BIODIGESTOR PARA VALIDAÇÃO DE SISTEMA PRODUTIVO AUTO-SUSTENTÁVEL NO SEMI-ÁRIDO
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1 BIODIGESTOR PARA VALIDAÇÃO DE SISTEMA PRODUTIVO AUTO-SUSTENTÁVEL NO SEMI-ÁRIDO Resumo CARVALHO, PAULO C.M.* SILVEIRA NETO, JOSÉ W.** CANAFÍSTULA, FRANCISCO J.F.*** DINIZ, MAGILCE M.N.** *Professor do Dept. Eng. Elétrica Universidade Federal do Ceará **Instituto Joazeiro de Desenvolvimento Sustentável ***Dept. Eng. Agrícola - Universidade Federal do Ceará O presente artigo apresenta a etapa inicial de projeto sobre uso de biodigestor adaptado às condições das áreas semi-áridas da região Nordeste do Brasil. O projeto pretende analisar a viabilidade técnica, econômica, financeira e ambiental de um sistema produtivo baseado no uso de biodigestores. Abstract The present paper shows the first phase of a project about the use of digester adapted to the conditions of the semi-arid areas of the Brazilian Northeast region. The project aims to analyze the technical, economical, financial and environmental viability of a production system based on the use of digesters. Introdução A criação de animais na região semi-árida nordestina remonta do período colonial e decorreu em sua fase inicial da necessidade de suprir as necessidades de alimentos das populações litorâneas. No século XVIII, a pecuária atingiu seu período áureo, atribuindo-se o sucesso do modelo, em grande parte, à fertilidade natural dos solos, à lotação animal adequada e à rotação de pastagens. O sistema mantinha em equilíbrio a exploração econômica com o meio ambiente. Com o crescimento da demanda de alimentos e matérias-primas, a agricultura invadiu os campos e destruiu as matas secas, antes somente ocupadas pela pecuária. A partir do século XVIII, a região cogitou do algodão como elemento comerciável, ocupando esta cultura, em poucos anos, todo o sertão. Iniciou-se o ciclo agropecuário, vivendo-se de algodão e gado. A expansão algodoeira arrastou como subsidiária a lavoura de subsistência para as zonas mais secas dos sertões. Desenvolveu-se, rapidamente, uma policultura itinerante e extrativa, caracterizada pela baixa produtividade, alta dependência climática e depredadora do meio ambiente. A pecuária foi gradativamente sendo confinada em áreas marginais. Praticava-se o superpastejo e depredava-se o ecossistema. As pastagens, antes exuberantes, foram gradativamente ocupadas por plantas invasoras sem nenhum valor forrageiro. Com o tempo, a pecuária também tornou-se instável e a produtividade caiu, por conta do desconhecimento da fragilidade do ecossistema do semi-árido, de cujo meio ambiente se passou a exigir mais do que o ecossistema poderia dar. Assim, a aceleração do ciclo da agricultura itinerante e extrativa, consubstanciada nas brocas freqüentes da vegetação, queimadas e plantios, seguidas de curtos pousios, bem como o superpastejo, provocaram nas áreas já sujeitas às secas periódicas, erosões, adensamentos de solo e perdas acentuadas de fertilidade, gerando, em decorrência, um processo de empobrecimento crescente. Essa conjuntura, associada à queda do preço do algodão, à elevação do valor dos insumos necessários à produção, ao alto custo da energia elétrica necessária à irrigação, fundamental para a produção estável de alimentos e matérias-primas, à concorrência do gado de corte da região Centro-Oeste, às pragas exóticas, às perdas de solo agrícola, dentre outras razões,
2 transformaram o sertão, que perdeu a personalidade econômica. Como conseqüência dessa depressão econômica, o homem do campo vive miseravelmente, tendo sido forçado a migrar para as grandes cidades, em busca de trabalho e de melhores condições de vida para si e sua família. Assim, é fundamental pensar-se em sistemas produtivos para o semi-árido que combinem a preservação do ecossistema, níveis adequados de produtividade, diminuição do risco ante à instabilidade do clima, de forma que possibilitem ao produtor rural ser competitivo no atual contexto econômico. Biodigestores no semi-árido nordestino Um biodigestor pode ser definido como câmara onde se processa a biodigestão anaeróbica (PRAKASAN, 1987). De acordo com o sistema de abastecimento da matéria prima, os biodigestores podem ser classificados como: De batelada: a matéria prima é colocada e uma vez cessada a produção de biogás, o digestor é aberto, os resíduos são retirados e é colocada nova quantidade de matéria prima; Contínuo: a matéria prima é colocada diariamente; possuem várias configurações, dentre as quais se destacam o do tipo chinês e o indiano. Entre outras características, se diferenciam pelo fato do chinês não possuir gasômetro para o armazenamento do biogás, enquanto o indiano possui gasômetro flutuante que pode ser feito de diversos materiais (ANDRADE, 1994). Visando analisar a contribuição de biodigestores para o desenvolvimento sustentável do semiárido nordestino, projeto de pesquisa foi elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), com apoio financeiro do Banco do Nordeste. O projeto tem como objetivo geral analisar a viabilidade técnica, econômica, financeira e ambiental de um sistema produtivo semiintensivo de caprinos, localizado na região semi-árida nordestina, fazendo uso de fontes hídricas disponíveis para suprimento animal e irrigação de pastagens, e utilizando biodigestores para produção de biofertilizante e biogás, a serem usados para adubação orgânica e fornecimento de energia para bombeamento d água. O esquema do sistema de produção proposto é apresentado na figura 1. Fig. 1: Sistema de produção proposto para o semi-árido nordestino Os objetivos específicos do projeto são: Desenvolver um sistema de criação semi-intensiva de caprinos, utilizando pastagens irrigadas; Utilizar o esterco produzido pelos animais em um biodigestor para produção de adubo orgânico, que será utilizado nas pastagens, e biogás, que servirá como fonte energética para acionamento de conjunto motor-bomba para irrigação;
3 Avaliar o desempenho produtivo do sistema semi-intensivo proposto com o sistema tradicional de criação extensiva de caprinos, analisando qual o mais adequado do ponto de vista econômicofinanceiro; Avaliar o desempenho da variável ambiental, entendida como a preservação/recuperação da fertilidade do solo, em virtude da aplicação contínua de biofertilizante; Buscar formas de eliminação/diminuição de gases indesejáveis (H 2 S e CO 2 ) existentes no biogás. O H 2 S é corrosivo e o CO 2 diminui o poder calorífico do biogás. Conclui-se pelo exposto acima, que o projeto propõe um modelo de desenvolvimento sustentável, o qual é caracterizado pelo tripé de viabilidade econômica, equidade social e preservação ecológica. Implantação do biodigestor O biodigestor foi construído na chamada Fazendinha, área situada na Fazenda Experimental do Vale do Curu (FEVC), pertencente à UFC. A fazenda está situada a 10 km da sede do município de Pentecoste e a 120 km de Fortaleza. A razão da escolha se deve ao fato da área reproduzir as condições que um pequeno proprietário rural do semi-árido nordestino possui. O solo da área de 1,6 hectares a ser usada para plantio é da textura do tipo franco arenoso com algumas partes franco argiloso. Apresenta como vantagem uma elevada fertilidade e a limitação física de ser raso. Os caprinos a serem criados são da raça anglo nubiana, a qual é uma raça comum na região; os animais são rústicos, apresentam aptidão mista (produção de carne e leite) e tamanho maior que os sem raça definida (SRD), razões pelas quais espera-se obter uma maior quantidade de esterco. Os animais serão criados em sistema semi-intensivo, confinados em oito piquetes cercados com cerca elétrica, sistema conhecido como pastejo rotacionado. A gramínea utilizada neste sistema é o capim gramão (Cynodon dactylon), em consórcio com a leguminosa cunhã (Clitorea ternacea), plantada no espaçamento de 0,40 x 0,40 cm. Adicionalmente, será fornecida no cocho a leguminosa leucena (Leucena leucocephala), a qual será plantada também ao redor da área cercada. A capacidade suporte deste sistema pode chegar a 60 animais por hectare. Devido à necessidade do fornecimento do biogás com pressão constante para o conjunto motorbomba, foi decidida a construção de um biodigestor do tipo indiano. As principais características do biodigestor indiano construído estão resumidas na tabela 1. Tabela 1: Características do biodigestor construído na FEVC / UFC Característica Valor 1) Biodigestor Volume 11,3 m 3 Diâmetro 2,55 m Altura útil 2,21 m Altura real 2,46 m Diâmetro / Altura útil 1,15 2) Gasômetro Volume 5 m 3 Diâmetro 2,40 m Altura útil 1,11 m Altura real 1,36 m Para a construção do tanque do biodigestor houve o envolvimento de 02 trabalhadores durante o período de 27 dias. Para o gasômetro foi utilizado uma caixa de água de fibra de vidro, devido à facilidade de obtenção de tais reservatórios no mercado de Fortaleza, disponíveis nos volumes de a litros.
4 Figura 2 mostra a etapa de abertura do poço do biodigestor. A abertura do poço foi dificultada devido ao tipo de solo encontrado, caracterizado por um grande número de pedras. Vale salientar, que esta característica é encontrada com freqüência no subsolo do semi-árido nordestino. Fig.2: Abertura do poço do biodigestor Figura 3 mostra a fase final de construção do tanque do biodigestor, onde se destaca em detalhe a amarração da parede divisória através de viga. Fig. 3: Fase final de construção do tanque do biodigestor Figura 4 apresenta uma visão geral da planta, onde se destacam o tanque do biodigestor, o tanque de carga e a caixa de descarga.
5 Fig. 4: Visão geral da planta Vale também salientar a importância do biodigestor como unidade de saneamento. No caso específico da FEVC, o biodigestor utilizará esterco animal produzido na fazenda, que até o presente momento é acumulado sobre o solo. Esta realidade traz prejuízos ambientais, entre os quais pode ser citado a contaminação do lençol freático da área. Para comprovar este fato, análise físico-química da água do poço evidenciou uma elevada quantidade de nitratos, fato que segundo (VON SPERLING, 1996) indica poluição antiga. A poluição do poço pode estar relacionada a um aprisco existente, do qual o esterco dos animais é retirado e acumulado sobre o solo nas proximidades do poço. Espera-se que a construção do biodigestor, ao receber o esterco dos animais, reduza a poluição desta fonte d'água. Palavras-chave Biodigestor, biomassa, desenvolvimento sustentável Agradecimentos Os autores agradecem o Banco do Nordeste pelo financiamento do projeto e a Diretoria do Centro de Ciências Agrárias da UFC pelo apoio na Fazenda Experimental do Vale do Curu. Referências [1] PRAKASAN, K.; FILHO, JOSÉ VITALINO C. R.; PERAZZO NETO, AMÉRICO: Tecnologia do Biogás; Laboratório de Energia Biomassa; CCA UFPB; Areia; [2] ANDRADE, M. A. N.; BEZERRA, F. D.; CARVALHO, P. C. M.; OLIVEIRA, C. R.; Cartilha do Biodigestor Rural em Ferrocimento Artesanal; CT UFC; Fortaleza; [3] VON SPERLING, M; Princípios do tratamento de águas residuárias; Volume 1; 2 edição; Belo Horizonte; Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental; Universidade Federal de Minas Gerais; 1996.
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