Catarse: júri simulado como procedimento de avaliação do conhecimento obtido
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1 175 Catarse: júri simulado como procedimento de avaliação do conhecimento obtido INTRODUÇÃO Wellem Ribeiro da Silva 1 Débora Thais Ribeiro Santos 2 José Américo C. Júnior 3 Gleyson Nogueira Batista 4 Marco Túllio Brazão Silva 5 A formação de docentes requer o estudo e aprendizado do processo do conhecimento. Entretanto, conhecer apenas não é suficiente. A vivência prática do conhecimento adquirido confere ao docente experiências que o tornam apto a lidar com situações as quais não são contempladas apenas pela teoria. A sociedade é complexa e o processo de ensino-aprendizagem exige levar em consideração a prática social tanto do educando quanto do docente (SAVIANI, 1999).A Unimontes oferta pós-graduação em Didática e Metodologia do Ensino Superior. Nesse curso os alunos egressos têm contato com uma rica teoria sobre o ensino e seus métodos. Em um curso que leva em seu nome Didática e Metodologia é coerente que seja oferecido aos acadêmicos a experiência prática para que eles possam aplicar todo o conhecimento adquirido nas aulas. Dentre as diversas atividades, uma experiência especial foi vivenciada pelos estudantes da turma 14 dessa pós-graduação, a qual será apresentada neste texto. Ao se debruçarem sobre os cinco passos apresentados pelo Dr. João Luiz Gasparin (2007) no livro Uma Didática para a Pedagogia Histórico- Crítica, os estudantes e autores deste trabalho colocaram em prática o quarto passo, a catarse.nesse livro Gasparin apresenta, pormenorizadamente, os cinco passos, que, segundo as propostas de Saviani, consistem no uso do 1 Graduada em Direito, Especialista em Direito e Processo do trabalho, Especialista em Didática do Ensino Superior, Docente do Departamento de Direito, Faculdade Verde Norte, Minas Gerais, Brasil. wellemribeiro@yahoo.com.br. 2 Graduada em Biologia, Especialista em Biotecnologia, Especialista em Didática do Ensino Superior, Analista da Polícia Civil, Minas Gerais, Brasil. deborat.ribeiro@hotmail.com 3 Graduado em Direito, Especialista em Didática do Ensino Superior, Analista Criminal da Polícia Civil, Minas Gerais, Brasil. jose.americo89@yahoo.com.br 4 Graduado em Biologia, Especialista em Didática do Ensino Superior, Perito Criminal da Polícia Civil, Minas Gerais, Brasil. gnbbiologia@gmail.com 5 Graduado em Odontologia, Mestre em Patologia Geral e Doutor em Estomatologia e Patologia Básica e Aplicada, Docente do Departamento de Odontologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros.
2 176 método dialético prática-teoria-prática. Cada passo tem como objetivo envolver o educando na aprendizagem significativa dos conteúdos, considerando a sua prática social. O relato apresentado neste trabalho tem como objetivo compartilhar as experiências vivenciadas pelos autores a fim de contribuir para uma reflexão sobre os métodos de avaliação dos educandos, pautados na Pedagogia histórico-crítica. O presente trabalho relata a experiência vivenciada a partir da aplicação do quarto passo da Didática proposta por Gasparin: a Catarse. RELATANDO A EXPERIÊNCIA A pedagogia histórico-crítica prima pela prática, pois considera que a teoria é fundamentada e finalizada na mesma. Posto isso, não se pode limitar a pensar a prática apenas a partir do desenvolvimento da teoria (SAVIANI, 1999). É nessa corrente de pensamento de Saviani que Gasparin desenvolve os cinco passos da didática e cria uma alternativa de ação docente-discente na qual o professor não trabalha pelo aluno, mas com o aluno. A proposta de trabalho pedagógico consiste no uso do método dialética prática-teoria-prática. Gasparin emprestou de Saviani e Wachowicz os conceitos iniciais para desenvolver um roteiro com orientações que tornasse palatável para o educador a tarefa de conduzir o educando a construir o seu conhecimento e manifestá-lo de forma clara (GASPARIN, 2007; WACHOWICZ, 1989; SAVIANI, 2008). Os cinco passos da Didática de Gasparin são: Prática Social Inicial, Problematização, Instrumentalização, Catarse e Prática Social Final. Na disciplina Metodologia do Ensino Superior, trabalhou-se conceitualmente cada um desses passos e foi planejada uma atividade de aplicação de todos os passos com escolares da Escola Estadual Hamilton Lopes, localizada no Município de Montes Claros, região norte de Minas Gerais. Assim, os acadêmicos formaram cinco equipes e cada uma seria responsável pelo desenvolvimento da oficina em que se trabalharia um dos passos. O tema abordado com os escolares foi a Alfabetização Científica. Não é objetivo do presente texto uma explanação sobre cada passo da Didática de Gasparin,
3 177 pois não seria apropriado explicá-los em curtas linhas e fugiria do objetivo proposto. No quarto passo, Catarse, deve-se criar uma forma de percepção de que o novo conteúdo abordado, no caso a Alfabetização Científica, foi apropriado pelo aluno a partir de uma construção social elaborada com base nas necessidades observadas pelos mesmos. Portanto, a aquisição do conhecimento deve confluir com a finalidade explícita de transformação social. Conforme elencado por Gasparin, a fase da Catarse pode ser traduzida em dois momentos. No primeiro momento, informalmente, ocorre a elaboração teórica da nova síntese por meio da qual o educando mostra a si mesmo seu nível de compreensão do tema.já no segundo momento, formalmente, revelase a expressão prática da nova síntese que é a exteriorização, a manifestação pública de sua aprendizagem (GASPARIN, 2007). O primeiro momento é uma auto avaliação, do aluno consigo mesmo, de modo que o mesmo se sinta seguro e perceba que obteve conhecimento e que está apto a manifestar seu nível de aprendizagem. No segundo momento, a avaliação é formal na qual o professor pode propor verificações orais, debates, seminários, resumos; elaborações de textos, redações, confecção de materiais como cartazes, maquetes ou objetos específicos conforme o conteúdo trabalho; dramatizações; provas escritas do tipo dissertativo, objetivo, subjetivo; autoavaliação, realização de experiências e outras formas que expressem o grau de aprendizagem alcançado. No trabalho realizado escolheu-se o júri simulado. Como dito, o tema definido para a realização das oficinas foi a Alfabetização Científica. Foi utilizado como texto base para abordagem do tema nas etapas anteriores à catarse o artigo de Attico Chasot: Alfabetização cientifica: uma possibilidade para a inclusão social. Para Chassot (2003) a alfabetização científica é o conjunto de conhecimentos que facilitariam aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem. Visa desenvolver a criatividade e o pensamento científico do estudante que, orientado por pesquisador experiente, terá oportunidade de aprendizagem de métodos e técnicas científicas para lidar com problemas de pesquisa. Para a Catarse com a turma de escolares, executou-se um Júri simulado para a sistematização manifesta do aluno a respeito do conhecimento adquirido
4 178 durante as aulas e etapas anteriores. Importante notar que a escola pública trabalhada atende, sobretudo, crianças e adolescentes de baixa renda, sendo essa uma oportunidade para a realização de práticas educativas numa direção transformadora das desigualdades sociais, conforme preceitua a pedagogia histórico-crítica de Saviani (SAVIANI, 2008). Foram elencados como objetivos da oficina conhecer o quanto o aluno sintetizou dos conteúdos trabalhados e saber qual sua nova maneira de ver o conteúdo e a prática social; averiguar o quanto o aluno assimilou do conhecimento cotidiano e do científico, do teórico e do prático; buscar compreender qual a nova posição do aluno frente ao conhecimento adquirido e sua realidade social. Iniciou-se com a apresentação da equipe, bem como dos objetivos pretendidos pela oficina aos educandos. A sala continha 37 alunos e foi dividida em três equipes, sendo uma responsável pela defesa (15 alunos), outra pela acusação (15 alunos) e a última, pelo veredicto (7 alunos), ou seja, o corpo de jurados que iria sentenciar o réu, que neste caso era a alfabetização científica, personalizada por um dos autores deste trabalho que tem experiência com iniciação científica no ensino básico (Marco Túllio). Ao fim dos debates, os jurados deveriam emitir conclusões sobre dois requisitos: A iniciação científica é importante na formação do discente? A iniciação científica deve ser introduzida desde o ensino médio? Para a direção dos trabalhos a autora Wellem atuou como juíza mediadora, controlando os momentos de fala de cada estudante e o tempo (Figura). Iniciado o Júri, o réu teve um tempo para discorrer sobre a importância da alfabetização científica, bem como apontou algumas dificuldades enfrentadas na consecução de seus objetivos. Entre os pontos positivos foram elencados que a iniciação científica permite ao aluno ter acesso à ciência, à leitura, à instrumentos de pesquisa (como microscópio, laboratórios), ao aprendizado de métodos para capacitá-los a responder perguntas que até então ninguém pôde responder de maneira científica. Já entre os pontos negativos foram apontados que a iniciação científica ainda é restrita a uma minoria selecionada pelo boletim escolar. Apenas 10% dos participantes dos programas de iniciação científica na Unimontes dispõem de
5 179 bolsa, que varia de R$150,00 (para os alunos de ensino médio) a R$400,00 (para alunos do ensino superior); que demanda disponibilidade de tempo extra sala, inclusive com aulas e atividades nos finais de semana; que necessita desenvolvimento da língua inglesa, bem como de informática e digitação. Para a inquirição do réu, deu-se dez minutos para acusação e o mesmo tempo para defesa formularem, cada uma, cinco perguntas. Neste ponto, ressalta-se a maturidade, o uso na norma culta e o posicionamento político adotado nas argumentações, tanto da acusação quanto da defesa da Alfabetização Científica. Dentre as argumentações, pode-se citar: O fato de existir uma seleção não torna o processo de iniciação científica excludente?, e, Não é porque somos de escola pública que não temos o conhecimento para entrar em um programa desses. Eu queria que você explicasse os benefícios de quem está inserido no projeto de iniciação científica. Observa-se nestas indagações que a proposta da oficina foi atingida, pois se verifica a presença da criticidade, da apropriação do conhecimento ministrado, o questionamento, a reflexão do tema em questão, conforme se depreende do momento catártico segundo Gasparin. Para as considerações finais, tanto da acusação quanto da defesa foram dados mais cinco minutos para cada grupo. As repostas apresentaram os critérios básicos de avaliação, que são: organização e clareza na apresentação dos resultados da aprendizagem, correção, articulação das partes, sequência lógica, rigor na argumentação, criatividade. Observou-se também pouquíssimos erros de português na fala, bem como desenvoltura na oratória. Pode-se extrair esses elementos da seguinte proposição feita pela acusação sobre a iniciação científica: A defesa falou que para a seleção das bolsas são levadas em consideração as melhores notas entre os alunos da rede pública, mas não podemos esquecer que não é uma prova escolar que vai definir o meu conhecimento prévio sobre aquele determinado tema. Todos devem estar inseridos na iniciação científica. Ao final, deu-se cinco minutos para o grupo dos jurados manifestarem seu voto, que foi o seguinte: A iniciação científica deve começar desde o ensino médio, pois segundo Chassot sua presença facilita aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem. Desenvolver a criatividade e
6 180 o pensamento científico do estudante além de facilitar para melhor preparar os alunos para sua vida profissional. De maneira geral, verificou-se que houve a apropriação do conhecimento pelos alunos sobre o tema alfabetização científica. Apesar disso, é importante ressaltar que alguns alunos se mostraram mais participativos do que outros, mesmo sendo as discussões tratadas pelo grupo. Por exemplo, na equipe da acusação apenas três alunos fizeram perguntas ao réu e duas alunas fizeram as considerações finais, sendo que essas duas também foram as que participaram no momento anterior. Já na parte da defesa houve maior participação. Cada pergunta(no total de cinco)foi feita por um aluno distinto. Entre os jurados, apenas um se propôs a fazer a leitura do voto, embora tenha se observado que todos participaram na articulação da resposta. Esse comportamento é natural e mostra que o método não deve ser único, para que diferentes personalidades possam ter oportunidade de manifestação. A figura a seguir mostra parte do cenário onde a atividade foi aplicada (Figura). Figura. Registros do júri simulado. Em A mostra de um lado estudantes da acusação e de outro a defesa. A juíza explicando as regras, e na cadeira do centro sentou-se posteriormente o réu que representou a Alfabetização Científica. Em B um registro final da turma de escolares após a aplicação da Catarse. Fonte: Arquivo dos autores 2018
7 181 Considerações finais Conforme se depreendeu dos estudos de Saviani e Gasparin, no que tange a pedagogia histórico-crítica e o momento da catarse, observou-se que o instrumento utilizado para a avaliação, júri simulado, proporcionou aos alunos exteriorizarem a nova síntese, o novo conteúdo adquirido, de forma clara. A avaliação instigou os alunos a argumentarem criticamente demonstrando criatividade, posse de conceitos, produção de novos conceitos e aplicabilidade desses conhecimentos na realidade social. O júri permitiu avaliar o aluno tanto no que condiz ter ou não sintetizado o conhecimento, como também verificar a construção de novos conceitos, aguçando a criatividade, argumentação e capacidade de aplicação no contexto social de cada um.portanto, o método além de provar que os alunos aprenderam, proporcionou mostrar que puderam aplicar o conhecimento exposto e relacionar-se criticamente entre os mesmos para a formulação de ideias, causando transformação social. REFERÊNCIAS CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Rev. Bras. Educ. [online]. 2003, n.22, pp ISSN Disponível em: Acesso em: 26 nov GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 4. ed. Campinas (SP): Autores Associados, SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 32. ed. Campinas: Autores Associados, Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8. ed. Campinas (SP): Autores Associados, WACHOWICZ, L. A. O método dialético na didática. Campinas (SP): Papirus, 1989.
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