MASTITE EM OVINOS. 1. Professor do Depto. de Higiene Veterinária e Saúde Pública FMVZ UNESP Campus de Botucatu/SP. domingues@fmvz.unesp.
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1 MASTITE EM OVINOS Paulo Francisco Domingues 1 Cristina Aparecida Leite 2 1. Professor do Depto. de Higiene Veterinária e Saúde Pública FMVZ UNESP Campus de Botucatu/SP. domingues@fmvz.unesp.br 2. Acadêmica, Bolsista de Monitoria na Disciplina de Higiene Zootécnica - Depto. de Higiene Veterinária e Saúde Pública FMVZ UNESP Campus de Botucatu/SP. RESUMO A mastite em ovinos é fator importante de perdas econômicas na criação, podendo ser responsável pela morte de cordeiros por inanição, descarte precoce de ovelhas e, ocasionalmente, morte de ovelhas. Tem distribuição mundial, com incidência principalmente nas raças com aptidão leiteira, porém, recentemente, descreve-se que a mesma pode ter efeitos sobre o ganho de peso e a sobrevivência dos cordeiros também em raças de carne, aumentando o interesse pelo problema. O presente trabalho procura apresentar informações sobre o assunto, destacando-se as causas, epidemiologia, sintomas, diagnóstico, incidência, tratamento e profilaxia desta afecção na espécie ovina. Palavras-chave: mastite, ovinos, etiologia, controle. 1. INTRODUÇÃO Define-se mastite como a inflamação da glândula mamária, caracterizada por alterações físicas, químicas e bacteriológicas no leite e alterações no tecido glandular (Blood & Radostits, 1991). A mastite em ovinos é conhecida e estudada há muitos anos em países onde a produção de leite ovino tem importância econômica. Uma das descobertas do grande bacteriologista francês Nocard, em 1887, foi que a mastite ovina era causada por um estafilococo (Vaz, 1996). Na Inglaterra, Leyshon em 1929 descreveu mastite em ovelhas causada por uma bactéria com características de Pasteurella haemolytica (Jones, 1991). Recentemente, o interesse por mastite tem aumentado também em relação a rebanhos destinados a produção de carne, pois a doença pode levar à redução no ganho de peso dos cordeiros e causar aumento na mortalidade (Fthenakis & Jones, 1990; Kalinowska, 1990). A mastite freqüentemente leva à perda do úbere ou do quarto mamário afetado. Na sua forma aguda ou gangrenosa, a mastite causa freqüentemente a morte da ovelha (Vaz, 1996). 2. CAUSAS As bactérias são os agentes isolados e identificados com maior frequência em casos de mastite ovina, entretanto, sabe-se que os fungos, leveduras e algas também podem infectar a glândula mamária das ovelhas. Os principais agentes etiológicos de mastite ovina são: Staphylococcus aureus, Pasteurella haemolytica, Streptococcus spp, Escherichia coli, Pseudomonas sp, Arcanobacterium pyogenes, Staphylococcus coagulase negativos, Corynebacterium spp, Clostridium spp. Sendo que o Staphylococcus aureus e a Pasteurella haemolytica, separadamente ou em associação com outros agentes, são responsáveis por 80% dos casos de mastite aguda (Jones, 1991). Por outro lado, os Staphylococcus coagulase negativos e o Corynebacterium spp são responsáveis pela maioria dos casos de mastite subclínica, tanto no Brasil (Vaz, 1996; Ladeira, 1998) como em outros países (Watkins et al., 1991; Kirk et al., 1996, Las Heras et al., 1999). 3. EPIDEMIOLOGIA Segundo Vaz (1996) existem duas situações que podem ser consideradas na epidemiologia de mastite em ovinos: quando a ovelha está com o cordeiro ao pé ou quando a mesma está sendo ordenhada sem a manutenção do cordeiro. No primeiro caso, a presença de Pasteurella haemolytica na boca e faringe do cordeiro faz com que esta bactéria assuma maior importância, pois é transmitida diretamente ao teto durante o ato de mamar. Em situação oposta, em que o cordeiro é afastado da ovelha, faz com que a importância relativa
2 de S. aureus cresça, atingindo uma frequência semelhante a que ocorre em mastite bovina em situação similar. A ocorrência de mastite é favorecida pela presença de lesões no úbere. Durante surtos de mastite causada por Pasteurella haemolytica, podem ocorrer casos de pneumonia em cordeiros, provocados pelo mesmo microrganismo. A mastite por P. haemolytica é mais comum em ovelhas amamentando cordeiros de 2 a 3 meses de idade (Blood & Radostits, 1991). Embora a mastite possa ocorrer em qualquer momento da lactação, é mais freqüente ao redor da terceira e quarta semanas após o parto (Vaz, 1996). Isto possivelmente ocorre em sintonia com o pico de produção de leite. A infecção quando ocorre no período pós-desmame é provavelmente o reflexo de uma infecção durante a lactação que não foi detectada. A ocorrência de surtos pela P. haemolytica em ovelhas, quando criadas no pasto, podem estar relacionado com o hábito dos ovinos dormirem, à noite, diretamente no chão, é possível que a transmissão ocorra pelo contato com a cama ou terra contaminada (Blood & Radostits, 1991). 4. SINTOMAS E APRESENTAÇÃO CLÍNICA Nos ovinos, a mastite é usualmente classificada da mesma forma que nos bovinos, ou seja: Mastite Subclínica: o leite tem aspecto normal e não há sintoma visível de inflamação do úbere, caracterizando-se por diminuição da produção leiteira e por aumento do número de células somáticas no leite (Gross et al., 1978; Green, 1984). Mastite aguda: os sinais clínicos incluem edema e dor nos quartos mamários, febre, inapetência, desidratação, depressão e decúbito, podendo ocorrer inclusive a morte da ovelha. Uma das principais características da mastite clínica é o leite visivelmente anormal, com presença de grumos, coágulos ou pus. Caracteriza-se por aumento de volume (inchaço=edema) e sensibilidade (dor) da glândula mamária, sendo que a inflamação geralmente é unilateral. Os primeiros sintomas são falta de apetite, claudicação (evita mover o membro do lado afetado) a claudicação comumente é o primeiro sintoma observado importante e usado para separar os animais acometidos do grupo, a ovelha impede que o cordeiro mame e apresenta-se em decúbito. Inicialmente, a pele do úbere apresenta-se avermelhada. Se houver progressão para a forma gangrenosa, que é comum em ovelhas, a pele torna-se azulada ou escura (negra), devido à necrose. A apresentação superaguda ou gangrenosa ocorre, normalmente, no pós-parto recente. A glândula apresenta-se aumentada de volume (4 a 5 vezes). O edema acentuado muitas vezes se estende pela barriga (abdome) até os membros anteriores, febre (40-42 C), o curso da doença é rápido, pode ocorrer morte da ovelha em um período desde 4-5 horas ou em horas, ou ainda, após um período clínico de até cinco dias (Blood & Radostits, 1991; Vaz, 1996; Ladeira, 1998). Mastite crônica: podem observar-se nódulos e abscessos no parênquima mamário e úberes aumentados e endurecidos (fibrose). A mastite crônica é geralmente conseqüência de mastite aguda ocorrida durante a lactação, mas que não foi detectada. 5. DIAGNÓSTICO O diagnóstico das formas aguda e crônica é realizado considerando-se os sinais clínicos, observando-se um aumento de volume da glândula mamária. À palpação observa-se aumento de temperatura e dor no local, no caso de mastite gangrenosa o úbere se apresenta de coloração azulada, bem como edematoso. Não há diferenças clínicas evidentes entre a mastite produzida pelos diversos agentes etiológicos. Entretanto, Blood & Radostits (1991) citam que a mastite supurativa causada por Corynebacterium pseudotuberculosis (agente causal da Linfadenite Caseosa) é do tipo crônico e não ocorrem sintomas sistêmicos. O diagnóstico etiológico pode ser realizado pelo cultivo bacteriológico do leite em placas de Petri contendo meios de cultura como ágar-sangue e ágar-macconkey, incubando-se a 37, e realizando a leitura das placas às 24, 48 e 72 horas. Pode-se, ainda, realizar o antibiograma para determinar o antibiótico de eleição para o tratamento. A amostra de leite para cultivo deve ser colhida assepticamente, em frascos esterilizados, após prévia higiene e desinfecção do óstio do teto com álcool a
3 70%. Em casos de mastite subclínica o diagnóstico baseia-se em métodos auxiliares, considerando-se o conteúdo de células somáticas no leite. Os métodos indiretos mais utilizados são: California Mastitis Test (CMT) e o Whiteside (Vaz, 1996; Ladeira, 1998; Las Heras, 1999). Como método direto, recomenda-se a Contagem de Células Somáticas (CCS) realizada em aparelho eletrônico, como o Somacount (Green, 1984). O limite de normalidade foi fixado em 1,0 x 10 6 células/ml (El-Masannat, 1987). O diagnóstico diferencial deve considerar a presença de Maedi-Visna em uma população, pois este também pode levar ao aparecimento de úberes endurecidos (Blood & Radostits, 1991; Vaz, 1996). Maedi- Visna é causada por um Lentivírus, família Retroviridae. O termo Maedi-Visna trata-se de palavras islandesas que significam dispnéia e definhamento, respectivamente. Podendo apresentar na forma de mastite com endurecimento difuso do úbere, presença de pequenos nódulos e diminuição da produção de leite. O diagnóstico de Maedi-Visna pode ser realizado por testes laboratoriais, como ELISA, PCR ou isolamento viral. No Rio Grande do Sul, é comum aos homens do campo se referirem a ovelhas mortas por picada de cobra, descrevendo sintomas semelhantes à mastite (Vaz, 1996). 6. INCIDÊNCIA Algumas pesquisas mostram a incidência de mastite em ovelhas. Madel (1981) encontrou lesões clínicas em 12,8% dos úberes de ovelhas abatidas em um matadouro na Inglaterra. Segundo Blood & Radostits (1991), pesquisa realizada no Reino Unido mostrou que a mastite foi responsável por 8,4% das mortes de ovelhas e mais de 34% das mortes de cordeiros. Citam ainda, que uma pesquisa na Noruega relata uma incidência de mastite de 2% ao ano em ovinos, sendo 86% causadas por S. aureus, 10% por E. coli, 3% Streptococcus agalactiae e 1% Pasteurella haemolytica. A incidência de mastite ovina no Brasil é pouco conhecida (Ladeira, 1998). Fernandes & Cardoso (1985) descrevem um surto no Rio Grande do Sul, de 80 ovelhas examinadas, 10% apresentaram mastite clínica e 8,75% fibrose da glândula mamária. Em todos os casos clínicos foi isolado S. aureus. A mastite gangrenosa ocorre, geralmente, nos primeiros dias do pós-parto, de forma enzoótica (Ladeira, 1998). Schild et al. (1994) em pesquisa realizada no Rio Grande do Sul, mostram que esta forma de mastite foi diagnosticada em um rebanho de 400 ovinos das raças Texel, Ideal, Corriedale, Romney Marsh e Merino, com uma morbidade de 10%-20% e letalidade de 50%. Em relação à mastite subclínica há um estudo realizado com ovelhas, em 22 propriedades no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Observou-se uma prevalência média de mastite subclínica, em pelo menos uma das glândulas, de aproximadamente 5% das ovelhas (Vaz, 1994 apud Ladeira, 1998). Na mesma pesquisa, de 645 ovelhas (20% da população), 14,1% apresentaram, pelo menos, uma glândula positiva ao CMT e dessas, 4,49% foram bacteriologicamente positivas. Os microrganismos isolados foram: Staphylococcus coagulase negativos (59,3%), S. aureus (7,41%), P. haemolytica (3,7%), Streptococcus sp (7,41%), Micrococcus sp (3,7%), Corynebacterium sp (3,7%), e bactérias não identificadas (7,41%). 7. TRATAMENTO A terapêutica via sistêmica ou local utilizada em ovinos, fundamenta-se em informações disponíveis a partir dos trabalhos realizados em bovinos. Deve-se aplicar antibióticos de amplo espectro ou sulfonamidas, tão logo sejam observados os sinais clínicos. O tratamento da mastite subclínica em ovinos não é recomendado, devido ao baixo sucesso alcançado (Vaz, 1996). Na mastite aguda, o objetivo do tratamento é salvar a vida da ovelha, pois o úbere afetado provavelmente estará perdido em termos de produtividade. Recomenda-se o uso de antibióticos de amplo espectro de ação, pela via intramuscular ou endovenosa. O antibiótico mais utilizado tem sido a oxitetraciclina por via parenteral, associado ou não ao tratamento intramamário, utilizando-se os antimastíticos disponíveis no mercado. A tetraciclina de longa ação apresenta bons resultados utilizandose a via intramuscular, em duas doses, com três dias de intervalo (Vaz, 1996). O cultivo bacteriológico e antibiograma, para determinar o agente causal e o antibiótico de eleição, facilitam o tratamento. O tratamento de ovelhas secas tem sido recomendado por alguns autores como forma de eliminar infecções subclínica (Hueston et al., 1989). É importante lembrar que animais que sobrevivem após o tratamento, normalmente apresentam perda total ou parcial da função da glândula.
4 8. PROFILAXIA A seguir são apresentadas algumas medidas preventivas que podem ser utilizadas para o controle da mastite em ovinos. Quando a finalidade da exploração é a produção de leite, as mesmas medidas higiênico-sanitárias que são recomendadas para bovinos podem ser aplicadas para os ovinos, ou seja, praticar uma ordenha higiênica, como o uso do pré-dipping e pós-dipping. Em situação oposta, quando o cordeiro mama na ovelha durante 60 a 120 dias, o controle é dificultado pela possibilidade da transmissão de agentes patogênicos pela boca do cordeiro. Assim, deve-se evitar lesões traumáticas no úbere e/ou tetos das ovelhas, para não predispor a contaminação por patógeno presente na boca do cordeiro, bem como no ambiente. Em rebanhos com história de mastite grave, pode-se recomendar a aplicação de antimastíticos no desmame. Deve-se impedir a estase láctea ocasionada pela perda de cordeiros ou por ovelhas com alta produção de leite após o desmame, restringindo água e alimento até cessar a produção de leite; pode-se examinar as ovelhas antes do encarneiramento, procurando-se eliminar aquelas fêmeas que apresentam lesões no úbere. A palpação rotineira dos úberes e descarte de ovelhas com evidência de alterações cicatriciais ou fibróticas do úbere, permitem remover ovelhas menos produtivas e reduz o reservatório do rebanho, ou seja, possível fonte de infecção. Em ovinos criados em confinamento fica aumentada a prevalência da mastite subclínica, provavelmente relacionando-se à função dos cordeiros como vetores mecânicos transmissores de patógeno de ovelhas infectadas para ovelhas sadias. Recomenda-se ainda, como medida de controle de surtos de mastite em ovinos, o uso de vacina autógena (autóctone), a partir do isolamento e identificação do agente causal, principalmente quando se tratar de Pasteurella haemolytica e Staphylococcus aureus. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLOOD, D.C., RADOSTITS, O.M. Clínica Veterinária. 7 a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. EL-MASANNAT, E.T.S. A study of ovine mastitis with special reference to mastitis caused by Pasteurella haemolytica. tese Ph.D., London, FERNANDES, J.C.T., CARDOSO, M.R.I. Mamite ovina causada por Staphylococcus aureus. Primeira observação no Brasil. Arq. Fac. Vet. UFRGS, v.13, p.71-4, FTHENAKIS, G.G., JONES, J.E.T. the effect of experimentally induced subclinical mastitis on milk yield of ewes and the growth of lambs. Br. Vet. J., v.146, p.43-9, GREEN, T.J. Use of somatic cell counts for detection of subclinical mastitis in ewes. Vet. Rec., v.114, p.43, GROSS, S.J., POLLACK, E.J., ANDERSON, J.G., TORELL, D.T. Incidence and importance of subclinical mastitis in sheep. J. Animal Sci., v.46, 1, HUESTON, W.D., BONER, G.J., BAERTSCHE, S.L. Intramammary antibiotic treatment at the end of lactation for prophylaxis and treatment of intramammary infections in ewes. J.A.V.M.A., v.194, n.8, 1989 JONES, J.E.T. Mastitis in sheep. In: J.B. Owen, R.F.E. Axford (Ed.), Breeding for disease resistance in farm animals (pp ). Bangor: CAB International KALINOWSKA, C. The effect of mastitis in Merino ewes on body weight and mortality rate of lambs. Roczniki Naukone Zootechniki, v.17, p , KIRK, J.H., GLENN, J.S., MAAS, J.P. Mastitis in a flock of milking sheep. Small Ruminant Research, v.22, p , LADEIRA, S.R.L. Mastite ovina. In: Doenças de ruminantes e eqüinos. RIET-CORREA, F., SCHILD, A.L., MÉNDEZ, M.D.C. Pelotas: Ed. Universitária/UFPel, p. LAS HERAS, A., DOMÍNGUEZ, L., FERNÁNDEZ-GARAYZÁBAL, J.F. Prevalence and aetiology of subclinical mastitis in dairy ewes of the Madrid region. Small Ruminant Research, v.32, p.21-9, MADEL, A.J. Observations on the mammary glands of culled ewes at the time of slaughter. Vet. Rec., v.109, p , 1981.
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