(querela nullitatis) Ação de nulidade da sentença. Capítulo X
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- Benedita de Almada Esteves
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1 Capítulo X Ação de nulidade da sentença (querela nullitatis) A decisão judicial existente pode ser impugnada, basicamente, por dois meios de impugnação: o recurso e a ação rescisória. Esses meios servem para impugnar tanto errores in procedendo quanto errores in iudicando. É possível, pois, por esses meios, discutir a validade e a justiça da sentença. Ou seja, o recurso é o meio de impugnação da decisão judicial dentro do processo em que a decisão foi proferida (até o trânsito em julgado); a ação rescisória é o meio de desconstituição da coisa julgada material, que pode ser manejada, conforme já visto, dentro do prazo de dois anos após o trânsito em julgado. No direito processual civil brasileiro, há, porém, duas hipóteses em que uma decisão judicial existente pode ser invalidada após o prazo da ação rescisória. É o caso da decisão proferida em desfavor 1 do réu, em processo que correu à sua revelia 2, quer porque não fora citado, quer porque o fora de maneira defeituosa (art. 475-L, I, e art. 741, I, CPC). Nesses casos, a decisão judicial está contaminada por vícios transrescisórios 3. No primeiro volume deste curso, restou demonstrado que a citação não é pressuposto de existência do processo, embora muitos doutrinadores pensem em sentido contrário 4. Acolhe-se o entendimento de Cândido Dinamarco, Pontes de Miranda, 1. Se a sentença é favorável ao réu não-citado, não é possível a sua invalidação, pois não há nulidade sem prejuízo. Além disso, faltaria ao réu não-citado interesse de agir na propositura da querela nullitatis. Em sentido contrário, Pontes de Miranda, a sentença, ainda favorável, não cobre o vício da citação nula do revel. (Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, t. 11, p. 82). 2. Perceba que se o réu não foi citado ou foi citado irregularmente, mas não houve revelia, pois ele compareceu espontaneamente (art. 214 do CPC), não cabe mais a querela nullitatis. O réu-revel, por exemplo, pode utilizar-se da apelação contra a sentença proferida em processo em que não foi citado. Ao fazer isso, ingressa na relação jurídica processual, não podendo, posteriormente, após o trânsito em julgado da decisão, utilizar-se da querela nullitatis. 3. TESHEINER, José Maria. Pressupostos processuais e nulidades no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p Entendem que a citação é pressuposto de existência do processo, apenas para exemplificar: ARRUDA ALVIM, José Manoel. Manual de Direito Processual Civil. 8 ed. São Paulo: RT, 2003, v. 1, p ; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4 ed. São Paulo: RT, 1998, p. 39; TALAMINI, Eduardo. A coisa julgada e a sua revisão. São Paulo: RT, 2005, p ; KO- MATSU, Roque. Da invalidade no processo civil, cit., p ; SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Teoria da inexistência no direito processual civil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 55; CORREIA, André de Luizi. A citação no direito processual civil brasileiro. São Paulo: RT, 2001, p ; PIZZOL, Patrícia Miranda. A competência no processo civil. São Paulo: RT, 2004, p. 125; CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. 477
2 Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha Barbosa Moreira, Adroaldo Furtado Fabrício, José Maria Tesheiner entre outros citados ao longo deste capítulo. Essa lembrança é importante, pois, para esses autores, a querela nullitatis equipara-se a uma ação declaratória de inexistência 5, e não a uma ação de invalidade. Se já há processo antes da citação, que, a propósito, ocorre em seu bojo, não se pode considerar como pressuposto de existência fato que está, na linha do tempo, em momento posterior à ocorrência daquilo cuja existência se pretende condicionar. A citação não é pressuposto processual, porque o momento em que deve ser realizada é posterior à formação deste. 6 A citação é condição de eficácia do processo em relação ao réu (art. 219 e 263 do CPC) e, além disso, requisito de validade dos atos processuais que lhe seguirem. Ademais, sentença proferida sem a citação do réu, mas a favor dele, não é inválida nem ineficaz, tendo em vista a total ausência de prejuízo (art. 249, 1º e 2º, CPC). O indeferimento da petição inicial, por exemplo, é uma sentença liminar, com (prescrição e decadência) ou sem julgamento do mérito, favorável ao réu e expressamente prevista no direito processual brasileiro. O meio de impugnação previsto para tais decisões é a ação de nulidade denominada querela nullitatis 7, que se distingue da ação rescisória não só pela hipótese de cabimento, mais restrita, como também por ser imprescritível e dever Ação rescisória contra decisão proferida em processo no qual inocorreu citação ou a citação foi nula discussão sobre o seu cabimento. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (coordenadores). São Paulo: RT, 2003, p Liebman, em conhecido estudo, contradiz-se: o título do trabalho é nulidade da sentença proferida sem citação do réu e no primeiro parágrafo o autor afirma que o primeiro e fundamental requisito para a existência de um processo sempre foi, é, e sempre será, a citação do réu. (Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976, p. 179). 5. Por exemplo, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 507 e segs.; TALAMINI, Eduardo. A coisa julgada e a sua revisão, cit., p DINAMARCO, Cândido. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Ed., 2001, v. 2, p Piero Calamandrei, em estudo monumental, demonstrou que o surgimento da querela nullitatis deu-se no direito intermédio, sendo instituto desconhecido do direito romano (p. 164). A querela nullitatis, lembra o autor, relacionava-se basicamente aos errores in procedendo, que, no direito romano, implicavam inexistência jurídica da decisão sentença nula era sinônimo de sentença inexistente (p. 168). Sucede que no direito intermédio, que se caracterizava pela mistura das características do direito romano e do direito germânico, esses errores in procedendo passaram a ser defeitos de uma sentença existente, mas nula, impugnável pela querela nullitatis. No direito intermédio, a expressão sentença nula indicava sentença existente. Defeitos que antes implicavam inexistência (direito romano) passaram a implicar nulidade (p. 168). Posteriormente, a querella nullitatis passou a ser admitida, também, para impugnar sentenças injustas, em situações de extrema gravidade e evidência (p. 195). No direito brasileiro, a querela nullitatis não serve para impugnar sentença injusta. Talvez essa rápida síntese histórica auxilie a compreensão dos motivos que levam a doutrina a, até hoje, misturar as noções de sentença inexistente e de sentença nula. (CALAMANDREI, Piero. La casacion civil. Santiago Sentis Melendo (trad.). Buenos Aires: Editorial Bibliografía Argentina, 1961, v. 1, t. 1, p ). Também entendendo que se trata de alegação de invalidade da sentença, LUCON, Paulo. Nova execução de títulos judiciais e a sua impugnação. Aspectos polêmicos da nova execução. Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2006, p
3 Ação de nulidade da sentença (querela nullitatis) ser proposta perante o juízo que proferiu a decisão (e não necessariamente em tribunal, como é caso da ação rescisória). Ambas, porém, são ações constitutivas 8. Convém anotar o seguinte: a ação rescisória, no direito brasileiro, permite a rescisão da sentença por motivos relacionados à sua validade (arts. 485, II e IV, p. ex.) e à sua justiça (art. 485, VI e VII, p. ex.). Não é correto, assim, estabelecer uma relação fidelidade entre a ação rescisória e a invalidade da decisão judicial 9. A querela nullitatis serve, porém, exclusivamente, à invalidação da sentença 10, nesses casos previstos; a sua sobrevivência, no direito brasileiro, restringe-se a tais casos. A ação rescisória absorveu as outras hipóteses da antiga querela nullitatis. Pontes de Miranda já advertia sobre a necessidade de se distinguirem as decisões inexistentes, rescindíveis (válidas, mas atacáveis por ação rescisória, a despeito da coisa julgada) e nulas, que, embora existentes, não valem e podem ser desconstituídas a qualquer tempo 11. A querela nullitatis, no direito brasileiro, está prevista como hipótese de cabimento de impugnação à execução de sentença (art. 475-L, I, CPC; nesse caso, a alegação de nulidade da sentença será causa de defesa e não causa de pedir de uma ação) ou como hipótese de cabimento dos embargos à execução contra a Fazenda Pública (art. 741, I, CPC) 12. Sucede que o direito potestativo de invalidar a decisão judicial, em tais casos, pode ser exercido por outros meios, bem como a querela nullitatis pode assumir a feição de outro procedimento, distinto dos embargos à execução. 8. Assim, por exemplo, CALAMANDREI, Piero. La casacion civil, cit., p. 169; MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 11, cit., p. 86; LUCON, Paulo. Nova execução de títulos judiciais e a sua impugnação. Aspectos polêmicos da nova execução. Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2006, p MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 5, p É importante estabelecer a relação entre querela nullitatis e o error in procedendo. Adroaldo Furtado Fabrício explica, sucintamente, a evolução histórica do instituto: O direito intermédio produziu um remédio específico para a impugnação dos erros de procedimento, já que a apelação se havia firmado a partir do período da cognitio extra ordinem como via de ataque principalmente (se bem que não exclusivamente) ao julgamento de mérito. Surgiu, assim, a querela nullitatis Objetivava a correção do error in procedendo. Naturalmente, seu aparecimento correspondeu a uma idéia mais expandida de preclusibilidade, alargada a decisões cujo vício até então se havia considerado como oponível a todo tempo, independentemente de prazo e de forma. ( ) À injustiça substancial da sentença corresponderia a appellatio; ao vício formal a querela nullitatis e à iniquidade a restitutio. ( Réu revel não citado, querela nullitatis e ação rescisória. Ensaios de direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p ). Assim, também, MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 5, p. 101; LIEBMAN, Enrico Tullio. Notas às Instituições de Direito Processual Civil de Giuseppe Chiovenda. Campinas: Bookseller, 1998, v. 3, p. 233, nota MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, t. 6, p Reconhecendo a sobrevivência da querela nullitatis no direito brasileiro, ainda, STF, Pleno, RE / SC, rel. Min. Moreira Alves, j
4 Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha É possível pensar, por exemplo, em ação autônoma de invalidação da decisão judicial, em espécie atípica de defesa do executado. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, já admitiu a querela nullitatis deduzida em uma ação civil pública, proposta pelo Ministério Público para invalidar decisão judicial proferida sem a citação de um Estado-membro, no caso litisconsorte necessário-unitário 13. É importante a ressalva, pois a hipótese do art. 475-L, I, CPC, refere-se apenas à sentença que reconhece a existência de obrigação, e, portanto, é título executivo, pois somente essa dá ensejo à atividade executiva. Sentenças que não tenham eficácia executiva, e que padecessem de tal vício, não poderiam ser invalidadas pela impugnação (art. 475-L, I) nem pelos embargos à execução (art. 741, I), porque execução não haveria 14. Nada impede, ainda, que se deduza a pretensão de desconstituição da sentença em exceção de não-executividade, defesa do executado sem a necessidade de garantia do juízo, por simples petição nos autos (muito semelhante à atual impugnação à execução da sentença e, por isso, atualmente sem muita importância) 15. Discute-se muito se é possível o ajuizamento de ação rescisória contra sentença nula, ou se ela somente cabe nos casos de sentença rescindível. Cumpre admitir essa fungibilidade: decisão judicial com defeito transrescisório pode ser impugnada por ação rescisória, embora a recíproca não seja verdadeira decisão judicial com vício rescisório só por ação rescisória pode ser impugnada 16. No entanto, o STJ não tem admitido a utilização de ação rescisória para desconstituir decisão proferida em processo em que nao houve citação, sob o fundamento que a rescisória tem cabimento específico, não comportando alargamentos (STJ, 2ª S., AR n. 771-PA, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j , publicado no Informativo n. 308). Em boa hora, porém, o STJ, aplicando os princípios da cooperação, instrumentalidade das formas e da duração razoável do processo, aproveitou os 13. STJ, 2 a T., REsp AC, rel. originário Min. Peçanha Martins, rel. para acórdão Min. Eliana Calmon, j. em , publicado no DJ de Mais uma vez, MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, t. 11, p Pontes de Miranda fala de exceptio nullitatis (Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, t. 11, p. 83). 16. Corretamente, Adroaldo Furtado Fabrício, para quem não se pode deixar de pensar em outras vias de dedução da pretensão a que se ligam os embargos do art. 741, I, fora desses embargos, inclusive a ação rescisória (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Réu revel não citado, querela nullitatis e ação rescisória. Ensaios de direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 251). É importante frisar que, tendo em vista a reforma do CPC de 2005, não há mais embargos à execução de sentença, ressalvada a hipótese de execução contra a Fazenda Pública (art. 741, I, CPC, que agora somente diz respeito a essa espécie de execução); a defesa típica do executado far-se-á por impugnação, que não tem natureza de ação, mas de mero incidente da fase executiva. Também admitindo várias formas de impugnação, TESHEINER, José Maria. Pressupostos processuais e nulidades no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p
5 Ação de nulidade da sentença (querela nullitatis) atos processuais já praticados no processo da ação rescisória inadequadamente proposta, converteu o procedimento em querela nullitatis e remeteu os autos ao juízo competente, em vez de determinar a extinção do processo sem exame do mérito (STJ, 1ª. S., EDcl nos EDcl na AR n. 569-PE, rel. Mina Campbell Marques, j. em ). À objeção segundo a qual não se pode rescindir, desconstituir, desfazer o que não existe, facilmente se responde que o caso é de sentença existente, embora nula. E à de ser igualmente impassível de rescisão o ato nulo de pleno direito, porque desnecessária, igualmente se pode contrapor que a distinção entre nulo e anulável, ou entre nulidade absoluta e relativa, não tem a importância que lhe atribui a doutrina presa aos critérios discretivos acadêmicos: os vícios da sentença, mesmo os de nulidade dita pleno iure, são primeiro alegáveis mediante recurso, mas o superveniente trânsito em julgado em regra os transmuda em simples rescindibilidade, se é que não os apaga de todo. 17 Não é possível, entretanto, a utilização da ação anulatória prevista no art. 486 do CPC, que, como visto, visa atingir o ato processual da parte. Não se trata de meio de impugnação de decisão judicial 18. A competência para a querela nullitatis é do juízo que proferiu a decisão nula, seja o juízo monocrático, seja o tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua competência originária. É possível imaginar, porém, situação que a competência para a querela seja do tribunal, mesmo tendo ele atuado com competência derivada. Imagine a hipótese de uma apelação contra sentença que indefere a petição inicial. O tribunal, ao julgá-la, dá-lhe provimento, reformando a sentença e, não obstante a não-citação do réu, julga procedente o pedido do autor. Cogite, ainda, de acórdão que julgou recurso interposto contra sentença proferida em processo em que não foi citado litisconsorte necessário unitário. Parece que a competência para futura querela nullitatis, em ambos os casos, é do tribunal que proferiu a decisão que se pretende desconstituir, por uma questão de respeito à organização hierarquizada da função jurisdicional. Poderia objetar-se essa conclusão com a regra do arts L, I, e 741, I, do CPC, que prevê a competência da querela nullitatis para o juízo da sentença. Essa regra, porém, somente cuida dos casos em que houve sentença de procedência contra réu não-citado e, portanto, também não houve apelação. A 17. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Réu revel não citado, querela nullitatis e ação rescisória. Ensaios de direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p Nesse mesmo sentido é a opinião de MACEDO, Alexander dos Santos. Da querela nullitatis sua subsistência no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2000, p ; KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo: RT, 1991, p No STJ, acolhendo essa fungibilidade, para exemplificar: 4 a T., REsp n /SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, publicado no DJ de , p. 295; 2 a T., REsp n /PE, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, publicado no DJ de , p Contra, ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 319; STJ, 3ª T., REsp n /SP, rel. Min. Castro Filho, j. em , publicado no DJ de
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