Metade de mim. Bruno de Oliveira Ramos Orientadora: Karla Corrêa Lima Miranda Membro do GEPPSI Grupo de Estudo e Pesquisa em Psicanálise
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1 CONEXÃO FAMETRO: ÉTICA, CIDADANIA E SUSTENTABILIDADE XII SEMANA ACADÊMICA ISSN: Metade de mim Bruno de Oliveira Ramos Orientadora: Karla Corrêa Lima Miranda Membro do GEPPSI Grupo de Estudo e Pesquisa em Psicanálise FAMETRO Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza bruno.fanuel@gmail.com Título da Sessão Temática: Processo de cuidar. RESUMO Para a psicanálise o inconsciente seria o grande maestro do homem, aquilo que impulsiona suas atitudes, pensamentos, emoções, sua vida. O sintoma, por sua vez, acompanha a psicanálise desde o seu começo. É através do estudo dos sintomas histéricos que Freud estabelece o início da psicanálise. Este fato já revela o quanto sintoma e inconsciente estão ligados. Pensar o sintoma como a expressão de uma realidade inconsciente nos leva a entender que no homem se encerra uma dualidade de existência. Não se tem acesso ao inconsciente, mas apenas às suas manifestações. É nesse sentido que objetivo do estudo é discutir os conceitos de inconsciente e o sintoma tendo como referência a arte, em especial a música Metade, de Oswaldo Montenegro. Por meio da discussão do conceito de sintoma e inconsciente associando com a arte, em particular com a letra de uma música, defendemos que a transmissão da Psicanálise se torna mais acessível. Referimos que a música ressalta uma metade no homem que também o é. Esse sujeito duo-existente se aproxima em muito ao sujeito psicanalítico. Palavras-chave: Psicanalise. Inconsciente. Sintoma. Arte. INTRODUÇÃO Em 1895, Freud propõe à ciência uma visão do funcionamento psíquico até então impensável. O inconsciente seria o grande maestro do homem, aquilo que impulsiona suas atitudes, pensamentos, emoções, sua vida. Ao consciente, sede da razão, caberia apenas uma pequena parte nesse aparelho psíquico, responsável por dar conta aos apelos do inconsciente, segurá-lo a fim de sobreviver na cultura. O funcionamento desse sistema se daria na economia de uma energia psíquica que se acumula no polo sensitivo e se descarrega no polo motor. Esse
2 movimento, essa tendência a descarregar é tida como o princípio do prazer. No entanto, o sistema não descarrega toda sua energia, o que levaria à falência desse sistema. É esse descarregar que gera o prazer. Em Além do Princípio do Prazer (1920), a partir dos relatos de soldados advindos da guerra sobre a repetição constante de sonhos desagradáveis e a percepção da resistência de suas pacientes a abandonarem os sintomas, Freud faz uma consideração contundente ao reconhecer que o aparelho psíquico não segue somente as regras do princípio do prazer, mas há um prazer no desprazer. Convém falar que o sintoma acompanha a psicanálise desde o seu começo. É através do estudo dos sintomas histéricos que Freud estabelece o início da psicanálise. Este fato já revela o quanto sintoma e inconsciente estão ligados. O sintoma em Freud tem definição fundamental: é expressão e mensagem do inconsciente a ser decifrada e também objeto de satisfação pulsional. É parte do sujeito que traz sua verdade cifrada e contém em si fonte de prazer, ainda que paradoxalmente. Sujeito e sintoma confundem-se. Pensar o sintoma como a expressão de uma realidade inconsciente nos leva a entender que no homem se encerra uma dualidade de existência. Um querer da ordem do consciente e outro da ordem do inconsciente. Não se tem acesso ao inconsciente, mas apenas às suas manifestações. É nesse sentido que proponho pensar o inconsciente e o sintoma tendo como referência a música Metade, de Oswaldo Montenegro. Visitar os conceitos psicanalíticos através da interpretação de uma canção é de grande importância para a sua compreensão. A música serve de costura, interligando os conceitos e facilitando sua compreensão. DESENVOLVIMENTO / PERCURSO METODOLÓGICO Ao revelar sua teoria sobre o aparelho psíquico, Freud estabelece uma ruptura com o pensamento moderno que coloca o homem centrado na razão. Com a criação da psicanalise temos também a criação de um ser descentrado, dividido. (Baratto, 2009, p.75). Salientamos que Freud era médico e como tal estava ligado aos paradigmas da medicina no estudo das questões mentais. É desse ponto que
3 parte a sua investigação sobre as paralisias histéricas. Esse rigor médico acompanha toda a obra Freudiana. Quando ele se lança no estudo das histerias nervosas a neurologia da época não contemplava as nuances das observações feitas e é então que ele busca uma nova ciência para explicar a histeria. Honda (2013, p.46), se lançando sobre essa questão nos apresenta o seguinte trecho: Entendemos que foi para dar conta desse tipo de problema que Freud partiu para a construção de uma teoria científica nova. E como as teorias da anatomia nervosa eram consideradas coerentes e consistentes, já que tinham sido construídas com base na observação clínica e nas autópsias - enfim, eram teorias bem fundamentadas empiricamente -, não era o caso de abandoná-las ou reformulá-las, pois explicavam bem as paralisias orgânicas. Restava apenas uma alternativa: mudar o enfoque e tentar buscar outra explicação para as paralisias não explicadas por aquelas teorias. Freud volta-se então para o inconsciente, a fim de explicar os processos ligados a histeria. Ele concebe uma economia psíquica que age sobre o princípio de prazer, ou seja, a energia gerada inconscientemente por uma tensão e acumulada deveria ser descarregada no polo motor. O sintoma surgiria como uma resposta do inconsciente para uma tensão que não foi descarregada e ficou recalcada, retida no inconsciente. O trabalho do médico seria permitir que a lembrança do fato que foi recalcado, e que carrega o afeto reprimido, pudesse encontrar uma via de acesso ao consciente. A nova teoria psicológica que começava a ser esboçada por Freud para explicar transtornos inexplicáveis pelas teorias organicistas supunha que, apesar de encontrarem-se inacessíveis para a consciência, essas ideias reprimidas continuavam a exercer influência no psiquismo. (Honda, 2013, p.47) O que está em jogo agora não é da ordem da natureza biológica, mas de outra natureza que se mostra a partir dos sintomas. Os sintomas como destinos de uma pulsão reprimida. Pulsão inconsciente que foi reprimida, mas que continua a buscar satisfação. Uma pulsão é recalcada quando os sistemas pré-consciente e consciente inibem a satisfação do desejo inconsciente por
4 conta de suas exigências. Embora reprimida, a pulsão pode encontrar caminhos de satisfação no consciente, como explica Honda (2013, p.49): Em outras palavras, os derivados do representante pulsional reprimido [...], são compreendidas por Freud como ligações associativas altamente organizadas, que se encontram na base dos sintomas, sonhos e demais formações psíquicas. Freud estabelece uma grande façanha quando a partir das investigações dos sintomas histéricos cria a psicanálise. Não se trata somente de encontrar novas explicações para um novo fenômeno, mas de uma nova visão de sujeito, um novo método e uma nova abordagem. A psicanálise nasce dos ecos do sintoma. Um indício que foi lido com muita perspicácia por Freud ao iniciar uma nova linha de estudos para compreender esses ecos. O discurso psicanalítico é de dar voz ao sintoma. A ética de ouvir o sujeito e não a doença. Desse ponto é que o sintoma assume uma característica diferente da medicina. Como relembram Maia, Medeiros e Fontes (2012, p.45), em 1893, Freud e Breuer afirmam que as histéricas sofrem principalmente de reminiscências. O sintoma nessa época era compreendido como uma manifestação inconsciente, fruto de um desejo recalcado por conta de um impedimento da ordem do consciente, pois causaria uma vergonha, por exemplo. Mas como a pulsão não se extingue, o desejo reencontraria caminho para sua satisfação no sintoma. Freud utiliza inicialmente o método da hipnose para fazer chegar ao conhecimento da origem do sintoma, um trauma. Mas logo abandona esse método e estabelece a associação livre como método da psicanálise, a fala em transferência. Esta aparece quando o tratamento pode mexer no arranjo feito pelo paciente para manter fora de sua consciência as lembranças traumáticas. No entanto, o que se revela nos casos que Breuer e Freud apresentam é que quando a resistência cede, e as lembranças dolorosas são vivenciadas, os sintomas cessam, e a vida pode seguir com menos sofrimento. (MAIA, MEDEIROS, FONTES, 2012, p.46)
5 Nos seus atendimentos as pacientes de Freud relatavam muitos casos de traumas sexuais na infância. Durante muito tempo Freud acreditou que esses casos se tratassem da realidade, mas pode constatar que se tratava de fantasias criadas pela memória do trauma. Ele reconhece, então, que não se pode atribuir valor de realidade aos conteúdos inconscientes. (MAIA, MEDEIROS, FONTES, 2012, p.47). Em 1900, é publicada A interpretação dos sonhos, obra em que Freud afirma que os sonhos são realizações de desejos. Mesmo os sonhos mais desagradáveis comportam em si a realização de um desejo, embora tenha o seu sentido distorcido pelos mecanismos de defesa que encobrem o sentido do sonho protegendo o sonhador do conteúdo que lhe causaria sofrimento. Quando publica Além do princípio do prazer (1920), Freud transforma sua concepção sobre o funcionamento do aparelho psíquico. Com a concepção de que o aparelho psíquico não age somente pelo princípio do prazer, mas que haveria algum prazer no desprazer. Essa nova visão altera também a maneira como é visto o sintoma que tanto é manifestação inconsciente, mensagem cifrada passível de resposta, como também a realização de um desejo, uma satisfação, e por isso oferece resistência. (MAIA, MEDEIROS, FONTES, 2012, p.51) APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Sabemos que os conceitos da Psicanálise não são muito acessíveis, não sendo possível o entendimento pelo viés da cognição. A arte é uma via possível para pensarmos alguns conceitos e associamos lembranças e ideias. Na música em questão, é ressaltada uma metade no homem que também o é. Uma metade que o constitui. E não só existe, mas é tão todo quanto a outra metade. Uma realidade diferente na mesma pessoa. Notemos que as metades não são opostas, mas constituintes do sujeito de natureza distinta. O sujeito é cada uma das metades nas suas ações. É o grito que é carregado de silêncio; a partida cheia de saudades; a escuta que cala. Esse sujeito duo-existente se aproxima em muito ao sujeito psicanalítico. É o sujeito da energia que sai do polo positivo para o negativo, a palavra que vem carregada de significados ocultos, a fala do desde-sempre-
6 calado, o sintoma. O sintoma é também a lembrança do que fui e a outra metade que não sei. O sintoma é da ordem dessa metade que eu não sei, mas que sou. É da ordem do que é abraço, mas que é também cansaço. É incômodo que agrada. Saciedade que incomoda. É através da palavra que o indivíduo manifesta seus desejos. Este verso nos lembra disso: Que as palavras que eu falo, não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos. Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que penso e a outra metade é um vulcão. Seria esse trecho uma ode a pulsão? Uma revelação da realidade inconsciente que não é da ordem racional (o pensar), mas da ordem sensitiva (o fogo do vulcão)? Poderíamos pensar que no trecho Metade de mim é a lembrança do que fui. A outra metade eu não sei poderíamos estar diante da barreira de recalque? Para além dessas considerações, há que se pensar sobre a postura do sujeito na canção. Não há aqui somente constatação de uma metade que difere de outra. O sujeito não somente identifica as metades como também as elege e acolhe. Há um movimento de encontro e aceitação dessas metades. Freud ao eleger o inconsciente como objeto de estudo abraça essa outra metade no homem. Revela e acolhe essa metade. Ao fazer falar o sintoma, Freud transforma a maneira como ele é visto. Aquilo que se devia excluir passa a ser reconhecido como parte inconsciente do sujeito. Metade tão metade quanto. O sintoma não se deve ser afastado, mas acolhido para um reposicionamento ou uma substituição. Talvez o grande feito psicanalítico seja não só uma grande teoria, mas prover o reencontro do homem com sua metade esquecida através da compreensão de termos, sim, duas metades e que uma é amor, e a outra metade... também. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender a psicanálise não é tarefa simples. Desta forma, pensar os conceitos de inconsciente e sintoma por meio da arte, em particular a
7 música com sua letra nos faz pensar e associar conceitos complexos e difíceis em algo mais palatável com sabor e feições de beleza. Finalizo aqui, com a letra da música tema desse estudo: Que a força do medo que tenho Não me impeça de ver o que anseio Que a morte de tudo em que acredito Não me tape os ouvidos e a boca Porque metade de mim é o que eu grito A outra metade é silêncio Que a música que ouço ao longe Seja linda ainda que tristeza Que a mulher que amo seja pra sempre amada Mesmo que distante Pois metade de mim é partida A outra metade é saudade Que as palavras que falo Não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor Apenas respeitadas como a única coisa Que resta a um homem inundado de sentimentos Pois metade de mim é o que ouço A outra metade é o que calo Que a minha vontade de ir embora Se transforme na calma e na paz que mereço Que a tensão que me corrói por dentro Seja um dia recompensada Porque metade de mim é o que penso REFERÊNCIAS Metade Oswaldo Montenegro (1999) A outra metade um vulcão Que o medo da solidão se afaste E o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso Que me lembro ter dado na infância Pois metade de mim é a lembrança do que fui A outra metade não sei Que não seja preciso mais do que uma simples alegria Pra me fazer aquietar o espírito E que o seu silêncio me fale cada vez mais Pois metade de mim é abrigo A outra metade é cansaço Que a arte me aponte uma resposta Mesmo que ela mesma não saiba E que ninguém a tente complicar Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer Pois metade de mim é plateia A outra metade é canção Que a minha loucura seja perdoada Pois metade de mim é amor E a outra metade também BARATTO, Geselda. A descoberta do inconsciente e o percurso histórico de sua elaboração. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 29, n. 1, p , 2009 FREUD, S. (1920) Além do princípio do prazer. In: Obras Psicológicas completas: Ed. Standard brasileira. Rio de janeiro: Imago, GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o inconsciente. 24º Ed. Jorge Hazar. Rio de Janeiro HONDA, Helio. O estatuto conceitual do inconsciente em Freud e algumas de suas implicações para a prática psicanalítica. Ágora. Rio de Janeiro, v. 16. N. especial. p MAIA, B. A.; MEDEIROS, C. P.; FONTES, F. O conceito de sintoma na psicanálise: uma introdução. Estilos da Clínica, v. 17, n. 1, p , MONTENEGRO, Oswaldo. Metade. In: Escondido no tempo. Panela Music.
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