DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL
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- Maria Antonieta Raminhos Delgado
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1 Capítulo I DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL Sumário 1. Conceito e origem do Direito Comercial 2. A teoria dos atos de comércio 3. A teoria da empresa 4. O Direito Comercial brasileiro 5. O Direito Empresarial brasileiro 1. Conceito e origem do Direito Comercial O Direito Comercial pode ser definido, sucintamente, como o ramo do Direito que disciplina as atividades econômicas. Ou, de forma mais detalhada, pode ser conceituado como um regime jurídico especial de Direito Privado que regula e disciplina as atividades econômicas e aqueles que as exercem do modo profissional. Ocorre que nem sempre foi assim. Com efeito, se comparamos o Direito Comercial com outros ramos afins, tal como o Direito Civil, por exemplo, veremos que o Direito Comercial é bem recente. Isso porque durante muito tempo, a despeito de já existir o comércio e de este ser uma atividade praticada até mesmo com grande intensidade e relevância em algumas civilizações das mais antigas, não havia ainda a noção de um Direito Comercial, ou seja, não havia um regime jurídico próprio, específico destinado a disciplinar as atividades mercantis. Tradicionalmente, as regras mercantis faziam parte do Direito Comum. Os historiadores do Direito apontam que foi somente na Idade Média que o Direito Comercial surgiu, pois foi nessa época que começaram a se desenvolver regras especiais para a disciplina das atividades negociais, em função do incremento do comércio propiciado pelo período denominado de Renascimento Mercantil. Sabendo da necessidade de criação de regras específicas para a disciplina das atividades mercantis (comércio ou mercancia), e sabendo que essa tarefa exigia a existncia de uma entidade com força política suficiente para impor regras a uma coletividade, os comerciantes burgueses resolveram se organizar em grandes associações, as corporações de ofício, e criar suas próprias regras, que seriam compiladas nos estatutos de tais associações. Cada corporação tinha, pois, suas próprias regras comerciais, reunidas no respectivo estatuto. Para aplicação dessas regras, foram cirados os tribunais consulares: os próprios mercadores elegiam cônsules, que funcionariam como juízes nos 11
2 André Luiz Santa Cruz Ramos litígios entre comerciantes membros de uma mesma corporação. Enfim: da mesma forma que nós nos submetemos às regras do estatuto de uma associação da qual fazemos parte, os comerciantes que se filiavam a uma determinada corporação de ofício se submetiam voluntariamente às regras do seu estatuto. Em resumo, pode-se dizer então que os comerciantes burgueses criaram um direito para eles mesmos, e a esse direito deu-se o nome de Direito Comercial. Tratava-se, pois, de um direito criado e desenvolvido pelos comerciantes e para os comerciantes. Daí porque muitos autores afirmarem que o Direito Comercial nasceu como um direito corporativista, como um direito de classe. Perceba-se também que as regras do Direito Comercial foram surgindo e se desenvolvendo a partir da própria dinâmica da atividade negocial, ou seja, o Direito Comercial nasceu como um direito costumeiro ou consuetudinário. As regras que compunham o regime jurídico comercial, materializado nos estatutos das diversas corporações de ofício medievais, eram na verdade a compilação dos usos, costumes e práticas mercantis vivenciadas em cada localidade. Nesse período de surgimento do Direito Comercial, pois, ele compreende os usos e costumes mercantis observados na disciplina das relações jurídico-comerciais. E na elaboração desse direito não havia ainda nenhuma participação estatal. Com efeito, cada corporação tinha seus próprios usos e costumes, e os aplicava, através de cônsules eleitos pelos próprios associados, para reger as relações entre os seus membros. Enfim, o sistema de jurisdição especial que marca essa primeira fase do Direito Comercial provoca uma profunda transformação na teoria do direito, pois o sistema jurídico comum tradicional vai ser derrogado por um direito específico, peculiar a uma determinada classe social e disciplinador da nova realidade econômica que emergia: o comércio. 2. A teoria dos atos de comércio O comércio foi se intensificando progressivamente, sobretudo em função das feiras e dos navegadores. O sistema de jurisdição especial mencionado no tópico antecedente, surgido e desenvolvido nas cidades italianas, difunde-se por toda a Europa, chegando a países como França, Inglaterra, Espanha e Alemanha. Com essa proliferação da atividade mercantil, o Direito Comercial também evoluiu. Se no seu período inicial a sistematização de suas regras foi devida precipuamente à atividade dos próprios comerciantes, que se associaram em grandes associações (as Corporações de Ofício), num momento posterior essa sistematização das regras mercantis coube aos Estados Nacionais que se formaram no início da Idade Moderna. 12
3 DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL Na medida em que o Estado vai passando a disciplinar a atividade mercantil, com a edição de leis e a assunção do monopólio da jurisdição, as Corporações de Ofício vão perdendo força, até desaparecerem. O Direito Comercial, então, deixa de ser um direito consuetudinário e passa a ser um direito posto e aplicado pelo Estado. O regime jurídico especial que regula as atividades mercantis (nessa época, quando se fala em atividade mercantil, fala-se basicamente no comércio, já que esta era a mais importante atividade econômica nesse período histórico) não se encontra mais compilado nos estatutos das Corporações, aplicáveis apenas a seus membros, mas em Códigos de leis, aplicáveis a todos os cidadãos. Nesse contexto, merece destaque a edição, em 1804 e 1808, do Código Civil (CC) e do Código Comercial (CCom) franceses. O Direito Comercial inaugura, então, sua segunda fase. Finalmente, pode-se falar agora em um sistema jurídico estatal destinado a disciplinar as relações jurídico-comerciais, ou seja, enfim tem-se delimitado um regime jurídico próprio, específico para disciplinar as atividades mercantis (o comércio, basicamente) e aqueles que se dedicam ao exercício profissional dessas atividades (os comerciantes). Perceba-se que, de fato, a codificação napoleônica dividiu claramente o direito privado: de um lado, o Direito Civil; de outro, o Direito Comercial. Enquanto o CC napoleônico era, fundamentalmente, um corpo de leis que atendia os interesses da burguesia fundiária, pois estava centrado no direito de propriedade, o CCom, por sua vez, encarnava o espírito da burguesia comercial e industrial, valorizando a riqueza mobiliária. Tínhamos enfim dois Códigos distintos para a disciplina das atividades privadas, e um deles era justamente o Código Comercial, que cuidava, especificamente, das atividades mercantis (comércio) e daqueles que as exerciam (comerciantes). Ocorre que essa divisão do direito privado, com dois grandes corpos de leis a reger as relações jurídicas entre particulares, cria a necessidade de estabelecimento de um critério que delimitasse a incidncia de cada um desses ramos da árvore jurídica às diversas relações ocorridas no dia-a-dia dos cidadãos. Mais precisamente, era preciso criar um critério que delimitasse o âmbito de incidncia do Direito Comercial, já que este surgiu, conforme visto, como um regime jurídico especial destinado a regular as atividades mercantis. Para tanto, a doutrina francesa criou a teoria dos atos de comércio, que tinha como uma de suas funções essenciais a de atribuir, a quem praticasse os denominados atos de comércio, a qualidade de comerciante, o que era pressuposto para a aplicação das normas do Código Comercial. O Direito Comercial regularia, portanto, as relações jurídicas que envolvessem a prática de alguns atos definidos em lei como atos de comércio. Caso, todavia, a relação jurídica não envolvesse a prática de desses atos, ela não seria considerada uma relação mercantil e, pois, seria ela regida pelas normas do CC. 13
4 André Luiz Santa Cruz Ramos A definição dos atos de comércio era tarefa atribuída ao próprio legislador, o qual optava ou por descrever as suas características básicas como fizeram o Código de Comércio portugus de 1833 e o Código Comercial espanhol de 1885 ou por enumerar, num rol de condutas típicas, que atos seriam considerados de mercancia como fez o nosso legislador, conforme veremos adiante. Nessa segunda fase do Direito Comercial, portanto, pode-se perceber uma importante mudança: a mercantilidade, antes definida pela qualidade dos sujeitos da relação jurídica (o Direito Comercial era o direito aplicável aos membros das Corporações de Ofício), passa a ser definida pelo objeto da relação jurídica (o Direito Comercial passa ser aplicável sempre que uma determinada relação envolver a prática de um dos atos de comércio descritos na legislação). Daí porque os doutrinadores afirmam que a codificação napoleônica operou uma objetivação do Direito Comercial, além de ter, como dito anteriormente, bipartido de forma clara o direito privado. O fato é que, na verdade, nunca se conseguiu definir satisfatoriamente o que são atos de comércio. Mesmo a teoria do jurista italiano Alfredo Rocco, a mais aceita e segundo a qual os atos de comércio possuíam a função comum de intermediação na efetivação da troca os atos de comércio seriam aqueles que ou realizavam diretamente a referida intermediação (atos de comércio por natureza, fundamental ou constitutivo) ou facilitavam a sua execução (atos de comércio acessórios ou por conexão) não conseguia definir com precisão todo o conjunto de relações jurídicas submetidas à disciplina do regime jurídico comercial. Com efeito, uma série de outras atividades econômicas, tão importantes quanto a mercancia (os atos de comércio), não se encontrava na enumeração legal dos atos de comércio. Algumas delas porque se desenvolveram posteriormente (ex.: prestação de serviços), e a produção legislativa, como sabemos, não consegue acompanhar o ritmo veloz do desenvolvimento social, tecnológico etc. Outras delas, por razões históricas (ex.: atividades rurais e negociação de bens imóveis). Não obstante seus defeitos, a verdade é que a teoria francesa dos atos de comércio, por inspiração da codificação napoleônica, foi adotada por quase todas as codificações oitocentistas, inclusive a do Brasil (Código Comercial de 1850). 3. A teoria da empresa Com o passar dos anos, as atividades econômicas foram tornando-se cada vez mais complexas, e a teoria dos atos de comércio, conseqüentemente, mostrou-se incapaz de continuar norteando a disciplina jurídica do mercado. Isso porque aquela noção de Direito Comercial centrada no conceito de ato de comércio e na figura do comerciante estava ultrapassada, diante da nova realidade econômica. 14
5 DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL Foi necessário, então, que se criasse um novo critério para delimitar a abrangncia do regime jurídico comercial. Dito de outra forma, foi preciso desenvolver uma nova teoria para nortear a disciplina jurídica das atividades econômicas, as quais, dada a sua complexidade, não eram devidamente abrangidas pela teoria dos atos de comércio, que se restringia, conforme visto, às atividades de mercancia (o comércio propriamente dito e outras atividades afins). Ademais, a divisão do Direito Privado provocada pela codificação napoleônica, que contrapôs dois códigos de leis para a disciplina das atividades civis e comerciais, respectivamente, passou a ser criticada por parte da doutrina privatista, que pregava a necessidade de unificação do Direito Privado. Foi nesse contexto, então, que o Direito Comercial passou por uma nova reformulação, e o marco histórico identificador dessa mudança foi a edição do Código Civil italiano de 1942, que adotou uma nova teoria para a disciplina jurídica das atividades econômicas: a teoria da empresa. À luz dessa teoria, o Direito Comercial que, como veremos, passará a ser chamado de Direito Empresarial desvia seu foco do binômio ato de comércio/comerciante e para o binômio empresa/empresário. Com efeito, com a adoção da teoria da empresa, o Direito Comercial (Empresarial) deixa de lado aquela idéia de um regime jurídico voltado exclusiva ou preponderantemente para a mercancia (comércio e outras atividades afins), que não abrangia, pois, uma série de atividades não compreendidas na noção de ato de comércio, e passa a disciplinar toda e qualquer atividade econômica, desde que organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços e exercida com profissionalismo. V-se, pois, que a compreensão dessa nova dimensão do Direito Empresarial (que substituiu o antigo Direito Comercial) pressupõe, necessariamente, a definição da expressão empresa e, conseqüentemente, a definição da expressão empresário, uma vez que estas duas expressões vieram substituir, de certa forma, as antigas expressões ato de comércio e comerciante, respectivamente. De fato, não se concebe mais a idéia de um Direito Comercial como regime jurídico especial para a disciplina das atividades mercantis (atos de comércio) e de seus praticantes (comerciantes). Hodiernamente, prevalece a idéia de um Direito Empresarial, regime jurídico especial voltado para disciplina de qualquer atividade econômica (empresa) e daqueles que exercem tais atividades (empresários). Feita essa observação, pode-se então concluir que empresa é uma atividade, e empresário é quem exerce essa atividade. Mas tal definição não é precisa, por ser incompleta. Empresa é uma atividade econômica (realizada com intuito e lucro) organizada (realizada com articulação dos diversos fatores de produção: capital, mãode-obra, insumos e tecnologia), voltada para a produção ou circulação de bens ou de serviços (veja-se que a expressão empresa não se restringe a algumas atividades específicas, como acontecia com a expressão ato de comércio, que tinha seu conceito 15
6 André Luiz Santa Cruz Ramos restrito ao comércio e algumas atividades afins: empresa é qualquer atividade econômica, podendo ser voltada para a produção de bens ou de serviços ou para a circulação de bens ou de serviços). Empresário, por sua vez, é quem exerce empresa (isto é, quem exerce uma atividade econômica organizada) e o faz de modo profissional, ou seja, com habitualidade (o exercício de atividade econômica de forma esporádica, pois, não caracteriza ninguém como empresário) e pessoalidade (assumindo os riscos do negócio que empreende: o empresário sabe que empreender pode lhe render bons lucros, mas sabe também que essa atividade pode lhe trazer sérios prejuízos). Pois bem. Além de ter adotado a teoria da empresa, o CC italiano rompeu com a tradição de dividir o Direito Privado em dois grandes códigos de leis o CC e o Código Comercial e promoveu uma unificação formal do direito privado, disciplinando as relações civis e comerciais num único diploma legislativo: o CC. O Direito Comercial (ou empresarial, já que houve a adoção da teoria da empresa) entra, enfim, na terceira fase de sua etapa evolutiva, superando o conceito de mercantilidade para definir as relações sob a sua disciplina e adotando, conforme visto, o critério da empresarialidade como forma de delimitar o âmbito de incidncia das suas normas. Em síntese, o norte desse novo Direito Empresarial deixa de ser o ato de comércio (que era o norte do antigo Direito Comercial) e passa a ser a empresa. Note-se que, como fizemos questão de destacar acima, essa unificação provocada no direito privado pela codificação italiana foi meramente formal, uma vez que o Direito Empresarial, a despeito de não possuir mais um diploma legislativo próprio, conservou sua autonomia didático-científica. Afinal, como bem destaca a doutrina majoritária a respeito do assunto, o que define um determinado ramo do Direito como autônomo e independente não é a existncia de um código próprio contendo suas regras, e sim o fato de esse ramo do Direito constituir um regime jurídico específico, com características e princípios que possam identificá-lo e diferenciá-lo dos demais. E isso, sem sombra de dúvidas, o Direito Empresarial possui, desde a sua origem até a presente data. Com efeito, o Direito Empresarial, como regime jurídico específico que disciplina a atividade econômica (empresa) e aqueles que as exercem (empresários) conserva uma série de características que o distinguem das demais disciplinas jurídicas. São características fundamentais do Direito Empresarial, que o diferenciam sobremaneira do Direito Civil: a) o cosmopolitismo, uma vez que o comércio, historicamente, foi fator fundamental de integração entre os povos, razão pela qual o seu desenvolvimento propicia, até os dias de hoje, uma intensa inter-relação entre os países (note-se que em matéria de Direito Empresarial há diversos acordos internacionais em vigor, muitos dos quais o Brasil é signatário, tais como a Convenção de Genebra, que criou uma legislação uniforme sobre títulos de crédito, e a Convenção da União de Paris, 16
7 DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL que estabelece preceitos uniformes sobre propriedade industrial); b) a onerosidade, dado o caráter econômico e especulativo das atividades mercantis, que faz com que o intuito de lucro seja algo intrínseco ao exercício da atividade empresarial; c) o informalismo, em função do dinamismo da atividade empresarial, que exige meios ágeis e flexíveis para a realização e a difusão das práticas mercantis; e d) o fragmentarismo, pelo fato de o Direito Empresarial possuir uma série de sub-ramos com características específicas (direito falimentar, direito cambiário, direito societário, direito de propriedade industrial etc.). O mais importante, todavia, com a edição do CC italiano e a formulação da teoria da empresa, é que o Direito Empresarial deixou de ser, como tradicionalmente o foi, um Direito do comerciante (período subjetivo das Corporações de Ofício) ou dos atos de comércio (período objetivo da codificação napoleônica), para tornar-se o Direito da empresa (qualquer atividade econômica organizada) e alcançar, assim, uma maior gama de relações jurídicas. Empresa Empresário atividade econômica organizada pessoa física ou jurídica que exerce empresa profissionalmente 4. O Direito Comercial brasileiro O Código Comercial de 1850, assim como a grande maioria dos códigos editados nos anos 1800, adotou a teoria francesa dos atos de comércio, por influncia da codificação napoleônica. O CCom/1850 definiu o comerciante como aquele que exercia a mercancia de forma habitual, como sua profissão. Embora o próprio código não tenha dito o que considerava mercancia (atos de comércio), o legislador logo cuidou de faz-lo, no Regulamento nº 737, também de Prestação de serviços, negociação imobiliária e atividades rurais foram esquecidas, o que corrobora a crítica já feita ao sistema francs. Em 1875, o Regulamento nº 737 foi revogado, mas o seu rol enumerativo dos atos de comércio continuou sendo levado em conta, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudncia, para a definição das relações jurídicas que mereceriam disciplina jurídico-comercial. Mas não era só o Regulamento nº 737/1850 que definia os chamados atos de comércio no Brasil. Outros dispositivos legais também o faziam. Assim, por exemplo, consideravam-se atos de comércio, ainda que não praticados por comerciante, as operações com letras de câmbio e notas promissórias, nos termos do art. 57 do Decreto nº 2.044/1908, e as operações realizadas por sociedades anônimas, nos termos do art. 2º, 1º, da Lei nº 6.404/76. 17
8 André Luiz Santa Cruz Ramos Ademais, a doutrina ainda mencionava os chamados atos de comércio por conexão (por dependncia ou acessórios), que eram, na verdade, atos essencialmente civis, mas que se transformavam atos de comércio quando eram exercidos com o fim de facilitar o exercício de determinada atividade mercantil. CCom/1850 Regulamento 737/1850 Teoria dos atos de comércio Enumeração dos atos de comércio 5. O Direito Empresarial brasileiro A adoção da teoria francesa dos atos de comércio pelo Direito Comercial brasileiro fez com que ele merecesse as mesmas críticas já apontadas acima. Com efeito, não se conseguia justificar a não-incidncia das normas do regime jurídico comercial a algumas atividades tipicamente econômicas e de suma importância para a atividade negocial, como a prestação de serviços, a negociação imobiliária e a pecuária. Seguindo a influncia da teoria da empresa, foi então editada a Lei nº /02, que instituiu um novo CC em nosso ordenamento jurídico e completou a tão esperada transição do Direito Comercial brasileiro: abandonou-se a teoria francesa dos atos de comércio para adotar-se a teoria italiana da empresa. Seguindo à risca a inspiração do CC de 1942, o novo CC brasileiro derroga grande parte do Código Comercial de 1850, na busca de uma unificação, ainda que apenas formal, do direito privado. Do Código Comercial resta hoje apenas a parte segunda, relativa ao Comércio Marítimo (a parte terceira das quebras já havia sido revogada há muito tempo; de lá para cá, o Direito Falimentar brasileiro já foi regulado pelo DL nº 7.661/45, que era a antiga Lei de Falncias, hoje revogada e substituída pela Lei nº /05, a Lei de Falncia e Recuperação de Empresas). CCom/1850 Parte I Parte II Parte III parte geral do Direito Comercial (revogada pelo CC/2002) comércio marítimo (ainda em vigor) direito falimentar (revogado há bastante tempo, hoje disciplinado na Lei nº /05) O CC de 2002 trata, no seu Livro II, Título I, do Direito de Empresa. Desaparece a figura do comerciante, e surge a figura do empresário (da mesma forma, não se fala mais em sociedade comercial, mas em sociedade empresária). A mudança, porém, está longe de se limitar a aspectos terminológicos. Ao disciplinar o Direito de Empresa, o Direito brasileiro se afasta, definitivamente, da ultrapassada teoria dos atos de comércio, e incorpora a teoria da empresa ao nosso ordena- 18
9 DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL mento jurídico, adotando o conceito de empresarialidade para delimitar o âmbito de incidncia do regime jurídico comercial. Hoje, no Direito brasileiro, não se fala mais em comerciante, como sendo aquele que pratica habitualmente atos de comércio. Fala-se agora em empresário, sendo este o que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (CC de 2002, art. 966). Portanto, a partir das observações feitas acima, através das quais tentamos estabelecer, em resumo, as bases históricas da afirmação do Direito Empresarial como ramo jurídico independente e autônomo, podemos conceituá-lo, em síntese, como o regime jurídico especial destinado à regulação da atividade econômica (empresa) e dos seus agentes produtivos (empresários). Na qualidade de regime jurídico especial, contempla todo um conjunto de normas específicas que se aplicam aos agentes econômicos, hoje chamados de empresários (empresários individuais e sociedades empresárias). Note-se, porém, que essa autonomia que o Direito Empresarial possui em relação ao Direito Civil não significa que eles sejam ramos absolutamente distintos e contrapostos. Direito Empresarial e Direito Civil, como ramos englobados na rubrica Direito Privado, possuem, não raro, institutos jurídicos comuns. Ademais, o Direito Empresarial, como regime jurídico especial, muitas vezes socorre-se do Direito Civil este entendido, pode-se dizer, como um regime jurídico geral das atividades privadas para suprir eventuais lacunas de seu arcabouço normativo. Assim, pode-se dizer que cabe ao Direito Civil, como bem destacava o art. 1º do CC de 1916, a disciplina geral dos direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações, sendo, ademais, fonte normativa subsidiária para os demais ramos do direito. Já ao Direito Empresarial cabe, por outro lado, a disciplina especial dos direitos e obrigações de ordem privada concernentes ao exercício de atividade econômica organizada (empresa). Durante muito tempo, é verdade, o Direito Civil foi o próprio Direito Privado, realidade que, conforme vimos nos tópicos iniciais deste capítulo, mudou radicalmente a partir do desenvolvimento das atividades mercantis, o que fez surgir o Direito Comercial (hoje Direito Empresarial), como ramo especial destinado justamente a regular os interesses especiais dos agentes econômicos. Direito Civil Direito Empresarial regime jurídico geral de direito privado regime jurídico especial de direito privado (disciplina especificamente a empresa e os empresários) Por fim, cumpre apenas destacar que, como ramo jurídico autônomo e independente, o Direito Empresarial tem suas próprias fontes: (i) o CC, que é atualmente a mais importante fonte formal do Direito Empresarial, já que contém boa parte de suas regras jurídicas fundamentais; (ii) o CCom de 1850, que disciplina o Comércio 19
10 André Luiz Santa Cruz Ramos Marítimo; (iii) a legislação esparsa, que cuida de matérias específicas, como o Direito Falimentar (Lei nº /05), o Direito Societário (Lei nº 6.404/76, que regula as sociedades por ações), o Direito Cambiário (Lei Uniforme de Genebra, que regula as letras de câmbio e as notas promissórias, Lei nº 7.357/85, que regula os cheques, e Lei nº 5.474/68, que regula as duplicatas), o Direito de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96, chamada de LPI) etc; (iv) os usos e costumes mercantis, sobretudo porque o Direito Empresarial, como visto, surgiu como um direito consuetudinário, baseado nas práticas mercantis dos mercadores medievais. Direito Comercial è Direito Empresarial Corporações de Ofício Tribunais Consulares Usos e costumes mercantis Codificação Napoleônica Divisão do Direito Privado Código Comercial Teoria dos atos de comércio Objetivação do Direito Comercial CC italiano de 1942 Unificação formal do Direito Privado Teoria da empresa Nessa fase inicial, o Direito Comercial era um direito consuetudinário e possuía um caráter extremamente corporativista, só se aplicando aos mercadores associados a Corporações de Ofício. Nessa segunda fase, o Direito Comercial se consolida como um regime jurídico autônomo, destinado a disciplinar as atividades mercantis atos de comércio e aqueles que exercem atividade mercantil profissionalmente comerciantes. Na sua fase atual, o Direito Empresarial passa a ser um regime jurídico que disciplina toda e qualquer atividade econômica organizada, não se restringindo apenas aos atos de comércio. Assim, o Direito Empresarial é o regime jurídico de Direito Privado que disciplina a atividade econômica empresa e aqueles que exercem atividade econômica profissionalmente empresários. 20
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