A implementação da lei /03 na Educação de Jovens e Adultos: análise de um material didático.

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1 1 A implementação da lei /03 na Educação de Jovens e Adultos: análise de um material didático. Rosimara Silva Correia Profª. Drª Roseli Rodrigues de Mello Mestrado Educação Escolar: Teorias e Práticas Resumo O presente texto tem por objetivo apresentar o andamento da pesquisa de mestrado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos. O tema escolhido para a pesquisa é a Educação de Jovens e Adultos e as questões étnico-raciais a partir da análise de um material didático para EJA, publicado no ano de 2006 pelo Ministério da Educação, através da Secretária da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade intitulado Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais. A análise deverá ser feita através de grupos de discussão comunicativos entre educadores/as, educandos/as e pesquisadoras com o objetivo de identificar se este material é suficiente para que os/as educandos/as se apropriem de aspectos importantes da história e cultura afrobrasileira. Como resultado, esperamos que a análise deste material e os seus possíveis desdobramentos possam contribuir para uma educação fundada nos princípios da equidade, da democracia e da justiça. Palavras Chaves: EJA; negros, étnico-racial

2 2 Introdução Este texto tem como objetivo atender à proposta feita pelo Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, para a realização do Seminário de Dissertações e Teses, com a finalidade de discutir os textos referentes aos projetos de mestrado dos alunos/as ingressantes em 2011 e de doutorado ingressantes em 2010, para possibilitar a divulgação, integração e criação de um espaço de reflexão sobre as atividades de pesquisa das linhas e de todo o programa. Diante disso, como aluna do mestrado, ingressante no ano de 2011, apresento o meu texto que está estruturado com esta breve introdução, seguida da justificativa da escolha do tema; dos objetivos; da metodologia e, por fim, dos resultados parciais do trabalho desenvolvido até o momento. O interesse pelo tema, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e as questões raciais, foi despertado por ser eu uma mulher negra, cujo pertencimento racial foi reconhecido apenas ao me tornar estudante universitária e por ser filha de pais com baixa escolaridade. Na universidade, no contato com o debate sobre a necessidade de educação para as relações étnico-raciais, as questões afetas ao tema despertam o meu interesse de estudo. Quanto ao interesse pela EJA, ele também foi despertado durante o curso de graduação em Pedagogia, quando estive como professora voluntária em salas de EJA de uma escola de periferia urbana de São Carlos. Durante este tempo, constatei que estes/as educandos/as tinham pouca informação sobre o percurso a ser feito na escolaridade até se chegar à universidade e desconheciam a reserva de vagas como ações afirmativas. Mobilizada pelo encontro das duas temáticas, EJA e a educação das relações étnicoraciais realizei então o trabalho de conclusão de curso de graduação, que apresenta uma leitura crítica das Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA em diálogo com a importância das questões raciais estarem presentes no currículo da EJA. Para a realização do trabalho, fiz uma pesquisa sobre o que se tem produzido sobre o tema e conclui que são poucas as pesquisas que abordam conjuntamente as duas temáticas. No trabalho de conclusão de curso, também constatamos que na EJA existem mais pesquisas no campo da educação não-formal, que no da educação escolar. Sendo assim, considerei importante destacar que, embora compreendamos a EJA como parte de processos e práticas educativas que se desenvolvem ao longo da vida, dentro e fora do sistema escolar, era necessário, na continuidade do estudo, enfatizar as questões raciais dentro do sistema de escolarização da EJA. Assim nasceu o projeto de pesquisa para o mestrado e que agora se encontra em desenvolvimento.

3 3 Delineando a questão de pesquisa e seu desenvolvimento Para melhor delineamento da questão de pesquisa de mestrado vem sendo realizada pesquisa bibliográfica em três bases distintas: na ANPED no GT 18- Educação de Jovens e Adultos, e no GT 21- Educação e Relações Étnico- Raciais; no banco de teses e dissertações da Capes, e nas revistas disponíveis no sistema de consulta online Scielo. Da busca realizada até o momento, contemplando os dois GTs da ANPED e o banco de dissertações e teses da Capes, foi possível aproximarmo-nos mais do formato final da questão a ser investigada, bem como ir construindo o capítulo de revisão da literatura para a dissertação. As buscas têm como recorte temporal de 2003 a 2010, considerando-se o ano da promulgação da lei /03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afrobrasileiras e africanas nos currículos escolares em toda a rede de ensino pública ou privada, incluindo a Educação de Jovens e Adultos. No GT 18 da ANPED foi encontrado apenas um trabalho que aborda a questão da educação étnico-racial na EJA, intitulado As narrativas identitárias das produções textuais em Educação de Jovens e Adultos, escrito no ano de Tal trabalho teve como objetivo analisar a produção de texto de educandos/as da EJA e sua relação com a afirmação da identidade. Já no GT 21- Educação e Relações Étnico- Raciais, da ANPED, nenhum trabalho aborda as questões étnico-racial no âmbito da escolarização de Jovens e Adultos A pesquisa realizada no banco de teses e dissertações da Capes foi realizada a partir do descritor EJA, pois a nossa pesquisa tem como foco as relações raciais dentro do sistema de escolarização da EJA. Nela, encontramos 9 dissertações e 3 teses que abordam o entrecruzamento das relações étnico-raciais com a EJA. No ano de 2003, foram defendidas 28 dissertações no campo da EJA e uma delas discute a influência do currículo escolar na identidade cultural dos/as educandos/. No ano de 2004, foram defendidas 33 dissertações nesta modalidade e uma delas discute a relação entre arte-educação na EJA e a sua influência na construção de identidades afrobrasileiras. No ano de 2005, foram 41 dissertações e nenhuma abordava as questões raciais na EJA. No ano de 2006, foram defendidas 66 dissertações e uma delas discute a questão das múltiplas identidades a partir das interações em uma sala de alfabetização de adultos. No ano de 2007 foram defendidas 74 dissertações e uma delas discute o conceito de identidade cultural no ensino de História para jovens e adultos.

4 4 No ano de 2008, foram defendidas 90 dissertações e quatro delas discutem a EJA e as questões raciais. A primeira delas discute o racismo na escola e a exclusão de educandos/as negros e mestiços nas séries iniciais e a conseqüente inserção nas salas de EJA. A segunda discute a prática cultural de leitura de mulheres negras na EJA e os seus desdobramentos. A terceira discute a prática multicultural crítica existente ou inexistente no cotidiano da EJA, vinculada as múltiplas identidades dos/as educandos/as. A quarta discute o reconhecimento da população negra presente na EJA, em diálogo com os direitos humanos. No ano de 2009, foram defendidas 102 dissertações e uma delas discute a compreensão de jovens negros sobre o processo de escolarização da EJA. No ano de 2010, foram defendidas 115 dissertações e três delas discutem a EJA e as questões raciais. A primeira discute como a prática da leitura atua na construção da identidade dos/as educandos/as/as. A segunda discute as concepções de educadores/as e educandos/as sobre as relações étnico-racial na EJA a partir da promulgação da Lei /03. A terceira discute as trajetórias de escolarização de mulheres negras, alunas da EJA. Quanto às teses, nos anos de 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008 foram defendidas respectivamente duas, três, duas, nove, dez e treze teses, num total de 39 teses em seis anos no campo da EJA, e em nenhuma delas as questões étnico-racial foram abordadas. No ano de 2009 foram defendidas 16 teses e uma delas discute as possíveis relações entre masculinidade, raça e fracasso escolar. No ano de 2010, foram defendidas 21 teses e duas discutem as relações raciais na EJA. A primeira discute o ensino da leitura em uma sala de EJA e as possíveis contribuições para a construção das identidades étnico-racial. A segunda discute a presença expressiva da população jovem negra na EJA e o nãoreconhecimento desta diversidade étnico-racial e geracional no currículo. A partir deste levantamento e com o dado de apenas uma dissertação que aborda a implementação da lei na EJA, entendemos que a escassez de pesquisa que abordem a temática das questões étnico-raciais na EJA em diálogo com a implementação da lei /03 traz à tona a necessidade de se realizarem novas investigações que possam contribuir na busca por uma educação fundada nos princípios da eqüidade, da democracia e da justiça. Diante do encontrado até o momento, localizamos que a efetiva presença do trabalho com os conteúdos, na EJA, da educação das relações étnico-raciais, consubstanciadas na lei /03, poderiam alimentar as práticas pedagógicas por meio de dois caminhos distintos: a formação de professores, e a produção de material didático. Estando o projeto localizado na

5 5 linha de pesquisa voltada à educação escolar, elegemos o estudo sobre a presença de material didático que aborde a temática racial na EJA. Partindo do pressuposto que o trabalho com a questão racial pouco tem sido realizado na EJA, e tomando o material didático para EJA, publicado no ano de 2006 pelo Ministério da Educação através da Secretária da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade intitulado Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais, perguntamonos: A partir do conteúdo destinado para a Educação de Jovens e Adultos presente no livro Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais, que elementos potenciais e que obstáculos estão nele presentes para a efetivação da lei /03 junto a turmas de EJA? O trabalho de campo seria realizado junto a uma turma de EJA, na qual o material seria utilizado para abordagem da temática racial. Para a coleta e a análise de dados, seria utilizada a metodologia comunicativa crítica, elaborada pelo CREA/Espanha que se baseia no diálogo e na transformação social. As pessoas são concebidas como sujeitos constitutivos do diálogo intersubjetivo, além de atuantes no contexto social e, por isso, capazes de transformálo. O procedimento metodológico seria o grupo de discussão comunicativo que tem o objetivo de descrever e compreender as percepções sobre uma determinada situação, um programa ou um acontecimento e tem como meta obter informações exaustivas sobre as necessidades, interesses e preocupações de um determinado grupo social. (GÓMEZ et a.l, 2006). Sendo assim, os grupos de discussão seriam propostos com objetivo de analisar o material didático mencionado e identificar se este material é suficiente para que educandos/as de EJA se apropriem de aspectos importantes da história e cultura afro-brasileira. Algumas considerações sobre a questão emergente Como pesquisadora iniciante e educadora, considero que as barreiras relacionadas à construção da identidade étnico-racial, atualmente, não são intransponíveis, no entanto, ainda existem e resistem a um diálogo sobre igualdade, portanto, merecem atenção, debate e ações para sua implicação em todos os espaços, incluindo-se o âmbito educacional. Nesse sentido, considero, a partir das minhas vivências pessoais, que nós, negros e negras, somos submetidos/as, no universo educacional, a uma supervalorização do referencial

6 6 da cultura eurocêntrica, desenvolvendo uma lógica de desvalorização da cultura negra. Esse fato contribui para uma progressiva negação na autodefinição do pertencimento étnico-racial. Sendo assim, concordamos com Constantino (2007), quando afirma que debater, refletir e pensar formas de como trabalhar nas escolas, a construção da identidade e o respeito à diversidade, são de suma importância para a construção de uma sociedade mais democrática e igualitária. Finalizamos este texto com a expectativa que esta pesquisa contribua na luta por esta sociedade mais democrática e igualitária e que possa se desdobrar com a criação de novos materiais didáticos consensuados de forma dialógica entre educadores/as, educandos/as e pesquisadoras. Referências AZEVEDO, Solange B. Pensando multiculturalmente sobre a educação de jovens e adultos: um estudo de caso no sistema municipal do Rio de Janeiro f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, BRITO, Rosimeire S. Masculinidades, raça e fracasso escolar: narrativas de jovens na Educação de Jovens e Adultos em uma escola pública municipal de São Paulo f. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação,Universidade de São Paulo. São Paulo, BRASIL, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria da Educação Continuada, alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para a Educação das Relações étnicoraciais. Brasilia: MEC/SECAD, CAVALCANTE, Márcia H. K. Nas Tessituras da Educação de Jovens e Adultos: Identidade Cultural, Currículo e o Projeto Escola Zé Peão f. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, CONSTANTINO, Francisca de L.Comunidades de aprendizagem: contribuições da perspectiva dialógica para a construção positiva das identidades das crianças negras na escola f. Dissertação (Mestrado em Educação),Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, GOMES, Márcia. Educação de jovens e adultos na rede municipal de ensino de Porto Alegre (RS): arte-educação e identidades étnico-raciais afro-brasileira f. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, GOMES, Nilma L. Educação de Jovens e Adultos e questão racial: algumas reflexões iniciais. In:. Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p

7 7 GÓMEZ, Jesús; LATORRE, Antonio; SÁNCHEZ, Montse; FLECHA, Ramón (orgs.) Metodologia Comunicativa crítica. Barcelona: El Roure Editorial, MERCÊS, Leidinalva A. S. Histórias Cruzadas: leituras de mulheres negras da EJA. 2008, 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade do Estado da Bahia. Salvador, MESSIAS, Elizama, P. Produção políticas de promoção da igualdade racial no âmbito educacional na cidade do recife: trajetórias e contradições na luta por reconhecimento da população negra f. Dissertação (Mestrado em Educação), Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, MOURA, Dayse C. Leitura e identidades étnico-raciais: reflexões sobre práticas discursivas na Educação de Jovens e Adultos f. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, NOGINO, S.B. Identidade cultural e ensino de história em educação de jovens e adultos f. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Católica de Petrópolis. Rio de Janeiro, OLIVEIRA, Ana Claudia L.O ponto de parada: racismo na escola, alunos negros na EJA f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Alagoas, Centro de Educação. Alagoas, PASSOS, Joana C. Juventude negra na EJA: os desafios de uma política pública f. Tese (Doutorado em Educação), Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SANTOS, Cleusa M. D. Identidades evidenciadas na fala-em-interação em aulas de alfabetização de jovens e adultos f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada), Departamento de Linguística Aplicada, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, SILVA, Natalino N. Juventude, EJA e Relaçoes Raciais: um estudo sobre os significados e sentidos atribuídos pelos jovens negros aos processos de escolarização da EJA. 2009, 263 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação,Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.