipo de visto de imigração obtido das autoridades sendo, na maior parte dos casos, limitado, embora muitos brasileiros permaneçam além do prazo estipulado. Dado que as saídas do país não são registradas, é impossível saber quantos brasileiros terão permanecido além do prazo permitido. Em terceiro lugar, e em consequência, muitos brasileiros vêem sua estadia apenas como temporária ou não têm interesse algum em se fazer conhecer pelas autoridades, sendo extremamente improvável que participem do censo. Que a comunidade brasileira em Londres é muito maior do que as estimativas oficiais sugerem pode ser depreendido do número de serviços formais e informais que surgiram na capital ao longo da última década. Estes são, em sua maior parte, oferecidos por brasileiros para uma clientela que é primordialmente brasileira, e sua variedade é impressionante. Há serviços de estética corporal, aconselhamento e advocacia em língua portuguesa, babás, limpeza doméstica e de escritórios, mudança e traslados, animação de festas, bem como negócios como agências de viagem, serviços de remessas de dinheiro e firmas imobiliárias, lojas suprindo roupas, comidas e bebidas brasileiras, além de cafés e restaurantes. Em sua maioria, tais serviços são anunciados nos vários jornais e revistas gratuitos produzidos em língua portuguesa, que têm grande circulação na comunidade brasileira e em outras comunidades radicadas em Londres cujo idioma é o Português As igrejas de várias religiões também utilizam essas publicações para anunciar suas atividades, que são geralmente organizadas por brasileiros e realizadas em Português. Este é o caso, por exemplo, da Capelania Brasileira, com sede no leste de Londres, que foi estabelecida pela Igreja Católica recentemente. A Capelania está sob cuidados de padres brasileiros, que celebram missa em português para centenas de fiéis nos fins de semanas. No ano passado, um grupo de voluntários fundou a primeira Associação Brasileira no Reino Unido, que já conta com centenas de associados. Seu objetivo é suprir uma série de serviços, desde assessoria sobre questões legais, financeiras e de imigração, até orientação sobre questões pessoais e acompanhamento psicológico. Esses dados indicam que a comunidade brasileira em Londres é grande e continua a crescer (Cwerners 2001). A seguir, descreveremos a metodologia utilizada no levantamento de brasileiros em Londres. 5

7 Brasileiros em Londres: um levantamento Em 2006, uma equipe de ativistas da campanha De Estrangeiros a Cidadãos, ligados à Capelania brasileira no leste de Londres, produziu um breve questionário contendo perguntas abertas e fechadas em Português. O questionário foi distribuído em igrejas católicas e pentecostais no centro e no leste da capital londrina, para ser respondido diretamente por brasileiros interessados, geralmente após missas ou cultos, durante os meses de setembro e outubro de O levantamento produziu um total de 423 questionários respondidos. Até onde se sabe, este constitui o primeiro levantamento de brasileiros em Londres/ Reino Unido. Embora não se possa afirmar que os resultados representem a comunidade brasileira como um todo, acreditamos que refletem a situação de muitos dos brasileiros que vivem em Londres atualmente. Perfil Demográfico de Brasileiros em Londres Um dos principais resultados obtidos em pesquisas recentes sobre o tema da imigração é o aumento da participação de mulheres em fluxos migratórios internacionais. No caso de brasileiros imigrantes em particular, Margolis (1998), por exemplo, mostrou que a proporção de homens era somente um pouco maior do que a de mulheres no seu estudo em Nova Iorque. O estudo de brasileiros em Londres reitera tais resultados, revelando que os homens compunham um pouco mais da metade (51.5%) da amostragem, e as mulheres compunham um pouco menos da metade (48.5%). Com relação à idade, pesquisas anteriores (Cwerner 2001; Margolis 1998) ressaltaram que imigrantes brasileiros tendem a ser jovens, resultado que o estudo de Londres corrobora. Conforme mostra a Figura 1, cerca de 82% dos brasileiros pesquisados pertenciam à faixa etária anos. A idade média registrada foi de 35 anos e meio. Figure 1 Idade (% ) 6

8 O levantamento em Londres também revelou algumas diferenças importantes na distribuição etária entre homens e mulheres. Como pode ser visto na Figura 2, as mulheres predominaram na faixa de 18 a 30 anos (uma diferença de treze pontos percentuais), enquanto os homens predominaram na faixa de 41 a 50 anos (uma diferença de oito pontos percentuais). Em média, os homens eram só um pouco mais velhos (34.4 anos) do que as mulheres (32.7 anos). Figura 2 Idade: homens e mulheres 50 % homens mulheres Estudos anteriores também revelaram que imigrantes brasileiros tendem a dividir a moradia, uma estratégia ditada, segundo Margolis (1998) tanto por hábito (para não ficar só), como pela necessidade (de dividir os gastos). Em Nova Iorque, por exemplo, Margolis revelou que cerca de 40% dos brasileiros em sua amostragem residiam em lares constituídos por unidades não familiares, compartilhando sua habitação com amigos ou conhecidos, em geral compatriotas. Isto significa que tais brasileiros eram em sua maioria solteiros, fato que foi também observado por Cwerner (2001) acerca de brasileiros em Londres. Praticamente todos os brasileiros no levantamento londrino dividiam sua moradia. Mas enquanto 41% desses viviam em lares não familiares, cerca de 42% moravam com seus cônjuges ou companheiros. Em termos de tipo de habitação, cerca de 31% dos pesquisados dividiam uma casa, e outros 31% dividiam um apartamento, sugerindo que, em ambos os casos, tinham seu próprio quarto. Mais de um terço (36%) declarou estar dividindo um quarto, com uma média de três pessoas no dormitório. A grande maioria dos pesquisados (82%) não tinha filhos no Reino Unido. Grau de Escolaridade de Brasileiros em Londres Pesquisas anteriores sobre brasileiros fora de seu país revelaram que esses imigrantes advêm predominantemente da classe média ou classe média baixa no Brasil. Um indicador importante de classe social utilizado é o grau de escolaridade alcançado no Brasil (Margolis 1998; Cwerner 2001; Jordan and Duvell 2002). O estudo de brasileiros em Nova Iorque, por exemplo, mostrou que a maioria tinha cursado até o segundo grau, enquanto um terço havia obtido diploma universitário (Margolis 1998). 7

9 Do mesmo modo, o levantamento dos brasileiros em Londres mostra que os pesquisados tinham obtido um grau avançado de educação formal. Mais da metade da amostra (54%) havia cursado até o segundo grau, e mais de um terço (36%) havia ingressado na universidade, embora metade destes deixara de concluir o curso de graduação. Em termos de gênero, mais homens (56%) haviam cursado até o segundo grau do que mulheres (51%), enquanto mais mulheres (37%) haviam ingressado na universidade do que homens (35%). As respostas obtidas dos participantes revelam uma ampla gama de disciplinas cursadas na universidade, com mais de 30 cursos mencionados, incluindo Odontologia, Direito, Línguas, Filosofia, Biologia, Jornalismo e Administração Hoteleira. A Figura 3 mostra os cursos mais mencionados. Figura 3 Cursos de Graduação (No.) Administração de Empresas Ciências Contábeis Pedagogia Educação Física Turismo Engenharia Porque os Brasileiros Vêm a Londres Da mesma maneira que se observa em outros países em desenvolvimento, uma das principais razões da emigração brasileira é a procura por melhores oportunidades ecônomicas. Conforme Margolis (1998) relatou, razões ecônomicas e profissionais haviam motivado cerca de dois terços dos pesquisados a deixarem o Brasil em busca de melhores oportunidades nos Estados Unidos. Os principais fatores a impulsionar a emigração foram efeitos negativos de uma economia nacional debilitada por alta inflação e marcada pela instabilidade nas décadas de 80 e 90, bem como a falta de oportunidades no mercado de trabalho aos profissionais e aos diplomados. Por sua vez, o principal fator a impulsionar a imigração aos Estados Unidos foi a oferta de empregos com salários mais altos do que os vigentes no Brasil, o que permitia poupar mais. Assim, um futuro ecônomico incerto e a perspectiva de se ganhar e poupar mais no exterior propiciaram a muitos brasileiros vislumbar a alternativa que Margolis (1998: 12) denominou O que tenho a perder? Ao contrário, porém, Cwerner (2001) observou que uma proporção significativa de brasileiros atribuiu razões de cunho não ecônomicos à sua estada em Londres, tais como a vontade de ver o mundo. Já Jordan e Duvell (2002) ressaltaram que os brasileiros em seu estudo tinham sido motivados a vir para Londres tanto por ganho ecônomico quanto por acesso à infra-estrutura pública de benefícios e serviços, assim como o desejo de adquirir conhecimento ou experiência. 8

10 Os brasileiros que participaram do levantamento em Londres também apontaram várias razões para vir ao Reino Unido: para garantir um futuro melhor no Brasil, para dar uma vida melhor a meus filhos, para crescer profissionalmente, para construir minha vida aqui, para comprar uma casa no Brasil, para economizar e voltar para a minha terra, para poder educar meus filhos, para conseguir aqui o que não pude conseguir no meu país, para pagar minhas dívidas no Brasil, para praticar minha profissão, para levar uma vida digna, e para tentar vida nova. Todas as respostas foram agrupadas em categorias, conforme se vê na Figura 4. Figura 4 Objetivo no Reino Unido não respondeu 6.1 outro 7.6 estudar/melhorar o inglês 16.3 para ficar / para uma vida melhor 20.6 trabalhar e economizar 24.3 trabalhar <=> estudar porcentagem Comumente, o principal objetivo para a emigração é a perspectiva de melhores ganhos e a possibilidade de fazer poupança que será gasta ou investida no Brasil, através de remessas destinadas a prover a família, liqüidar dívidas, adquirir propriedade ou estabelecer negócio próprio (Margolis 1998). Aproximadamente um quarto dos que participaram do levantamento em Londres afirmou vir ao Reino Unido com o objetivo único de trabalhar e, implicitamente, poupar. Um alta proporção desta poupança deverá ser remetida ao Brasil (Datta et al 2007). Contudo, houve diferenças importantes entre homens e mulheres quanto às razões apresentadas para virem ao Reino Unido, como mostra a Figura 5. 9

11 Figura 5 (%) 35 Objetivo no Reino Unido: homens e mulheres trabalhar <=> estudar trabalhar e economizar estudar/melhorar o ingês outro homens mulheres ficar aqui / uma vida melhor não respondeu Conforme se vê na Figura 5, mais mulheres do que homens declararam vir ao Reino Unido para trabalhar e estudar, ao passo que mais homens do que mulheres justificaram sua vinda com o objetivo de trabalhar e economizar. Contudo, quase a mesma proporção de homens e mulheres declarou ter vindo ao Reino Unido com o objetivo de permanecer definitivamente ou em busca de uma vida melhor. Brasileiros no Reino Unido: entrada e permanência Embora a legislação de imigração no Reino Unido ofereça várias alternativas de admissão de estrangeiros ao país e de permanência, as alternativas disponíveis aos brasileiros são limitadas em escopo. Conforme demonstraram Jordan and Duvell (2002), a maior parte dos brasileiros é admitida no Reino Unido com o visto de turista, obtido das autoridades de imigração no momento da passagem pela fronteira, por um período máximo de seis meses, e que proíbe o turista de obter emprego. Aos que pretendem prolongar sua estada e que, como ressaltou Cwerner (2001), não vêem a si próprios como simples turistas, restam duas alternativas. Uma é deixar o visto vencer e permanecer no país em situação irregular, uma estratégia que Margolis (1998) descobriu em uso por metade dos brasileiros pesquisados em Nova Iorque. A outra opção é obter um visto de estudante para não permanecer no país ilegalmente, pelo menos por um período inicial. A obtenção do visto de estudante requer que o candidato se matricule em um curso de pelo menos 15 horas semanais, como um curso de língua inglesa, e que seja reconhecido no Reino Unido. Estudantes nessas condições podem trabalhar até um máximo de 20 horas semanais durante o período de aulas, sendo que durante as férias escolares podem trabalhar em período integral. O visto é normalmente concedido pelo mesmo tempo de duração do curso, e é possível obter sua renovação. Segundo Jordan and Duvell (2002), tal estratégia era utilizada amplamente por brasileiros (e mais do que por qualquer outro grupo de imigrantes em seu estudo) que admitiram abertamente 10

12 utilizarem-na puramente como meio de permanecer no Reino Unido. Porém, a obtenção ou renovação do visto de estudante normalmente implica em despesas adicionais, tais como a taxas de visto e matrícula, além de impor limites de tempo, restringindo assim a possibilidade de ganhar e economizar dinheiro. Em decorrência, os brasileiros em geral renovam seus vistos de estudante uma ou duas vezes apenas, deixando-os expirar, transformando-se, assim, em não-documentados. Outra possibilidade aos brasileiros, em termos de situação imigratória regular, é a de obter um passaporte europeu em virtude da ascendência européia (comumente portugueses, espanhóis e italianos). Brasileiros nessa situação estão isentos de restrições à imigração, podendo residir e trabalhar em países da Comunidade Européia. O restrito escopo de vistos e situações imigratórias alternativas acessíveis aos brasileiros no Reino Unido verifica-se nos resultados do levantamento em Londres, como se pode ver na Figura 6. Conforme ilustra o gráfico, menos de um quinto da amostragem possuía passaporte europeu, enquanto um décimo dos pesquisados detinha um visto de turista à época da pesquisa. Cerca de 7% declararam ter obtido residência permanente no Reino Unido, uma outra situação imigratória possível aos brasileiros que satisfazem certos requisitos (tais como estar no país por um determinado número de anos, ou, ainda, cujo cônjuge seja britânico ou europeu). Uma pequena minoria declarou ter recebido uma permissão de trabalho, que possibilita a obtenção da cidadania britânica, embora este visto normalmente só esteja disponível a trabalhadores altamente qualificados. Contudo, reiterando os resultados do estudo de Margolis (1998), o levantamento em Londres revelou que o visto de metade dos brasileiros da pesquisa já havia expirado e que eles permaneciam no Reino Unido na condição de não-documentados. Figura 6 Situação Imigratória Estudante 16% Passaporte Europeu 11% Turista 10% Residente 7% Visto vencido 53% Autorizado a trabalhar (work permit) 3% Conforme estes dados indicam, os brasileiros tendem a permanecer no Reino Unido além do prazo estipulado no visto. Mesmo assim, de acordo com estudos anteriores, brasileiros geralmente não consideram definitiva sua permanência no exterior. Ao contrário, muitos vêem sua estada apenas como temporária, tencionando ficar somente o tempo necessário para economizar o montante antecipado e retornar ao Brasil. Na prática, os planos quanto à duração da estada variam com o tempo. Assim, brasileiros que planejaram permanecer no exterior apenas por alguns meses podem acabar ficando 11

13 por muitos anos, quando não, residindo permanentemente (Margolis 1998; Cwerner 2001). O levantamento em Londres mostra que a maior parte dos brasileiros chegou ao Reino Unido recentemente, constituindo, assim, um dos grupos de novos imigrantes no país. Os resultados mostram que a grande maioria (69%) havia chegado nos últimos cinco anos, indicando que os brasileiros tendem a permanecer no país a médio prazo. Os pesquisados permaneciam em média 2.8 anos, não havendo grande diferença entre a média de anos para homens (2.7 anos) e para mulheres (2.9 anos). Assim como em estudos anteriores, estes dados indicam que a tendência dos brasileiros é de considerar sua estada no Reino Unido como temporária, como um período para atingir seus objetivos de poupar, aprender a língua e adquirir experiência de trabalho, para finalmente regressar ao Brasil. Mesmo assim, como se verá mais adiante, muitos brasileiros gostariam de prolongar sua estada. Contudo, dado que as possibilidades de se permanecer legalmente são limitadas, e como muitos acabam se tornando não-documentados, a busca da permanência prolongada torna-se progressivamente problemática. Conforme observou Cwerner (2001), embora o controle imigratório não consiga atingir a todos, muitos dos brasileiros não-documentados vivem sob o constante medo de serem deportados. Atividade Econômica de Brasileiros em Londres Assim como outros grupos de imigrantes, os brasileiros em geral obtêm, fora de seu país de origem, trabalhos que não se relacionam em nada com o que realizavam no Brasil, anteriormente. Como já foi visto, muitos que alcançaram educação de nível superior na terra natal, obtêm apenas trabalhos de baixa qualificação ou que não exigem qualificação alguma (Margolis 1998; Cwerner 2001; Jordan and Duvell 2002; Datta et al 2007a,b). Isso decorre em grande parte das restrições impostas pela situação imigratória e também pela falta de conhecimento da língua do país. Assim, por exemplo, segundo Margolis (1998), nos Estados Unidos os brasileiros só obtinham os trabalhos disponíveis a recém-chegados ao país que não conhecessem a língua e que não estivessem autorizados a trabalhar. Geralmente, trabalhos em bares ou restaurantes. Do mesmo modo, os resultados do levantamento em Londres mostram que, em sua maior parte, os brasileiros obtêm trabalhos que não exigem qualificação, embora dois tipos de trabalho predominem, como se observa na Figura 7. O gráfico mostra que cerca de um terço dos pesquisados trabalhava em limpeza (de escritórios e de residências), enquanto aproximadamente um quarto trabalhava em hotéis, bares e restaurantes. Outros trabalhos mencionados foram o de motorista e entrega (10%) e trabalhos de construção (9%). Categorias de trabalho menos comumente mencionadas foram agrupadas em outros serviços, correspondendo a 13% dos pesquisados. Dentre estas chamam a atenção: estética pessoal, vendas, escritório, costureiras, professora de natação, operária de fábrica, e dono de negócio. Contudo, enquanto Margolis (1998) revelou que um quarto dos brasileiros pesquisados em Nova Iorque trabalhava em dois tipos de atividades, a maioria absoluta dos brasileiros em Londres (98%) declarou trabalhar em apenas uma atividade. 12

14 Figura 7 Tipos de Trabalho courier/ motorista 10% construção 9% au pair/babá 3% não trabalha 1% não respondeu 6% outros serviços 13% hotéis e restaurantes 26% limpez a 32% Embora o denominador comum de tais atividades seja o baixo nível de qualificação exigido, a divisão sexual do trabalho pode mostrar-se bastante diferenciada. Em Nova Iorque, por examplo, Margolis (1998) deparou-se com uma divisão sexual bem marcada: quatro de cada cinco mulheres trabalhavam em serviços domésticos (empregadas, faxineiras, e babás), enquanto a maior parte dos homens trabalhava em restaurantes (30%), e na construção. Conforme se pode ver na Figura 8, o levantamento em Londres corrobora tais resultados. O gráfico mostra que os homens trabalhavam na construção, e como motoristas e entregadores, enquanto as mulheres trabalhavam como babás. Observa-se, também, que mais homens do que mulheres trabalhavam em hotéis, bares e restaurantes, enquanto as mulheres predominavam em tarefas de limpeza, mas eram também mais suscetíveis de ficarem sem trabalho do que os homens. Figura 8 Tipo de Trabalho: homens e mulheres % 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% mulheres homens limpeza hotel/bar/restaurante outros serviços courier/motorista construção au pair/babá não trabalha 13

15 Os níveis de salário variam, por sua vez, de acordo com o tipo e a jornada de trabalho, embora o salário-hora nunca deva ficar abaixo do salário mínimo. No levantamento de brasileiros em Londres, cerca de três quintos (63%) trabalhavam período integral (35 horas ou acima). Destes, cerca de 42% trabalhavam acima de 48 horas semanais. Quase um quarto (24%) trabalhava entre 16 e 35 horas semanais. Em média, os pesquisados trabalhavam 41.9 horas por semana. O levantamento revelou, além disso, diferenças importantes entre homens e mulheres com relação à jornada de trabalho, como mostra a Figura 9. O gráfico aponta apenas uma pequena diferença entre homens e mulheres, no que diz respeito à jornada de 35 e 48 horas semanais. No entanto, muito mais homens (42%) do que as mulheres (17%) trabalhavam acima de 48 horas semanais, enquanto muito mais mulheres (41%) trabalhavam entre 16 e 35 horas por semana do que homens (15%). Somente uma pequena proporção tanto de homens quanto mulheres trabalhava menos de 16 horas semanais. Porém, no geral, o levantamento mostrou uma diferença estatisticamente significativa entre a média de horas trabalhadas por homens (45.9 horas) e a média das horas trabalhadas por mulheres (37.2 horas). Figura 9 Horas Semanais Trabalhadas: homens e mulheres % até 16 horas horas horas acima de 48 horas homens mulheres 0 Quanto ao nível salarial, o levantamento londrino revelou uma certa variabilidade entre homens e mulheres. Conforme se observa na Figura 10, o salário minímo 2 e o salário digno 3 foram utilizados para categorizar o salário-hora recebido pelos brasileiros pesquisados. 2 O salário minímo britânico (National Minimum Wage) é estipulado como salário-hora e é vigente por um ano (de outubro a outubro). À época do levantamento, o salário minímo era de 5.05 por hora. 3 O salário digno (Living Wage) é o salário necessário para manter uma família de quatro membros (um casal e dois filhos) com um padrão de vida minimamente decente. O salário digno é estipulado anualmente pelo Gabinete do Prefeito de Londres (Office of the Mayor of London). À época do levantamento, o salário digno era de 7.05 per hour. Para maiores informações, consulte o site: 14

16 Figura 10 Salário salário digno ou acima 19% não respondeu 15% abaixo do salário minímo 17% salário minímo 11% entre salário minímo e salário digno 38% Conforme mostra a Figura 10, mais de um terço dos pesquisados recebia salários acima do salário minímo e abaixo do salário digno, e cerca de 11% recebiam o salário minímo. Portanto, mais da metade da amostragem recebia acima do salário minímo. A média do salário-hora para a amostragem como um todo também situou-se entre o salário minímo e o salário digno ( 6.49 por hora). Apenas uma pequena minoria dos brasileiros (cerca de 17%) recebia salários abaixo do salário minímo, e a grande maioria desses estava não-documentada. Igualmente, puoco mais de um quinto dos não-documentados recebia salários abaixo do salário minímo. Ou seja, estar nãodocumentado não implica necessariamente em receber um salário abaixo do salário minímo, resultado que se assemelha ao obtido no estudo de brasileiros nos Estados Unidos (Margolis 1998). O levantamento também revelou diferenças importantes com relação ao nível salárial recebido por homens e por mulheres, como se pode observar na Figura 11. Figura 11 Salário: homens e mulheres % abaixo do salário minímo salário minímo entre minímo e digno acima do salário digno não respondeu mulheres homens 15

17 De acordo com este gráfico, homens, mais do que as mulheres, recebiam salários entre o salário minímo e o salário digno (uma diferença de quase dez pontos percentuais). Em contraste, mulheres, mais do que os homens, recebiam o salário digno ou acima dele (uma diferença de cinco pontos percentuais). Em média, os homens recebiam 6.42 por hora, enquanto as mulheres recebiam, em média, 6.58 por hora. Brasileiros em Londres: temporariamente ou para ficar? Conforme foi demonstrado anteriormente, muitos dos brasileiros que participaram do levantamento em Londres vieram ao Reino Unido por razões econômicas, ou seja, para trabalhar e poupar (metada da amostragem). A maior parte estava no país entre um e cinco anos (dois terços dos pesquisados), o que indica que sua expectativa é de permanecer a médio prazo, a fim de atingir esses objetivos, embora isso implique em infringir as leis de imigração e viver sob a constante ameaça de deportação. De fato, outros estudos já haviam revelado que, pelo menos inicialmente, os brasileiros encaram sua experiência de viver no exterior apenas como uma fase. Mas tal percepção é condicionada sobretudo pelos tipos de vistos aos quais têm acesso. Margolis (1998) ressaltou que muitos brasileiros se deparavam com um dilema: ficar nos Estados Unidos para sempre ou voltar ao Brasil? A grande maioria geralmente considerava sua estada no país como temporária; assim a subseqüente decisão de permanecer representava uma clara mudança de plano. Muitos se apegavam ao mito da volta, ao mesmo tempo em que deixavam vencer os prazos que impunham a si mesmos para o retorno. Três quartos dos brasileiros ainda se encontravam nos Estados Unidos um ano e meio após terem participado do estudo de Margolis (1998). Cwerner (2001), por sua vez, lembrou que um aspecto importante da imigração brasileira a Londres era o constante alargamento dos horizontes temporais. Do mesmo modo, Jordan and Duvell (2002) observaram que os brasileiros que haviam declarado ter vindo ao Reino Unido para desenvolvimento pessoal ou apenas para uma experiência permaneciam além do prazo planejado. Como se observa na Figura 12, os brasileiros pesquisados em Londres esperavam permanecer aí a médio prazo. Figura 12 Expectativa de Permanência no Reino Unido (%) até mais 1 ano de 1 a 5 anos mais de 5 anos para sempre não sei não respondeu 16

18 Como se pode observer na Figura 12, mais de um terço dos pesquisados esperava permanecer no Reino Unido entre um e cinco anos, o que indica que consideram sua estada como temporária, ao invés de definitiva. Entretanto, cerca de 11% esperavam permanecer a longo prazo (acima de cinco anos), e em média, por 4.5 anos. Outros 11% pretendiam ficar para sempre no Reino Unido, enquanto uma importante minoria (29%) sequer havia feito uma previsão quanto à duração de sua permanência. Muitos destes expressaram suas expectativas com o uso de frases como pelo maior tempo possível, por quanto Deus quiser, enquanto der, deixando entrever, assim, o desejo de permanecer em definitivo. No que diz respeito à expectativa da duração de sua estada no exterior por homens e mulheres, Margolis (1998) observou que praticamente metade dos brasileiros e metade das brasileiras pesquisados em Nova York pretendiam retornar ao Brasil. Esse estudo também revelou que os homens, mais do que as mulheres, estavam determinados a permanecer em definitivo. O levantamento de Londres revelou resultados um pouco diferentes, conforme mostra a Figura 13. Pode-se ver, por exemplo, que tanto homens quanto mulheres pretendiam permanecer a longo prazo ou em definitivo. Contudo, os homens, mais do que as mulheres, tinham a intenção de ficar a médio prazo (uma diferença de doze pontos percentuais), enquanto as mulheres, mais do que os homens, mostravam-se indecisas quanto ao tempo que esperavam permanecer no Reino Unido. Os homens esperavam estabelecer-se, em média, por 4.6 years, ao passo que as mulheres esperavam continuar, em média, por 4.3 anos. Figura 13 Expectativa de Permanência no Reino Unido: homens e mulheres % homens mulheres 0 até mais um ano de 1 a 5 anos mais de 5 anos para se m pre indefinido não respondeu Apoiando a Campanha De Estrangeiros a Cidadãos da London Citizens Conforme oberservado anteriormente, cerca, de metade dos brasileiros que participaram do levantamento em Londres estava não-documentada. Ao mesmo tempo, a esmagadora maioria dos pesquisados concordou com a idéia de uma anistia para os imigrantes que se encontram em situação irregular no Reino Unido, apoiando, assim, a reivindicação de sua regularização pela campanha De Estrangeiros a Cidadãos. Portanto, o respaldo a tal avocação estende-se para muito além dos que têm o potencial de se beneficiar diretamente de uma anistia. 17

19 O levantamento de Londres demonstrou que a maior parte dos que haviam deixado o Brasil rumo à capital londrina havia cursado até o segundo grau ou universidade, pertencendo originariamente à classe média ou média baixa. Sua principal motivação era a procura de melhores oportunidades econômicas do que as existentes no seu país de origem. Após chegarem a Londres, a maior parte se emprega em serviços de baixa qualificação e que em nada se assemelham aos trabalhos que faziam no Brasil, mas que ainda assim lhes propiciam melhores salários e, portanto, a possibilidade de poupar. Muitos inicialmente vislumbram sua estada como temporária, apenas, tencionando permanecer somente o tempo necessário para poupar o suficiente para uma vida melhor no Brasil. Outros gostariam de permanecer a médio prazo ou ainda em definitivo. Em ambos os casos, os vistos que conseguem acessar ao chegar no Reino Unido impõem limites à sua estada, embora muitos, ao tentarem atingir seus objetivos, transgridam as condições estipuladas nos vistos e se tornem não-documentados. Tal como Margolis (1998), o argumento apresentado aqui é de que os brasileiros pesquisados em Londres representam a comunidade mais ampla de imigrantes nãodocumentados no Reino Unido, que vêm buscar aqui melhores oportunidades. São trabalhadores que têm um papel importante na economia britânica, não só por trabalharem em serviços que os próprios britânicos evitam e que são essenciais ao funcionamento da sociedade, mas também por criarem efeitos multiplicadores por meio do consumo de bens e serviços. Freqüentemente tais trabalhadores são vulneráveis à exploração, em virtude de sua situação de não-documentados. E é esta mesma vulnerabilidade que a reivindicação pela campanha De Estrangeiros a Cidadãos da anistia aos não-documentados procura eradicar. Agradecimentos Agradecemos a todos os brasileiros que participaram do levantamento aqui relatado, e também a Esmê Machado, pela revisão do texto em português. Bibliografia Cwerner, S (2001) The Times of Migration, Journal of Ethnic and Migration Studies, 27 (1): Datta, K, McIlwaine, C, Evans, Y, Herbert, J, May, J and Wills, J (2007a) From Coping Strategies to Tactics: London s low-pay economy and migrant labour, British Journal of Industrial Relations, 45 (2): Datta, K, McIlwaine, C, Wills, J, Evans, Y, Herbert, J, and May, J (2007b) The New Development Finance or Exploiting Migrant Labour? Remittance sending among lowpaid migrant workers in London, International Development Planning Review, 29 (1): Finella, G (2005) London Country of Birth Profiles: an analysis of Census data, London: GLA. Jordan, B and Duvell, F (2002) Irregular Migration: the dilemmas of transnational mobility, Cheltenham: Edward Elgar. Margolis, M (1998) An Invisible Minority: Brazilians in New York City, Ally and Bacon: Massachusetts. 18

20 Este relatório foi produzido pelo Publications and Web Office para o Department of Geography Para maiores informações, contate: Department of Geography Queen Mary, University of London Mile End Road London E1 4NS Tel: Fax: geog@qmul.ac.uk