BRICS MONITOR. Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali. Country Desks.
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1 BRICS MONITOR Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países Dezembro, 2013 Country Desks
2 Autores: André Nogueira, Jessica de Oliveira e Paulo Cesar Ferreira Coordenação: Carlo Patti Colaboração: Equipe Country Desk 1 Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países 1. Introdução A IX Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada em Bali, Indonésia, entre os dias 3 e 6 de dezembro de 2013, foi concluída com um novo acordo voltado para o comércio mundial. Após dias de intensas negociações, o Pacote de Bali (como vem sendo chamado) conseguiu finalmente avançar em pontos da Rodada de Doha, iniciada em Como afirmado pelo diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo: com o Pacote de Bali, firmou-se o compromisso com a Organização Mundial do Comércio, bem como com a resolução da Rodada de Doha para o Desenvolvimento (...). As decisões tomadas aqui foram os primeiros passos em direção a um acordo sobre a Rodada de Doha 2 Tendo em vista o contexto dos preparativos e, posteriormente, do encontro ministerial ocorrido no período mencionado, este Monitor tem como objetivo discorrer sobre a agenda geral da OMC para Bali, com especial atenção às agendas individuais dos países BRICS. Da mesma forma, serão discutidos alguns dos desdobramentos do chamado Pacote de Bali. 1 Octavio Ribeiro, José Manuel Otero Barros, Luis Stubbe, Marie Lefebvre, Nathan Burchard e Vanessa Grant. 2 Tradução livre do Inglês: With the Bali package you have reaffirmed not just your commitment to the WTO but also to the delivery of the Doha Development Agenda, ( ) the decisions we have taken here are an important stepping stone towards the completion of the Doha round. Fonte: WORLD TRADE ORGANIZATION. Days 3, 4 and 5: Round-the-clock consultations produce Bali Package. WTO, 5-7 dez Disponível em: < Acesso em: 10 dez
3 2. Agenda e conclusões gerais da reunião de Bali: caminho para a conclusão da Rodada Doha? A IX conferência ministerial da OMC é entendida como parte do ciclo da chamada Rodada Doha para o Desenvolvimento 3. Esta última visa à reestruturação dos regimes da OMC em diferentes setores, almejando uma reconfiguração da organização para que, desse modo, a OMC se torne mais adequada ao atual panorama multilateral do comércio. Para tanto, foram promovidos seis ciclos de negociação para tentar concluir o processo: Doha (2001), Cancun (2003), Genebra (2004), Paris (2005), Hong Kong (2005), Potsdam (2007), Genebra (2008) e Bali (2013). A rodada tinha o término previsto para 2005, contudo, diante de contratempos relacionados a consenso e, portanto, ao cumprimento dos objetivos estabelecidos, vem se estendendo até então. Observa-se, ainda, que a demora no processo de decisão prejudicou a visão dos membros acerca da relevância da própria OMC uma vez que não se observavam avanços na agenda para o desenvolvimento, bem como para o multilateralismo, tendo em vista, em especial, os obstáculos que surgiram em decorrência das discordâncias gerais sobre a temática da agricultura 4. No contexto do recente IX Encontro Ministerial, apesar de aprovado por consenso, diversos países discordavam de partes do Pacote de Bali, no entanto, acabaram cedendo determinadas posições em prol da retomada das discussões no âmbito da OMC visto que a organização vem tendo dificuldades em avançar as negociações da Rodada de Doha desde Ademais, um acordo em Bali era tido como crucial para revigorar o multilateralismo no âmbito global, que vinha sendo colocado em xeque por especialistas da área caso não houvesse algum avanço nesse âmbito em Bali 5. Dada a sua abrangência em temas, o Pacote de Bali vem sendo visto como o primeiro grande acordo entre os membros da OMC desde que a organização foi criada, em 1995, após a Rodada do Uruguai ( ) 6. 3 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Rodada Doha. Disponível em: Acesso em: 23 dez OLIVEIRA, Ivan & THORSTENSEN, Vera. Os BRICS na OMC: Políticas Comerciais Comparadas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. IPEA, Brasília, 2012, p BBC. Reunião em Bali é decisiva sobre futuro da OMC e Rodada Doha. BBC Brasil, 3 dez Disponível em: < Acesso em: 23 dez WORLD TRADE ORGANIZATION. Days 3, 4 and 5: Round-the-clock consultations produce Bali Package. WTO, 5-7 dez Disponível em: < Acesso em: 10 dez
4 O Pacote de Bali pode, então, ser definido como um acordo abrangente de facilitação do comércio global através da redução de barreiras comerciais, contudo, menos ambicioso do que o desenhado há 12 anos em Doha. O pacote inclui acordos nas diversas áreas sancionadas pela OMC, a ver, facilitação no comércio, agricultura incluindo segurança alimentar e temas gerais relacionados ao desenvolvimento. Em relação ao tema de facilitação de comércio, o foco é simplificar procedimentos aduaneiros (incluindo liberação, despacho e trânsito de mercadorias) através da redução de custos, maximização de eficiência e velocidade, abrangendo praticamente todos os produtos, desde matérias-primas a serviços financeiros e telecomunicações. No concernente a assistência a países em desenvolvimento, avançou-se em prospectos de medidas voltadas para a melhoria na infraestrutura, treinamento de funcionários alfandegários, além de previsão de ajudas de custo na implementação de acordos. Calculase um ganho total entre US$ 400 bilhões e US$ 1 trilhão decorrente dos acordos de Bali para a facilitação de comércio, através da redução de custos entre 10 a 15% e do aumento da arrecadação alfandegária, dos investimentos e do comércio em geral 7. No que se refere à temática da agricultura, reconheceu-se que os programas de serviços gerais poderão contribuir de maneira abrangente para o desenvolvimento rural, segurança alimentar e redução da pobreza, sobretudo nos países em desenvolvimento. No que diz respeito à segurança alimentar, acordou-se uma resolução temporária (até que uma definitiva seja alcançada) que permite aos países em desenvolvimento manterem uma reserva pública para esse fim maior do que a permitida hoje pela OMC (em torno de 10% do valor de produção), sob a justificativa de assegurar a segurança alimentar. Além disso, as cotas tarifárias foram renegociadas, dado a preocupação em ter seu uso convertido como mecanismo de barreira à importação. Acordou-se, então, a implementação de um mecanismo de consulta e de informação entre os membros da OMC para fiscalizar as cotas e informar quando elas não estão sendo utilizadas por completo. Ademais, outros três acordos no âmbito da agricultura foram celebrados: o primeiro diz a respeito à estipulação de certos programas de desenvolvimento e uso da terra como permitidos ou proibidos, de acordo com as normas estabelecidas pela organização; o segundo se refere ao compromisso dos países membros da OMC de manter os subsídios à exportação agrícola em nível baixo; 7 Idem, Ibid.
5 enquanto o último garante maior acesso ao mercado de algodão para os países menos desenvolvidos 8. Concernente à temática do desenvolvimento, o encontro representou um avanço em quatro pontos. O primeiro diz respeito à redução de tarifas e ao acesso para os produtos de países em desenvolvimento em mercados de países mais desenvolvidos. Houve a simplificação das regras de priorização de produtos oriundos de países menos desenvolvidos, com o intuito de facilitar o enquadramento de seus produtos nas preferências para a entrada em outros mercados. Somado a tal acordo, como mencionado, encontra-se também uma cláusula que estipula o acesso preferencial aos mercados de países desenvolvidos para os produtos oriundos de países ditos desenvolvidos. Por fim, foi criado um mecanismo de monitoramento e revisão do tratamento especial atribuído aos países em desenvolvimento e seus respectivos produtos 9. Outros acordos pontuais também foram avançados em Bali. No que diz a respeito à propriedade intelectual, acordou-se que casos de não violação ou seja, aqueles que por questões técnicas não se sabe se houve ou não violações das regras da OMC não serão levadas ao mecanismo de resolução de controvérsia da organização. De forma semelhante ao da propriedade intelectual, concluiu-se um acordo a respeito do comércio eletrônico, onde se estipulou a proibição de cobrança de tarifas de importação. A respeito das pequenas economias, firmou-se o compromisso de buscar regras preferenciais claras para tal grupo de países. Por fim, os países membros reafirmaram seu interesse na criação de um mecanismo que ajude países em desenvolvimento a concluir suas trocas comerciais, bem como a transposição de tecnologia dos países desenvolvidos aos em desenvolvimento WORLD TRADE ORGANIZATION. Days 3, 4 and 5: Round-the-clock consultations produce Bali Package. Bali, 9 Th WTO Ministerial Conference, 5-7 dez Disponível em: < Acesso em: 10 dez WORLD TRADE ORGANIZATION. Briefing note: Agriculture negotiations the bid to harvest some low hanging fruit. Bali, 9 Th WTO Ministerial Conference, 5-7 dez Disponível em: < Acesso em: 10 dez WORLD TRADE ORGANIZATION. Farm talks chair outlines shape of what might be possible for Bali meeting. WTO, 2013 News Items, 11 out Disponível em: < Acesso em: 10 dez WORLD TRADE ORGANIZATION. Days 3, 4 and 5: Round-the-clock consultations produce Bali Package. Bali, 9 Th WTO Ministerial Conference, 5-7 dez Disponível em: < Acesso em: 10 dez WORLD TRADE ORGANIZATION. Briefing Note: Decisions for least-developed countries. Bali, 9th WTO Ministerial Conference, 5-7 dez Disponível em: < Acesso em: 10 dez Idem, Ibid.
6 Enquanto as resoluções firmadas em Bali foram vistas por alguns como promissoras e dentro do esperado, outros encararam o Pacote de Bali como limitado. Segundo Simon Evenett, especialista em OMC da Universidade de St Gallen, Suíça, o pacote avançado em Bali é um acordo bem-vindo, mas limitado. E que não foi registrado nenhum avanço sério sobre os subsídios agrícolas à exportação, o comércio eletrônico ou os subsídios sobre as exportações de algodão 11. Na mesma linha, Kevin Gallagher, analista da Universidade de Boston, ponderou que em vez de honrar o multilateralismo, as grandes potências vão se inclinar em direção aos acordos regionais para defender as propostas difíceis que foram rejeitadas na OMC 12. O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, por outro lado, declarou que: Bali é apenas um início. Agora temos doze meses para estabelecer um mapa do caminho para concluir o programa de Doha 13. O acordo representa menos de 10% do ambicioso programa de reformas iniciado em Doha, contudo, parte dos negociadores temeu pelo futuro da própria OMC e do multilateralismo de forma geral caso Bali incorporasse um novo fracasso. Nesse sentido, apesar das limitações, o Pacote de Bali pode ser entendido como um marco importante para a conclusão da Rodada Doha, ao se configurar como o primeiro acordo negociado pelos 159 países membros da OMC desde a criação da organização, em O acordo emergiu após Índia e Estados Unidos terem firmado compromissos em relação aos subsídios de alimentos e após um grupo de países latino-americanos composto por Bolívia, Venezuela, Nicarágua, e liderado por Cuba, ter desistido de manter a oposição ao documento 15. No entanto, ainda que o referido pacote sirva como uma plataforma para o surgimento de medidas de grande porte, o processo de aceitação e implementação 11 CARTA CAPITAL. OMC conclui acordo histórico em Bali. 07 dez Disponível em: < Acesso em: 10 dez Idem, Ibid. 13 CARTA CAPITAL. OMC conclui acordo histórico em Bali. 07 dez Disponível em: < Acesso em: 10 dez THE ECONOMIST. The World Trade Organization - Unaccustomed victory. 14 dez Disponível em: < Acesso em: 23 jan BLOOMBERG. WTO deal buys trade talks time to craft broader deal. Bloomberg News, 8 dez Disponível em: < Acesso em: 23 jan BLOOMBERG. Latin America bloc stalls WTO Bali Trade Talks. Bloomberg News, 6 dez Disponível em: Acesso em: 23 jan
7 multilateral será longo, podendo demorar anos. Nota-se, ainda, que a organização vem enfrentando os desafios do crescimento do bilateralismo e do regionalismo, tendências que podem atuar negativamente sobre a agenda multilateral no comércio internacional Os BRICS e o IX Encontro Ministerial da OMC Em uma perspectiva geral, os países BRICS mantiveram uma agenda favorável à abertura comercial, de forma a permitir que barreiras tarifárias não prejudiquem a atividade comercial internacional que vem, desde 2001, sendo alavancado pela atuação dos emergentes, o que ressaltaria ainda o papel do grupo BRICS. Assim, mantendo a posição reafirmada na última cúpula dos BRICS, realizada nos dias 26 e 27 de março, em Durban, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul adotaram, de alguma forma, a retórica do interesse em facilitar e tornar transparente o comércio internacional, superando as barreiras protecionistas que têm impedido o crescimento do mercado global 17. No entanto, os debates acerca das questões agrícolas ainda levantam embates nas agendas dos BRICS. Enquanto Índia e África do Sul com o apoio de outros países do G33 18 buscaram defender seus programas de segurança alimentar, o Brasil, por seu turno, tentou avançar a abertura dos subsídios agrícolas o que entrava em claro conflito com os interesses indianos. China e Rússia, por sua vez, vêm buscando a abertura do ambiente comercial multilateral, de forma a favorecer suas exportações e importações, sem se pronunciar diretamente sobre as mencionadas agendas específicas dos demais BRICS. Logo, não foi observada uma coordenação explícita entre os países BRICS durante o referido encontro ministerial da OMC. Diferente de um posicionamento comum, o que se notou foram coincidências nas agendas desses países e a prevalência da busca por interesses particulares às agendas individuais. 16 DESAI, Radhika. What exactly has the WTO finally delivered? The BRICS Post, 10 dez Disponível em: < Acesso em: 16 dez Idem, Ibid. 18 O G33, também conhecido como Friends of Special Products in Agriculture, é uma coalização de países em desenvolvimento que se coloca em prol da flexibilização do grau de abertura de mercados no âmbito das negociações da OMC. O G33 defende, assim, que os países em desenvolvimento devem poder optar por uma abertura apenas parcial de seus mercados no setor agrícola. Apesar do nome, o G33 conta, atualmente, com 46 membros, incluindo China, Índia, Bolívia, Cuba, Indonésia, Moçambique, Turquia, Venezuela, dentre outros. Fonte: WTO. Groups in the negotiations. Disponível em: < Acesso em: 23 jan
8 4. As agendas individuais dos países BRICS em Bali Brasil A participação do Brasil em Bali foi pautada pelo objetivo de promover as negociações voltadas para a aprovação do que se configuraria como o primeiro acordo comercial global em quase duas décadas de esforços. Às vésperas do encontro, o ministro das relações exteriores, Luís Alberto Figueiredo, durante coletiva de imprensa, declarou: Não seria aceitável, para os países em desenvolvimento, que o resultado de Bali ocorra só em uma área. Queremos sair de lá com um pacote 19. A partir desse discurso, a delegação brasileira buscou assentar sua posição em torno da abertura e facilitação do comércio, de forma a permitir que o acordo final refletisse um equilíbrio entre as demandas dos países emergentes e dos desenvolvidos. Assim, embora o Brasil demonstrasse apreço pelas demandas da delegação indiana e sul-africana (pautado na coordenação do grupo IBAS), principalmente pelo fator social do projeto de segurança alimentar da Índia, a delegação brasileira foi reticente em relação ao pleito indiano. Isso se deve ao fato de que este abriria um precedente problemático para países agroexportadores como o Brasil 20. Já no escopo das negociações bilaterais, o Brasil garantiu à União Europeia (UE) que a abertura comercial do Mercosul ao bloco europeu já é um consenso entre os quatro países membros do bloco sul-americano. Receosos em relação à possibilidade de um acordo em separado e mais restritivo especificamente no caso da Argentina, os representantes da UE afirmaram que tal cenário implicaria em um obstáculo para o avanço efetivo das negociações para um acordo de livre comércio birregional 21. Dessa forma, ainda que as negociações aparentem estar avançando, não existe um conjunto de demandas e ofertas consolidado para ser debatido. O ministro de relações exteriores do Brasil, Luís Alberto Figueiredo, encontrou-se com o Comissário de Comércio da UE, Karel De Gucht, 19 VALOR ECONÔMICO. OMC: Brasil só aprova pacote com todos os pontos das negociações. Valor Econômico, 29 nov Disponível em: < Acesso em: 15 dez VALOR ECONÔMICO. Indústria brasileira pede à Índia flexibilidade na OMC. Valor Econômico, 05 dez Disponível em: < Acesso em: 15 dez VALOR ECONÔMICO. Mercosul garante à Europa sobre oferta conjunta de abertura comercial. Valor Econômico, 06 dez Disponível em: < Acesso em: 17 dez
9 para discutir uma data para que ambos os blocos apresentem suas ofertas e possam chegar a um acordo 22. Rússia O ministro da Economia e do Desenvolvimento da Rússia, Alexei Ulyukayev, afirmou que as negociações em Bali refletem os interesses de longo prazo do país, tanto em termos econômicos como culturais. Em uma declaração prévia ao encontro ministerial, Ulyukayev afirmou que era urgente o sucesso de um acordo em Bali para a retomada do multilateralismo. No entanto, o ministro ressaltou que um consenso entre os países é um ponto de difícil conclusão, uma vez que uma série de questões sensíveis está em jogo, mas que, mesmo com os obstáculos, é fundamental que a OMC que agrupa 97% do comércio global sob os seus regimes atinja um acordo substancial 23. Segundo estimativas, a recente adesão da Rússia à OMC gerou grandes perdas, avaliadas em US$ 14 bilhões desde sua entrada na organização, em As principais áreas atingidas teriam sido o comércio de metais, a agricultura e a indústria automobilística. O ministro russo afirmou, por sua vez, que avanços em Bali, principalmente referente à agricultura e à facilitação de comércio, são vitais para os interesses russos resumindo, dessa forma, o principal pleito da Rússia durante o encontro 24. Índia De maneira geral, o pacote decidido ao longo do IX encontro ministerial da OMC em Bali é concernente com a demanda por parte da Índia acerca da questão da segurança alimentar considerando as recentes medidas domésticas em torno de um projeto voltado para essa temática. Fruto de um posicionamento consistente da delegação indiana, a permissividade para a continuidade dos subsídios agrícolas foi uma grande vitória para o país, o qual adotou a retórica de que não abandonaria a segurança de sua população em benefício do multilateralismo. 22 Idem, Ibid. 23 $1 trillion WTO deal very close Russia s economic minister. RT, 02 dez Disponível em: < Acesso em: 16 dez Idem, Ibid.
10 O chamado Pacote de Bali representa uma série de negociações entre as demandas dos países dependentes de benefícios agrícolas e dos agroexportadores, e permitirá que a Índia mantenha seu pacote de subsídios nos próximos quatro anos, através da extensão da dita Peace Clause 25 a qual confere uma determinada abertura para aplicação de regras dentro dos países membros. A Índia incorpora o G33 um grupo dentro da OMC que advoga em prol de isenções agrícolas para os países em desenvolvimento e sofreu muita pressão para flexibilizar sua posição. A delegação se mostrou, porém, dura em seus posicionamentos 26. Nas palavras do Ministro da Indústria e do Comércio da Índia, Anand Sharma, durante discurso na OMC: Para Índia, segurança alimentar não é negociável. A necessidade de estocagem pública de grãos para assegurar a segurança alimentar deve ser respeitada 27. Após a conclusão do encontro da OMC em Bali, a FICCI (Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da Índia) se mostrou otimista em relação aos acordos firmados durante o evento. O presidente da FICCI, Naina Lal Kidwai, declarou contentamento em relação às expectativas da Índia acerca dos acordos para a facilitação do comércio dentro da OMC. A redução de custos transacionais, o aumento da transparência e a reestruturação alfandegária seriam as plataformas para permitir o aumento do comércio global e, segundo Kidwai, esses acordos poderiam aumentar em um trilhão de dólares o PIB mundial, além de gerar 21 milhões de novos empregos. No mais, nas palavras do presidente da FICCI, muito ainda pode ser avançado dentro do escopo da Rodada Doha, reafirmando a 25 De acordo com o glossário de termos técnicos da Organização Mundial do Comércio, a chamada Peace Clause é uma disposição no artigo 13 do Acordo sobre Agricultura estabelecendo que os subsídios agrícolas praticados no âmbito do acordo não podem ser contestados em outros acordos da OMC, principalmente no Acordo sobre Subsídios e no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em Inglês). Oficialmente, a Peace Clause expirou em Fonte: WORLD TRADE ORGANIZATION. Glossary Term Peace Clause. Disponível em: < Acesso em: 23 jan DNA INDIA. IBSA block underlines food security at WTO's Bali meet. DNA India, 04 dez Disponível em: < Acesso em: 15 dez SURABHI, Tiwari. At Bali WTO meet, India stands alone in defence of domestic food subsidy. The Indian Express, 04 dez Disponível em: 27 RAI, Rajesh. Food Security Non-Negotiable, Sharma Tells WTO. The New Indian Express, 04 dez Disponível em: < WTO/2013/12/04/article ece>. Acesso em: 17 dez
11 importância da organização para o quadro multilateral de comércio, principalmente entre os países em desenvolvimento 28. China A China, por seu turno, aclamou o acordo concluído durante a Conferência Ministerial da OMC em Bali. Segundo autoridades, o acordo de Bali é um marco para os regimes multilaterais de comércio e fortalece a importância da organização internacional, além de manter vivas as negociações da Rodada Doha. Nas palavras de Xu Hongcai, atual diretor do Departamento de Informações do Centro Internacional de Câmbios da China, a retomada das negociações de Doha e os possíveis resultados concretos que virão em decorrência de futuras negociações poderão promover um maior empoderamento dos países emergentes no ambiente comercial global 29. Nas palavras do ministro do comércio da China, Gao Hucheng, as palavras fundamentais para a OMC seriam: mudança, compromisso e confiança. Em discurso, Gao chamou atenção para a urgência de se promover uma mudança, adiantando os resultados das rodadas anteriores e do esforço conjunto de todos os membros. No mais, o ministro apresentou como os principais desafios atuais enfrentados pela organização o aumento de acordos regionais e a ineficiência dos processos decisórios da OMC. Gao ainda discorreu sobre o papel fundamental da China no sistema multilateral de comércio, e o objetivo geral da facilitação do comércio internacional 30. Por fim, no âmbito bilateral, foi discutido um acordo de cooperação com os maiores exportadores de algodão do continente africano: Benin, Burquina Faso, Chad e Mali SURABHI, Tiwari. World Trade Organisation adopts Bali package, to move ahead on Doha round. The Indian Express, 07 dez Disponível em: < Acesso em: 15 dez YANG, Chen & QIAOYI, Li. China hails historic WTO global trade agreement. Global Times, 09 dez Disponível em: < Acesso em: 15 dez Idem, Ibid. 31 China calls for confidence to solve impasse in WTO trade talks. Global Times, 04 dez Disponível em: < Acesso em: 17 dez
12 África do Sul A África do Sul, por sua vez, defendeu juntamente à Índia a continuidade dos subsídios agrícolas dentro do escopo da OMC. A África do Sul apoiou, assim, o pleito da Índia pela continuidade de políticas agrícolas condizentes com programas de segurança alimentar adequados à realidade interna dos países em desenvolvimento. O ministro do comércio, Rob Davies, alegou que as necessidades das parcelas mais pobres da população devem ser consideradas, sendo a continuidade de programas de segurança alimentar um elemento fundamental para sustentar tal processo. Davies também clamou por resoluções equilibradas e que permitam beneficiar as classes rurais menos favorecidas. Nas palavras de Davies, durante discurso na OMC: O programa público de estocagem de alimentos é importante para milhões de pessoas com baixa renda nos países em desenvolvimento (...) esses programas devem ter permissão para continuar. Eles são parte vital da segurança alimentar (...). Não é apenas uma questão da Índia, há uma série de países africanos que tem programas similares, então não é algo apenas da Índia 32. Ao destacar a atuação política do IBAS (África do Sul, Brasil e Índia) para manter o equilíbrio entre os interesses internacionais e nacionais durante o processo de formulação e votação das resoluções o ministro afirmou, assim, que a demanda pela continuidade dos subsídios não se restringe somente a um país, mas a um conjunto de países em desenvolvimento Considerações finais Embora o Pacote de Bali seja um marco para a OMC e para os regimes multilaterais de comércio, o processo de adesão, adoção dessas resoluções e surgimento de resultados concretos pode demorar anos. Por outro lado, ainda que o futuro do Pacote de 32 South Africa supports India's stand on food security at WTO. The Economic Times, 06 dez Disponível em: < Acesso em: 15 dez South Africa supports India's stand on food security at WTO. The Economic Times, 06 dez Disponível em: < Acesso em: 15 dez RAI, Rajesh. Food Security Non-Negotiable, Sharma Tells WTO. The New Indian Express, 04 dez Disponível em: < WTO/2013/12/04/article ece>. Acesso em: 17 dez
13 Bali e da própria OMC seja nebuloso, como destacado por alguns analistas, a aprovação de um documento dessa magnitude serviu para revigorar as forças da organização, tanto entre os países em desenvolvimento como para os desenvolvidos. Destaca-se, ainda, que muito deverá ser discutido durante o próximo grande evento, em Genebra, quando, espera-se, a questão dos subsídios agrícolas será discutida definitivamente. Dessa forma, a continuidade dos subsídios agrícolas ou sua restrição pelo regime da OMC em um futuro próximo como já é notado na aplicação de subsídios dentro dos setores industriais ainda é pauta para os debates no próximo encontro sob a égide da organização. No que tange aos BRICS, observou-se que, apesar de uma série de pontos coincidirem nas agendas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, houve certa divisão de interesses nas questões agrícolas e em determinados setores técnicos 34. Não houve uma coordenação de agendas explícita, conforme evidenciado nas falas dos ministros do comércio dos respectivos países havendo, no máximo, menções gerais a outros países em determinados pleitos comuns. De um lado, China e Rússia buscam na abertura comercial compensações pelos recentes e duros processos de adequação aos regimes da OMC. Índia e África do Sul, por outro lado, se organizam para defender a agenda dos países dependentes da importação de alimentos e da produção subsidiada, fundamentando seus discursos no âmbito social e humanitário da questão da segurança alimentar. O Brasil, por seu turno, busca conciliar, ainda que de forma reticente, a coordenação com o grupo IBAS com os interesses pela abertura multilateral no setor agrícola o que, por outro lado, acaba prejudicando diretamente a articulação com Índia e África do Sul. Diante de tal quadro, conclui-se que afirmar uma atuação conjunta dos BRICS dentro da OMC é ainda precipitado, tendo em vista as inconsistências dentre os posicionamentos individuais. Por outro lado, quando observadas as diversas interseções entre essas agendas, tem-se que tal coordenação mesmo que limitada a algumas áreas não é algo tão distante. 34 OLIVEIRA, Ivan & THORSTENSEN, Vera. Os BRICS na OMC: Políticas Comerciais Comparadas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. IPEA, Brasília, 2012, p. 26.
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