PAROXISMOS NÃO-EPILÉPTICOS
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- Carla Palma Weber
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1 PAROXISMOS NÃO-EPILÉPTICOS Em Medicina, a palavra paroxismo refere-se a um evento clínico caracterizado por manifestações intensas, súbitas, com início e fim determinados. Tais manifestações podem corresponder a alterações súbitas de diversos setores do organismo, em geral, causando disfunções ou hiper-funções de um órgão ou sistema. Os eventos paroxísticos são normalmente referidos como crises, sendo as crises epilépticas apenas um dos exemplos de tais paroxismos. Outras manifestações críticas não decorrentes de epilepsia podem ser citadas, como crise hipertensiva, crise hipoglicêmica, crise asmática, crise tireotóxica, crise histeriforme ou conversiva, etc... Neste texto, abordaremos as manifestações clínicas paroxísticas que mais costumam suscitar diagnóstico diferencial com crises epilépticas. É importante frisar que a crise epiléptica é uma manifestação paroxística decorrente de descarga neuronal intensa, hipersíncrona em uma região definida do córtex cerebral (crise focal ou parcial), ou envolvendo o córtex como um todo (crise generalizada). Se registrarmos o eletrencefalograma (EEG) durante a crise epiléptica, em geral, observaremos descargas características de cada tipo de crise, à exceção de casos raros de epilepsias provocadas por descargas em regiões mais profundas do córtex, com campo inacessível aos eletrodos colocados na superfície do crânio, por exemplo, a epilepsia focal com crises da área motora suplementar, ou do giro do cíngulo. Nestes casos, o diagnóstico pode ser feito pelo conhecimento da semiologia característica destas crises, ou porque as descargas se espraiam para a superfície, podendo ser detectadas mais tardiamente após o início do evento; ou, ainda, podem ser detectadas através do uso de eletrodos profundos, colocados diretamente sobre a superfície do córtex. O achado no EEG que denuncia a presença de uma epilepsia é chamado de paroxismo epileptiforme, nome dado ao potencial anômalo, registrado pelos eletrodos em pacientes epilépticos. Tais anormalidades são também conhecidas como foco epiléptico, embora o nome foco seja mais apropriado para paroxismos epileptiformes focais e, não, para os generalizados, que são registrados em todos os eletrodos da superfície, que cobrem os lobos frontal, temporal, parietal e occipital, bilateralmente. A figura 1 mostra exemplos dos paroxismos epileptiformes mais encontrados na prática clínica. Estes são potenciais em geral mais elevados do que a média das ondas cerebrais registradas em momentos fora da
2 crise epiléptica, com aspecto pontiagudo (pontas ou espículas), agudo (ondas agudas), que podem surgir em associação com ondas lentas (ponta-onda ou onda aguda-onda lenta), ou ocorrer em pequenos agrupamentos, como polipontas ou polipontas-onda lenta. Num paciente com história de epilepsia, a situação mais comum é o registro destes paroxismos epileptiformes esporádicos e de curta duração, sem relação com a presença de crises epilépticas (obs.: uma página do EEG registrado em papel ou uma tela do EEG feito em aparelho digital, no computador, equivale a um tempo de 10 segundos). Tais paroxismos podem ser focais (envolvendo um ou alguns eletrodos do escalpo) ou generalizados (envolvendo todos os eletrodos do escalpo), a depender do tipo de epilepsia que o paciente apresente (focal ou generalizada). Estes curtos paroxismos são uma testemunha de que o paciente apresenta epilepsia e, na prática clínica é muito mais freqüente o registro destes paroxismos epileptiformes esporádicos e curtos, sem relação com as crises no momento do traçado. São chamados de paroxismos epileptiformes inter-ictais (ictus = ocorrência abrupta, crise). Já os paroxismos epileptiformes registrados durante uma crise epiléptica (ictais) têm duração maior, em geral, acima de 10 segundos, são repetitivos e rítmicos, como se mostra na figura 2. A figura 3 mostra o exemplo de paroxismos interictais de pontas e ondas agudas envolvendo os eletrodos temporais anterior, médio e posterior do hemisfério cerebral esquerdo, com campo também registrado nos eletrodos frontais deste lado. A figura 4 mostra um paroxismo ictal generalizado, durante uma crise de ausência (complexos ponta-onda a 3 ciclos/segundo), as quais, no caso particular da ausência infantil costumam ter curta duração; no exemplo da figura, dura aproximadamente 7 segundos. Não é raro se detectar a crise de ausência infantil no laboratório de EEG, quando a criança ainda não iniciou o tratamento, pois elas ocorrem várias vezes ao dia, em curta duração. Em um evento paroxístico não epiléptico o EEG não mostrará quaisquer paroxismos
3 PAROXISMOS EPILEPTIFORMES POTENCIAIS ORIGINADOS DA EXCITAÇÃO DE NEURÔNIOS CORTICAIS QUE COMPÕEM O FOCO EPILÉPTICO TÊM MORFOLOGIA DIFERENTE DA ATIVIDADE ELÉTRICA CEREBRAL NORMAL PONTA OU ESPÍCULA POLIPONTA OU POLI- ESPÍCULA ONDA AGUDA PONTA - ONDA OU ESPÍCULA - ONDA POLIPONTA - ONDA OU POLIESPÍCU LA -ONDA ONDA AGUDA - ONDA LENTA Morfologia dos diversos tipos de paroxismos epileptiformes Figura 1
4 PAROXISMOS EPILEPTIFORMES ICTAIS Figura 2: morfologia dos paroxismos ictais Figura 3: Paroxismos epileptiformes em F7 (temporal anterior E), T3 (temporal médio E), T5 (temporal posterior E), Fp1 (frontopolar E) e F3 (frontal superior E)
5 Figura 4: Crise Epiléptica de Ausência paroxismo epileptiforme ictal do tipo ponta-onda lenta generalizada, em média de 3 ciclos/segundo. Eletrodos: F3 e F4 (frontais superiores à esquerda e à direita), C3 e C4 (região rolândica esquerda e direita), P3 e P4 (parietais à esquerda e à direita), O1 e O2 (occipitais à esquerda e direita), A1 e A2 (referências com potencial zero em relação ao EEG; eletrodos colocados no osso da mastóide) epileptiformes, sejam ictais ou interictais. A seguir, abordaremos os principais eventos paroxísticos que, na prática clínica, suscitam diagnóstico diferencial com epilepsia. Eles correspondem a manifestações
6 motoras súbitas, que podem ser positivas (contraturas musculares), ou negativas (hipotonia ou atonia), bem como alterações sensitivo-sensoriais (por exemplo, parestesias em uma região do corpo, alterações visuais, como alucinações, borramento visual, amaurose súbita, ou alterações do equilíbrio, etc...), alterações psíquicas e comportamentais (exemplo: agitação psicomotora), ou alterações autonômicas (ou vegetativas), como sudorese súbita, midríase, taquicardia ou bradicardia, hiperpnéia, aumento súbito de pressão arterial, piloereção, palidez, cianose. É importante lembrar que todas estas alterações podem ocorrer em crises epilépticas, dependendo da área do encéfalo em que ocorra o paroxismo epileptiforme, ou foco. Mas, dependendo do contexto clínico e da forma de evolução, podese em geral diferenciá-las de uma crise epiléptica sem maiores dificuldades, não sendo sempre necessária a realização do EEG para se definir o diagnóstico. No quadro 1, citamos os eventos clínicos paroxísticos que mais freqüentemente demandam diagnóstico diferencial de epilepsia. PRINCIPAIS PAROXISMOS NÃO-EPILÉPTICOS NA PRÁTICA CLÍNICA SÍNCOPE CRISES DE PERDA DE FÔLEGO DISTÚRBIOS DO SONO CATAPLEXIA (Síndrome Narcoléptica) ATAQUE ISQÜÊMICO TRANSITÓRIO MANIFESTAÇÕES EXTRA-PIRAMIDAIS DISTÚRBIOS METABÓLICOS E INTOXICAÇÕES DISTÚRBIOS DE NATUREZA PSICOGÊNICA Quadro 1
7 SÍNCOPE A síncope é um distúrbio súbito do sistema nervoso autônomo, envolvendo alterações parassimpáticas e simpáticas. O elemento mais importante da síncope é a queda do fluxo sangüíneo encefálico, levando à perda de consciência. A lipotímia seria a ameaça de uma síncope, não havendo perda completa da consciência, nem tantos comemorativos clínicos como na síncope, embora o mecanismo de provocação de ambas possa ser o mesmo. A redução abrupta do fluxo sangüíneo encefálico pode ocorrer por mecanismos diversos, resultando nas diferentes formas ou causas de síncope. Uma simples hipotensão postural (queda abrupta e anormal da pressão arterial ao se assumir a postura ereta, em geral, maior do que 15% do seu valor em decúbito ou na posição sentada). Hipotensão postural pode ser favorecida por desidratação, hipotensão arterial de base, infecções sistêmicas, como um quadro viral, uso de medicamentos hipotensores, doenças neurológicas ou clínicas (como certas neuropatias autonômicas e o diabetes mellitus). Uma outra causa de síncope é a que decorre de alterações no débito cardíaco (síncope cardiogênica), seja por arritmias, por outras alterações da força contrátil do coração (isquemia ou infarto), ou por diversas síndromes cardiológicas (exemplo: síndrome do intervalo QT longo). Perdas de consciência (síncopes) decorrentes de disfunções do coração têm sido denominadas de Ataques de Stooke-Adams. Uma outra forma de síncope é a vaso-vagal, que ocorre por ativação súbita do sistema parassimpático do coração, levando a hipotensão arterial, bradicardia momentânea e, por vezes, vasodilatação generalizada. A ativação do sistema parassimpático pode envolver sintomas gastrointestinais, considerando-se o efeito ativador da acetilcolina neste sistema; assim, o indivíduo pode sentir antes uma náusea que se segue da sensação de desmaio iminente, podendo também ocorrer diarréia e liberação de esfíncter vesical. A síncope vaso-vagal pode ocorrer em diversas situações, em geral, provocada por estímulos visuais aversivos (visão de sangue, ou de ferimentos grandes; estudante de medicina nos primeiros contatos com cirurgias, etc...), ou por dor, associada a aversão ao estímulo, como na pessoa submetida a uma punção venosa. A ativação psicológica ou pelo mecanismo da dor se faz através do sistema nervoso central, estimulando o sistema vagal. Um mecanismo
8 semelhante de ativação periférica do sistema vagal é a manobra de Valsalva que pode ocorrer por vezes de forma acidental, numa súbita inspiração ou expiração forçadas, que leve os receptores de pressão na carótida a uma reação reflexa. Um exemplo desta ocorrência seria a síncope provocada por tosse, ou por uma súbita compressão traumática contra o tórax (ocorrência possível em crianças que se chocam com força em brincadeiras de correr, no recreio escolar). Um outro exemplo de síncope é o da micção, por uma descarga autonômica reflexa associada ao ato e urinar, especialmente na posição em pé, mais comum em homens idosos, ou que tenham uma disfunção autonômica, como em certas neuropatias periféricas. Homens com obstrução uretral por hipertrofia prostática, que fazem força para urinar, têm maior chance de sofres esta sincope, por mudança das pressões intra torácicas no ato de forçar a micção. Pessoas propensas à sincope podem manifestá-la em situações de tempo prolongado em pé, particularmente, pela manhã e sem alimentação adequada (favorecida por hipoglicemia). É o caso de certos indivíduos (mais comum em mulheres) que têm desmaios em filas de espera ou na igreja, assistindo à missa. Muitas vezes, o mecanismo da síncope é complexo, envolvendo uma certa hipotensão postural (em pé) associada a hipohidratação, hipoglicemia e tensão emocional. Uma ocorrência que pode explicar a síncope em indivíduos muito tensos, além da estimulação psíquica ou outros mecanismos associados, é a hiperventilação que pessoas estressadas tendem a apresentar, levando a alcalose respiratória. A hiperventilação pode também provocar hiper-oxigenação arterial, que associada à alcalose respiratória, podem provocar redução do fluxo sangüíneo cerebral e síncope. Neste caso, por causa da alcalose, o paciente pode se queixar de parestesias (formigamento) nos lábios ou em diversas parte do corpo e ainda apresentar sinais de contraturas musculares, semelhantes à tetania, principalmente nas mão (como um sinal de Trousseau), o que leva muitas vezes à confusão com crise epiléptica. A redução do fluxo sangüíneo encefálico durante a síncope provoca depressão da atividade cortical, que pode ser vista ao EEG como um aumento de ondas lentas e redução de ritmos rápidos normais (mas, não, como paroxismos epileptiformes). Esta depressão cortical leva à desinibição de tratos hipertonizantes no diencéfalo e no tronco encefálico, que são normalmente modulados por efeito inibitório cortical (rubro-espinhal, tecto-
9 espinhal, vestíbulo-espinhal), podendo provocar uma postura hipertônica extensora, semelhante a uma crise epiléptica generalizada tônica, ou até mesmo mioclonias maciças dos 4 membros, de origem não epiléptica. Esta ocorrência leva com freqüência ao diagnóstico errôneo de epilepsia, caso a seqüência dos sintomas e suas condições de ocorrência não sejam bem pesquisadas na anamnese, ou caso o médico desconheça esta possibilidade de contraturas musculares na seqüência da síncope. Sintomas da Sincope A perda de consciência na síncope pode ser precedida por alguns sintomas, como sensação iminente de desmaio, escurecimento visual, náuseas, tontura. O organismo pode tentar compensar a ocorrência com uma ativação simpática provocando taquicardia, sudorese fria e aumento da freqüência respiratória. Caso o estímulo provocador seja retirado antes da perda de consciência, o indivíduo poderá se recuperar, tendo tido apenas uma lipotímia. Por outro lado, a síncope pode ocorrer subitamente, com perda de consciência imediata, sem que o paciente tenha noção detalhada dos sintomas prodrômicos. O importante é que a consciência costuma ser recobrada rapidamente, em poucos segundos, ou minutos, após a ocorrência, a não ser que um fator provocador maior ainda esteja em curso, como uma arritmia cardíaca, que mantenha o estado de baixo débito de forma prolongada. Mesmo assim, é comum uma certa recuperação da consciência por ativação simpática compensatória. Isto é outro fator de diferenciação das crises epilépticas que, na maioria das vezes, cursam com comprometimento da consciência ou estado confusional por vários minutos. Durante a síncope, liberação vesical ou anal é possível, não se entrando sialorréia, como nas crises epilépticas. O quadro 2 resume os sintomas mais comuns na síncope, enquanto o quadro 3 resume suas causas mais comuns. Conduta na suspeita de Síncope A anamnese detalhada é o passo inicial para o diagnóstico correto da síncope. Somente com a história e exame físico, o médico poderá orientar o paciente para evitar a síncope, quando o quadro não demandar outras investigações. Ao exame físico, deve-se dar ênfase à pesquisa de sinais de anemia, que favorece a hipóxia cortical em vigência de hipo-
10 SÍNCOPE SINTOMATOLOGIA ESCURESCIMENTO VISUAL SENSAÇÃO DE DESMAIO IMINENTE DIMINUIÇÃO OU ABOLIÇÃO DA CONSCIÊNCIA VIGIL NÁUSEA / VÔMITO PALIDEZ / SUDORESE FRIA TAQUICARDIA REFLEXA Quadro 2 SÍNCOPE PERDA OU COMPROMETIMENTO DA CONSCIÊNCIA DEVIDOS À REDUÇÃO DO FLUXO SANGÜÍNEO ENCEFÁLICO, DECORRENTE DE: ALTERAÇÕES CARDIOGÊNICAS HIPOTENSÃO ARTERIAL/ HIPOTENSÃO POSTURAL DESIDRATAÇÃO / HIPOVOLEMIA / ANEMIA MECANISMOS AUTONÔMICOS (Síncope Vaso-vagal, Síncope da Micção) SÍNCOPE PSICOGÊNICA / HIPERVENTILAÇÃO Quadro 3
11 fluxo sangüíneo encefálico. A ausculta cardíaca, a pesquisa de hipotensão postural, de sinais de insuficiência cardíaca, de neuropatia periférica, ou de um perfil psíquico facilitador são dados importantes, assim como a pesquisa sobre o uso de drogas ou medicações que possam favorecer hipotensão arterial ou postural, bem como, reações disautonômicas. O quadro 4 resume a seqüência da abordagem clínica e de exames complementares que podem ser solicitados na medida da necessidade, quando se investiga um caso de síncope. SÍNCOPE -Investigação- HISTÓRIA CLÍNICA DETALHADA EXAME FÍSICO DETALHADO ELETROCARDIOGRAMA ELETRENCEFALOGRAMA HEMOGRAMA GLICEMIA, CURVA GLICÊMICA, FUNÇÃO TIREOIDEANA DOPPLER CARDÍACO / HOTTER Quadro 4 PERDA DE FÔLEGO As crises de perda ocorrem na infância, preferencialmente, entre 4 meses e 4 anos e são geralmente benignas. São semelhantes a uma síncope no seu mecanismo fisiopatológico, porém, o fator desencadeante é comumente o choro, por uma trauma, leve no mais das vezes e mais comumente no segmento cefálico. A simples contrariedade, levando ao choro, ou, em crianças muito sensíveis, antes que o choro seja percebido, pode provocar a perda de fôlego. A criança inicia o choro em fase inspiratória, sendo este interrompido pela parada respiratória (perda de fôlego), que demora segundos e pode se
12 associar a palidez, ou até mesmo a cianose. A parada respiratória é normalmente revertida de forma espontânea, ou com estimulação dos pais, voltando a criança a chorar, em fase expiratória. Em algumas crianças, esta recuperação não se dá e a perda de fôlego chega a uma verdadeira síncope, com perda da consciência, que pode se seguir de postura hipertônica, ou mioclonias nos quatro membros, liberação de urina, ou até de fezes, simulando uma crise epiléptica. Ao retomar a consciência, é comum que a criança fique chorosa e às vezes sonolenta, o que também é um fator de confusão com o pós-crise epiléptica. O importante é se certificar que a seqüência de mecanismos que levam à perda de fôlego sempre se repete e que a criança se mantém bem entre os eventos, sendo estes provocados e nunca espontâneos. O exame neurológico é normal, assim como o EEG e as drogas antiepilépticas não têm efeito no controle das crises de perda de fôlego. Crianças muito sensíveis do ponto de vista emocional, ou com pais super-ansiosos, podem ser mais propensas a estas manifestações. Um mecanismo inconsciente de controle da atenção dos pais e da família parece estar envolvido em muitos casos, de modo que a orientação para que não se manifeste muita preocupação com a criança nas crises, ou que a mesma seja estimulada com vistas à interrupção da crise, de forma táctil, com um ruído (bater palma), ou mesmo com o molhar da face com água fria. Crianças caçulas, filho único, filhos de pais etilistas, ou que vivam em ambiente conturbado do ponto de vista emocional são mais propensos a tais manifestações. Um exame físico detalhado deve ser feito, para se descartar anemia, que é favorecedora das crises de perda de fôlego mais graves, ou alterações cardiológicas e neurológicas. A investigação dos casos mais rebeldes inclui um hemograma, um EEG e um eletrocardiograma, especialmente na procura de Síndrome do Intervalo QT longo. Orientação psicológica da criança e da família é necessária em casos mais intensos, ou quando se detectam mecanismos psicogênicos importantes na etiologia do quadro. DISTÚRBIOS DO SONO Os distúrbios do sono que mais levam a diagnóstico diferencial com Epilepsia são as parassonias do despertar, como o sonambulismo e o terror noturno, além do distúrbio comportamental do sono REM. No caso do sonambulismo, há um despertar parcial em
13 meio ao sono profundo de ondas lentas (fase N3), levando à deambulação e comportamento automático, inclusive fala, mais ou menos desconexa, olhar vago, podendo a pessoa abrir portas e janelas, urinar em local inadequado, abrir a geladeira, pegar alimentos, acender fogo, etc... Assim, há um potencial de risco de ferimentos no sonambulismo. O indivíduo retornará espontaneamente ao sono normal, por vezes, indo dormir em local diferente de sua cama. Se for tentado o despertar forçado da pessoa durante o sonambulismo, ela poderá ter comportamento agressivo reflexo e permanecer mais tempo no estado confusional. O principal diagnóstico diferencial é com crises parciais complexas (do lobo temporal). Estas costumam ter menor duração (poucos minutos), enquanto o sonambulismo pode ser estender por até uns 30 minutos. No curso das crises parciais complexas, pode haver envolvimento de área motora, ou generalização secundária, resultando em uma crise generalizada tônico-clônica, o que as diferenciaria bastante do sonambulismo. Vômitos e liberação de esfíncteres são também mais comuns no contexto de crises epilépticas que simulem o sonambulismo e estas ocorrem a qualquer hora da noite, enquanto o sonambulismo é mais freqüente nas primeiras horas de sono. O distúrbio comportamental do sono REM é uma parassonia decorrente de ausência de inibição muscular esquelética característica do sono REM, levando o indivíduo a se movimentar intensamente durante os sonhos. Isto pode implicar em acidentes com o próprio paciente, ou agressão do parceiro de cama. Ao despertar de um evento destes, o paciente tem consciência de que estava sonhando e recupera sua consciência normalmente, ao contrário do que se observa na maioria das crises epilépticas com automatismos, que ocorrem durante o sono. Outro distúrbio do sono que gera diagnóstico diferencial com epilepsia são as hiper-sonolências episódicas, em especial, a narcolepsia. Esta é uma disfunção do mecanismo do sono REM, que leva a ataques incontroláveis de sono durante o dia, podendo se acompanhar, ou ocorrer de forma dissociada, de episódios de inibição intensa do tônus muscular, com queda súbita ao solo, mantendo-se consciente. Tais fenômenos são conhecidos como cataplexia, que é uma intrusão dos mecanismos de hipotonia muscular, característicos do sono REM, durante a vigília. Isto leva a diagnóstico diferencial com crises epilépticas atônicas. Outras manifestações que compõem a síndrome narcoléptica são as alucinações hipnagógicas e a paralisia do sono. As primeiras são alucinações visuais,
14 auditivas ou somestésicas, que o indivíduo apresenta em vigília ou sonolência, mantendo-se consciente e com capacidade de crítica em relação ao próprio sintoma. São intrusões de mecanismos complexos do sono REM, inclusive dos sonhos, durante a vigília, e suscitam diagnóstico diferencial com crises epilépticas focais. A paralisia do sono pode acometer indivíduos normais, sendo um episódio de hipotonia intensa, com incapacidade de se movimentar, ao despertar pela manhã, ou durante o sono noturno. Dura poucos segundos ou minutos e corresponde também a uma intrusão de mecanismos inibitórios da musculatura esquelética, característicos do sono REM, perpetuando-se na vigília. Raramente leva a confusão com crise epiléptica. A síndrome narcoléptica completa inclui os ataques incontroláveis de sono, os episódios de cataplexia, de paralisia do sono e de alucinações hipnagógicas, embora possa ocorrer de forma mais incompleta, sem todos estes comemorativos. ATAQUE ISQUÊMICO TRANSITÓRIO Os ataques isquêmicos transitórios (AIT) são manifestações motoras (paresias ou plegias), sensitivo-sensoriais (amaurose, escotomas visuais, parestesias...), autonômicos (tipo síncope, por exemplo) ou envolvendo funções corticais superiores (como afasia, amnésia, etc...), provocados por isquemia transitória em diferentes territórios do encéfalo. Têm duração curta (segundos, minutos a poucas horas), revertendo-se completamente, sem déficits residuais, o que os diferencia dos acidentes vasculares encefálicos (AVE). Sua duração é comumente maior do que a das crises epilépticas e ocorrem em indivíduos com propensão para doença vascular encefálica, ou com alterações sistêmicas que propiciem os AVEs, como arritmias cardíacas, estenose da artéria carótida, estados hiper-osmolares, hiperglobulias, diabetes mellitus, etc... ALTERAÇÕES EXTRAPIRAMIDAIS Diversas síndromes do sistema extrapiramidal podem suscitar diagnóstico diferencial com epilepsia, pela ocorrência de movimentos anormais, em geral, de caráter súbito, paroxístico, ou intermitente, assemelhando-se a uma convulsão. Destacam-se
15 principalmente neste grupo as distonias paroxísticas, as mioclonias subcorticais, os tiques, o balismo e a coréia. Para o diagnóstico diferencial, é necessária experiência clínica na observação do distúrbio do movimento, dados de desaparecimento com o sono e aumento com stress emocional, comuns nos transtornos extrapiramidais, ou achados que acompanham certas síndromes deste grupo, como rigidez ou alterações em outros exames complementares (por exemplo, alterações de neuroimagem em distúrbios secundários a lesões extrapiramidais, alterações em provas de atividade inflamatória, como na Coréia de Sydenhan, achados específicos em certos quadros, como aumento do cobre plasmático na doença de Wilson, etc...). A história familiar também pode ser importante uma vez que algumas destas síndromes têm forte base genética, como a Coréia de Huntington. DISTÚRBIOS METABÓLICOS E INTOXICAÇÕES Diversos distúrbios metabólicos podem gerar transtorno de consciência ou alterações autonômicas que implicam diagnóstico diferencial com crises epilépticas. Destacam-se na prática clínica os seguintes transtornos: crise hipoglicêmica (palidez, sudorese fria, taquicardia, distúrbios de consciência), torpor ou coma hepático (alteração de consciência, flapping e asterix, que se confundem com mioclonias) e a uremia (alteração de consciência, estado confusional, coma, mioclonias). Intoxicações por drogas ilícitas ou por medicamentos podem também gerar estado confusional e de agitação psicomotora, bem como, disautonomia e coma (cocaína, canabinóides, beladona, tricíclicos, barbitúricos, benzodiazepínicos...), por vezes, suscitando diagnóstico diferencial com crises epilépticas. A síndrome de abstinência alcoólica, embora possa ocorrer com francas crises epilépticas, pode se manifestar com alterações autonômicas (hipertermia, midríase, hipertensão arterial, sudorese), tremor, alucinações visuais (comum a visão de bichos), estado confusional e agitação psicomotora, de origem não epiléptica. O EEG é importante na diferenciação do quadro, principalmente pela possível ocorrência de crises epilépticas focais simples, complexas ou generalizadas, em associação com a abstinência etílica. Os etilistas também têm maior risco de apresentar a Encefalopatia de Wernick, por deficiência crônica de Vitamina B1, gerando um quadro de confusão mental ou coma e
16 alterações da motricidade ocular, que podem necessitar de diferenciação com crises epilépticas. QUADROS PSIQUIÁTRICOS As chamadas pseudocrises epilépticas de origem psicogênica podem surgir no contexto de simulações ou de conversões. As manifestações são predominantemente motoras e de aspecto semelhante a convulsões tônicas ou clônicas, bem como, simulando crises posturais ou de automatismos motores bizarros do lobo frontal. Em geral, a duração do evento é muito maior do que a das verdadeiras crises epilépticas, o paciente mostra resistência voluntária à abertura ocular e tanto o início quanto o final destas podem ser induzidos pelo médico. Pacientes que tenham convivido com epilépticos são mais propensos a manifestarem pseudo-crises epilépticas de origem psicogênica, por vezes, imitando com muita precisão uma determinada manifestação convulsiva. As quedas com ferimento são mais características das verdadeiras crises epilépticas, assim como, a liberação de esfíncteres, embora isto também possa ocorrer em pseudocrises. É necessária a pesquisa de fatores psicogênicos que levem a esta manifestação e um contexto traumático prévio ou atual pode estar no histórico de muitos destes doentes, como antecedentes de abuso físico e sexual. É ainda importante destacar que pacientes epilépticos também podem ter pseudocrises epilépticas, seja por mecanismos de conversão, ou por ganho secundário com a epilepsia. A abordagem destes pacientes é feita em conjunto com a psiquiatria e um vídeo-eeg para a distinção entre os dois tipos de crise pode ser necessário.
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