UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS FEITOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EJA. Renata de Oliveira Klipel
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- Mauro Palha
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1 UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS FEITOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EJA Renata de Oliveira Klipel PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas da Educação de Jovens e Adultos. Leis e Pareceres Nacionais de Educação. Do Direito à Escolarização. Revista Escritos e Escritas na EJA nº
2 INTRODUÇÃO A partir do processo de democratização, que envolveu o surgimento da Constituição de 1988, inicia-se o longo processo de reconhecimento do direito de jovens e adultos à escolarização: é declarado como direito público subjetivo o acesso ao ensino fundamental. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996, importantíssima para o avanço da Educação de Jovens e Adultos, é implementada. A Educação de Jovens e Adultos é, então, reconhecida como uma modalidade da educação básica com características próprias e organização curricular específica e não uma simples adaptação do ensino infantil. Essas medidas resultam na elevação de escolaridade e na oferta pública de meios de alfabetização e no mantimento da EJA na agenda de políticas educacionais. O parecer CNE/CEB 11/2000, escrito por Jamil Cury, é muito significativo, apesar de ele ainda datar da tradição do antigo ensino supletivo e tomar os parâmetros escolares para as avaliações. Nele, é reiterado o direito à educação para jovens e adultos e são definidas diretrizes curriculares para a EJA, atribuindo a ela três funções: reparadora, cobrindo uma dívida social do Estado com a população; equalizadora, com intuito de propiciar igualdade de oportunidades; e qualificadora, tendo a tarefa de proporcionar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida. Chega-se à conclusão da necessidade de uma formação específica para EJA para poder oferecer um ensino adequado, considerando as especificidades que o público requer. Quanto ao currículo, o parecer aponta para a importância de vê-lo como algo adaptável aos conhecimentos e necessidades dos alunos. Devem-se levar em consideração suas características geracionais, regionais e culturais e pensar em módulos que compreendam, se preciso, aulas presenciais e à distância. Afinal, muitos alunos da EJA vivem do trabalho informal e é essencial considerar essa situação para propor aulas que se encaixem nessa realidade e que proponham reflexões sobre ela. Certamente, não é fácil para o professor conseguir lidar com esta heterogeneidade em sala de aula, - e uma solução para isto é separar as turmas de EJA por identidade de Revista Escritos e Escritas na EJA nº
3 trabalho - mas é por isso que se faz fundamental a formação de professores que estejam atentos a essa diversidade e que saibam como aproveitá-la. Entretanto, como podemos ver nos textos de Maria Machado e de Maria Clara Di Piero juntamente com Sérgio Haddad, que propõem uma análise sobre o desenvolvimento da EJA no início do século XXI, pode-se perceber que a educação não é pensada como um dos direitos humanos. Como coloca Machado, o espaço da escola não é tido como local de produção de conhecimento, de desenvolvimento de uma capacidade reflexiva e crítica. Ao invés de se mostrar como uma oportunidade de transformação intelectual e social, a escola passou a ser um lugar - ainda que incontornável para alguns - de reprodução de conteúdos, através do qual se consegue um diploma que permite fazer um curso superior ou trabalhar em determinados estabelecimentos, visando sair da instabilidade do trabalho informal. Isso faz com que este espaço seja desvalorizado, inviabilizando ainda mais o ingresso de jovens e adultos nele e deixando-os cada vez menos emancipados, por ficarem à margem de diversos direitos, evidenciados por Machado (2016, p.432) no trecho a seguir Cabe ressaltar, todavia, que a EJA não se reduz a escolarização. Sua história, na realidade brasileira, e também na realidade latino-americana, abarca a luta pelo direito de acesso, permanência e conclusão da escolarização com qualidade, em consonância com inúmeras outras lutas: pelos direitos à saúde, ao trabalho, à moradia digna (seja no campo ou nas cidades), à igualdade de gênero, ao respeito às diversidades, dentre tantas outras, que a configuram como educação ao longo de toda a vida e pela construção de uma sociedade que, de fato, seja espaço de vivência e convivência de todas e todos. Nas paradas de ônibus de Porto Alegre, há frequentemente anúncios que divulgam a possibilidade de fazer o ensino médio completo em seis meses. Apesar de isso facilitar a vida de pessoas que precisam desta certificação para arranjar emprego, são instituições como estas que ajudam a manter um sistema de ensino que não toma como prioridade o desenvolvimento pessoal do aluno. Sendo este um exemplo da constatação de Machado sobre a permanência da defesa de um ensino para jovens e adultos, rápido e não qualificado. Esta ideia de que o Ensino para Jovens e Adultos deva ser condensado e aligeirado vem das metodologias do Mobral, nos anos de ditadura, e dos supletivos, criados em Tem em comum serem adaptações padronizadas do currículo escolar Revista Escritos e Escritas na EJA nº
4 regular e funcionam com a ideia de suprir a falta de educação. Corroboram com uma visão preconceituosa do sujeito da EJA, tanto que as palavras mobral e supletivo são utilizadas de forma pejorativa para designar pessoas que não tem conhecimento. Assim como hoje, naquela época a educação era vista, nada mais nada menos, como passaporte para o mercado de trabalho. É triste perceber todo o desenvolvimento pedagógico dos trabalhos Paulo Freire, nos anos 60, visando uma educação emancipatória, estar presente apenas na teoria, atualmente, e ter ficado na prática um ensino que não se faz eficaz nem mesmo para manter os alunos de EJA na escola. Afinal, as pesquisas feitas apontam que desde 1996 havia um crescimento de matrículas na EJA até 2006, constando quedas contínuas até É mais triste ainda que a própria Lei nº 9.394, de 1996 estabelece a permanência dos cursos e exames supletivos, compreendendo a base nacional comum do currículo e limitando ainda mais as possibilidades de um ensino adequado ao público da EJA. Creio que esta é provavelmente o maior empecilho para o professor de EJA: estar atrelado a um currículo que não lhe dá liberdade para desenvolver um aprendizado de qualidade e que seja realmente útil aos seus alunos. No artigo de Di Piero e Haddad, Transformações nas políticas de educação de jovens e adultos no Brasil no início do terceiro milênio: uma análise das agendas nacional e internacional, são apontadas expectativas positivas para a EJA para a virada do milênio, pois foram aprovadas declarações, acordos, leis e documentos sobre o direito humano à educação ao longo da vida que cobraram dos governos políticas para sua efetivação. (p.198). Metas são estabelecidas entre diversos países com prazos para os primeiros anos de É preciso considerar a importância dessa influência internacional e das conferências, como a Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), pela articulação, pela pesquisa de dados e pelas reivindicações que elas possibilitam. Como, por exemplo, a produção da Declaração de Hamburgo e da Agenda para o Futuro, que ocorreu devido à Confintea V, realizada em 1997; sendo estes documentos influentes intelectual e politicamente sobre a EJA. Contudo, essas expectativas não se tornam realidade nem no Brasil, nem no resto do mundo e a Revista Escritos e Escritas na EJA nº
5 redução do número de analfabetos ocorre lentamente, devido à intensificação das desigualdades sociais. Segundo Machado, política pública é a que envolve a participação do povo nas decisões de Estado: Politicus exprime a situação de participação da pessoa que é livre nas decisões sobre os rumos da cidade. A palavra, pública é de origem latina, publica, e significa povo, do povo. Dessa forma, política pública, no sentido etimológico, diz respeito à participação do povo nas escolhas necessárias aos assuntos coletivos da cidade, do território (MACHADO, 2016-p. 441). No Brasil, a participação do povo foi desencadeadora para a conquista de direitos à escolarização de jovens e adultos, sucedendo a aprovação da Lei nº de O fato desta lei não representar as reivindicações para EJA que a sociedade defendia gerou reações profícuas, fazendo a EJA se manter na agenda da política educacional brasileira até a atualidade. A luta permanece fortalecida apesar da lei ainda não representar a EJA que a sociedade civil demanda. Havendo tantos retrocessos, é de se pensar o que teria acontecido com a EJA se não existisse essa mobilização que tanto pressiona o Estado, já que depende financeiramente dele para quase que totalmente. Machado acaba por concluir que Passos foram dados para que a EJA de fato não se encontre, em 2016, como estava em Todavia, não há como negar que seguimos tendo muito a fazer (2016, p. 446). A escola no geral se encontra num momento de crise: não se sabe mais o que fazer da hierarquia professor aluno; ou até se sabe, porém, o que acaba acontecendo é o aluno se aproveitar desta liberdade ofertada pelo professor para ser desrespeitoso com ele ou o professor não conseguir abrir espaço para essa possibilidade de troca. Ou seja, a educação só é valorizada da boca para fora: é feio dizer que estudar é inútil, mas, na situação de aprendizado, a escola é completamente desvalorizada. Isso evidencia que a própria escola está com problemas. Para isso, faz-se imprescindível considerar os interesses, a realidade e vontades dos alunos em qualquer situação de ensino. No entanto, é ainda mais importante conhecer os alunos da EJA, se pensarmos que, muitas vezes, suas aulas são planejadas a partir dos conteúdos curriculares direcionados para estudantes com realidades e conhecimentos muito díspares do público da EJA. Revista Escritos e Escritas na EJA nº
6 O que fica é que devemos sempre pensar nos alunos, porque senão, corre-se o risco de dar aulas monólogos, que não afetam, nem mobilizam o estudante, tendo como utilidade apenas a certificação em um diploma que na verdade não certifica nada. Finalizo com mais uma citação de Machado, que revela uma reflexão sobre o quanto não se pode deixar de tentar conhecer seus alunos, mesmo quando já se acredita conhecê-los até que ponto tudo o que acumulamos de propostas e consensos em relação ao que julgamos ser uma educação de qualidade de fato compartilha com seus sonhos, com sua visão de mundo e, sobretudo, consegue dar conta de um universo tão abrangente de sujeitos, que vão desde os adolescentes de 14 anos mais um dia, matriculados regularmente na EJA; passando pelos jovens das periferias das grandes cidades, muitos deles expulsos das escolas diurnas; pelos adultos e idosos, cada vez um público menor nas classes de EJA (2016, p.446). REFERÊNCIAS CURY, Jamil. PARECER CNE/CEB 11/2000. Disponível em Acessado em DI PIERO, Maria Clara e HADDAD, Sérgio. Transformações nas políticas de educação de jovens e adultos no Brasil no início do terceiro milênio: uma análise das agendas nacional e internacional. Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p , maio-ago., MACHADO, Maria Margarida. A educação de jovens e adultos: após 20 vinte anos da Lei nº 9394, de In. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 10, n. 19, p , jul./dez Revista Escritos e Escritas na EJA nº
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