AS MUDANÇAS NO ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL: O QUE PENSAM NOSSOS ALUNOS?
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- Bernardo Faro Miranda
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1 2573 AS MUDANÇAS NO ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL: O QUE PENSAM NOSSOS ALUNOS? MILENA RODRIGUES DA SILVA UFPB ERICKA ANULINA CUNHA DE OLIVEIRA UFPB 0 Introdução No Brasil, nas últimas décadas, muitas discussões têm sido travadas entre professores de língua portuguesa, pesquisadores acerca das mudanças necessárias para viabilizar o processo de ensino/aprendizagem da língua materna. Tais discussões provocaram uma série de propostas, entre as quais o ensino de produção textual através dos gêneros textuais ao invés das tradicionais redações escolares a fim de tornar o aluno um escritor competente. Neste artigo, abordaremos tais mudanças a partir da perspectiva do aluno. Será que nossos alunos aprovaram estas mudanças? Eles concordam que estas transformações no ensino os tornarão leitores/produtores eficazes? Para nossa investigação, foi aplicado um questionário para 60 alunos do Ensino Médio, em duas escolas particulares e para 150 alunos do Cursinho Pré-vestibular oferecido pela UFPB, e executamos uma seqüência didática para a produção de um relato pessoal, em que os alunos explicitariam sua experiência com a mudança no ensino de produção textual. 1 Abordagem teórica Segundo os OCEM (2006:18) O papel da disciplina Língua Portuguesa é o de possibilitar, por procedimentos sistemáticos, o desenvolvimento das ações de produção de linguagem em diferentes situações de interação, abordagens interdisciplinares na prática da sala de aula são essenciais. Esta afirmação traz implicações para o ensino e para o professor, desafios, pois o docente que está em sala de aula há algum tempo, acostumado com uma prática voltada para a transmissão de regras terá de se adaptar, renovar seus conhecimentos para contribuir no desenvolvimento das ações de linguagem dos alunos, salientamos que este processo não é nada fácil! As mudanças no ensino se realizam a partir de uma adoção de concepção de língua/linguagem que acompanha estas transformações, por isso faremos uma breve explanação sobre algumas concepções que nortearam (ou ainda norteiam) o ensino. De acordo com Koch (2004) é possível citar pelo menos três: linguagem como representação (espelho) do mundo e do pensamento, linguagem como instrumento (ferramenta) de comunicação e linguagem como forma (lugar) de interação. A primeira acredita que o homem representa para si o mundo através da linguagem e que esta reflete seu pensamento. No entanto, essa visão é rebatida, pois revela que as pessoas que não conseguem se expressar não pensam. Já a segunda considera a língua como um código, pelo qual um emissor transmite mensagens a um receptor, atribuindo à linguagem apenas a função de transmitir informações. A última, por sua vez, vê a linguagem como atividade, como forma de ação, lugar de interação, que permite ao homem praticar os mais variados atos durante a fala. Dentro dessa última visão, Bakhtin (1997) afirma que a língua/linguagem se materializa nos gêneros, os quais são formas relativamente estáveis de enunciados elaboradas pelas mais diversas esferas da atividade humana. Para o autor, os gêneros textuais são compostos de três elementos: conteúdo temático, estrutura composicional e estilo.
2 2574 De acordo com Marcuschi (2002), os gêneros textuais são textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. E estes, contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia e caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Para Antunes (2003), o ato da escrita é uma atividade interativa de expressão, de manifestação verbal das idéias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos que objetivamos partilhar com alguém, com a intenção de fazer parte da interação subjetiva. Ter o que e a quem dizer é condição prévia para o êxito da atividade de escrever. Portanto, o professor não pode, sob nenhum pretexto, insistir na prática de uma escrita escolar sem leitor, sem destinatário e sem referência, para se decidir sobre o que vai ser escrito. Por outro lado, o processo de escrita pode ser iniciado seguindo etapas, tais como: a) delimitação do tema; b) eleição dos objetivos; c) escolha do gênero; d) delimitação dos critérios de ordenação das idéias; e) previsão das condições dos leitores e a linguagem formal ou informal que o texto assumirá (Antunes, op. cit). O desenvolvimento da competência da escrita pode ser feito com o professor criando oportunidades estimulantes de produção, escolhendo alguns gêneros, como listas, convites, avisos, atas, solicitações, cartas, mensagens eletrônicas, entrevista, relatos pessoais, dentre vários outros que podem ocupar o lugar das tradicionais redações escolares centradas em tipologias. Para Antunes (2003), atividade de leitura é um complemento da atividade da produção escrita, é, por isso, uma atividade de interação entre sujeitos e supõe muito mais que a mera decodificação de sinais gráficos. Além disso, favorece a ampliação dos repertórios de informação do leitor. Num segundo momento, possibilita a experiência do prazer da leitura não exigida pelas instituições de ensino, ou seja, realizar leituras dos diferentes domínios discursivos, como notícias de jornal, editoriais, crônicas, anedotas, fábulas, avisos, folhetos, anúncios publicitários etc. Concluímos a favor da adoção de uma prática no ensino de língua portuguesa baseada no trabalho com gêneros textuais, pois dessa forma os alunos terão mais facilidade de entender o uso dos textos orais e escritos que circulam no cotidiano e seguramente terão mais prazer pela leitura e produção textual. Nossa pesquisa foi executada em várias fases: inicialmente fizemos um trabalho com o gênero relato pessoal a partir de uma seqüência didática descrita posteriormente, após a análise dos textos produzidos pelos alunos, selecionamos algumas falas que apontam para a necessidade da inserção de gêneros textuais nas nossas aulas; após a fase de produção textual, aplicamos um questionário para que o aluno expusesse sua opinião a respeito das mudanças ocorridas nas aulas de língua portuguesa e também apresentasse suas dificuldades no momento da escrita; as últimas fases foram a análise dos questionários e elaboração dos resultados. No intuito de conhecer a experiência vivida pelo aluno acerca das mudanças e também pô-las em prática, baseando-nos em Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004) desenvolvemos a seguinte seqüência didática para a produção do Relato pessoal, cada etapa descrita foi realizada em duas aulas (50 minutos cada): Etapa 1: Distribuição de vários gêneros textuais para manuseio; Leitura e caracterização oral de alguns gêneros; Definição de gênero textual; Exposição das diferenças entre produção de gêneros textuais e a conhecida redação escolar ; Etapa 2: Distribuição e leitura de alguns exemplares do gênero relato pessoal; Apresentação das características lingüísticas e sócio-comunicativas do gênero; Discussão acerca da produção de gêneros textuais e a conhecida redação escolar ; Orientação individual para a produção textual; Produção individual do relato pessoal;
3 2575 Etapa 3: Leitura dos relatos produzidos pelos alunos; Discussão das dificuldades apresentadas pelos alunos durante a produção; (Re)explicação das características e funções do gênero; Reescritura do relato pessoal. A leitura dos relatos dos alunos indicou a necessidade de aprimorar o estudo com os gêneros textuais, ou seja, possibilitar que o processo de escrita seja produtivo e eficaz. Mostraremos, a seguir, algumas falas dos alunos que reforçam a importância de modificar nossas propostas em sala de aula:...as redações de antes eram feitas mais para o desenvolvimento da ortografia, do que para aprendermos sobre outras coisas... (MA, aluna 1ª série) quando eu estudava no ensino fundamental, escrevia redações com três parágrafos, com no mínimo 15 linhas, com introdução, desenvolvimento e conclusão. Os temas pedidos pelo professor eram sempre: férias, escola, família entre outros temas bobos...a partir do Ensino Médio comecei a fazer redações interessantes: curriculum, receita, entrevista, relato pessoal, horóscopo... (HKAN, aluna da 3ª série)...o estudo de redação hoje é melhor que antes, antes a professora chegava e falava: faça uma redação sobre suas férias, sempre a mesma coisa, a redação era uma coisa solta... (AAF, aluno da 1ª série) Tenho 18 anos, faço o 2º ano do ensino médio, a redação antes era feita de bolo, ou seja, de qualquer maneira, não importava o texto, apenas a letra, se era grande ou pequeno...hoje parece que estou escrevendo de verdade. (JL, aluno da 2ª série) na minha opinião esse novo método de ensino é melhor de se estudar pois eu aprendo mais e não fica uma matéria monótona (SST, aluna da 2ª série) o gênero textual nos trouxe muito mais alternativas de nos expressar, pois são textos conhecidos e participam do cotidiano... (VF, aluno da 3ª série) Após a realização da seqüência didática, os alunos responderam a um questionário a fim de apresentar sua opinião a respeito das mudanças no ensino de produção textual, além de apontarem dificuldades no processo de produção textual. Durante a aplicação do questionário uma interessante discussão foi levantada pelos alunos (em uma turma da 2º e da 3º séries), a respeito da produção de textos que efetivamente tenham uma função social, tal discussão foi imprescindível para fundamentar nossos resultados. 2 Resultados Essa pesquisa foi realizada com alunos entre 15 e 19 anos, das 1ª a 3ª séries do Ensino Médio, da rede particular de ensino e com alunos do cursinho pré-vestibular da UFPB. Tais escolas foram escolhidas para esta pesquisa, pois já trabalhamos nas escolas selecionadas e isso facilitou o trabalho, já conhecíamos os alunos e os mesmos ficaram mais à vontade para participar da pesquisa. No questionário, ao serem indagados se achavam mais fácil produzir os gêneros ou as redações escolares, 90% dos alunos responderam que achavam mais fácil as redações, pois não tinham muito que pensar, não dava trabalho. No entanto, 95% acham mais prazeroso o trabalho com gêneros, pois percebem a união da teoria com a prática. 60% dos alunos que responderam ao questionário gostaram da mudança de redações para textos reais, já que 90% sentem dificuldades para produzir um texto. As razões dessas dificuldades são diversas: vão desde conteúdo temático até questões de vocabulário. Tais problemas sinalizam para a
4 2576 importância de o professor trabalhar com afinco a produção de textos a partir dos gêneros, a fim de ajudar o aluno as transpor tantas barreiras que se interpõem durante as aulas de redação. Apesar de estar descrito nos documentos oficiais há alguns anos a importância de enfocar os gêneros textuais, 90% dos alunos afirmaram que começaram a trabalhar agora no Ensino Médio, outros tinham ouvido falar, mas produzir efetivamente, não. Por fim, 99% concordaram que o trabalho com gêneros os deixará mais aptos para se tornarem escritores competentes e ainda que o desenvolvimento da habilidade de produção textual será de grande utilidade em sua vida profissional. Considerações finais A partir de nossa pesquisa, pudemos perceber que, segundo os alunos do Ensino Médio, a inserção dos gêneros textuais nas aulas de língua portuguesa é de fundamental importância para a ampliação dos seus conhecimentos no campo da leitura e escrita. E também que os mesmos estão descobrindo o quão prazeroso é trabalhar com gêneros, pois, dessa forma, eles têm o quê, como e para que escrever. O texto deixa de ser virtual e passa a ser real. No entanto, infelizmente verificamos que, mesmo apesar de tantas discussões, o trabalho com gêneros ainda está muito distante do desejado, posto que a maioria dos alunos afirma não ter estudado e trabalhado com os gêneros textuais no ensino fundamental. Após essa pesquisa, verificamos a necessidade de aprimorar as capacitações com os professores do ensino fundamental porque esse estudo de língua se desenvolve de forma mais coerente com os Parâmetros Curriculares. Referências ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, BAKTHIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, BUNZEN, Clécio. Da era da composição à era dos gêneros: o ensino de produção de texto no ensino médio. In: BUNZEN, Clécio e MENDONÇA, Márcia (orgs). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, DIONISIO, Ângela Paiva. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, Acir Mário, GAYDECZKA, Beatriz, BRITO, Karim Siebeneicher (orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. 1 ed. Paraná: Lucerna, KOCH. Ingedore Grunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. 5ª edição. São Paulo: Contexto, MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs).gêneros Textuais e Ensino. 4 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, Acir Mário, GAYDECZKA, Beatriz, BRITO, Karim Siebeneicher (orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. 1 ed. Paraná: Lucerna, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), Volume 1: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica, SCHNEWLY, Bernard, DOLZ, Joaquim & NOVERRAZ, Michelle. Seqüências Didáticas para o Oral e a Escrita: Apresentação de um Procedimento. In: Gêneros orais e escritos na escola / Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras, Questionário aplicado ANEXO
5 2577 Nome: Idade: Série: 1) Escola: ( ) rede privada ( ) rede pública 2) Na sua opinião, era mais fácil produzir as redações escolares? 3) É mais prazeroso o trabalho com gêneros textuais? 4)Você gostou da mudança no ensino de produção textual (de redações escolares) para produção de gêneros textuais diversos? 5) Você sente muitas dificuldades para produzir um texto? 6) Suas maiores dificuldades referem-se a: ( ) Conteúdo temático ( ) Estrutura composicional ( ) Questões lingüísticas (gramaticais) ( ) Não gostar de escrever ( ) Questões ortográficas ( ) Questões de vocabulário 7) A partir de que série você começou a produzir textos reais (gêneros textuais)? ( ) 9º ano fundamental ( ) 8º ano ( )1º ano Ensino médio ( ) 2º ano ( ) 3º ano 8) Você acha que o ensino de gêneros textuais o deixará apto para se tornar um escritor competente?
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