ESPETACULARIZAÇÃO OU LAÇO SOCIAL? CONSIDERAÇÕES DE DEBORD E MAFFESOLI SOBRE AS PROPAGANDAS QUE ANUNCIAM E ANTECEDEM A ESTRÉIA DE UMA TELENOVELA.
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- Juliana Neusa Almeida Martins
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1 ESPETACULARIZAÇÃO OU LAÇO SOCIAL? CONSIDERAÇÕES DE DEBORD E MAFFESOLI SOBRE AS PROPAGANDAS QUE ANUNCIAM E ANTECEDEM A ESTRÉIA DE UMA TELENOVELA. Mario Abel Bressan Junior 1 RESUMO O presente artigo visa a obter uma análise das propagandas que anunciam e antecedem a estréia de uma telenovela, as quais são veiculadas desde o primeiro teaser até a descrição completa dos principais personagens inseridos no contexto teledramático. O estudo procura responder, dentro das linhas de Debord, Maffesoli e outros autores, quais considerações se sobrepõem ao objeto estudado: espetáculo, laço social e imaginário. Faz-se, então, um recorte das contextualizações de Debord, através da obra A Sociedade do Espetáculo, e também do pensamento de Maffesoli, com o texto A comunicação sem fim, teoria pós-moderna da comunicação. Com base nas discussões pesquisadas dos autores, consegue-se obter uma análise de dois comercias da novela América, delimitando-se o estudo. O primeiro é um teaser veiculado na tevê algumas semanas antes de estrear a telenovela; o segundo é um comercial, dias antes do início da trama. Desta forma, será possível responder, através de análise e pontuações, o objetivo da pesquisa. Palavras-chave: Sociedade do Espetáculo, Imaginário, Telenovela. A telenovela, o irreal e o laço. Sabe-se que a telenovela torna-se um grande acontecimento social, o que resulta em algumas análises importantes sobre este mecanismo. São milhões de pessoas que acompanham e discutem tramas, personagens, histórias etc. Todas em busca de algo que não faz parte do seu cotidiano, mas que exerce forte influência no imaginário coletivo. O homem vive no imaginário. Cada um possui uma rede de pensamentos e sensações que irão fazer parte do imaginário social. Para Machado da Silva (2003), o imaginário pode ser considerado um reservatório e motor ao mesmo tempo, onde se guardam sentimentos, lembranças e experiências. O motor, neste ponto, seria uma força que 1 Professor graduado no curso de Comunicação Social - Habilitação Publicidade e Propaganda pela Unisul.
2 impulsiona indivíduos ou grupos a uma busca da realidade. As pessoas agem porque são inseridas em correntes imaginárias. É do conhecimento geral que o homem primitivo sempre buscou representações para se comunicar através de desenhos em cavernas, a fim de expressar um sentido. A novela vem justamente representar essa carga de sentidos e sentimentos transportadas por imagens e sons. Com o aparecimento da TV, as imagens ganham corpo e notoriedade. O fascínio do som, juntamente com as imagens, aparecem em momentos em que a sociedade estabelece regras de comportamentos, ou seja, tudo gira em torno da transmissão da irrealidade. É nesse ponto que se começa a observar a imagem como espetáculo e cimento social. A cultura na sociedade pode ser considerada um reflexo teledramático, onde os telespectadores buscam reproduzir situações inseridas no contexto da trama, aderindo a estilos, vocabulários e expressões pontuadas pelas novelas. As narrativas nestas obras passam a ser fundamentais para a mediação cultural. Para Barbero (2003, p. 195), estamos diante de um novo modo de comunicação que é a narrativa de gênero. Para ele, o gênero vem estabelecer um funcionamento que atravessa os modos de produção e de consumo. Ou seja, na telenovela, a produção é realizada e o consumo é imediato. Não só bens materiais, como também, representações e estilos de vidas, sonhos e necessidades. A telenovela não pode ser considerada como simplesmente melodrama. Ela é como destaca Pallottini (1998), uma convergência de mídias, pois há elementos do teatro, do cinema, do rádio e da literatura de folhetim. Segundo Melo (1998), os brasileiros gostam de teledramaturgia porque se identificam com histórias e personagens apresentados. Há elementos inseridos na trama que lembram a vida real. Isto já começa a ser observado nas chamadas que anunciam e antecedem uma nova história. O telespectador visualiza neste espaço fragmentos de sua vida real, identificando-se com personagens e histórias. Nestes comerciais, como também nas telenovelas e no cinema, observa-se um imaginário alimentado pelo estereótipo, pelo poder, pela cultura e pelo mito. Quando uma novela está para terminar, centenas de pessoas pensam em como será a novela substituta. Será que vai ser legal? Como será? Uma série de perguntas surgem para dar lugar ao vazio desencadeado com o término da atual. Um aspecto bastante importante é a utilização da propaganda como persuasão e apresentação da nova produção. A Rede Globo, quatro semanas antes de terminar uma telenovela das 20 horas, coloca no ar várias chamada que visam a informar ao público sobre a substituta produção. Logo, o objeto desta análise é a novela III da emissora, por ser ela o
3 carro-chefe do ponto de vista teledramatúrgico. Tudo começa com alguns teasers, que, na linguagem da propaganda, são considerados bons caminhos para a persuasão. Tratam-se de comerciais que indicam algo a ser anunciado, mas não revelam o produto, ou seja, o anunciante. O público fica na expectativa, ansioso para conhecer o produto anunciado. Assim funciona também a estratégia da Rede Globo ao anunciar seu próximo enredo. Definindo como objeto a novela das 20h, delimita-se mais a análise com vistas à observação de dois comerciais que antecederam a estréia da novela América, novela de Glória Perez, substituta de Senhora do Destino, um grande sucesso no horário nobre. Para tanto, o uso da persuasão tende a ser fundamental, buscando unir os milhões de telespectadores em suas salas para acompanhar a trajetória de Sol, Tião e demais personagens da novela em questão. Diante dessa linguagem publicitária utilizada, começa-se a observar imagens que transpõem todo o cotidiano de histórias. Essas imagens vêm alimentar o imaginário social, transpondo para um espetáculo e uma junção social. Afinal, muitos se agendam aguardando os primeiros capítulos da novela para se sentirem inseridos num novo enredo, numa nova ficção real. É essa ficção real que remete Debord à sociedade do espetáculo. A imagem, nesse caso, vem substituir a realidade, fazendo com que a sociedade deixe de viver o real e presencie a ilusão. Isso se confirma em uma de suas teses, quando diz que tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação (DEBORD, 1997, p.13). Para Maffesoli (2004), esta representação não deixa de ser um elemento de comunicação e informação, em que as pessoas compreendem a mensagem, ou seja, identificam na transmissão da mensagem fatores que agregam apego a seu dia-a-dia, amor, conquista e valores sociais. Heidegger (apud Maffesoli), sintetiza: compreender é vibrar. É essa vibração que se pode analisar fortemente no pensamento de Maffesoli. Se a comunicação propõe uma relação primum relationis, remete a uma sociedade da informação, em que as pessoas só são o que são na relação com outros indivíduos. E a telenovela, pode-se dizer, é uma forte ferramenta para esta contextualização. É, segundo Maffesoli, estar em relação com o outro através de um mundo em comum. Um outro aspecto a ser observado diante da sociedade do espetáculo é o fato de Debord afirmar que o espetáculo é apresentado como a própria sociedade, como instrumento de unificação (DEBORD, 1997, p. 14). Para ele, o espetáculo como objeto da sociedade é o setor que compõe todo olhar e toda consciência. É a ilusão refletida numa falsa consciência. Seria possível comprovar esta tese analisando-a no objeto deste estudo, nos comerciais
4 televisivos da novela América? O que se passa com os apelos persuasivos do teaser e demais propagandas inicia na sociedade um ponto de vista de unificação, junção do espetáculo com a própria sociedade? Os autores pregam que um olhar iludido é transposto, uma falsa consciência é vitalizada. As pessoas começam a enxergar os personagens que em breve estarão fazendo parte do cotidiano delas. Diante destes aspectos, ressalta-se o imaginário como um estudo necessário para entendermos, também, como as pessoas se vêem e como nos vemos. Assim, reconhecendo e identificando características da realidade social. Para Maffesoli (2001), na história da humanidade, o imaginário ganha ares pejorativos e em geral é considerado como fantasia, ilusão, irrealidade. Para Durand (2002, p. 14), o imaginário faz parte de todas as civilizações, sendo essencial para entender um povo. Para ele, o imaginário é o conjunto das imagens e das relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens. A passividade diante do espetáculo é muito abordada por Debord. O espetáculo surge, emerge, sem informar se é bom ou ruim. As pessoas simplesmente aceitam. O mundo tratado pelos comerciais de estréia de uma telenovela é uma aceitação passiva da sociedade. Todos visualizam um mundo novo inserido na história a ser iniciada. O interessante desta contemplação é descrita por Debord (1997, p. 162): cada qual é filho de suas obras, e do jeito que a passividade faz a cama, nela se deita. É notório o grande índice de passividade humana diante dos fatos. Não há contestação. Mas há um outro lado que diz que a vida social se banalizaria se não houvesse o espetáculo. Talvez essa seja a grande chave de explicação da passividade: as pessoas esperam em suas casas mais um espetáculo teledramatúrgico, para questionar, vivenciar juntamente com a ficção dos fatos e também para se unirem em cimento social. Segundo Maffesoli (2004), as pessoas não almejam só informação na mídia, fundamentam-se na participação, na discussão cotidiana sobre o rumo da protagonista, o desfecho do vilão. E os comerciais que antecedem a estréia da novela têm muito a ver com esta participação em comum. Muitos começam a identificar, já através do comercial, o perfil de cada personagem, a história de cada um, e, a partir de então, fomentam informações com familiares, amigos e vizinhos sobre o que está para surgir. A passividade é deixada um pouco de lado neste caso, sendo substituída pela ansiedade de ver, ouvir e discutir outra história. Para melhor entendimento e justificativa da proposta deste estudo, considera-se importante analisar pelo menos duas chamadas da novela América, para se ter uma dimensão dos objetos a serem pesquisados. É bom justificar que será utilizada, na análise, duas
5 chamadas de uma única novela, mas como sugestão para o estudo completo, dissertativo, serão escolhidos outras chamadas que antecederam a estréia de suas novelas, para traçar contextualizações históricas, culturais e com grande apelo para o entendimento da construção social através destes caminhos. Com o exemplo seguinte, começa-se a entender melhor a utilização destes comerciais para a análise social. Consegue-se compreender características da sociedade no âmbito da comunicação. Aplicação do objeto na análise Como objeto para ilustrar este estudo, são analisados a seguir dois comerciais (chamadas) da novela América, que antecederam sua estréia. O primeiro refere-se ao teaser, comercial de quinze segundos, divulgado cerca de quatro semanas antes do primeiro capítulo da novela. O segundo comercial, com duração de dois minutos e quarenta e cinco segundos, veiculado após o Jornal Nacional, quatro dias antes do início da nova trama de Glória Perez. Para melhor aproveitamento da análise, segue a exposição das chamadas, que serão divididas e apresentadas em quadros descritivos diferentes. Comercial 1: Teaser Quadro Quadro 1 Descrição da cena Trata-se de uma imagem de um céu azul, com montanhas, onde a narração é feita por uma mulher, neste caso, pela personagem Sol, de Deborah Secco. Sem mostrar seu rosto, a mensagem é transmitida através de um texto onde ela descreve a importância e a busca de seu sonho. Como é um teaser, não é identificado o nome da novela América, justamente para causar suspense. Comercial 2: Quadro Quadro 1 Descrição da cena O comercial inicia com o nome América em destaque, identidade visual, com a locução de entonação forte para que os telespectadores possam ver e ouvir a mensagem. O primeiro personagem a ser descrito é Acácio, pai de Tião. Com imagens das primeiras cenas da novela, o locutor fala: Acácio foi para a cidade grande tentar ganhar a vida no garimpo, mas nunca mais voltou para a sua família. Enquanto a locução narra os fatos, uma série de imagens, como a família do personagem e uma explosão no garimpo,
6 Quadro 2 Quadro 3 Quadro 4 Quadro 5 Quadro 6 Quadro 7 são mostradas para conhecimento do público. Logo em seguida, o personagem Tião, quando criança, fala ao avô: Meu pai morreu, vô. Após, a locução diz que o tempo passou, que Tião se tornou um grande peão de rodeio e que cuida com muito carinho de seu irmão Geninho, sua mãe Maria José e de seu avô Zé Higino. Com uma seqüência de efeitos e cores, Tião transportado para o futuro, remetendo a algumas características de seu personagem. O ritmo muda com a seqüência, e Tião é colocado como uma fera dos rodeios, pois imagens dele como peão são mostradas. A locução diz: Mas essa fera dos rodeios não consegue dominar seu coração desde que encontrou o amor nos braços de Sol. Enquanto descreve o seu amor (personagem Sol), cenas dos dois são mostradas, com abraços e beijos, e a imagem final dos dois juntos é num lago. Após, é iniciada a descrição da personagem Sol, que afirma para Tião ser ele o homem mais doce que ela já conheceu. A narração faz forte entonação quando se refere à personagem, dizendo: Uma jovem que deseja morar nos Estados Unidos e que para isso está disposta a se envolver nas armações do ambicioso Alex. Nesse espaço são colocadas imagens dela com a família, vivendo em um lugar considerado humilde, mas quando a referência é os Estados Unidos, as imagens transmitidas proporcionam o entendimento de potência, riqueza e sucesso, adjetivos a que almeja a personagem Sol. Com a identificação de um outro personagem, tem-se o conhecimento de um vilão, devido à descrição de ambicioso e também às imagens que são mostradas em sua apresentação, relacionadas a dinheiro, ganância e interesse. A locução começa com a seguinte descrição: Quem também não vê a hora de embarcar para a América é o empresário Glauco Simões, que espera dar uma boa vida a sua esposa Haydée e sua filha Raíssa. Neste espaço são mostradas imagens deles em ambientes sociais privilegiados, com carros importados, iates, helicóptero, prédios e boas roupas. Mas tem muita gente que já mora por lá há muito tempo, como a simpática Consuelo. Com essa declaração, o ritmo do som e das imagens muda e a descrição passa a ser dos personagens que moram em Miami, como a dona da pensão, Consuelo. Para identificação dessa personagem, a música de fundo é mais alegre, imagens de Nossa Senhora de Guadalupe são apresentadas, e também os brasileiros que com ela moram. Novamente o ritmo é transportado para o sentimental: Mas só que muitas pessoas acreditam que a felicidade está aqui mesmo, bem perto de casa e lutam para vencer as dificuldades que surgem pelos caminhos. Imagens de outros personagens que trabalham, lutam, que são felizes e que também sofrem com o preconceito e as desigualdades são apresentadas, como as cenas em que são identificados os personagens com deficiência visual, dando o entendimento deste contexto que o nosso país oferece a sua população. Prepare-se para uma história de paixões e desafios sem fronteiras, uma história emocionante como você sempre sonhou. Imagens de outros
7 Quadro 8 Quadro 9 personagens são mostradas novamente, num ritmo musical mais intenso, alegre, dando movimento às imagens. A personagem Sol ainda destaca em sua fala: Desde que eu sou pequenininha é que eu sonho em ir para os Estados Unidos, e eu vou chegar lá!. A locução informa: Nesta segunda, estréia, a nova novela das oito, de Glória Perez: América. E novamente outras imagens de personagens e momentos da história são remetidas ao telespectador. O que se percebe no teaser, em um único quadro, é a valorização de um sonho através de imagens e texto que possam agregar valor a esta busca. Maffesoli (2004, p. 20) diz que a comunicação é a cola do mundo pós-moderno, e que essa junção se dá através do simbolismo arcaico. Para ele, a pós-modernidade representa estar junto diante das novas tecnologias em interseção com o arcaico, ou seja, o retorno a sentimentos e sentidos antigos. E o que almeja a personagem analisada no comercial, se não essa volta à emoção, partilhada à busca de um ideal para si e sua família? Certamente velhos anseios são valorizados neste mundo pós-moderno, onde se buscam valores, crenças e afetos, os quais formam um conjunto politeísta de experimentações pessoais. Um outro ponto a ser analisado no teaser é o suspense que ele proporciona, deixando os telespectadores ansiosos para saber do que se trata no comercial. Alguns logo percebem que o contexto se refere a uma nova novela, talvez pela linguagem utilizada e o reconhecimento da voz da atriz. Neste ponto, o público começa a perceber a nova história que está para chegar. Através da mensagem, dá-se início a uma noção do enredo, devido à utilização de palavras-chave no texto, como sonhos, conquistas e família. Em relação às cenas descritas nos quadros um e dois, percebe-se a forte influência da imagem, e, segundo Debord (1997, p. 14), o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens. Mais uma vez a relação social aparece neste contexto, sob a ótica de Maffesoli,ou seja, o estar em conjunto. Vale ressaltar, neste ponto, a descrição da mensagem destes quadros. A chamada inicia identificando a trajetória do protagonista da história, o personagem Tião. Com a locução e as imagens veiculadas, tem-se a idéia do contexto dramático a ser explorado pela novela. Considerando Debord (1997), evidencia-se a forte relação das imagens mediando as pessoas. Com isso, é possível deixar de viver a realidade e viver a ilusão. As pessoas teletransportam-se para uma irrealidade e acabam vivenciando-a. Surgem as primeiras identificações com o personagem, devido às características dele apresentadas: bom caráter, que cuida da mãe, do
8 irmão, do avô e que perde o pai quando criança. O espetáculo, para Debord, passa a receber forma. Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência a fazer ver (por diferentes mediações especializas) o mundo que não se pode tocar diretamente, serve-se da visão como o sentido privilegiado da pessoa humana o que em outras épocas fora o tato; o sentido mais abstrato, e mais sujeito à mistificação, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual (DEBORD, 1997, p. 18). Seguindo o raciocínio de Debord, as imagens, mesmo sendo simples, transfiguram a realidade humana numa projeção abstrata. São motivadoras de uma hipnose coletiva, generalizada. Para ele, o espetáculo confundiu a realidade ao irradiá-la (1997, p. 173). É também importante destacar o sentido de comunicação e informação para Maffesoli. Neste estudo, precisa-se conhecer o valor real destas palavras para serem destacadas na análise. Assim, para ele, comunicação e informação são expressões que estão em destaque, uma vez que proclamam conteúdos necessários para a época atual. Enfatiza o autor: Caso se dê à palavra informação o seu verdadeiro sentido etimológico dar forma -, não haveria diferença entre informação e comunicação. Informar significa ser formado por Trata-se da forma que forma, a forma formante. (MAFFESOLI, 2004, p. 21). Diante deste contexto, consegue-se identificar que a mensagem em estudo é conceituada por Maffesoli como uma informação e que esta deve dar forma. Nesses primeiros quadros, o que acontece é justamente a forma que forma, a forma formante a que Maffesoli se refere, ou seja, inicia-se uma concepção: o comercial passa a dar sentido, um formato, um conhecimento para o público, e a mensagem verbal também une e faz junção. Nos quadros três e quatro, pode-se avaliar o sentido do amor e a trajetória da protagonista (Sol) em busca de seus sonhos, não limitando contato com pessoas com caráter duvidoso, como é narrado nas cenas em destaque. O amor vem para fazer referência à sociedade, onde tudo se volta a questões amorosas. Como em toda história, o vilão é parte integrante para o bom andamento do enredo, devendo estar sempre como antagonista. Esse duelo do bem contra o mal, os encontros e desencontros vivenciados pelo amor são elementos espetaculares que remetem o telespectador à falsa consciência de visualizar somente a passividade a sua volta. Fatores outros, importantes também para a análise, dizem respeito ao valor dos efeitos e sons dessas imagens, criando no imaginário das pessoas sensações e identificações
9 idealizadas para o cotidiano. De acordo com Maffesoli (2004, p. 23), essa intersecção com o imaginário significa ser mais do que ver, a gente quer se ver na tevê. As pessoas se espelham nos personagens, desejando o mesmo relacionamento amoroso. E o autor complementa: o gosto atual, intenso, pelas imagens pode levar a estabelecer os laços entre comunicação, informação e imaginário. Vale lembrar: o imaginário é a partilha, com outros, de um pedacinho do mundo (MAFFESOLI, 2004, p. 26). As cenas dos quadros cinco, seis e sete propõem o conhecimento de personagens importantes para a história, como o empresário Glauco Simões e sua família. Dentro da perspectiva do espetáculo, verifica-se, neste contexto da novela, a formação e o enaltecimento do fetichismo da mercadoria. Para Debord, a produção capitalista é um agravante econômico responsável por grande parte da formação do espetáculo. A dominação da economia é fortemente visível nesta sociedade atual. A dominação da mercadoria sobre a economia exerceu-se primeiro de um modo oculto, pois a própria economia, como base material da vida social, era despercebida e incompreendida, a exemplo do parente com que convivemos e que não conhecemos... Com a revolução industrial, a divisão fabril do trabalho e a produção em massa para o mercado mundial, a mercadoria aparece como uma força que vem ocupar a vida social. (DEBORD, 1997, p. 30). Como as pessoas são mediadas por imagens no espetáculo, na apresentação do quadro cinco, também o público é mediado por imagens que descrevem a realidade brasileira do ponto de vista econômico. Trata-se de uma família com grande poder aquisitivo e que transpõe à sociedade a vontade de ter, possuir e viver como os personagens. Conforme Debord, o princípio do fetichismo da mercadoria se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens que existe acima dele (1997, p. 28). Tudo a nossa volta torna-se produção. O consumismo é ato concreto da realidade. Num outro quadro, a mercadoria é a simpática Consuelo, um estereótipo de herói, que, segundo Maffesoli (2004), traz à discussão a formação de aldeia, de tribalização, visto ser uma típica brasileira com descendência mexicana, mas que, em América, leva alegria e conforto aos brasileiros. Causa efeito nos telespectadores por suas características individuais, pelo seu jeito, porém nunca esquecendo o lado latino de ser, agir e vestir. A música que dá sentido ao ritmo das cenas também sugere a esta identidade nacional. Analisando o quadro sete, percebe-se um conjunto de personagens que irão dar outros enfoques à história. A narração é feita para identificar no público a carga de emoção
10 que está por vir, destacando que as personagens assemelham-se às pessoas que vivem no Brasil e que apresentam alegrias e dificuldades. No quadro seguinte, é remetida aos telespectadores uma espécie de agenda, a qual ordena: prepare-se. Neste ponto, são levados ao público alguns fatores essenciais da trama, como história emocionante, sem fronteira, como você sempre sonhou. O substantivo sonho vem trazer uma retrospectiva abordada no teaser, em que se almeja o alcance de um sonho. As imagens transmitidas por essa seqüência propõem a emoção, a aventura, o amor e outros pontos de perseverança, como afirma a personagem Sol, sobre a sua determinação em ir para a América. Diante de tais colocações, Maffesoli (2004, p. 27) vem destacar a importância da emoção para a vibração em comum, em sociedade. Os jornais, as emissoras de rádio, a televisão, internet, todos fornecem torrentes de material, mas cada um absorve algo, um fragmento que faz sonhar, estabelecendo-se uma comunidade espiritual, um grupo virtual de afinidades. Certas cenas tocam o coração, atingem o estômago, provocam reação. Essa vibração, mais uma vez, cria comunidade. Novamente, então, volta-se ao arcaísmo diante das novas tecnologias. Mesmo tendo uma corrente virtual, a presença de afinidades e sentimentos faz parte do cotidiano popular. Nestas imagens analisadas, presencia-se a emoção, pois são cenas que tocam o coração das pessoas e que certamente provocam vibração. Esta reação não deixa de ser elo social, ponto em comum na sociedade. Para Debord (1997, p. 207), o espectador que contempla essas imagens é alienado: Quanto mais ele contempla, menos se vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. No espetáculo, este laço social transforma-se em alienação, não compreensão da existência. Isto ocorre devido à necessidade transferida para o telespectador em reconhecer-se na contemplação. O fetiche da mercadoria é que impulsiona o indivíduo à alienação. No último quadro, reafirma-se o compromisso da informação com o público, destacando a data da estréia e que se trata da nova novela das oito. Eis o ponto essencial para a análise, devido à grande aceitação da sociedade desta programação televisiva, conforme comprovado em pesquisas de audiência. A informação aqui é inserida novamente como forma formante e cimento social, ligando milhões de brasileiros para assistir à novela e comentar, tirar conclusões sobre a nova trama da 20 horas. Maffesoli justifica esta afirmação, dizendo que as pessoas não querem só informação na mídia, querem participar, e mais do que saber
11 sobre os acontecimentos mundiais, o telespectador, distante destes mundos, deseja coisas não muito sérias, mas não menos importantes para a sociedade. O leitor está louco para saber o final da novela ou como foi tal festa num clube da moda. A sociedade da informação, portanto, pode até fazer crer que o mais importante são os seus jornais, televisões e rádios, mas no fundo o que conta é a partilha cotidiana e segmentada de emoções e de pequenos acontecimentos. (MAFFESOLI, 2004, p. 23). Neste contexto, percebe-se a televisão e os comerciais descritos como atuais tecnologias do imaginário. Machado da Silva (2003, p. 69) explica que as tecnologias do imaginário ora se apresentam como meios (rádio, televisão), ora como procedimentos, técnicas ou disciplinas (publicidade) ou, finalmente, como formas de expressão (literatura). Algumas destas manifestações confirmam a importância de se aprofundar mais nestas correntes imaginárias, correlacionando com a formação do espetáculo e com as considerações de Maffesoli sobre a comunicação. A TV surge como tecnologia do imaginário para unir as pessoas em cimento social. Pode-se dizer que mesmo as outras tecnologias (livros, teatro, rádio e literatura) estão impressas neste formato televisivo. É a união de forças para produzir no telespectador reações e sentimentos destacados na análise anterior. As chamadas que anunciam e antecedem a estréia de uma nova novela são os impulsionadores iniciais, como dizia Machado da Silva (2003), motores que produzem num primeiro momento as impressões sobre a próxima trama. CONCLUSÃO Diante de toda observação apresentada, fica claro perceber que todas essas imagens refletem a contextualização abordada nas análises. De um lado, há o espetáculo de Debord, provando com exemplos a manifestação social desta sociedade espetacular. Exemplos que ele mesmo afirmou existirem e que, com o passar dos anos, seriam reconhecidos. De outro, a forte força da comunicação como laço social e formação do imaginário. Constata-se a falsificação cada vez mais densa e presente, e a fabricação de coisas banais, sem sentido algum. A ilusão criada pelas imagens das chamadas, anunciando uma nova produção teledramatúrgica, provoca reflexões sobre o que Debord (1997, p. 207) aponta
12 em relação à falsificação e à fabricação: certamente as pessoas preferem a ilusão à realidade, a cópia ao original, a representação à realidade. Tudo substitui o verdadeiro, o real. De certa forma, no espetáculo as pessoas precisam desta não-veracidade para comprovar que existem. Elas buscam este tipo de consciência. Debord (1997, p. 214) complementa que no espetáculo, a imbecilidade acha que tudo está claro quando a televisão mostra uma imagem bonita. Maffesoli (2004) ainda acrescenta que a diversão é um mecanismo de imbecilizar as pessoas para dominá-las. E mais: que todo esse jogo de imagens também é considerado uma diversão. Entender a sociedade no âmbito da comunicação é essencial. Somos um laboratório de experimentações, onde estamos sujeitos a tudo. Se informar é dar forma formante e a sociedade é mediada por imagens, por que não abordar através de análises pontos de vista diferentes? Somos, sim, imbecializados pela diversão, mas somos também cola do mundo pós-moderno, buscando em antigos sentimentos, representações para uma vida nova. O espetáculo continua. E o laço social está cada vez mais amarrado.
13 REFERÊNCIAS ANDRADE, Roberta Manuela Barros. O fim do mundo: imaginário e teledramaturgia. São Paulo: Annablume, DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, DURAND, Gilbert. O imaginário, 2 ed. Rio de Janeiro: Diefel, Estruturas antropológicas do imaginário, 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, FELINTO, Erick. A religião das máquinas: ensaios sobre o imaginário da cibercultura. Porto Alegre: Sulina, FERNANDES, Ismael. Memória da telenovela brasileira. São Paulo: Brasiliense, MACHADO DA SILVA, Juremir. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações: cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, MAFFESOLI, Michel. A comunicação sem fim (teoria pós-moderna da comunicação). In: MARTINS, Francisco Menezes. SILVA, Juremir Machado da. A Genealogia do Virtual: comunicação, cultura e tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, O imaginário é uma realidade. Porto Alegre: Famecos, Ago O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação, corpo e socialidade. Porto Alegre: Sulina, MELO, José Marques. As telenovelas da Globo: Produção e exportação. São Paulo: Summus, PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia de televisão. São Paulo: Moderna, 1998.
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