6. Ressonâncias e a produção da voz
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- Emanuel Sanches da Rocha
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1 6. Ressonâncias e a produção da voz 1 O que é a ressonância? De uma forma geral podemos dizer que um sistema entra em ressonância se lhe é fornecida do exterior uma excitação a uma das suas frequências próprias. Dito assim, parece muito complicado, mas o que já aprendemos sobre ondas estacionárias vai ajudar-nos a compreender este conceito. Figura 1: Uma coluna de ar transmite com eciência as frequências resonantes a tenua as frequências não ressonantes. Já vimos que uma coluna de ar só sustém ondas estacionárias a frequências bem determinadas. Isso assim acontece porque apenas a essas frequências (que são as frequências próprias de oscilação da coluna) o comprimento de onda é tal que permite satisfazer as condições aos extremos da coluna (de nodo ou antinodo) 1
2 para que haja interferência construtiva entre as ondas incidente e reectida. Para qualquer outra frequência que não uma das próprias a onda não se encaixa bem na coluna, e como consequência não pode haver interferência construtiva entre onda incidente e reectida e portanto onda estacionária. Vejamos agora a gura 1. Nesta gura temos três altifalantes a emitirem ondas de frequências diferentes. Como se vê, apenas num dos casos se origina uma onda estacionária. Neste caso a onda é transmitida com bastante eciência. Nos outros casos a onda é menos transmitida. Isto tem a ver com o facto de que nas frequências ressonantes do sistema a amplitude de vibração das ondas estacionárias é grande. Esta vibração é comunicada também à própria coluna. Por sua vez a vibração da coluna comunica ao ar exterior uma vibração forte. Nas frequências não ressonantes a amplitude de vibração é mais pequena porque as ondas incidente e reectida tendem a cancelar-se mutuamente. Como consequência, a vibração transmitida ao ar exterior também é mais fraca. Concluímos portanto que as frequências ressonantes são as frequências correspondentes às ondas estacionárias e que uma coluna de ar vibra e transmite mais ecientemente o som às frequências ressonantes. Um exemplo mecânico ajuda a compreender o conceito de ressonância. Uma criança num baloiço realiza um movimento com uma dada frequência característica (digamos 1 Hz, por exemplo, ou seja, 1 s para o movimento completo de vai-vem). Figura 2: Para que o balouço absorva ressonantemente a energia fornecida pelo robot é necessário que os impulsos sejam fornecidos à frequência natural de oscilação do balouço. 2
3 Um robot é incumbido de empurrar a criança. Se a frequência com que o robot empurra a criança for de 1,4 Hz, o que vai acontecer é que na maior parte das vezes o impulso do robot não encontra a criança: dá um empurrão no vazio. Como consequência o movimento do baloiço tende a acabar, ou pelo menos ser aos engasgões. Se o robot, porém, for regulado para empurrar a criança à frequência de 1 Hz, todos os empurrões são ecazes (se os dois movimentos estiverem em oposição da fase, não é?), e o baloiço vai cada vez mais alto no seu movimento. Isto quer dizer que se a energia for transmitida ao sistema (o baloiço) à frequência de ressonância (que é a frequência natural so sistema, 1 Hz), então ela é ecientemente transmitida. Por outro lado, fora da frequência de ressonância a energia exterior (do robot) é muito pouco ecientemente transmitida. É ainda interessante notar que se o robot empurrar o baloiço a 2, 3, 4... n Hz (n-ésima harmónica), a criança também vai ganhando sempre energia, embora n 1 empurrões sejam em vazio e apenas um seja realmente ecaz. 2 Caixas de ressonância Figura 3: As ressonâncias do violino provêm da própria estrutura da madeira e da entrada e saída de ar através dos. Retirado de O corpo de um violino é um bom exemplo de caixa de ressonância. A sua estrutura é bastante mais complexa do que as colunas de ar que estudámos. No entanto o processo físico da ressonância é fundamentalmente parecido: a estrutura do violino vibra naturalmente a certas frequências. Qual é a origem 3
4 destas frequências naturais? No caso do violino devemos considerar a própria estrutura de madeira e a entrada e saída de ar através dos orifícios do violinos, que se chamam de (efes). Quanto às ressonâncias da madeira, podemos pemsar no que acontece se batermos na estrutura do violino. Ouve-se um ligeiro zumbido. Esse zumbido é originado pela vibração da estrutura às suas frequências próprias (que serão também as frequências de ressonância). Quanto à entrada e saída de ar através dos, podemos pensar no que aconteceria se aspirarmos um pouco do ar dentro da caixa do violino, reduzindo a pressão interna. Quando destaparmos outra vez o violino a pressão tenderá a reequilibrar-se e vai entrar ar de fora para dentro do violino. Devido à inércia das moléculas acaba por entrar um pouco mais de ar do que é necessário para equilibrar a pressão para dentro da caixa. Assim, neste ponto, acabamos por ter uma pressão ligeiramente superior dentro da caixa. Agora o processo reverte-se: como a pressão na caixa é levemente superior, o ar vai sair da caixa para o exterior, para de novo reequilibrar a pressão. Também de novo, devido à inércia, vai acabar por sair um pouco mais do que é necessário e neste instante a pressão dentro da caixa ca inferior à exterior...o processo repete-se durante alguns ciclos mais, embora cada vez com menos intensidade. Esse movimento de vai-vém do ar que se estabelece até ao reequilíbrio completo da pressão de ar dentro e fora da caixa é também feito a uma dada frequência característica que depende das características da caixa e da forma dos orifícios. Essa frequência é portanto uma das frequências naturais do sistema e corresponderá a uma das suas ressonâncias. As cordas do violino emitem frequências bem denidas, que correspondem às notas musicais. A energia sonora emitida pelas cordas funciona como fonte de energia exterior ao sistema (=caixa). Se as frequências de ressonância do corpo do violino coincidirem com as frequências das notas, então dá-se ressonância. A caixa do violino vibra ressonantemente com as cordas, reforçando a transmissão do som. O violino tem então um som cheio e forte. Por outro lado, se as frequências de ressonância da caixa não coincidirem com as frequências das cordas, então a caixa vibra muito pouco em resposta às cordas. O som é essencialmente fornecido pelas cordas e não pela caixa, e por isso parece ninho, débil. Na gura 4 estão representadas as frequências fundamentais das cordas do violino e a transmissão das várias frequências pelo corpo do violino. Vericamos que na gura de cima as frequências das cordas são próximas das frequências de ressonância do corpo do violino. É assim que deve ser um bom instrumento, amplicando as notas das cordas. No entanto nem sempre é assim. Na gura de baixo vemos que as frequências de ressonância estão bastante mais desfazadas das frequências fundamentais das cordas. As cavidades bocal e nasal servem também de estruturas ressonantes que transmitem selectivamente as frequências emitidas pelas cordas vocais. Tratare- 4
5 Figura 4: As ressonâncias do corpo do violino e as frequências fundamentais das suas quatro cordas. mos este assunto em detalhe na secção seguinte. 3 Como é que se produz a voz? Para compreendermos como é que se produz a voz devemos compreender a função dos dois componentes fundamentais: as cordas vocais e as cavidades ressonantes (oral e nasal). Normalmente as cordas vocais estão relaxadas e não constituem qualquer obstrução à passagem do ar. Isto está representado na gura 5a. Figura 5: As cordas vocais contraem-se antes de começar o som. Antes de falar a tensão das cordas vocais aumenta e estas acabam por fechar. Isto está representado am (b) (d) da gura 5. O ar então é empurrado contra as cordas vocais, exercendo pressão sobre elas. As cordas suportam essa pressão até um certo ponto, e depois deixam o ar passar. 5
6 Inicia-se então a vibração das cordas vocais, exactamente da mesma forma que as cordas que vimos no capítulo anterior. Assim, a vibração das cordas vocais vai dar origem a uma frequência fundamental e a muitos harmónicos desta frequência. A frequência fundamental e a proporção dos harmónicos depende da tensão das cordas. Na gura 6 mostram-se várias aberturas das cordas (logo várias tensões) e o som fundamental a que essas aberturas correspondem. Figura 6: A frequência fundamental da vibração das cordas vocais depende da abertura. Na gura 7 mostra-se um espectro típico do som produzido pelas cordas vocais. Figura 7: Espectro do som produzido pelas cordas vocais. Este gráco indica a proporção das harmónicas no som produzido. A altura das barras do gráco é proporcional ao peso das harmónicas no som emitido. Podemos ver que a frequência fundamental é 125 Hz e que a 24 a harmónica, a 3000 Hz, ainda tem um peso signicativo! A gama de frequências usada na fala é realmente cerca de 100 Hz a 3000 Hz. O gráco mostra ainda que o espectro do som emitido pelas cordas vocais é bastante uniforme, não se salientando particularmente nenhuma frequência. Poderíamos caracterizar o som emitido pelas cordas vocais como quase ruído. Realmente, se zermos o espectro do ruído (recolhido numa zona ruidosa, por exemplo, uma rotunda em hora de ponta ou o ruíodo numa sala grande e cheia de pessoas a conversar), obtemos uma gura muito semelhante à gura 7, com a única diferença de que será contínuo. O que é que isso quer dizer? O espectro da gura 7 é descontínuo porque só aparecem valores discretos de frequência, 6
7 correspondentes aos harmónicos. Por exemplo, não há som aos 199 Hz, porque entre a frequência fundamental a 125 Hz e a 2 a harmónica a 250 Hz não há mais nenhuma frequência possível. No caso do ruído todas as frequências são possíveis. Portanto podemos imaginar o espectro do ruído como igual ao da gura 7, mas a cheio. Portanto, o som emitido pelas cordas vocais é muito pouco denido parece-se quase com ruído, pois contém quase todas as frequências usadas na fala com igual peso. É a cavidade ressonante, constituída pelas cavidades oral e nasal, que vai transmitir selectivamente as frequências presentes no som emitido pelas cordas vocais e moldar o espectro. De acordo com o que já vimos, esperamos que os sons correspondentes às frequências próximas das frequências de ressonância sejam amplicados e que os sons correspondentes a frequências afastadas das ressonâncias sejam atenuados. E quais são as frequências de ressonância associadas às cavidades oral e nasal? Por incrível que pareça, as cavidade oral tem muito aproximadamente as características de uma coluna de ar fechada numa das extremidades e de comprimento de 17 cm. Figura 8: A cavidade oral é semelhante a uma coluna de ar aberta numa extremidade e fechada noutra. Se nos lembrarmos que as frequências ressonantes para uma coluna fechada 7
8 numa extremidade são da forma f n = (2n 1)v, n = 1, 2, 3,... (1) 4L e que as frequências de maior importância para a fala estão entre 300 e 3000 Hz, vemos que as três primeiras harmónicas da cavidade oral estão aproximadamente aos 500, 1500 e 2500 Hz. É claro que se trata de um modelo. No entanto é um modelo que nos permite compreender bastante bem a física da formação da voz. A realidade é bastante mais complexa, mas a verdade é que as frequências de ressonância encontradas andam perto dos valores que se determinam com este simples modelo. Quando o espectro da gura 7 é ltrado pela cavidade oral ressonante, um resultado típico pode ser o que está mostrado na gura 9. Figura 9: Espectro típico de um som depois de ltrado pela cavivadae oral ressonante. Nets gura veos as três frequências ressonantes. Estão próximo de 500, 1500 e 2500, como se disse, mas apenas próximas. As frequências ressonantes observadas neste caso particular são 1000 Hz, 1750 Hz e 2500 Hz. Cada som é caracterizado pelas suas três frequências mais fortes, que são as frequências de ressonância das cavidades oral e nasal. Quando falamos mudamos continuamente a conformação da cavidade oral, e é isso que altera os valores das três frequências de ressonância. Por outro ladoa tensão aplicada às cordas vocais faz alterar a frequência fundamental e portanto o espectro das harmónicas emitidas. É a combinação dos dois efeitos (variação das frequências de ressonância e variação do espectro de harmónicas emitido pelas cordas vocais) que produz a riqueza de sons que usamos para comunicar. As três frequências ressonantes formam três picos no espectro do sons falados. Chamam-se a esses picos de formantes, já que correspondem às frequências dominantes que realmente determinam a forma do som. Evidentemente que as 8
9 outras frequências também contribuem para o som, mas não há dúvida de que é a posição das formantes que determina a sua estrutura e que o caracteriza. Podemos dizer que o ouvido está treinado para reconhecer as formantes. Veremos isso um pouco melhor no capítulo sobre o ouvido. Na última gura vemos a posição e peso relativo das formantes em alguns sons do inglês. Nesta gura só estão representadas as formantes por simplicidade. É claro que as outras frequências continuam lá, mas não foram representadas, Figura 10: Formantes de vários sons do inglês. 9
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